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sexta-feira, 23 de abril de 2021

O Leclerc na Jordânia

O rei Abdullah II posando com os Leclerc durante o exercício Cidadela de Saladino, 19 de outubro de 2020.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 23 de abril de 2021.

O Reino da Jordânia é o mais novo operador dos carros franceses Leclerc e fez a sua primeira manobra com os novos tanque no exercício Qaleatan Salah al-Diyn (Cidadela de Saladino/Salad al-Din), com a presença de sua majestade real Abdullah II bin Al-Hussein, em 19 de outubro de 2020.

O MBT Leclerc leva o nome do General Philippe Leclerc de Hauteclocque, conquistador do forte de Kufra e libertador de Paris e Estrasburgo na Segunda Guerra Mundial. Seu novo nome no Exército Jordaniano é Zayed.

O rei Abdullah II inspecionando a torre de um Leclerc, 19 de outubro de 2020.

Os carros Leclerc jordanianos durante o exercício, 19 de outubro de 2020.

Conforme noticiado pela primeira vez pelo blog Blablachars em 15 de setembro de 2020, a Jordânia recebeu uma doação de 80 carros de combate principais Leclerc do seu "primo rico", os Emirados Árabes Unidos. Esse número de tanques permitiu ao Reino Haxemita, sediado em Amã, equipar dois dos seus quatro batalhões de tanques no Comando Central do exército jordaniano. Com um efetivo estimado de 13-15 mil homens, o Comando Central Jordaniano é uma grande unidade de armas combinadas contendo duas brigadas blindadas:
  • 40ª Brigada Blindada "Rei Hussein" 
    • 2º Batalhão de Tanques Real
    • 4º Batalhão de Tanques "Príncipe Ali Bin Al Hussein"
  • 60ª Brigada Blindada "Príncipe Hassan"
    • 3º Batalhão de Tanques Real
    • 5º Batalhão de Tanques Real
Essas duas brigadas foram transferidas da antiga 3ª Divisão Blindada "Rei Abdullah II", criada em 1969 e dissolvida na reorganização de 2018. Todas essas unidades estão equipadas com tanques mais antigos, como o Tariq (Centurion), o M60A1, o Al-Khalid (Chieftain) ou o Al-Hussein (Challenger 1).

Insígnia de ombro do Comando Central jordaniano.

Organograma do Comando Central jordaniano.
O Comando Central controla unidades regionais do Mar Morto ao Rio Zarqa ao norte de Salt. O atual chefe do Comando Central é o Brigadeiro-General Adnan Ahmed Al-Raqqad.

Pelo menos quatro tanques Leclerc podem ser vistos em ação no exercício, ao lado de obuseiros M109, tanques M60 Patton, sistemas de artilharia WM-120 MRLS de fabricação chinesa e veículos ZSU-23 -4 Shilka de origem soviética.

Em paz com Israel, porém, a Jordânia continua confrontada com um ambiente instável com a Síria e o Iraque, países com muitos tanques, alguns deles de última geração como o T-90. A abordagem dos Emirados Árabes Unidos certamente favorecida pelas relações entre os líderes dos dois países também se beneficiou da normalização das relações entre Jerusalém e Abu Dhabi, empreendida durante vários meses e materializada pelo recente acordo entre os dois países.

“Pela primeira vez, o tanque Leclerc [Zayed] foi usado no exercício. Entrou em serviço este ano [de 2020], graças às relações fraternas e estratégicas entre a Jordânia e os Emirados Árabes Unidos, como complemento qualitativo das armas e equipamentos usados ​​pelas Forças Armadas”, explicou o Ministério da Defesa da Jordânia, em nota publicada em 19 de outubro por ocasião da chegada do Rei Abdullah II ao campo de manobras.

 Teoricamente, tal transferência, cujos detalhes são desconhecidos, teve que receber o consentimento da França. Isso não deveria ser um problema, dadas as boas relações entre Paris e Amã. O fortalecimento das relações de defesa entre os dois países foi inclusive recentemente mencionado em relatório do Senado, devido ao estabelecimento na Jordânia da base aérea H5, utilizada pela força francesa Chammal para suas operações no Levante contra o Estado Islâmico.

Recorde-se que os Emirados Árabes Unidos foram os únicos clientes de exportação do Leclerc, com uma encomenda de 388 unidades, completadas por 46 tanques de recuperação DNG/DCL, assinada em 1992 pela GIAT Industries (Nexter Systems), sob a égide de Pierre Joxe, então Ministro da Defesa, por uma quantia de 21 bilhões de francos (3 bilhões de euros); tornando-se o maior operador do Leclerc.

As forças terrestres emiráticas receberam seu primeiro Leclerc em uma versão tropicalizada em 1994. Desde então, eles engajaram entre 70 e 80 exemplares no Iêmen, onde causaram uma impressão tão boa que, segundo Stéphane Mayer, CEO da Nexter, algumas autoridades do Oriente Médio expressaram interesse em obtê-lo. E um boato sobre uma possível encomenda saudita - importante - circulava na época (porém, para atender a essa demanda, teria sido necessário relançar as cadeias produtivas).

Bibliografia recomendada:

TANKS:
100 Years of Evolution,
Richard Ogorkiewicz.

Leitura recomendada:

Por que o Leclerc continuará sendo um dos melhores tanques do mundo6 de abril de 2021.

FOTO: Assalto em avião no KASOTC4 de janeiro de 2021.

segunda-feira, 19 de abril de 2021

Grupo russo Kalashnikov assinou acordo para fabricação do fuzil AK-103 na Arábia Saudita


Por Laurent Lagneau, Zone Militaire Opex360, 20 de fevereiro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 19 de abril de 2021.

Ao assinar o Pacto de Quincy em 1945, os Estados Unidos se comprometeram a garantir a proteção da Arábia Saudita em troca de petróleo. No entanto, durante os anos de Obama, às vezes Washington parecia se distanciar desse acordo, adotando uma atitude mais flexível em relação ao Irã, inimigo jurado de Riad. Na época, o objetivo era chegar a um acordo sobre o programa nuclear iraniano.

Ao mesmo tempo, a Arábia Saudita se aproximou da Rússia, notavelmente assinando ordens de equipamento militar, incluindo sistemas de artilharia TOS-1A “Solntsepek”, um lançador de foguetes múltiplo montado em um chassi de tanque T-72 e usando munição termobárica e incendiária.


Em seguida, com a chegada de Donald Trump à Casa Branca, os Estados Unidos voltaram aos fundamentos de sua política externa, com a assinatura de vários contratos importantes de armas, uma linha mais dura em relação ao Irã. E o envio de tropas para solo saudita durante as tensões de 2019.

No entanto, as relações entre Washington e Riad mudarão novamente. Durante a campanha eleitoral, o novo presidente americano, Joe Biden, prometeu fazer da Arábia Saudita um "Estado pária".

Mas desde que entrou na Casa Branca, Biden teve que revisar seu discurso. Agora se fala em "recalibrar" as relações com o reino saudita, que recebeu apoio de Washington depois dos recentes ataques reivindicados pelos rebeldes Houthi (apoiados por Teerã).

Apesar de suas relações com os Estados Unidos serem complicadas, a Arábia Saudita pretende melhorar suas relações com a Rússia, especialmente no campo da indústria de armamentos. E isso se materializará com o estabelecimento de uma fábrica de fuzis de assalto AK-103 pelo grupo Kalashnikov no reino. O anúncio foi confirmado ao jornal Kommersant por Denis Manturov, Ministro da Indústria e Comércio da Rússia.

“Quanto ao contrato para a execução da primeira fase do estabelecimento de uma produção conjunta de fuzis Kalashnikov, foi assinado pelas partes e está sujeito a procedimentos de homologação interestadual, após o que entrará em vigor”, declarou o Ministro russo, às vésperas da abertura da feira de armas IDEX-2021, em Abu Dhabi.

Forças especiais sauditas no Iêmen armadas com fuzis AK-103.

Essa produção na Arábia Saudita de fuzis de assalto AK-103 foi objeto de um memorando de entendimento assinado em 2017. E segundo o diretor-geral da Kalashnokov, Dmitri Tarasov, a negociação poderia ter sido concluída muito antes não fosse a pandemia da Covid-19. E garante que seu grupo está "absolutamente pronto" para trabalhar com os sauditas.

De forma mais ampla, em termos de indústria militar, Riad tem grandes ambições, com um plano de investimentos de mais de US$ 20 bilhões nos próximos dez anos, com o objetivo de poder cobrir 50% das necessidades das forças armadas locais.

"O governo colocou em prática um plano pelo qual investiremos mais de US$ 10 bilhões na indústria militar na Arábia Saudita na próxima década e montantes iguais em pesquisa e desenvolvimento", disse Ahmed bin Abdulaziz Al-Ohali, o governador da Autoridade Geral para Indústrias Militares (GAMI), de acordo com a Reuters.

De calibre 7,62x39mm e com desenho agora antigo, o fuzil AK-103 já está em uso, a priori, pelas forças especiais sauditas.

Bibliografia recomendada:

The AK-47: Kalashnikov-series assault rifles.
Gordon L. Rottman.

Leitura recomendada:



domingo, 18 de abril de 2021

A geopolítica da Guerra Civil Síria

Por Reva Goujon, Stratfor, 4 de agosto de 2015.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 18 de abril de 2021.

Nota do Warfare: Análise do período anterior à intervenção turca. Erdogan venceu a luta de poder mencionada no artigo em 2016, inclusive derrotando uma tentativa de golpe, e concentrou autoridade suficiente para intervir no mundo árabe, invadindo a Síria e o Iraque, e intervindo indiretamente na Líbia. A Turquia também interveio no conflito entre a Armênia (país eslavo) e o Azerbaijão (país muçulmano).

Diplomatas internacionais se reunirão no dia 22 de janeiro na cidade suíça de Montreux para chegar a um acordo destinado a encerrar a guerra civil de três anos na Síria. A conferência, no entanto, estará muito distante da realidade no campo de batalha sírio. Poucos dias antes do início da conferência, uma controvérsia ameaçou engolfar os procedimentos depois que as Nações Unidas convidaram o Irã a participar, e representantes rebeldes sírios pressionaram com sucesso para que a oferta fosse rescindida. A incapacidade de chegar a um acordo até mesmo sobre quem estaria presente nas negociações é um sinal desfavorável para um esforço diplomático que provavelmente nunca seria muito frutífero.

Soldados do Exército Árabe Sírio com a bandeira nacional.

Existem boas razões para um ceticismo profundo. Enquanto as forças do presidente sírio Bashar al-Assad continuam sua luta para recuperar terreno contra as forças rebeldes cada vez mais fratricidas, há pouco incentivo para o regime, fortemente apoiado pelo Irã e pela Rússia, conceder poder a seus rivais sectários a mando de Washington, especialmente quando os Estados Unidos já estão negociando com o Irã. Ali Haidar, um antigo colega de classe de al-Assad da escola de oftalmologia e um membro de longa data da oposição leal da Síria, agora servindo de forma apropriada como Ministro da Reconciliação Nacional da Síria, captou o clima dos dias que antecederam a conferência ao dizer "Não espere nada de Genebra II. Nem Genebra II, nem Genebra III, nem Genebra X resolverão a crise síria. A solução começou e continuará com o triunfo militar do estado”.

O pessimismo generalizado sobre um acordo funcional de divisão de poder para encerrar os combates levou a especulações dramáticas de que a Síria está condenada a se fragmentar em estados sectários ou, como Haidar articulou, a voltar ao status quo, com os alauítas recuperando o controle total e os sunitas forçados de volta à submissão. Ambos os cenários são falhos. Assim como os mediadores internacionais não conseguirão chegar a um acordo de divisão de poder nesta fase da crise, e assim como a minoria alauítas governante da Síria enfrentará extraordinária dificuldade em colar o estado de volta no lugar, também não há maneira fácil de dividir a Síria ao longo de linhas sectárias. Uma inspeção mais detalhada do terreno revela o porquê.

T-54/55 com telêmetro laser usado pelo ISIS é quase atingido por um ATGM na Síria, 2014.

A Geopolítica da Síria

Soldados haxemitas do Exército Xarifiano (Exército Árabe) durante a Revolta Árabe de 1916-1918, carregando a bandeira da revolta, ao norte de Yanbu, Reino de Hejaz.

Antes do acordo Sykes-Picot de 1916 traçar uma estranha variedade de estados-nação no Oriente Médio, o nome Síria era usado por mercadores, políticos e guerreiros para descrever um trecho de terra cercado pelas montanhas Taurus ao norte, o Mediterrâneo a oeste, a Península do Sinai ao sul e o deserto a leste. Se você estivesse sentado na Paris do século XVIII contemplando a abundância de algodão e especiarias do outro lado do Mediterrâneo, você conheceria esta região como o Levante - sua raiz latina "levare" que significa "levantar", de onde o sol iria subir no leste. Se você fosse um comerciante árabe viajando pelas antigas rotas de caravanas no Hejaz, ou na moderna Arábia Saudita, de frente para o nascer do sol a leste, você teria se referido a este território em árabe como Bilad al-Sham, ou a "terra à esquerda" dos locais sagrados do Islã na Península Arábica.

Seja vista do leste ou do oeste, do norte ou do sul, a Síria sempre se encontrará em uma posição infeliz, cercada por potências muito mais fortes. As terras ricas e férteis que abrangem a Ásia Menor e a Europa ao redor do Mar de Mármara ao norte, o Vale do Rio Nilo ao sul e as terras aninhadas entre os rios Tigre e Eufrates a leste dão origem a populações maiores e mais coesas. Quando um poder no controle dessas terras saiu em busca de riquezas mais longe, eles inevitavelmente passaram pela Síria, onde sangue foi derramado, raças foram misturadas, religiões foram negociadas e mercadorias comercializadas em um ritmo frenético e violento.

Densidade populacional no Grande Levantino.

Consequentemente, apenas duas vezes na história pré-moderna da Síria esta região pode reivindicar ser um estado soberano e independente: durante a dinastia Helenística Selêucida, baseada em Antióquia (a cidade de Antakya na atual Turquia) de 301 a 141 aC, e durante o Califado Omíada, baseado em Damasco, de 661 a 749 DC. A Síria era freqüentemente dividida ou agrupada por seus vizinhos, muito fraca, internamente fragmentada e geograficamente vulnerável para se defender. Esse é o destino de uma terra de fronteira.

Ao contrário do Vale do Nilo, a geografia da Síria carece de um elemento de ligação forte e natural para superar suas fissuras internas. Um aspirante a estado sírio não precisa apenas de um litoral para participar do comércio marítimo e se proteger das potências marítimas, mas também de um interior coeso para fornecer alimentos e segurança. A geografia acidentada da Síria e a colcha de retalhos de seitas minoritárias geralmente têm sido um grande obstáculo a esse imperativo.

A longa e extremamente estreita costa da Síria se transforma abruptamente em uma cadeia de montanhas e planaltos. Ao longo deste cinturão ocidental, grupos de minorias, incluindo alauítas, cristãos e drusos, se isolaram, igualmente desconfiados de estranhos do oeste e dos governantes locais do leste, mas prontos para colaborar com quem tiver mais chances de garantir sua sobrevivência . A longa barreira montanhosa então desce em amplas planícies ao longo do vale do rio Orontes e do Vale do Bekaa antes de subir abruptamente mais uma vez ao longo da cordilheira do Anti-Líbano, do planalto de Hawran e das montanhas Jabal al-Druze, proporcionando um terreno mais acidentado para seitas perseguidas se barricarem e armarem-se.

Sistema hidrográfico da Síria.

A oeste das montanhas do Anti-Líbano, o rio Barada corre para o leste, dando origem a um oásis no deserto também conhecido como Damasco. Protegida da costa por duas cadeias de montanhas e longos trechos de deserto a leste, Damasco é essencialmente uma cidade-fortaleza e um lugar lógico para se tornar a capital. Mas para esta fortaleza ser uma capital digna de respeito regional, ela precisa de um corredor que atravesse as montanhas para o oeste até os portos do Mediterrâneo ao longo da antiga costa fenícia (ou libanesa dos dias modernos), bem como uma rota para o norte através das estepes semi-áridas, através de Homs, Hama e Idlib, para Aleppo.

A extensão de terra de Damasco ao norte é um território relativamente fluido, tornando-se um lugar mais fácil para uma população homogênea se aglutinar do que o litoral acidentado e freqüentemente recalcitrante. Aleppo fica ao lado da foz do Crescente Fértil, um corredor comercial natural entre a Anatólia ao norte, o Mediterrâneo (via o Passo de Homs) a oeste e Damasco ao sul. Embora Aleppo tenha sido historicamente vulnerável às potências dominantes da Anatólia e possa usar sua distância relativa para se rebelar contra Damasco de tempos em tempos, continua sendo um centro econômico vital para qualquer potência damascena [leia-se, de Damasco].

A região do Grande Levantino.

Finalmente, projetando-se a leste do núcleo de Damasco, encontram-se vastas extensões de deserto, formando um terreno baldio entre a Síria e a Mesopotâmia. Esta rota escassamente povoada tem sido percorrida por pequenos grupos nômades de homens - de comerciantes de caravanas a tribos beduínas e jihadistas contemporâneos - com poucos apegos e grandes ambições.

Demografia Projetada

A demografia desta terra flutuou muito, dependendo do poder predominante da época. Cristãos, principalmente ortodoxos orientais, formavam a maioria na Síria bizantina. As conquistas muçulmanas que se seguiram levaram a uma mistura mais diversa de seitas religiosas, incluindo uma população xiita substancial. Com o tempo, uma série de dinastias sunitas provenientes da Mesopotâmia, do Vale do Nilo e da Ásia Menor fizeram da Síria a região de maioria sunita que é hoje. Enquanto os sunitas vieram para povoar fortemente o deserto da Arábia e as terras que se estendiam de Damasco a Aleppo, as montanhas costeiras mais protetoras foram salpicadas por um mosaico de minorias. As minorias organizadas em cultos formaram alianças inconstantes e estavam sempre à procura de uma potência marítima mais distante com a qual pudessem se alinhar para se equilibrar contra as forças sunitas dominantes do interior.

Divisões sectárias na Síria e no Líbano.

Os franceses, que tinham os laços coloniais mais fortes com o Levante, eram mestres da estratégia de manipulação das minorias, mas essa abordagem também trouxe consequências graves que perduram até hoje. No Líbano, os franceses favoreciam os cristãos maronitas, que passaram a dominar o comércio no mar Mediterrâneo a partir de movimentadas cidades portuárias como Beirute às custas dos mercadores sunitas damascenos mais pobres. A França também retirou um grupo conhecido como Nusayris que vivia ao longo da costa acidentada da Síria, rebatizou-os como alauítas para dar-lhes credibilidade religiosa e os colocou no exército sírio durante o mandato francês.

Quando o mandato francês terminou em 1943, os ingredientes já estavam prontos para uma grande convulsão demográfica e sectária, culminando no golpe sem sangue de Hafiz al-Assad em 1970, que deu início ao reinado altamente irregular dos alauítas sobre a Síria. Com o equilíbrio sectário agora se inclinando para o Irã e seus aliados sectários, a atual política da França de apoiar os sunitas ao lado da Arábia Saudita contra o regime majoritariamente alauíta que os franceses ajudaram a criar tem um toque de ironia, mas se encaixa em uma mentalidade clássica de equilíbrio-de-potência para a região.

Definindo expectativas realistas

Carro de combate T-72AV do Exército Árabe Sírio sendo explodido por um míssil TOW americano em Darayya, subúrbio de Damasco, pela Brigada dos Mártires do Islã, início de 2016.

Os delegados que discutem a Síria nesta semana na Suíça enfrentam uma série de verdades irreconciliáveis que se originam da geopolítica que governou esta terra desde a antiguidade.

É improvável que a anomalia de uma poderosa minoria alauíta governando a Síria seja revertida tão cedo. As forças alauítas estão mantendo sua posição em Damasco e gradualmente recuperando o território nos subúrbios. O grupo militante libanês Hezbollah está, entretanto, seguindo seu imperativo sectário para garantir que os alauítas mantenham o poder, defendendo a rota tradicional de Damasco através do Vale do Bekaa até a costa libanesa, bem como a rota através do Vale do Rio Orontes até a costa alauíta síria. Enquanto os alauítas puderem manter Damasco, não há chance deles sacrificarem o coração econômico.

Portanto, não é de admirar que as forças sírias leais a al-Assad tenham estado em uma ofensiva para o norte para retomar o controle de Aleppo. Percebendo os limites de sua própria ofensiva militar, o regime manipulará os apelos ocidentais por cessar-fogo localizados, usando uma trégua na luta para conservar seus recursos e tornar a entrega de alimentos a Aleppo dependente da cooperação rebelde com o regime. No extremo norte e no leste, as forças curdas estão, entretanto, ocupadas tentando criar sua própria zona autônoma contra as crescentes restrições, mas o regime alauíta está bastante confortável sabendo que o separatismo curdo é mais uma ameaça para a Turquia do que para Damasco neste momento.

O ditador Bashar al-Assad, o comandante-em-chefe do Estado sírio, encastelado em Damasco.

O destino do Líbano e da Síria permanece profundamente interligado. Em meados do século XIX, uma sangrenta guerra civil entre drusos e maronitas nas densamente povoadas montanhas costeiras se espalhou rapidamente do Monte Líbano a Damasco. Desta vez, a corrente está fluindo ao contrário, com a guerra civil na Síria agora inundando o Líbano. À medida que os alauítas continuam a ganhar terreno na Síria com a ajuda do Irã e do Hezbollah, um amálgama sombrio de jihadistas sunitas apoiados pela Arábia Saudita se tornará mais ativo no Líbano, levando a um fluxo constante de ataques sunitas-xiitas que manterão o Monte Líbano no limite.

É improvável que a anomalia de uma poderosa minoria alauíta governando a Síria seja revertida tão cedo.

Os Estados Unidos podem estar liderando a malfadada conferência de paz para reconstruir a Síria, mas na verdade não têm nenhum interesse forte lá. A própria depravação da guerra civil obriga os Estados Unidos a mostrar que estão fazendo algo construtivo, mas o principal interesse de Washington para a região no momento é preservar e fazer avançar as negociações com o Irã. Essa meta está em desacordo com uma meta declarada publicamente nos EUA de garantir que al-Assad não faça parte de uma transição síria, e este ponto pode muito bem ser uma das muitas peças no acordo em desenvolvimento entre Washington e Teerã. No entanto, al-Assad detém maior influência enquanto seu principal patrono estiver em negociações com os Estados Unidos, a única potência marítima atualmente capaz de projetar força significativa no Mediterrâneo oriental.

Tropas americanas e russas na Síria.

O Egito, a potência do Vale do Nilo ao sul, está totalmente enredado em seus próprios problemas internos. Assim como a Turquia, a principal potência do norte, que agora está dominada por uma luta pública e violenta pelo poder que deixa pouco espaço para o aventureirismo turco no mundo árabe*. Isso deixa a Arábia Saudita e o Irã como as principais potências regionais capazes de manipular diretamente o campo de batalha sectário da Síria. O Irã, junto com a Rússia, que compartilha o interesse em preservar as relações com os alauítas e, portanto, seu acesso ao Mediterrâneo, terá a vantagem neste conflito, mas o deserto que liga a Síria à Mesopotâmia está repleto de bandos de militantes sunitas ansiosos por apoio saudita para amarrar no lugar seus rivais sectários.

*NW: Em 2016, após um golpe militar fracassado, Erdogan conseguiu o controle sobre o exército e, conforme previsto pela analista, interveio na guerra civil principalmente por causa da ameaça do separatismo curdo. O exército turco invadiu e ocupou o norte da Síria desde 2016 na Operação Escudo do Eufrates (Fırat Kalkanı Harekâtı). No ano passo, o ministro das Relações Exteriores da Síria chamou a Turquia de "o maior patrocinador do terrorismo na região".

Soldados turcos assistem a um tanque Leopard 2A4 disparar contra posições duma milícia curda em Ras al-Ain, no norte da Síria, em 28 de outubro de 2019.

E assim a luta continuará. Nenhum lado da divisão sectária é capaz de sobrepujar o outro no campo de batalha e ambos têm apoiadores regionais que irão alimentar a luta. O Irã tentará usar sua vantagem relativa para atrair a realeza saudita para uma negociação, mas uma Arábia Saudita profundamente nervosa continuará a resistir enquanto os rebeldes sunitas ainda tiverem espírito de luta suficiente para continuar. Os combatentes no terreno irão regularmente manipular apelos por cessar-fogo encabeçados por estranhos em grande parte desinteressados, enquanto a guerra se espalha no Líbano. O estado sírio não se fragmentará e se formalizará em estados sectários, nem se reunificará em uma única nação sob um acordo político imposto por uma conferência em Genebra. Um mosaico de lealdades de clã e o imperativo de manter Damasco ligada ao seu litoral e centro econômico - não importa que tipo de regime esteja no poder na Síria - manterá essa fronteira fervilhante unida, embora tenuemente.

Reva Goujon é Vice-Presidente de Análise Global da Stratfor.

Vídeo recomendado: O Acordo Sykes-Picot


Bibliografia recomendada:

Arabs at War:
Military Effectiveness, 1948-1991.
Kenneth M. Pollack.

O Mundo Muçulmano.
Peter Demant.

Estado Islâmico:
Desvendando o exército do terror.
Michael Weiss e Hassan Hassan.

Leitura recomendada:

quinta-feira, 25 de março de 2021

Líder do ISIS no Sinai foi morto em confronto com forças egípcias

Militantes do ISIS no Sinai.
(Twitter)

Por Tzvi Joffre, The Jerusalem Post, 23 de março de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 25 de março de 2021.

Al-Hamadin, referido como o "mais perigoso e mais antigo dos elementos takfiri do Sinai", foi responsável pelo assassinato de centenas de civis e soldados egípcios.

Líder da organização terrorista ISIS na Península do Sinai, Salim Salma Said Mahmoud al-Hamadin, foi morto durante confrontos com forças beduínas e egípcias perto de Al-Barth, ao sul de Rafah e perto da fronteira com Israel, segundo a mídia árabe. Um guarda-costas e escolta também foram detidos.

Hamadin, referido como o "mais perigoso e mais antigo dos elementos takfiri do Sinai", foi responsável pelo assassinato de centenas de civis e soldados egípcios, de acordo com os relatórios. "Takfiri" é uma palavra freqüentemente usada para se referir a grupos extremistas armados, mas originalmente se referia a apóstatas muçulmanos ou infiéis.

O ataque ao líder do ISIS foi conduzido como uma operação conjunta entre os militares egípcios e a União Tribal do Sinai. O líder terrorista havia sido preso no passado devido ao envolvimento em ataques à bomba em Taba e Sharm al-Sheikh, mas conseguiu escapar e continuar suas atividades terroristas.

Hamadin recrutou um grande número de pessoas para o grupo terrorista Ansar Bayt al-Maqdis antes do grupo jurar fidelidade ao ISIS, de acordo com a Sky News Arabia. O ISIS no Sinai explodiu bombas nos gasodutos entre o Egito e Israel e lançou foguetes contra Israel várias vezes.

Em 2019, o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi confirmou que os militares egípcios estavam trabalhando com Israel para combater o ISIS no Sinai, em uma entrevista à CBS.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

GALERIA: Caçada ao Estado Islâmico no Iraque19 de novembro de 2020.

COMENTÁRIO: Contra o Daesh, a estranha vitória11 de setembro de 2020.

Cinco lições das guerras de Israel em Gaza11 de fevereiro de 2021.

Síria: Os "ISIS Hunters", esses soldados do regime de Damasco treinados pela Rússia8 de setembro de 2020.

Sahel: A Força Barkhane elimina chefe de operações do Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos13 de novembro de 2020.

Islâmicos ligados ao Estado Islâmico decapitaram mais de 50 pessoas em campo de futebol em Moçambique11 de novembro de 2020.

sábado, 20 de março de 2021

Uma há muito frustrada Jordânia finalmente encontra uma maneira de atingir Netanyahu onde dói

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu, à direita, e o rei Abdullah II da Jordânia, à esquerda, no Palácio Real de Amã, na Jordânia, em 16 de janeiro de 2014. (Yousef Allan/ AP, Palácio Real da Jordânia)

Por Lazar Berman, The Times of Israel, 12 de março de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 20 de março de 2021.

A disputa diplomática que viu Amã frustrar a volta da vitória do primeiro-ministro israelense no Golfo está enraizada no sentimento da Jordânia subestimada, vulnerável e um peão nas campanhas eleitorais do primeiro-ministro.

Anos de frustração jordaniana com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu fervilharam nesta semana, quando autoridades em Amã pareciam acusá-lo de colocar a região em perigo por razões políticas e alegavam que Israel havia violado acordos feitos com eles.

Em uma entrevista coletiva na quinta-feira, o ministro das Relações Exteriores da Jordânia, Ayman Safadi, atacou “aqueles que estão brincando com a região e o direito de seus povos de viver em paz por causa de preocupações eleitorais e populistas... destruindo a confiança que é a base para encerrar o conflito.”

Os comentários de Safadi vieram um dia após o príncipe herdeiro da Jordânia, Hussein bin Abdullah, cancelar abruptamente uma visita planejada ao Monte do Templo na Cidade Velha de Jerusalém por causa de um desacordo com as autoridades israelenses sobre seu destacamento de segurança.

A Jordânia retaliou atrasando a aprovação da rota de vôo do primeiro-ministro sobre o país até os Emirados Árabes Unidos, para uma visita planejada para quinta-feira. A viagem de Netanyahu acabou sendo adiada para uma data desconhecida.

O Ministro das Relações Exteriores da Jordânia, Ayman Safadi, em uma entrevista coletiva em Berlim em 10 de março de 2021. (Kay Nietfeld / POOL / AFP)

“O príncipe herdeiro queria fazer uma visita religiosa à mesquita de Al-Aqsa e orar ali na noite de Israa' e Mi'araj, pois é de grande significado religioso para todos os muçulmanos”, disse Safadi. “Tínhamos acertado visitas ao lado israelense. Ficamos surpresos quando eles procuraram impor novos arranjos e mudar o plano da visita de uma maneira que teria angustiado os habitantes de Jerusalém durante aquela noite de adoração. Como tal, o príncipe herdeiro decidiu que não iria impor isso aos muçulmanos ou perturbar a pureza daquela noite.”

Os comentários incomumente ásperos do ministro das Relações Exteriores se estenderam à situação do Monte do Templo em Jerusalém, o lugar mais sagrado do Judaísmo e local da terceira mesquita mais sagrada do Islã. “A mesquita de Al-Aqsa é inteiramente um local de culto para os muçulmanos. Israel não tem soberania sobre ela... nem aceitamos qualquer intervenção israelense em seus assuntos”, disse ele.

O príncipe herdeiro da Jordânia, Hussein bin Abdullah, discursa na Assembléia Geral das Nações Unidas, na sede das Nações Unidas, em 21 de setembro de 2017. (Frank Franklin II / AP)

Israel capturou o Monte do Templo e a Cidade Velha de Jerusalém na Guerra dos Seis Dias de 1967 e estendeu sua soberania sobre Jerusalém. No entanto, permitiu que o Waqf jordaniano continuasse a manter a autoridade religiosa no topo do monte, onde os judeus têm permissão para visitar, mas não para orar. O papel da Jordânia como custódia foi consagrado pelo marco do acordo de paz israelense-jordaniano em 1994.

Superficialmente, a crise diplomática desta semana parecia ter surgido do nada.

“Houve desenvolvimentos positivos recentemente”, disse Oded Eran, pesquisador sênior do Instituto de Estudos de Segurança Nacional em Tel Aviv e ex-embaixador na Jordânia. Eran fez referência ao encontro da semana passada entre Safadi e o Ministro das Relações Exteriores Gabi Ashkenazi na Ponte Allenby entre a Cisjordânia e a Jordânia, o terceiro encontro desse tipo no cruzamento.

Mas os sinais encorajadores nas últimas semanas não puderam esconder a maneira como as autoridades na Jordânia se sentem em relação ao líder de Israel.

“Os jordanianos não estão particularmente felizes com Netanyahu e não estão felizes com ele há muito tempo”, disse Joshua Krasna, especialista em Oriente Médio do Centro Moshe Dayan da Universidade de Tel Aviv.

O rei Abdullah da Jordânia disse em 2019 que as relações entre Israel e Jordânia estavam "em um nível baixíssimo" após uma série de incidentes que levaram Amã a retirar seu embaixador em Israel.

Naquele ano, a Jordânia encerrou acordos especiais que permitiam aos agricultores israelenses acessar facilmente lotes de terra dentro da Jordânia. A prisão de dois cidadãos jordanianos por Israel por suspeita de terrorismo também causou um pequeno conflito diplomático.

Jordânia e Israel compartilham fortes laços de segurança, mas as relações políticas também azedaram com as políticas de Israel sobre os palestinos e o Monte do Templo, mesmo com Israel se aproximando de outros Estados árabes sunitas.

Em 2017, Netanyahu deu as boas-vindas de herói a um guarda de segurança israelense depois que ele matou dois jordanianos durante um ataque a facadas contra ele em um apartamento pertencente à Embaixada de Israel em Amã.

O primeiro-ministro Benjamin Netanyahu em 25 de julho de 2017 se encontra com o segurança ‘Ziv’, que matou dois jordanianos enquanto era esfaqueado por um deles no complexo da Embaixada de Israel em Amã em 23 de julho. (Haim Zach / GPO)

Israel pagou cerca de US$ 5 milhões em indenização às vítimas jordanianas, embora o guarda não tenha sido julgado em um tribunal israelense, como Amã exigiu.

“Essa foi uma grande provocação”, disse Oraib Rantawi, analista jordaniano e chefe do Centro de Estudos Políticos Al-Quds.

Colocado de lado pelos Acordos de Abraham

Os jordanianos também estão frustrados com os acordos de normalização conhecidos como Acordos de Abraham, que Israel assinou com o Bahrein e os Emirados Árabes Unidos.

Publicamente, Amã não tem escolha a não ser elogiar os acordos. Tem laços estreitos com os Emirados Árabes Unidos e com os Estados Unidos, que negociaram o acordo sob o comando do ex-presidente Donald Trump, e está tentando restaurar uma cooperação estreita com a Arábia Saudita.

“Mas eles estão infelizes”, explicou Krasna. “Parte dessa infelicidade se expressa no fato de que eles estão constantemente dizendo, incluindo Safadi ontem, que esses acordos não deveriam ocorrer às custas dos palestinos e que a única maneira de resolver a questão palestina é pela solução de dois Estados."

Krasna chamou o descontentamento da Jordânia com os acordos de "infelicidade da esposa com a nova amante".

“Os jordanianos - e, aliás, os egípcios - pagaram um preço alto quando fizeram tratados de paz com Israel”, enfatizou.

Os vizinhos de Israel tiveram que assistir enquanto a administração Trump arquitetava os acordos de paz regionais que não dependiam do envolvimento egípcio ou jordaniano.

O rei Hussein da Jordânia, à esquerda, segura um isqueiro para o cigarro do primeiro-ministro Yitzhak Rabin após a cerimônia de assinatura do tratado de paz israelense com a Jordânia na quarta-feira, 26 de outubro de 1994 em Aqaba, na Jordânia. (Foto AP / piscina / IGPO)

“De repente, Israel está falando sobre as relações maravilhosas e as oportunidades maravilhosas que tem com os Emirados Árabes Unidos, e que tem com o Bahrein e talvez com outros estados... Os jordanianos e os egípcios se sentem excluídos duas vezes”, disse Krasna.

“Uma vez, quando tudo isso estava acontecendo, ninguém estava contando a eles, incluindo os americanos. Em segundo lugar, eles estão dizendo: "Nós é que fomos além e fizemos o trabalho realmente difícil. É mais fácil para os Emirados Árabes Unidos e Bahrein fazerem a paz com Israel do que para o Egito e a Jordânia. Mas, por alguma razão, os novos parceiros são mais atraentes para os israelenses do que nós, velhos parceiros pedestres, que trabalhamos e tentamos manter esse relacionamento por muito tempo.'”

A Jordânia - e até certo ponto Israel - está desapontada com os resultados do acordo de paz de 1994. “É uma paz fria e nosso relacionamento está ficando mais frio”, reconheceu o Rei Abdullah II em uma entrevista há 12 anos.

Nenhum dos lados organizou grandes eventos para marcar o 25º aniversário do tratado em 2019.

Mesmo quando os lados assinaram acordos importantes com o objetivo de beneficiar todas as partes, as coisas azedaram. Um acordo de US$ 10 bilhões assinado em 2016 tinha como objetivo fornecer 45 bilhões de metros cúbicos de gás israelense à Jordânia em 15 anos. Mas em 2020, poucos dias após o início das importações de gás israelense, o parlamento da Jordânia votou por unanimidade para proibir essas entregas (embora não tenha capacidade de fazer cumprir tal medida). O negócio também travou preços mais altos do que a taxa de mercado de 2021.

Os últimos dois anos de repetidas eleições em Israel pioraram as coisas, deixando a Jordânia com a sensação de que é um peão nas manobras políticas de Netanyahu. Abdullah se opôs publicamente à pressão de Netanyahu para anexar partes da Cisjordânia no ano passado - amplamente vista como uma manobra eleitoral - que o primeiro-ministro abandonou como parte do acordo para normalizar os laços com os Emirados Árabes Unidos.

“Isso os coloca em um lugar onde não querem estar”, disse Krasna. “Eles têm muitas conexões com os palestinos. E Israel, por razões eleitorais, colocou coisas que costumavam ser tratadas discretamente como talvez a pedra angular da campanha eleitoral mais recente de Netanyahu.”

O rei Abdullah II da Jordânia, segunda à direita, percorre um enclave anteriormente alugado por Israel com o príncipe herdeiro Hussein e oficiais militares, 11 de novembro de 2019. (Yousef Allan / Corte Real da Jordânia via AP)

Embora Abdullah tenha se reunido em silêncio com o ministro da Defesa, Benny Gantz, recentemente, ele teria recusado os pedidos de Netanyahu para uma reunião.

“Está muito claro para os jordanianos que qualquer reunião com Netanyahu nos últimos dois anos seria imediatamente usada para fins eleitorais”, disse Krasna.

Competição por Jerusalém

Somando-se ao recente descontentamento da Jordânia com Israel está a preocupação com a erosão da influência no Monte do Templo. Em 2019, Abdullah afirmou que estava sob pressão para alterar o papel histórico de seu país como guardião dos locais sagrados de Jerusalém. Ele prometeu continuar protegendo os locais sagrados islâmicos e cristãos em Jerusalém, chamando-o de “linha vermelha” para seu país.

Especialistas do Oriente Médio sugeriram no passado que a Arábia Saudita está interessada em assumir a responsabilidade pelo Monte do Templo e pelas mesquitas dentro de seu complexo. A Arábia Saudita já é a guardiã dos dois locais muçulmanos mais sagrados em Meca e Medina, ambos dentro de seu território.

Em janeiro de 2018, o então líder da oposição Isaac Herzog disse que a Arábia Saudita poderia desempenhar um papel fundamental em Jerusalém, assumindo a responsabilidade pela administração dos locais sagrados muçulmanos em qualquer acordo de paz entre Israel e os palestinos.

“Eles estão competindo com outros jogadores da região”, disse Krasna. “A Autoridade Palestina está constantemente tentando aumentar sua influência no Monte do Templo. Os turcos estão constantemente tentando aumentar sua influência.”

Homens muçulmanos participam das orações de sexta-feira no Monte do Templo na Cidade Velha de Jerusalém em 31 de janeiro de 2020. (Ahmad Gharabli / AFP)

“Esta é uma questão de prestígio para a família real, para a Jordânia. Mas não é apenas uma questão de prestígio. É uma das questões que a família real jordaniana realmente vê como a chave para sua contínua legitimidade política.”

Portanto, a viagem cancelada de quinta-feira aos Emirados, com o objetivo de comemorar os acordos de normalização de Israel com os Emirados Árabes Unidos - bem como um movimento para aumentar as credenciais diplomáticas de Netanyahu antes das eleições - agora pode ser um fardo indesejável para o primeiro-ministro, com muitos observadores colocando a culpa em sua maneira de lidar com os laços com a Jordânia.

“Isso é algo que não deveria ter acontecido”, disse Eran, o ex-embaixador na Jordânia. “Há falta de confiança entre as partes, falta de diálogo nos níveis mais altos, e é isso que acontece.”

“A crise atual não veio do nada”, disse o ex-Sindicato Sionista MK Ksenia Svetlova, agora bolsista do Instituto Mitvim. “Os governos de Netanyahu ao longo dos anos prejudicaram nosso relacionamento estratégico com a Jordânia. Chegou a hora de valorizar o nosso vizinho próximo e investir na recuperação das relações com ele.”

Bibliografia recomendada:

The Making of Modern Israel, 1948-1967.
Leslie Stein.

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