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domingo, 5 de setembro de 2021

COMENTÁRIO: O mito da decisão na guerra


Por Michael ShurkinLinkedin, 29 de julho de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 5 de setembro de 2021.

Um ponto que ouço com frequência em debates sobre a Barkhane é o argumento de que a missão é um fracasso porque a França não alcançou uma vitória decisiva. O desejo de uma vitória decisiva é então contrastado com a terrível "guerra sem fim". Parece que as únicas intervenções militares que valem a pena são aquelas que, de maneira plausível, podem levar às primeiras. Quanto mais rápido, melhor. Este último, entretanto, é sinônimo de fracasso. Uma vez que um conflito se arrasta por mais tempo do que, bem, algum período de tempo arbitrário que se imagina ser apropriado, é melhor haver evidências claras de que a decisão está ao virar da esquina... caso contrário, o padrão do conflito é “para sempre” e deve ser abandonado. Está perdido.

A busca pela decisão reflete uma compreensão estritamente clausewitziana da guerra que se aplica a alguns conflitos, mas não a outros. Em muitas guerras, a decisão é alcançada destruindo as forças do inimigo, tomando uma posição que coloque o inimigo em xeque-mate ou, de outra forma, desmoralizando o oponente a ponto de fazê-lo desistir. Esta é a guerra que Frederick, Napoleão, Grant e Foch compreenderam. No entanto, existem outros tipos de conflitos, assimétricos ou limitados, em que tais objetivos são irrelevantes. Destruir os exércitos inimigos pode ser implausível ou irrelevante (sempre há alguém disposto a pegar um fuzil); não há posições-chave cuja posse condenaria um lado ou outro; e destruir a vontade do inimigo, se possível, exigiria um longo jogo. Ou talvez uma nação simplesmente decida que alocar os tipos de recursos que podem resultar em uma decisão rápida não é de seu interesse. O objetivo, realmente, é administrar uma crise que não atingiu um nível de importância que justificasse a mobilização nacional.

Mas aqui está o ponto-chave: guerras longas, lentas e insatisfatórias não são guerras ruins porque são longas, lentas e insatisfatórias. A falta de decisão não significa que não valham a pena. Seu valor deve ser determinado por meio de um cálculo totalmente diferente que considere custos e benefícios. É do interesse de alguém continuar ou ir embora? Onde está o maior risco? Qual é o custo de oportunidade? Às vezes, a resposta pode ser desistir. Mas não sempre. Talvez algumas crises só possam ser tratadas como uma doença crônica, em vez de curadas. Talvez até “guerras eternas” sejam a opção menos ruim. Essa determinação teria de ser feita em uma base caso-a-caso.

Bibliografia recomendada:

Guerra Irregular:
Terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história.
Alessandro Visacro.

Leitura recomendada:




quarta-feira, 4 de agosto de 2021

COMENTÁRIO: E se estivermos errados?

Por Francis J. Gavin, Texas National Security Review, verão de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 4 de agosto de 2021.

Em seu ensaio introdutório para o Volume 4, Edição 3, o presidente do nosso conselho editorial faz a importante pergunta: "E se estivermos errados?" e explora ainda como podemos usar a história com mais sabedoria no futuro.

Recentemente, reli o pequeno clássico do historiador Ernest May, “Lessons” of the Past: The Use and Misuse of History in American Foreign Policy ("Lições" do passado: o uso e o mau uso da história na política externa americana). Publicado em 1973, o ano em que os Estados Unidos deixaram o Vietnã em derrota e desgraça, o livro possui um toque sombrio e melancólico. "Lições" está entre aspas, enfatizando a crença de May de que, embora os estadistas naturalmente explorem o passado em busca de respostas, na maioria das vezes o fazem mal. Os criadores da "política externa são frequentemente influenciados por crenças sobre o que a história ensina ou pressagia", mas "normalmente usam mal a história".[1] Seu pecado principal é travar a última guerra e traçar analogias lineares de uma maneira simplista, geralmente com base nos eventos mais recentes. Com a dor do fiasco do Vietnã muito recente, talvez não seja surpreendente que May tenha visto em grande parte as políticas da Guerra Fria dos Estados Unidos como erráticas, moldadas por lutas internas burocráticas e, muitas vezes, por uma lógica falha. Mesmo Franklin Roosevelt, o presidente que guiou com sucesso a nação durante uma depressão global e uma guerra mundial, não estava imune a mal-entendidos históricos. Ele é acusado de uma obsessão em evitar os erros que Woodrow Wilson cometeu após a guerra mundial anterior, levando Roosevelt a enfatizar exageradamente o perigo de um ressurgimento alemão e japonês enquanto subestimava o risco da beligerância soviética no pós-guerra.

Lendo esta questão convincente, fiquei impressionado não apenas com a frequência com que erramos, mas como nossos julgamentos mudam com o tempo. Em seu artigo penetrante, Dan Reiter e Paul Poast argumentam que a diferença entre o sucesso da dissuasão e o fracasso na Coréia entre 1949 e 1950 girou em torno de uma presença militar norte-americana visível e significativa. Quando os EUA reduziram suas forças a uma mera presença simbólica na península, a dissuasão enfraqueceu e a Coréia do Norte invadiu. Para May, a surpresa não foi tanto o fracasso da dissuasão, mas a decisão de lutar. “Era política dos Estados Unidos em junho de 1950 evitar o uso de forças militares americanas na Coréia.”[2] Baseando-se em comparações excessivamente simplistas com a política mundial na década de 1930, Harry Truman e seus conselheiros "descartaram cálculos anteriores por causa de uma suposta máxima histórica"[3] para gastar "a vida e grandes somas de dinheiro e algum risco de precipitar uma guerra geral" para defender o território que, apenas alguns meses antes, parecia estar fora da área de interesse declarada dos EUA.[4] O julgamento histórico muda com o tempo. Em 2021, o erro que os Estados Unidos cometeram foi ter confiado em forças de alarme para deter um adversário, ao passo que em 1973, à sombra do Vietnã, o erro foi sequer considerar a possibilidade de lutar.

Soldados americanos e vietnamitas com um prisioneiro.

Outros artigos nesta edição destacam como é difícil acertar as coisas: a surpreendente agressão da Rússia no Donbass, de acordo com Brendan Chrzanowski, parece irracional quando avaliada por meio de nossas teorias e lentes materialistas ou ideológicas padrão. Quando a Guerra Fria terminou, poucos esperariam a erosão das normas civis-militares alertadas por Polina Beliakova. Paul Scharre recusa o uso generalizado de uma estrutura de corrida armamentista para compreender o futuro da inteligência artificial, que destaca as implicações preocupantes dos artigos de Herbert Lin e Guy Schleffer/Benjamin Miller sobre os perigos apresentados pela tecnologia cibernética e mídia social. Há uma década e meia, o consenso era que as tecnologias e plataformas digitais que conectavam cidadãos de todo o mundo e tornavam todo o conhecimento do mundo disponível para qualquer pessoa, imediatamente e de graça, seriam uma força revolucionária que beneficiaria o mundo. Hoje, essas tecnologias ameaçam não apenas a estabilidade militar dos EUA, mas a própria estrutura da democracia.

Acadêmicos e analistas parecem não se sair melhor do que os tomadores de decisão quando se trata de acertar as coisas. Como a recente mesa-redonda da TNSR sobre o novo e importante livro de Brendan Green, The Revolution that Failed (A Revolução que Falhou), revela que os melhores analistas e acadêmicos de segurança nacionais e internacionais compreenderam mal a natureza e as consequências da competição nuclear estratégica entre a União Soviética e os Estados Unidos durante a Guerra Fria.[5] Acadêmicos da comunidade de estudos de segurança acreditavam que os Tratados de Limitação de Armas Estratégicas e Mísseis Antibalísticos capturavam o estado natural e inevitável de vulnerabilidade mútua, consagrando uma revolução nuclear que eles esperavam que acabasse com as corridas armamentistas, evitasse a guerra e diminuísse a competição geopolítica. Green se junta a um grupo emergente de estudiosos que demonstram como essa análise foi equivocada.[6] Os tomadores de decisão americanos e soviéticos continuaram a competir implacavelmente para obter vantagem nuclear, indo longe e correndo alguns riscos para escapar da vulnerabilidade mútua. O controle estratégico de armas limitava o número de armas, mas não sua qualidade. As superpotências se envolveram em uma intensa corrida armamentista contra-forças para tornar suas armas mais precisas, furtivas, móveis e rápidas, com consequências importantes para o curso - e o fim - da Guerra Fria.

Usando a história com mais sabedoria


Podemos ter certeza de que somos melhores agora em usar o passado para dar sentido aos desafios contemporâneos e futuros? A sabedoria convencional de hoje, por exemplo, proclama um retorno aos tipos de rivalidade entre grandes potências e competição geopolítica que dominaram a política mundial em eras anteriores. Talvez isso esteja certo. Mas devemos ter muita confiança nesta avaliação, quando menos de uma geração atrás, muitos acreditavam que a política das grandes potências era uma coisa do passado e que o aumento da interdependência tornaria a China, se não um parceiro, pelo menos não um adversário dos Estados Unidos? O histórico de prever futuros desafios à segurança nacional - tanto dentro quanto fora do governo - não é particularmente bom. Poucos estudiosos estavam pensando em terrorismo ou contraterrorismo em 2000, uma questão que dominaria a política de segurança nacional americana nos anos que se seguiram aos ataques de 11 de setembro nos Estados Unidos. Tampouco houve muito debate no mundo político ou acadêmico em 1985 sobre o que os Estados Unidos deveriam fazer em um mundo pós-Guerra Fria sem a União Soviética, porque poucos imaginavam que tal mundo fosse possível.

Podemos fazer melhor? Não tenho certeza de como podemos melhorar nossa capacidade de previsão. Como Yogi Berra supostamente disse: "É difícil fazer previsões, especialmente sobre o futuro." Até May ficou aquém nessa categoria - sua declaração de 1973 de que "Eu predizia com a maior confiança que não haverá outra rodada da Guerra Fria na próxima década" foi, para dizer o mínimo, errada.[7] Quando questiono honestamente minhas próprias opiniões nos últimos 30 anos, posso pensar em muitas previsões que me enganei. Embora todos tenhamos motivos de sobra para nos orgulhar de nossos sucessos, há pouco incentivo profissional, seja no governo, em centros de estudos ou na academia, para demonstrar humildade ou destacar nossos erros.

Podemos, entretanto, usar a história com mais sabedoria. “Lessons” of the Past fornece uma maneira excelente de interrogar rigorosamente analogias históricas, um exercício da famosa aula e livro de May com o cientista político Richard Neustadt - Thinking in Time (Pensando a Tempo) - levou ainda mais longe.[8] Existem outros estudiosos e programas fantásticos trabalhando para pensar sobre como melhor aplicar a história ao presente e ao futuro. Eu acrescentaria apenas algumas sugestões.

Festa da Colheita do Reich (Reichserntedankfest) em 1934.

Em primeiro lugar, é importante lembrar que a história é mais do que uma simples coleção de exemplos e analogias que você pode vasculhar para se adequar à sua pergunta atual. O passado é vasto o suficiente, se usado indiscriminadamente, para fornecer qualquer evidência que você esteja procurando. A verdade é que a maioria das pessoas explora a história para validar suas teorias e suposições de longa data sobre como o mundo funciona. Se você se preocupa com os perigos que podem surgir por não desafiar um Estado autoritário em ascensão, uma visita aos anos 1930 fornecerá munição para sua discussão. Se, por outro lado, você deseja condenar o exagero e intromissão dos EUA no mundo, a Guerra do Vietnã é o lugar para levar sua máquina do tempo. Uma das melhores maneiras de usar a história não é apenas identificar como o presente é semelhante ao passado, mas também como é diferente. Comparar a atual e futura relação EUA-China com a ascensão da Alemanha de Bismarck ou a competição da Guerra Fria com a União Soviética pode correr o risco de obscurecer mais do que revela.

Como podemos determinar melhor como nosso presente e futuro são diferentes do passado? Em seu livro de 1964, An Introduction to Contemporary History (Uma Introdução à História Contemporânea), Geoffrey Barraclough lembrou a seus leitores que ainda havia pessoas vivas enquanto ele escrevia que haviam conhecido Bismarck, mas os mundos do Chanceler de Ferro e dos presidentes John F. Kennedy e Lyndon B. Johnson não poderia ser mais diferente ou incomparável. O mesmo é verdade hoje. Ainda há pessoas vivas que interagiram com Konrad Adenauer, que nasceu durante a chancelaria de Bismarck. Por que isso importa? Haverá muitos elementos das relações internacionais que podem parecer, na superfície, muito parecidos com o passado. Seria sensato seguir as sugestões de Barraclough de que vamos além das semelhanças políticas óbvias para "esclarecer as mudanças estruturais básicas" que marcam nosso mundo atual e futuro. Essas mudanças tectônicas são mais difíceis de ver, mas são indiscutivelmente mais consequentes: "elas fixam o esqueleto ou estrutura dentro da qual a ação política ocorre."[9] Semelhante à época de Barraclough, estamos no meio de profundas análises demográficas, econômicas, mudanças culturais e tecnológicas que estão alterando nossas próprias noções de identidade, poder, propósito e governança no mundo. Em termos de política de segurança nacional americana, como essas forças poderosas, embora obscuras, moldarão quem é a América, se e como ela luta, e com que propósitos? Algumas das respostas serão semelhantes ao passado, enquanto muitas outras serão profundamente diferentes.

Soldado do 5º RCT, da 24ª Divisão de Infantaria dos EUA, usa seu BAR para ripostar contra as pesadas armas portáteis e morteiros comunistas chineses que os prendem na margem do rio Han, Guerra da Coréia, 23 de fevereiro de 1951.

Outra maneira de desenvolver a história com mais eficácia é pensar sobre a perspectiva. Às vezes, a perspectiva é cronológica: qualquer avaliação da Guerra da Coréia, a ascensão da China à Organização Mundial do Comércio ou a eficácia da resposta dos Estados Unidos ao 11 de setembro dependerá, em última análise, de quando você fizer a avaliação. Como serão nossas escolhas hoje em 2040? Raramente há uma resposta correta e a priori. Tudo depende do que acontecer entre agora e então. Minha amiga Janice Stein sempre diz que, ao elaborar políticas, os tomadores de decisão devem começar com o que eles mais desejam que não aconteça e retroceder a partir daí. Embora pareça fácil, as escolhas políticas para as duas principais catástrofes que os tomadores de decisão procuram evitar - uma guerra global entre a China e os Estados Unidos e um cataclismo climático que se aprofunda - podem levar a direções diferentes.

A perspectiva histórica também é moldada pelo lugar. Há alguns meses, dei uma palestra para um curso de história aplicada em Estocolmo, com foco nas políticas nucleares dos EUA e os contornos dos desafios geopolíticos emergentes de uma China agressiva e autoritária. Um aluno extraordinariamente impressionante, que trabalhou com finanças internacionais, me fez uma pergunta investigativa para a qual eu não tinha uma boa resposta. Nas trocas de e-mail que se seguiram, vi como minhas opiniões poderiam ter parecido menos objetivas e derivar mais da perspectiva de meu próprio tempo, lugar e visão da história. Para um cidadão inteligente e de mentalidade global da Suécia, não era óbvio que a história revelou que os Estados Unidos possuíam uma reivindicação particular de sabedoria e virtude ao navegar na política mundial ou no futuro de nossas armas nucleares. Nem foi o retorno ao estilo da Guerra Fria, a geopolítica das grandes potências, dado que as terríveis perturbações climáticas do planeta se manifestam ao nosso redor. Ela também me enviou um link para um TedTalk fascinante - “Não pergunte de onde eu sou, pergunte de onde eu sou um local” - entregue pela escritora Taiye Selasi, uma fundadora do Afropolitanismo, sobre as complexas questões de identidade.[10] Ele apresentou pontos de vista que não considerei totalmente e reforçou a lição óbvia, mas importante, de que nosso próprio pensamento melhora quando nos expomos a vozes e ideias que normalmente não encontramos.

E se estivermos errados? Embora raramente o digam em voz alta, os melhores estudiosos, analistas e tomadores de decisão sempre se perguntam. Talvez, no entanto, estejamos fazendo a pergunta errada. A história demonstra toda hora que, apesar de grande esforço, estaremos errados com maior freqüência. O passado demonstra que a política mundial é tão complexa, os processos históricos tão interdependentes, que devemos sempre esperar o inesperado. Marc Bloch nos lembra que “a história não é relojoaria nem construção de gabinetes”, mas “um esforço para um melhor entendimento e, conseqüentemente, uma coisa em movimento”.[11] A verdadeira questão - e o verdadeiro benefício de nos envolvermos com o passado - é como reagiremos quando estivermos errados. A história não oferece respostas fáceis, lições óbvias ou planos claros de como agir. No entanto, fornece algo mais importante - flexibilidade intelectual e a capacidade de ser surpreendido, uma capacidade de reconhecer quando as coisas estão mudando, a confiança para desafiar e questionar nossas próprias crenças e uma capacidade de atualizar nossas próprias suposições e reações e auto-corrigir. Dada a natureza dinâmica, complexa e incerta de nosso mundo em mudança, essas são qualidades das quais certamente poderíamos nos beneficiar.

Francis J. Gavin é o presidente do conselho editorial da Texas National Security Review. Ele é o distinto professor Giovanni Agnelli e o diretor inaugural do Centro Henry A. Kissinger para Assuntos Globais da SAIS-Johns Hopkins University. Seus escritos incluem Gold, Dollars, and Power: The Politics of International Monetary Relations, 1958-1971 (University of North Carolina Press, 2004) e Nuclear Statecraft: History and Strategy in America's Atomic Age (Cornell University Press, 2012) e Covid- 19 and World Order (Johns Hopkins University Press, 2020), coeditado com Hal Brands. Seu livro mais recente é Nuclear Weapons and American Grand Strategy (Brookings Institution Press, 2020).

Notas:
  1. Ernest R. May, “Lessons” of the Past: The Use and Misuse of History in American Foreign Policy (Oxford: Oxford University Press, 1973), xi.
  2. May, “Lessons” of the Past, 67.
  3. May, “Lessons” of the Past, 86.
  4. May, “Lessons” of the Past, 69.
  5. “Book Review Roundtable: The Revolution that Failed,” Texas National Security Review, June 14, 2021, https://tnsr.org/roundtable/book-review-roundtable-the-revolution-that-failed/.
  6. Brendan R. Green and Austin Long, “The MAD Who Wasn’t There: Soviet Reactions to the Late Cold War Nuclear Balance,” Security Studies 26, no. 4 (2017): 608, https://doi.org/10.1080/09636412.2017.1331639; James Cameron, The Double Game: The Demise of America’s First Missile Defense System and the Rise of Strategic Arms Limitation (New York: Oxford University Press, 2017); Keir A. Lieber and Daryl G. Press, The Myth of the Nuclear Revolution: Power Politics in the Atomic Age (Ithaca, NY: Cornell University Press, 2020); Austin Long and Brendan Rittenhouse Green, “Stalking the Secure Second Strike: Intelligence, Counterforce and Nuclear Strategy,” Journal of Strategic Studies 38, no. 1–2 (2015): 38–73, https://doi.org/10.1080/01402390.2014.958150; John D. Maurer, “The Forgotten Side of Arms Control: Enhancing U.S. Competitive Advantage, Offsetting Enemy Strengths,” War on the Rocks, June 27, 2018, https://warontherocks.com/2018/06/the-forgotten-side-of-arms-control-enhancing-u-s-competitive-advantage-offsetting-enemy-strengths/; John D. Maurer, “The Purposes of Arms Control,” Texas National Security Review 2, no. 1 (November 2018), https://tnsr.org/2018/11/the-purposes-of-arms-control/; and Niccolò Petrelli and Giordana Pulcini, “Nuclear Superiority in the Age of Parity: US Planning, Intelligence Analysis, Weapons Innovation and the Search for a Qualitative Edge, 1969–1976,” International History Review 40, no. 5 (2018): 1191–1209, https://doi.org/10.1080/07075332.2017.1420675.
  7. May, “Lessons” of the Past, 170.
  8. Richard E. Neustadt and Ernest R. May, Thinking in Time: The Uses of History for Decision Makers (New York: The Free Press, 1986).
  9. Geoffrey Barraclough, An Introduction to Contemporary History (New York: Viking Penguin, 1964), 16.
  10. Taiye Selasi, “Don't ask where I'm from, ask where I'm a local" TedGlobal 2014, https://www.ted.com/talks/taiye_selasi_don_t_ask_where_i_m_from_ask_where_i_m_a_local/transcript?language=en#t-24916.
  11. Marc Bloch, The Historian’s Craft (New York, Vintage: 1953), 12.
Bibliografia recomendada:

Introdução à Estratégia.
André Beaufre.

L'Invention de la guerre moderne:
Du pantalon rouge au char d'assault 1871-1918.
Michel Goya.

Leitura recomendada:




quarta-feira, 30 de junho de 2021

Confissões de um estrategista fracassado - Parte 2: Resolva problemas através de problemas


Pelo Coronel Jobie Turner, War Room, 5 de fevereiro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de junho de 2021.

"Devemos antecipar a implicação de novas tecnologias no campo de batalha, definir rigorosamente os problemas militares previstos em conflitos futuros e promover uma cultura de experimentação e de riscos calculados."
- Resumo da Estratégia de Defesa Nacional 2018.

A primeira parte desta série (no link) descreveu lições tiradas de uma tentativa mal-sucedida de escrever uma estratégia de serviço, terminando com a sugestão deprimente de que o processo de produção de documentos estratégicos pode ser inerentemente autodestrutivo. Mesmo dentro de um único serviço, existem muitos pontos de vista e interesses diversos a serem superados. Assim, ficamos com a escolha desagradável entre um mínimo denominador comum sem valor ou uma substância condenada à resistência imediata e reflexiva de algum segmento da instituição.

Em vez de sucumbir à inércia burocrática, ou pior, ao que no livro Comando Supremo, Eliot Cohen chamou de “niilismo estratégico”, as Forças Armadas deveriam se concentrar menos na estratégia e mais nos problemas. Merriam-Webster define um problema como “uma fonte de perplexidade, angústia ou irritação” ou “uma intrincada questão não resolvida”. Embora o Departamento de Defesa não tenha uma definição oficial de problema, ou o termo mais preciso - problema militar -, uma definição genérica adaptada ao contexto de um serviço militar será suficiente: “Uma intrincada questão não resolvida que trata do nível operacional ou tático da guerra".

Supreme Command: Soldiers, statesmen, and leadership in wartime.
Eliot A. Cohen.

Por que os problemas funcionam?

Uma lição do projeto de estratégia de serviço fracassado foi o poder e a atração de analogias históricas. Exemplos de sucessos anteriores repercutiram em quase todos os públicos: parceiros conjuntos, colegas da equipe e líderes seniores. Essas analogias eram atraentes porque forneciam exemplos claros de como o serviço já superou problemas significativos, como competição de grande poder, polarização política e orçamentos incertos.

Os exemplos mais óbvios e bem documentados relativos ao trabalho da equipe de redação de estratégia vieram do período Entre-Guerras, no qual as grandes potências tentaram resolver os problemas da guerra de trincheiras que dominou a Primeira Guerra Mundial - seja projetando uma força aérea construída em torno do bombardeio estratégico , desenvolvendo os conceitos de guerra de tanques ou reformando sistemas de pessoal. No centro da discussão estava a inovação, uma palavra da moda no léxico atual do Departamento de Defesa.

Por muitos anos, as fontes de inovação militar foram enquadradas pelas teorias conflitantes de Barry Posen e Stephen Rosen. O primeiro argumenta que a inovação militar deve ser forçada de fora, enquanto o último sustenta que a motivação interna e a competição são fundamentais. Adições importantes ao debate Posen-Rosen são os trabalhos de David Johnson, que forneceu uma mistura de exemplos positivos e negativos retirados do Exército dos EUA, e Williamson Murray, que usou a Luftwaffe alemã para demonstrar como não construir e usar uma força aérea.

Estratégia para a Derrota: A Luftwaffe 1933-1945.
Williamson Murray (PDF no link).

Outros trabalhos enfocando os anos entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais fornecem outros grandes exemplos de como a organização resolveu ou sucumbiu a problemas militares. Oficiais mais jovens, especialmente os graduados de educação militar profissional avançada, são bem versados nessa extensa literatura. Os oficiais superiores, naturalmente, acham atraentes quaisquer sugestões de como construir as bases para forças armadas fortes sem grandes orçamentos. A equipe de redação da estratégia freqüentemente ouvia a citação (provavelmente apócrifa, mas ainda assim útil) de Winston Churchill: “Cavalheiros, ficamos sem dinheiro. Agora temos que pensar.” Independentemente da audiência, havia uma sensação definitiva de que, durante o período Entre-Guerras, o foco na solução de problemas militares havia sido um componente crítico de qualquer sucesso alcançado.

Enquanto a Primeira Guerra Mundial e o período Entre-Guerras forneceram casos interessantes para falar sobre inovação, o caso da Batalha Aeroterrestre (AirLand Battle) da era pós-Vietnã gerou mais discussão. Como a Batalha Aeroterrestre foi desenvolvida e executada em memória mais recente, ela forneceu um exemplo imediato de como orientar a Força Aérea para conflitos futuros. No cerne da Batalha AirLand estava o problema de enfrentar a força superior de outra grande potência: a ameaça avassaladora das formações blindadas soviéticas na Europa. A Batalha Aeroterrestre resolveu o problema oferecendo uma solução conjunta envolvendo a Força Aérea e o Exército.

Blindados americanos no deserto ocidental iraquiano, 1991.

Embora a força combinada resultante não tenha lutado na Europa, ela derrotou o Iraque de forma esmagadora na Primeira Guerra do Golfo. Embora exagerados na imprensa, os efeitos combinados de armas de precisão, tecnologias de posicionamento global e instalações avançadas de comando e controle sobrecarregaram as forças militares iraquianas. Esse trabalho também foi fruto de esforços de inovação no Pentágono, resumidos pelo Coronel John Boyd. Assim, por meio da atenção concentrada na solução de problemas, a Força Aérea e o Exército forneceram capacidades operacionais e de dissuasão que permitiram à força combinada ter sucesso na batalha. Como a Estratégia de Defesa Nacional de 2018 busca reorientar as Forças para os desafios da competição de grandes potências, a Batalha Aeroterrestre oferece um exemplo do mesmo.

Tudo sobre o problema

Coluna blindada soviética durante o exercício Zapad 81, 1981.

Em retrospecto, a chave para o desenvolvimento da Batalha Aeroterrestre foi o foco fornecido por um problema militar. O que é particularmente saliente para as discussões atuais é a maneira que a Batalha Aeroterrestre seguiu os fracassos de esforços anteriores no final dos anos 1970 para equiparar a vantagem soviética com uma resposta simétrica de adicionar mais unidades blindadas aliadas. Essas soluções anteriores não conseguiram superar as vantagens numéricas e geográficas dos soviéticos. Em vez disso, o Exército teve que reconhecer que precisava dos fogos de longo alcance da Força Aérea e a Força Aérea teve que reconhecer que suas redes de comando e controle deveriam ser mais ágeis e combinadas.

O trabalho da Força Aérea para resolver esse problema dentro da estrutura da Batalha Aeroterrestre - os estudos das “31 Iniciativas” - construiu uma base de entendimento para ambas as forças. Ao destilar o problema às partes componentes de como combater a massa blindada soviética na Europa Ocidental, as 31 Iniciativas prepararam o cenário para anos de debate, trabalho e construção da força que poderia resolver esse problema. Para a Força Aérea, essas soluções doutrinárias, procedimentais e técnicas aproveitaram o potencial dos aviões F-16, F-15 e A-10, bem como os sistemas de informação de apoio, o sistema de posicionamento global e as comunicações por satélite. O resultado foi a formidável força aérea que sustentou as operações militares americanas no Iraque, Afeganistão, Kosovo e Líbia.

Tentar remodelar ou refazer um serviço de uma forma que perturbe ou contorne a política nacional levará a grandes dificuldades políticas.

As vantagens dos problemas militares

Uma abordagem de estratégia baseada em problemas oferece várias vantagens. Em primeiro lugar, os problemas militares devidamente definidos forçam uma organização a decidir o que é importante no futuro ambiente de combate. Na ausência de um problema claro para resolver, o ambiente futuro pode se tornar difícil de manejar. Por sua vez, isso pode levar a decisões confusas sobre orçamentos e sistemas de armas. Por exemplo, o atual Ambiente de Operação Conjunta 2035, publicado pelo Estado-Maior Conjunto, contém 24 “Missões de Forças Conjuntas em Evolução” separadas.

Mesmo a Estratégia de Defesa Nacional extraordinariamente clara e concisa identifica oito áreas de capacidade-chave que requerem atenção das Forças. Com dezenas desses imperativos para escolher, tentar priorizar um orçamento de serviço com base nessas prioridades amplas e às vezes conflitantes torna-se um campo minado. Ou, para os cínicos, a profusão de prioridades permite que o processo de desenvolvimento de um orçamento se transforme em uma justificativa de "buzzword bingo" ("bingo dos clichês") das capacidades desejadas de inteligência artificial a hipersônica, tudo encaixado em qualquer categoria conveniente como "consertos".

Um problema militar bem pensado restringe essa divagação intelectual, mantendo a Força concentrada no que é importante. Com um problema claro, é mais fácil decidir como o serviço se orienta: qual o tamanho do serviço a ser recrutado? Que armas comprar? Qual pesquisa tecnológica seguir? Em suma, os problemas militares mantêm a organização alicerçada na realidade, evitando que a inércia burocrática sobrecarregue uma Força.

Em segundo lugar, embora as aspirações sejam importantes, elas devem ser apoiadas por objetivos mais concretos e específicos para ganhar o apoio público e do Congresso na forma de orçamentos. A Batalha Aeroterrestre facilitou a articulação do problema e garantiu aos legisladores que o Exército e a Força Aérea tivessem uma solução coerente.

Disparo de um míssil de cruzeiro Tomahawk.

Terceiro, os problemas militares forçam as soluções tecnológicas a desempenhar um papel de apoio. Está bem documentado que os militares americanos têm um caso de amor com a tecnologia e, como Colin Gray observa em Weapons Don't Make War (Armas não fazem guerra), “Armamento não é igual a estratégia”. As tecnologias da moda governarão o dia se puderem dominar a discussão. Quando o problema vem primeiro, entretanto, a tecnologia pode vir em segundo lugar. Com o tempo, mesmo uma solução tecnológica que inicialmente resolva o problema pode se tornar obsoleta ou ser combatida pelo adversário. Em tais casos, um problema militar serve como uma rubrica útil para avaliar o progresso ou retrocessos.

Em quarto lugar, a solução de problemas militares aproveita o talento que já está no estado-maior e sua recente experiência operacional. Ao focar em um problema, os oficiais que serviram no nível tático podem trazer suas experiências e perspectivas recentes para o planejamento e programação do orçamento. Por exemplo, no Estado-Maior da Aeronáutica há centenas de coronéis com experiência operacional recente nos níveis de força-tarefa combinada, grupo, ala e esquadrão. Com um problema claramente definido, as adições provenientes de guerras recentes são muito mais fáceis de capturar ou, quando necessário, descartar. Pedir a uma equipe que resolva um problema é a melhor maneira de obter informações recentes e emergentes.

Uma palavra de cautela

Paraquedistas da 82ª Divisão Aerotransportada embarcando para o Iraque em resposta à crise na embaixada dos EUA em Bagdá, 1º de janeiro de 2020.

Para todos os benefícios de usar uma abordagem baseada em problemas para a elaboração de uma estratégia de Força, algum cuidado é necessário. Enquanto o processo envolvido no Processo de Planejamento Conjunto define problemas operacionais para solução imediata, o problema militar no nível da força militar não é um plano a ser combatido. Linhas de esforços, fases e outras ferramentas para planejar uma batalha ou operação podem não ser necessariamente a melhor maneira de abordar a estratégia institucional. Uma força organiza, treina e equipa uma futura força para a luta, mas não luta a si mesma. Como tal, o problema militar terá de ser suficientemente específico, ao mesmo tempo que também amplo o suficiente para permitir a flexibilidade do estado-maior para buscar soluções diferentes, desde o treinamento de pessoal até a aquisição de plataformas.

Em termos leigos, o problema militar deve estar em algum lugar entre o tático "tome aquela colina" e o estratégico "defenda os Estados Unidos da América". No contexto de uma estratégia de força, esse nível de guerra é importante. Conforme mencionado no primeiro artigo desta série, as estratégias de nível superior estabelecidas pelo sistema político já definem muito do que uma força deve fazer. Tentar remodelar ou refazer um serviço de uma forma que perturbe ou contorne a política nacional levará a grandes dificuldades políticas. Uma Força deve se concentrar nos problemas que suas forças podem enfrentar no futuro campo de batalha.

O que é difícil em identificar esses tipos de problemas é sua finalidade. Definir um problema militar é escolher uma direção e direcionar o serviço para esse fim. Assim, certos conceitos, capacidades e sistemas de armas resolverão melhor o problema, enquanto outros sairão perdendo. Paradoxalmente, esse é o poder de resolver problemas. Os problemas forçam um caminho, uma escolha e uma concentração de recursos para um objetivo. É muito mais difícil para o comportamento burocrático ou mesmo limitações políticas enfrentar um problema crítico. Podemos falar de estratégia na profissão de armas: são os problemas que exigem ação.

Sobre o autor:

Coronel Jobie Turner, Ph.D., é um colaborador do WAR ROOM e comandante do 314º Grupo de Operações (314th Operations Group).

314º Grupo de Operações.

Bibliografia recomendada:

Introdução à Estratégia.
André Beaufre.

Leitura recomendada:





sábado, 29 de maio de 2021

Notas japonesas sobre a guerra na selva

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 29 de maio de 2021.

O seguinte relatório da inteligência militar dos EUA sobre táticas japonesas na guerra na selva foi publicado originalmente na revista Tactical and Technical Trends, nº 29, 15 de julho de 1943.

Tactical and Technical Trends (Tendências Táticas e Técnicas) era um periódico do serviço de inteligência americano (U.S. Military Intelligence Service), inicialmente bi-semanal e depois mensal, que foi publicado de junho de 1942 a junho de 1945.

Notas japonesas sobre a guerra na selva


Ao planejar seu treinamento para a guerra na selva, os japoneses estiveram cientes das grandes variedades de regiões selvagens do Leste Asiático e da região sudoeste do Pacífico. Os seguintes pontos sobre a guerra na selva, retirados de fontes japonesas, enfatizam certos métodos de guerra na selva aparentemente testados pela experiência japonesa.

A) O Avanço

Deixe alguma distância entre a unidade líder e o corpo principal e distribua os homens de ligação entre as unidades; embora seja melhor substituir a unidade a cada dia, o oficial que comanda a unidade líder não deve ser mudado.

O diagrama acima, reproduzido de um diário japonês, tinha a legenda: "Sugestão de formação para uma companhia avançando através da selva".

É essencial que a unidade líder inclua nos relatórios regulares ao comandante da retaguarda, o estado da trilha e o tipo de terreno.

Como há clareiras na selva, o oficial comandante deve avançar suas unidades por limites e correr de uma área para outra. A camuflagem de cada homem e de cada arma deve ser completa. Ao cruzar uma planície gramada, cubra tudo com grama. Se aviões inimigos aparecerem enquanto você estiver em uma clareira, fique quieto. Geralmente, os fuzileiros devem apoiar as armas pesadas. O mínimo é um pelotão de fuzileiros para uma companhia de metralhadoras e um para o pelotão de petrechos pesados do batalhão.

Ao acampar na selva, o cozimento deve ser feito em vários locais, bem longe da área do acampamento. Todas as fogueiras devem ser extintas imediatamente após o cozimento. Durante o avanço, a comunicação será por telefone e corredor. O rádio não será usado. A taxa de avanço será regulada pelas armas pesadas. A distância percorrida em um dia normalmente é de 3 a 5 milhas (5-8km).


B) O Ataque

Ao selecionar áreas de montagem para o ataque, tente dispersar as unidades e escolha locais que sejam naturalmente camuflados. A concentração da força principal no ponto de reunião para o ataque, deve ser feita à noite. Se houver fogo de artilharia inimiga, é importante que seja neutralizado antes que as unidades tomem suas posições. As unidades de ataque se moverão para a borda da floresta durante a escuridão, rastejando se necessário. Ao sinalizar, eles irão atacar as posições inimigas. Como é melhor para cada unidade de flanco fazer uma investida ao mesmo tempo, o momento do ataque deve ser coordenado.


Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:




Bem vindo à selva11 de julho de 2020.


sexta-feira, 28 de maio de 2021

Estratégia como inibidor de apetite


Por Frank Hoffman, War on the Rocks, 3 de março de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 28 de maio de 2021.

É tentador comparar estratégias nacionais de sucesso com unicórnios: ambas parecem míticas. Mas, embora boas estratégias possam ser raras, elas são muito reais. E apesar das impressões deixadas pela história recente, são possíveis. Existem vários significados e propósitos para a grande estratégia; como grandes planos, como um conjunto de macro princípios, ou como padrões de comportamento de estado, como Nina Silove detalhou. No entanto, há um quarto significado e esse propósito agora ganha destaque em importância. Este é o papel da boa estratégia como um reforçador do realismo disciplinado ou inibidor do apetite.

A atual manifestação da grande estratégia dos EUA é encontrada na Estratégia de Segurança Nacional de 2017, que traz a assinatura do presidente Donald Trump. Essa estratégia promove quatro interesses nacionais centrais por meio de um amplo conjunto de 99 ações prioritárias. A Estratégia de Defesa Nacional de 2018 está alinhada com sua estratégia original em termos de competição de grande potência com a China e a Rússia. Ambos os documentos - o último no qual trabalhei - foram elaborados com um diagnóstico claro dos principais desafios que os Estados Unidos enfrentam e com prioridades distintas para promover os interesses da nação. Não está tão claro se uma das estratégias está sendo implementada como está escrita ou se o Congresso apóia as prioridades explícitas da grande estratégia americana. É cada vez mais óbvio que nenhum dos documentos está conduzindo o uso das decisões militares ou orçamentárias dos Estados Unidos.

Hal Brands observou em seu livro seminal sobre o tópico que implementar qualquer estratégia apresenta uma série de contradições e tensões. O mais desconcertante é a tensão inerente entre a necessidade de adaptabilidade às condições em constante mudança e a aplicação disciplinada de recursos preciosos às prioridades atribuídas. No momento, as estratégias de Washington sugerem que a flexibilidade está ganhando o foco.


Adaptabilidade

Os historiadores mais astutos estrategicamente enfatizam a necessidade de adaptabilidade na implementação de qualquer estratégia. O falecido Colin Gray sempre enfatizou dois princípios no planejamento da força, adaptabilidade e prudência. Hew Strachan observa que a estratégia opera dentro de um relacionamento interativo que ocorre em um contexto inerentemente dinâmico e mutável. As estratégias de sucesso são emergentes, em vez de rígidas. “Como um navio à vela”, observa o estrategista aposentado do Exército Rick Sinnreich, “a grande estratégia está à mercê de ventos e correntes políticas, econômicas e militares incontroláveis e muitas vezes imprevisíveis, e executá-la com eficácia requer tanto alerta para essas mudanças quanto correção constante do leme .”

A construção da estratégia deve ser vista como um exercício iterativo com aprendizagem e síntese. Quando a estratégia se torna rígida e inflexível, ela serve mal à nação, impedindo-a de responder a suposições fracassadas ou oportunidades imprevistas. Assim, a contingência é uma consideração fundamental na execução da estratégia, uma vez que nem todas as situações podem ser antecipadas com precisão. E ninguém pode prever todas as reações de um oponente.

Foco e Disciplina


No entanto, a necessidade de adaptabilidade não deve ser uma desculpa para o fracasso na execução de uma estratégia sólida e para minar a lógica de uma estratégia. A adaptabilidade deve ser baseada na invalidação de suposições-chave ou tarefas inesperadas. A falha mais comum na implementação da estratégia é encontrada na falha em estabelecer prioridades claras e em orquestrar recursos de acordo com essas escolhas. Isso é o que separa a boa estratégia da má estratégia. A estratégia deve distinguir entre o crítico e o meramente desejável. Ela aloca recursos conscientemente para focar a atenção e os meios apenas nas coisas que devem ser feitas. Assim, um dos benefícios colaterais de uma estratégia bem fundamentada é que ela atua como um inibidor do apetite. Se um país fosse tão rico que não precisasse fazer tais trocas, não precisaria de uma estratégia. Mas a essência da estratégia é a alocação de recursos escassos para os objetivos desejados.

As mudanças nas ameaças e nas prioridades regionais da Estratégia de Defesa Nacional (National Defense Strategy, NDS) em relação à China e à Rússia devem se basear em uma troca consciente, que reconheça os custos de oportunidade e o aumento dos riscos para nossos interesses vitais no Indo-Pacífico e na Europa. O presidente tem buscado consistentemente reduzir os níveis de força em teatros em andamento, mas essas reduções parecem ilusórias e os recursos (treinamento, manutenção, horas de voo, recursos de inteligência, etc.) que se espera que sejam realinhados para missões de alta prioridade estão sendo usados para tarefas de curto prazo e missões de ordem inferior. A Estratégia Nacional de Defesa está sendo prejudicada em sua implementação, não por recursos limitados, mas por falta de disciplina. Agora, sinto que a execução da estratégia dos EUA reflete muito das prioridades da era Obama e muito pouco foco estratégico. As correções do leme não estão respondendo a ventos e correntes inesperados.

Região por Região

Uma vez que a superioridade militar americana é menos pronunciada do que era em 1991 e tem ainda menos vantagem tecnológica em 2020, deve haver mais pressão sobre os formuladores de políticas para administrar o poder e investir com sabedoria. Mas isso não está acontecendo hoje. Como Rebecca Friedman Lissner observou nestas páginas, "os compromissos da política externa se reforçam com o tempo à medida que as suposições se tornam óbvias, os legisladores americanos determinam que a credibilidade dos EUA está em jogo e as questões desenvolvem constituintes na burocracia da segurança nacional." Vemos a realidade dessa avaliação hoje em três lugares: Oriente Médio, África e Ártico.

Oriente Médio


O Oriente Médio e o vizinho Afeganistão têm sido o ponto focal do envolvimento dos EUA nas últimas duas décadas. A Estratégia de Defesa Nacional atribui a região como a terceira prioridade do Pentágono, embora atualmente cerca de 70.000 soldados estejam lá com 14.000 reforços enviados no ano passado, supostamente para aumentar a dissuasão contra o Irã. Relatos de notícias sugerem que foram considerados reforços adicionais de mais 14.000 forças americanas. Certamente há interesses importantes na estabilização da região, mas depois de trilhões gastos no Iraque e no Afeganistão (sem mencionar a Síria, a Líbia, o Iêmen e o Sahel), há muito menos apoio para a região e poucas evidências para sustentar que um envolvimento adicional dos EUA trará os objetivos desejados a um custo aceitável. Como o ex-embaixador Martin Indyk escreveu recentemente, com poucos interesses em jogo, os Estados Unidos podem e devem "finalmente deixar de lado suas ambições grandiosas para a região caótica".

A estabilidade no Oriente Médio é um interesse importante para os parceiros regionais e para a economia global. Este teatro fica na confluência de três desafios identificados para a segurança dos EUA: uma fonte de extremismo violento, uma casa para um ator maligno que busca ativamente a hegemonia regional e uma área de competição de influência entre as grandes potências. Mas nem toda base, exercício ou projeto comercial chinês requer uma resposta militar. Nem toda bandeira negra desfraldada representa uma ameaça à pátria americana. O grito de guerra da competição entre as grandes potências não deve ser uma folha de figueira para os negócios usuais no Oriente Médio.

África


No momento, o Pentágono está avaliando chamadas para reconsiderar as reduções planejadas de força na África. Alguns membros do Congresso acham que isso seria um grande erro e prejudicaria nossos aliados franceses que estão fazendo progressos contra extremistas violentos. Alguns afirmam que esses desdobramentos de força são necessários para conter a presença da China. O senador Jim Inhofe, presidente do Comitê de Serviços Armados do Senado, concluiu que as reduções de força na África Ocidental "teriam consequências negativas reais e duradouras" para os parceiros dos EUA naquele país. Cerca de 1.400 soldados estão supostamente no continente, sem dúvida promovendo a estabilidade e apoiando nossos esforços diplomáticos e de desenvolvimento. É verdade que a violência de grupos extremistas islâmicos está aumentando e a Rússia fez incursões na região. Poucos dos defensores da presença sustentada dos EUA, no entanto, podem apontar interesses críticos sendo atendidos. O resumo do NDS lista a África como prioridade, mas é a última de seis. Felizmente, como mostra a pesquisa do Centro Africano de Estudos Estratégicos, existem estratégias para limitar a influência de Moscou e impor custos que não incluem opções militares robustas.

O Ártico


À medida que o gelo do Ártico derrete, os interesses americanos esquentam. As condições no Ártico estão mudando. Em resposta às tarefas do Congresso, o Pentágono emitiu recentemente uma Estratégia do Ártico, e os críticos da estratégia querem mais recursos comprometidos. Quais são exatamente os interesses nacionais vitais e importantes atendidos pelo investimento no Ártico? Quão fortes são esses interesses em relação a países como a Rússia, com sua enorme infraestrutura de defesa para proteger e uma vasta Zona de Exclusão Econômica para explorar? Como esses interesses se comparam aos requisitos de segurança não atendidos no Pacífico ou na Europa? Certamente, a necessidade de proteger o Alasca é clara e não devemos ignorar a legislação e as normas internacionais relativas ao trânsito e ao transporte marítimo. Mas um estrategista disciplinado achará difícil conceber benefícios claros de um investimento considerável de recursos de segurança escassos lá.

Execução da Estratégia


Um período de competição de grande potência deve forçar os formuladores de políticas a administrar tanto os desdobramentos militares dos EUA quanto o financiamento de compras aos objetivos definidos da estratégia de defesa nacional dos EUA. Prioridades claras são como os estrategistas lidam com o alinhamento. A liderança sênior do Pentágono entende isso. O secretário de Defesa, Mark Esper, observou recentemente que os desdobramentos propostos na África não podem ser vistos isoladamente, sem consideração de seu impacto em outros teatros e missões prioritários. O mesmo é verdadeiro para pedidos de aumento dos níveis de força no Oriente Médio e no Ártico. A questão não é se esses desdobramentos novos e não planejados são coisas boas a se fazer; a questão estratégica é se são ou não mais importantes agora do que as tarefas prioritárias na estratégia para a qual as forças e os programas de modernização foram originalmente alocados.

Não podemos mais nos dar ao luxo de dissipar recursos para a estabilidade geral ou global. Dados os orçamentos de defesa fixos, o aumento dos níveis da dívida nacional e os custos de juros associados e a redução da coesão da aliança (o iliberalismo da Turquia e das Filipinas em particular), é necessária maior disciplina de Washington hoje. Ambos os níveis de força e requisitos de modernização no Pentágono permanecem não preenchidos. Os jogos de guerra patrocinados pelo Pentágono revelam inúmeras vulnerabilidades na postura de defesa dos EUA. A Marinha parece comprometida com sua frota de 355 navios, mas o corte da Administração no orçamento de aquisição de navios da Marinha para apenas 8 navios não faz nenhum progresso em direção a essa meta. A lógica e o desenho dessa frota e o plano de construção naval ainda não foram aprovados pelo secretário Esper, que quer estudar seu desenho e custos. Este nível quase não permite que a Marinha sustente sua força atual. O Exército dos EUA está desarmado e desequilibrado nas principais comparações sistema-a-sistema com os equivalentes russos. Isso é menos importante do que a África ou o Ártico?


Enquanto dissipamos nossos esforços, os esforços combinados de Pequim em inteligência artificial, computação quântica e mísseis de hipervelocidade estão progredindo. A ex-subsecretária de Defesa para Políticas Michèle Flournoy testemunhou recentemente que as forças armadas dos Estados Unidos precisam intensificar a modernização e parar de investir demais em prontidão e capacidades legadas, em vez do futuro, com o senso de urgência e escala exigidos na Estratégia de Defesa Nacional. Seu testemunho é apoiado por um relatório recente do Center for a New American Security que concluiu que "áreas críticas da política dos EUA permanecem inconsistentes, descoordenadas e com poucos recursos e - para ser franco - não competitivas".

Isso não é novidade para o Departamento de Defesa. Esper, em seus comentários na Conferência de Segurança de Munique, colocou a ênfase correta na China. Em seu depoimento no Congresso sobre o orçamento de defesa proposto para o Ano Fiscal 21, Esper também observou que os Estados Unidos ainda estão enfatizando demais o contraterrorismo e precisam encontrar o equilíbrio certo entre a competição com as grandes potências e o combate ao extremismo para cumprir a Estratégia de Defesa Nacional.

Sou totalmente a favor da avaliação contínua e da adaptação da estratégia, mas as mudanças devem ser deliberadas, não cegamente indiferentes às consequências resultantes. Se, no entanto, o objetivo é restaurar a prontidão militar dos EUA e modernizar as forças armadas americanas para deter oponentes sofisticados, então a disciplina estratégica deve ser mantida. Conforme argumentado convincentemente por Kath Hicks, é hora de fazer escolhas politicamente difíceis, abraçar o pensamento inovador “e pedir às forças armadas que façam menos do que fizeram no passado. O resultado final seria um Estados Unidos menos militarizado, porém mais competitivo globalmente.”


No final das contas, a estratégia diz respeito às escolhas e compensações que as restrições impõem aos formuladores de políticas. Washington deve evitar a dissipação de ativos em contextos onde seus interesses não são críticos ou onde os concorrentes têm interesses vitais em risco e vantagens geoestratégicas. Como Mackenzie Eaglen enfatizou nessas páginas virtuais, o Pentágono precisa aprender quando "simplesmente dizer não". Mas isso envolve mais do que o Pentágono. Tanto a Casa Branca quanto o Congresso têm papéis a cumprir para disciplinar missões e investimentos. Mesmo em uma era de competição de grandes potências, os Estados Unidos precisam de critérios claros para responder aos esforços de influência chinesa ou russa na África, no Oriente Médio e no Ártico. Nem todo projeto de infraestrutura chinês é uma ameaça ao mundo livre, e nem muitos dos pronunciamentos de Putin constituem um ataque ao Ocidente que justifique uma resposta.

Uma estratégia deve documentar as escolhas e a priorização clara, e sua implementação deve se esforçar para alinhar os meios aos fins. O Pentágono expôs seu caso na Estratégia de Defesa Nacional, mas essa estratégia aceitou um grau mensurável de risco que deixou pouca margem para prioridades mais baixas. Neste momento, o foco e a disciplina devem vir à tona como palavras de ordem para a liderança política americana. O tesouro não é ilimitado e a disponibilidade de forças prontas e plataformas modernizadas não é infinita. A aplicação desses recursos finitos na busca de missões periféricas restringe a capacidade do Departamento de Defesa de buscar objetivos de ordem superior, especialmente na Ásia. Será necessário um certo grau de concentração no topo para conter os impulsos que atrapalham a estratégia sólida e minam sua coerência. Para evitar isso, os legisladores americanos devem avaliar os riscos crescentes e tomar uma pílula inibidora de apetite.

Frank Hoffman, editor colaborador da War on the Rocks, trabalha na National Defense University (NDU), onde pesquisa e ensina estratégia de segurança nacional. Em 2017, atuou no Gabinete do Secretário de Defesa como assessor e fez parte da Força-Tarefa de Estratégia de Defesa Nacional. Ele obteve seu Ph.D. em Estudos de Guerra no King’s College de Londres. Essas observações refletem suas próprias opiniões e não as da NDU ou do Departamento de Defesa.

Bibliografia recomendada:

Introdução à Estratégia.
André Beaufre.

Leitura recomendada: