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quarta-feira, 30 de setembro de 2020

LIVRO: Batalha Histórica de Quifangondo, de Serguei Kolomnin


Por Pedro A. Marangoni, Arquivos de P.A. Marangoni, 1º de janeiro de 2019.

Ao pesquisar cuidadosamente os eventos da Batalha de Quifangondo, o historiador militar russo Serguei Kolomnin preenche quase em definitivo as lacunas existentes nesse momento ímpar na criação de um estado em tempos modernos. Digo “quase”, pois as dificuldades são imensas para romper com as vaidades e interesses pessoais nos relatos desse acontecimento, que hoje tem mais heróis que combatentes na época. Cubanos que insistem em viver ainda hoje num mundo irreal que só sobrevive na propaganda que encobre a pobreza atroz trazida pelo comunismo ingenuamente levado ao pé da letra - como na paupérrima Coreia do Norte - exageram seu papel bem no anacrônico estilo stalinista; sul-africanos fantasiam e criam uma “retirada heroica” para encobrir sua vergonhosa deserção em pleno combate; zairenses ficam calados para evitar perguntas constrangedoras e querem esquecer suas desaventuras vergonhosas em Angola; angolanos de ambos os lados relatam verdadeiros contos infantis que me fazem lembrar o nosso herói militar brasileiro Duque de Caxias “com as granadas explodindo nas patas de seu cavalo e com a espada desembainhada, gritando: siga-me quem for brasileiro!” Criança, eu lastimava pelo cavalo... As histórias destinadas à formação artificial de um orgulho nacional são geralmente assim forjadas, não resistem a um estudo mais crítico. Tarefa difícil e inútil tanto no Brasil, formado com “tribos” tupis, tapuias, guaranis, italianas, portuguesas, alemãs, japonesas, como nos países africanos, artificialmente construídos pelos países colonizadores e que juntam no mesmo balaio etnias várias, incompatíveis em hábitos, tradições, fisicamente diferentes, algumas inimigas inconciliáveis…

O Panhard 90 do Tenente Paes, pronto para descer ao Panguila, com a flamula onde se lia "Ouso!". O tenente morreu quando o seu blindado foi destruído, o único Panhard 90 perdido pelo ELNA.

Portanto, que tal sermos honestos e racionalmente, deixar de lado as grandes e heroicas historietas de nacionalismo puro, empunhando bandeiras ao vento e destroçando o inimigo? Quifangondo, batalha de vital importância para o futuro politico de Angola, foi o improviso da pressa de um lado contra a confortável posição geográfica dos defensores do outro lado, que pelos números do próprio MPLA só morreram uma meia dúzia, no máximo. Provavelmente no mesmo dia deve ter morrido mais gente atropelada em Luanda no caótico trânsito provocado pelos carros abandonados pelos portugueses em fuga para a Europa e guiados por africanos sem experiência…

Esquemática da Batalha de Quifangondo, 10 de novembro de 1975.
(Pedro A. Marangoni/ A Opção pela Espada)

No livro “Batalha Histórica de Quifangondo”, Serguei Kolomnin busca com eficiência os detalhes, confronta os relatos dos participantes, procurando ser imparcial (mesmo chamando de “internacionalismo puro” o puro intervencionismo soviético e de seus afilhados cubanos). Desfaz com seu trabalho injustiças históricas, como a insistência angolana de menosprezar e mesmo encobrir a decisiva ajuda soviética de última hora para se valorizar e até, usando as próprias definições da Convenção Internacional contra o Recrutamento, Utilização, Financiamento e Treino de Mercenários, corrige a acusação de mercenários, usada por muitos, ao idealista grupo do Coronel Santos e Castro e do Major Alves Cardoso, do qual fiz, honrosamente, parte. Ambos oficiais eram angolanos de nascimento, respectivamente Lobito e Nova Lisboa; Angola ainda era uma província portuguesa, o que justificava a nossa presença nos combates; muitos dos portugueses também eram africanos que jamais haviam posto o pé na Europa e o único que poderia ser considerado um estrangeiro, (mas menos que os cubanos, zairenses, soviéticos) era eu, nascido no Brasil mas com dupla cidadania portuguesa. Nenhum pagamento fora prometido no recrutamento e sim a paga maior: ajudar na construção de um novo país com nossos valores ocidentais. Por isso, sermos confundidos com os aventureiros de língua inglesa que só apareceram no final do conflito sempre nos incomodou. Por isso, devemos agradecer ao nosso antigo inimigo, autor dessa obra, pela honestidade e profissionalismo. Cita também meu relato sobre a deserção sul africana com seus obuses 140 que poderiam nos ter dado a vitória, mas que hoje, em livros e textos, procuram justificar com mentiras patéticas, afirmando que o Coronel Santos e Castro é que os abandonou sem proteção, sendo que sempre, até o final do combate, estivemos alguns quilômetros à frente da bateria de obuses. Transformaram a vergonhosa fuga em uma epopeia digna da 1ª Guerra Mundial, com os obuses sendo rebocados em estradas enlameadas, sem ninguém entre eles e o inimigo, sendo que só percorreram asfalto até Ambriz! E o General Ben Roos também somou-se à lista de "heróis"...

Morro dos Asfaltos.
Da esquerda pra direita: Paiva, Lopes, Daniel, Marangoni (boina vermelha), Nelson, Morteirete (gorro sul-africano), Simões Comprido e o Capitão Valdemar (loiro, camisa preta). No centro, Coronel Santos e Castro (camisa preta e suíças).

Mas o facto principal, linha mestra dessa obra, é o papel indiscutível dos BM-21 russos na batalha. Num ousado esforço de pilotos soviéticos, esse equipamento foi transportado por milhares de milhas e colocado pronto para a ação no momento decisivo. E o resultado principal, insisto, foi o psicológico. O maciço bombardeamento, concentrado em nossas posições, criou o pânico na tropa africana, que sendo de fracos valores ideológicos, sem noção profunda de nacionalidade, aterrorizada, só pensou em salvar a própria pele e evitar a todo custo repetir a experiência. Devo lembrar que nós, os Comandos Especiais de Santos e Castro e Alves Cardoso, ao conquistar com facilidade o norte de Angola para a FNLA, fomos várias vezes alvejados pelos 122 através de lançadores individuais, o que não nos causava a mínima preocupação ou danos maiores. O que se viu depois de Quifangondo foi a desmotivação total do ELNA, um caminhar em direção à fronteira do Zaire, enquanto eu comandava um pequeno grupo atrás de pontes destruídas, procurando ser a pedra no caminho dos cubanos, retardando-lhes o fácil avanço.

Em Ambriz, prontos para a partida.
Da esquerda pra direita: Tenente Paes (morto), Simões (ferido), Remédios (ferido), Marangoni (boina vermelha debaixo do braço) e Lopes (desaparecido).

Mas notei um certo desconforto do General Xavier, angolano, que efetivamente participou do combate, em posição vulnerável na linha de frente e merece nosso respeito. O relato de sua atuação na batalha, no manejo do canhão 76, coincide com as informações repassadas pelo condutor da Panhard 90 atingida, que conseguiu escapar e posteriormente fez parte de minha tripulação até o final da guerra no norte. Mas acredito que o general não apreciou a falta de colorido nacionalista angolano no livro do aliado Kolomnim! Também não concordou com minha opinião sobre a ineficiência do 122 como arma de resultados físicos, no terreno, e demostra bons conhecimentos sobre o míssil que empregou muitas vezes. Mas perguntaria eu, até com certo humor, ao general: quem pode opinar com mais precisão sobre o efeito de uma pedrada? O garoto que atira ou aquele que a recebe na cabeça? O senhor é o atirador, mas eu sou o alvo! Pelas contas cubanas, foram cerca de 700 mísseis, pela CIA, milhares. Todos concentrados na baixada do Panguila, cujo centro era a ponte, meu ponto de ação. Eu estava lá, não dentro de um abrigo, mas cruzando a ponte, correndo, rastejando, resgatando colegas feridos, avançando, retrocedendo, passando informações, e estou aqui, sem maiores arranhões, resmungando acerca de ineficiência do 122 em causar maiores baixas físicas… Se nossas baixas aparentemente aceitas por ambos os lados foram de aproximadamente 350 homens e usando os números cubanos, teremos o uso de 2 mísseis para cada inimigo atingido, inimigo esse que estava em campo aberto, sem qualquer abrigo! Mantenho minha opinião admitindo porém se não fosse o desmoralizante efeito em Quifangondo, provavelmente Angola hoje estaria, no mínimo, dividida em Angola do Norte e Angola do Sul, tal qual aconteceu com Coreia e Vietnam.

Mas os estrondos dos mísseis 122, na Batalha de Quifangondo, atingiram mortalmente a alma dos nossos combatentes...

Corrigindo sutilmente a história angolana... Na medalha comemorativa dos 40 anos da Batalha de Quifangondo, a União dos Veteranos de Angola, de Moscou, "reconstrói" o monumento erigido no local com mais precisão e justiça: entre os heróis a serem lembrados foi colocado o BM-21!

Bibliografia recomendada:

A Opção Pela Espada:
Os comandos especiais na linha de frente em defesa do Mundo Ocidental.
Pedro Marangoni.

Leitura recomendada:

Mercenários dificilmente são máquinas de matar6 de fevereiro de 2020.

FOTO: Carro de Combate T-34/85 cubano modificado com um canhão D-304 de agosto de 2020.




terça-feira, 4 de agosto de 2020

FOTO: Carro de Combate T-34/85 cubano modificado com um canhão D-30


T-34/85 cubano com um canhão D-30 de 120mm montada em uma torre seccionada.

Os cubanos são a força latino-americana com mais experiência de combate com blindados, primeiro  com alguns blindados americanos recebidos por Fulgêncio Batista, mas tendo realmente iniciado seu batismo de fogo na Batalha da Praia Girón na Crise da Baía dos Porcos (1961), quando os dois lados empregaram blindados em números consideráveis. Depois Cuba tomou parte nas guerras de Angola e contra a África do Sul, apoiando o governo comunista do MPLA.

Os cubanos mantiveram um efetivo de 50 mil homens e atuaram principalmente com material pesado, especialmente artilharia e carros de combate, além de aeronaves tomando parte e comandando a Batalha de Cuito-Cuanavale (1987-88); a maior batalha na África desde a Segunda Guerra Mundial e comandada pelo próprio Fidel Castro, por telefone, de Havana.

Tripulação cubana na Batalha de Cuito Cuanavale, em 1988; a maior batalha de tanques na África após a Segunda Guerra Mundial.

Bibliografia recomendada:

Cuba Tanques & AFV 1942-2019.
Paulo Bastos & Hélio Higuchi.

Bush Wars: Africa 1960-2010.

The Bay of Pigs: Cuba 1961.
Alejandro de Quesada.

A Opção pela Espada.
Pedro Marangoni.

Leitura recomendada: