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quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

O futuro que a Rússia nos promete, de Olavo de Carvalho


Por Olavo de Carvalho, Brasil Sem Medo, 24 de Fevereiro de 2022.

Em artigo de 2011, o professor Olavo de Carvalho explica os planos da Rússia e as estratégias que serão usadas por Putin.

Um mês após a morte do grande filósofo e professor Olavo de Carvalho, o jornal Brasil Sem Medo (BSM) publica texto de sua autoria que mostra que ele sempre tinha razão. Dessa vez, sobre a situação da Rússia. Leia a íntegra abaixo:

O futuro que a Rússia nos promete

Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 23 de maio de 2011

O prof. Alexandre Duguin, à testa da elite intelectual russa que hoje molda a política internacional do governo Putin, diz que o grande plano da sua nação é restaurar o sentido hierárquico dos valores espirituais que a modernidade soterrou. Para pessoas de mentalidade religiosa, chocadas com a vulgaridade brutal da vida moderna, a proposta pode soar bem atraente. Só que a realização da idéia passa por duas etapas. Primeiro é preciso destruir o Ocidente, pai de todos os males, mediante uma guerra mundial, fatalmente mais devastadora que as duas anteriores. Depois será instaurado o Império Mundial Eurasiano sob a liderança da Santa Mãe Rússia.

Carrasco mostra para a multidão a cabeça do executado na guilhotina.

Quanto ao primeiro tópico: a “salvação pela destruição” é um dos chavões mais constantes do discurso revolucionário. A Revolução Francesa prometeu salvar a França pela destruição do Antigo Regime: trouxe-a de queda em queda até à condição de potência de segunda classe. A Revolução Mexicana prometeu salvar o México pela destruição da Igreja Católica: transformou-o num fornecedor de drogas para o mundo e de miseráveis para a assistência social americana. A Revolução Russa prometeu salvar a Rússia pela destruição do capitalismo: transformou-a num cemitério. A Revolução Chinesa prometeu salvar a China pela destruição da cultura burguesa: transformou-a num matadouro. A Revolução Cubana prometeu salvar Cuba pela destruição dos usurpadores imperialistas: transformou-a numa prisão de mendigos. Os positivistas brasileiros prometeram salvar o Brasil mediante a destruição da monarquia: acabaram com a única democracia que havia no continente e jogaram o país numa sucessão de golpes e ditaduras que só acabou em 1988 para dar lugar a uma ditadura modernizada com outro nome.

"Proclamação da República", 1893,
óleo sobre tela de Benedito Calixto (1853 - 1927).
Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo.

Agora o prof. Duguin promete salvar o mundo pela destruição do Ocidente. Sinceramente, prefiro não saber o que vem depois. A mentalidade revolucionária, com suas promessas auto-adiáveis, tão prontas a se transformar nas suas contrárias com a cara mais inocente do mundo, é o maior flagelo que já se abateu sobre a humanidade. Suas vítimas, de 1789 até hoje, não estão abaixo de trezentos milhões de pessoas – mais que todas as epidemias, catástrofes naturais e guerras entre nações mataram desde o início dos tempos. A essência do seu discurso, como creio já ter demonstrado, é a inversão do sentido do tempo: inventar um futuro e reinterpretar à luz dele, como se fosse premissa certa e arquiprovada, o presente e o passado. Inverter o processo normal do conhecimento, passando a entender o conhecido pelo desconhecido, o certo pelo duvidoso, o categórico pelo hipotético. É a falsificação estrutural, sistemática, obsediante, hipnótica. O prof. Duguin propõe o Império Eurasiano e reconstrói toda a história do mundo como se fosse a longa preparação para o advento dessa coisa linda. É um revolucionário como outro qualquer. Apenas, imensamente mais pretensioso.

Quanto ao Império Mundial Eurasiano, com um pólo oriental sustentado nos países islâmicos, no Japão e na China, e um pólo ocidental no eixo Paris-Berlim-Moscou, não é de maneira alguma uma idéia nova. Stalin acalentou esse projeto e fez tudo o que podia para realizá-lo, só fracassando porque não conseguiu, em tempo, criar uma frota marítima com as dimensões requeridas para realizá-lo. Ele errou no timing: dizia que os EUA não passariam dos anos 80. Quem não passou foi a URSS.

Como o prof. Duguin adorna o projeto com o apelo aos valores espirituais e religiosos, em lugar do internacionalismo proletário que legitimava as ambições de Stálin, parece lógico admitir que a nova versão do projeto imperial russo é algo como um stalinismo de direita.

O então primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, aperta a mão de operadores spetsnaz do Grupo Alpha da FSB durante uma visita a Gudermes, na Chechênia, em 2011.

Mas a coisa mais óbvia no governo russo é que seus ocupantes são os mesmos que dominavam o país no tempo do comunismo. Substancialmente, é o pessoal da KGB (ou FSB, que a mudança periódica de nomes jamais mudou a natureza dessa instituição). Pior ainda, é a KGB com poder brutalmente ampliado: de um lado, se no regime comunista havia um agente da polícia secreta para cada 400 cidadãos, hoje há um para cada 200, caracterizando a Rússia, inconfundivelmente, como Estado policial; de outro, o rateio das propriedades estatais entre agentes e colaboradores da polícia política, que se transformaram da noite para o dia em “oligarcas” sem perder seus vínculos de submissão à KGB, concede a esta entidade o privilégio de atuar no Ocidente, sob camadas e camadas de disfarces, com uma liberdade de movimentos que seria impensável no tempo de Stalin ou de Kruschev.

Ideologicamente, o eurasismo é diferente do comunismo. Mas ideologia, como definia o próprio Karl Marx, é apenas um “vestido de idéias” a encobrir um esquema de poder. O esquema de poder na Rússia trocou de vestido, mas continua o mesmo – com as mesmas pessoas nos mesmos lugares, exercendo as mesmas funções, com as mesmas ambições totalitárias de sempre.

O Império Eurasiano promete-nos uma guerra mundial e, como resultado dela, uma ditadura global. Alguns de seus adeptos chegam a chamá-lo “o Império do Fim”, uma evocação claramente apocalíptica. Só esquecem de observar que o último império antes do Juízo Final não será outra coisa senão o Império do Anticristo.


Compre na livraria do BSM: Os EUA e a Nova Ordem Mundial, um debate entre o cientista político russo Alexandre Dugin e o filósofo brasileiro Olavo de Carvalho.

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2022

Crise na Ucrânia: Bem-vindo à guerra de paz de Beaufre

Tropas alemãs no Castelo de Praga, 15 de março de 1939.

Por Michael Shurkin, Shurbros Global Strategies LLC, 21 de dezembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 14 de fevereiro de 2022.

Como a crise na Ucrânia nos obriga a tatear por quadros estratégicos para entender o que está acontecendo e, esperançosamente, identificar caminhos para algo que se assemelhe à vitória do Ocidente, faríamos bem em buscar os escritos do gênio estratégico francês de meados do século, General André Beaufre. Beaufre serviu no estado-maior da França enquanto o mundo caminhava para o desastre em 1938-1940, e depois se debatia com o modo como o advento das armas nucleares afetou tudo o que ele havia aprendido sobre estratégia militar até aquele momento.

No centro de seu pensamento estava sua afirmação de que as armas nucleares significavam o fim dos confrontos diretos entre as potências mundiais, mas que isso não significava o fim do confronto. Pelo contrário, assim como a guerra direta era coisa do passado, a paz completa também era. “A grande guerra e a verdadeira paz terão morrido juntas”, dando lugar a um estado permanente que ele descreveu como “guerra de paz”. Às vezes haveria guerra, mas a guerra teria que ser indireta porque a liberdade de ação de alguém era muito limitada pelo risco de escalada ou pela própria fraqueza material relativa de alguém para tentar uma estratégia mais direta. Na Ucrânia de hoje, por exemplo, as potências ocidentais não podem contemplar seriamente um ataque direto à Rússia em qualquer lugar fora do teatro de guerra imediato. Ninguém está prestes a abrir uma segunda frente no Ártico ou em Vladivostok. Nem é provável que os Estados Unidos transfiram divisões blindadas inteiras para a Ucrânia. Em vez disso, é preciso buscar uma “estratégia indireta”, que equivale à “arte de explorar de maneira otimizada a estreita margem de liberdade de ação” que ainda existe para alcançar o sucesso decisivo, apesar dos “limites às vezes extremos dos meios militares que podem ser empregados."

Adolf Hitler no Castelo de Praga, 15 de março de 1939.

Beaufre concentrou-se em maneiras pelas quais a força militar poderia ser usada para apoiar uma estratégia indireta. Uma foi o que ele chamou de “manobra da alcachofra” ou grignotage (mordiscos), que foi o que ele viu Hitler fazer no final da década de 1930, quando remilitarizou a Renânia e anexou a Áustria e a Tchecoslováquia (ou, mais recentemente, o que a Rússia fez na Crimeia e Ucrânia em 2014). A ideia básica é realizar atos de agressão calculados “abaixo do limiar”, preferencialmente em uma região ou contra um interesse que não seja vital para o adversário. É preciso agir rápido para apresentar à comunidade internacional um fato consumado antes que ela tenha tempo de reagir. Também é preciso agir contra interesses relativamente periféricos. A Grã-Bretanha e a França em 1936-39, incapazes de responder rapidamente, em qualquer caso, não viam a Áustria, a Tchecoslováquia ou a Renânia como vitais para seus interesses, de modo que os movimentos de Hitler ali não justificavam uma mobilização nacional em grande escala.

A guerra de paz, segundo Beaufre, requer dominar o que hoje chamamos de “guerra híbrida”, que ele descreveu como uma “estratégia total” que envolve o uso coordenado de todos os meios à disposição para obter vantagem sobre os inimigos. Também significa ser capaz de ter capacidades militares convencionais que são 1) rápidas o suficiente para responder a golpes rápidos, 2) escaláveis – porque uma capacidade militar de tudo ou nada encorajou os países que buscavam não escalar para a guerra total a não fazerem nada (como a Grã-Bretanha e a França fizeram em 1938), e 3) grave o suficiente para deixar claro que o agressor tem que ser muito sério e disposto a arriscar uma escalada. Ambos os lados, é claro, devem agir com muito cuidado, pois o que nenhum deles quer é não ter escolha a não ser escalar. Isso equivale a uma perda da liberdade de ação, que para Beaufre equivale à derrota e possivelmente, na era nuclear, leva ao desastre planetário.

As potências ocidentais precisam de tudo o que lhes dê alternativas à capitulação, por um lado, e ao Armagedom nuclear, por outro. As potências europeias, acima de tudo, precisam pensar se têm o que é preciso para combater as ações de Putin se os Estados Unidos, que têm as forças necessárias, optarem por ficar de fora da crise.

Bibliografia recomendada:

Introdução à Estratégia.
André Beaufre.

Leitura recomendada:

COMENTÁRIO: Por que ler Beaufre hoje?, 12 de fevereiro de 2021.

terça-feira, 8 de fevereiro de 2022

“A França assume a sua vocação de potência de equilíbrio”

O tanque de batalha continua sendo o símbolo das capacidades de combate de alta intensidade. No entanto, esta não deve ser reduzida a operações stricto sensu: o adversário não se limitará a isso.
(© Jérôme Salles/Armée)

Pelo General Thierry Burkhard, Areion 24, 6 de outubro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 8 de fevereiro de 2022.

Nos últimos anos, assistimos a uma deterioração do contexto internacional: acirramento da concorrência entre grandes potências e, de fato, questionamento do multilateralismo e da lei, encorajamento e desinibição de certas potências regionais, multiplicação de centros de crise e o seu corolário de aumento dos fluxos migratórios, expansão da ameaça terrorista. Para evitar sofrê-la, devemos considerar essa tendência fundamental em termos das oportunidades que ela nos oferece para defender os interesses estratégicos da França e da Europa.

Neste contexto, a França assume a sua vocação de potência de equilíbrio. Presente em todos os continentes, uma potência nuclear, membro permanente do Conselho de Segurança, membro fundador da Aliança Atlântica e da União Europeia, promove uma ordem internacional baseada no direito e no respeito pela dignidade humana. Forjando alianças e parcerias com países que partilham os seus valores, os seus interesses estratégicos ou a sua visão de mundo, apoia a ambição de autonomia estratégica europeia.

Reafirmar a contribuição das forças armadas

As forças armadas estão no centro do sistema nacional de defesa e segurança dos nossos cidadãos, do nosso território e das nossas instituições, articulados em torno das cinco funções estratégicas. Defendem nossos interesses soberanos em todo o mundo, contando com forças ultramarinas e preposicionadas em países parceiros. A força militar é um dos elementos essenciais da política de poder e influência internacional da França. Perante as evoluções da conflitualidade, é imperativo desenvolver uma apreensão mais estratégica. As recentes intervenções militares mostram-nos que é necessário repensar constantemente o seu papel e a sua natureza. Isto é particularmente verdade na gestão de crises, onde devemos estar extremamente atentos à escala, à duração e aos objetivos escolhidos, para manter a nossa liberdade de ação, numa altura em que os nossos concorrentes assumem cada vez mais um papel perturbador.

Concorrência-contestação-confronto: vencer a guerra antes da guerra

Para o continuum paz/crise/guerra que prevaleceu como grade de leitura do mundo desde o fim da Guerra Fria, devemos agora substituir o tríptico competição/contestação/confronto. É à luz dessas três noções intimamente entrelaçadas que devemos considerar e preparar nossa estratégia militar.

A competição é hoje o modo normal de expressão do poder. Corresponde de fato a uma "guerra antes da guerra" e ocorre em todas as áreas: diplomática, informacional, militar, econômica, jurídica, tecnológica, industrial e cultural. Nos espaços comuns, por natureza pouco regulados e controlados, e de fato propícios à tomada de posições agressivas, esta competição tende a ocorrer de forma exacerbada.

Num contexto de competição, os forças armadas permitem à França mostrar a sua determinação, no quadro de uma estratégia global coerente. O desafio central é vencer a "guerra antes da guerra", agindo conforme necessário em todos os campos e ambientes. Para as forças armadas, assumir este papel implica sobretudo contribuir para o conhecimento das capacidades e intenções dos vários concorrentes e propor constantemente ao decisor político opções militares relevantes. Todas as nossas ações fazem parte do significado de nossa determinação: interações com alguns de nossos concorrentes e com nossos adversários (desdobramentos operacionais, polícia do céu, detecção submarina etc.) como atividades de preparação operacional, nacionalmente ou com nossos aliados e parceiros.

Quando um ator decide transgredir regras comumente aceitas, a competição se transforma em contestação. Estamos então na guerra “pouco antes” da guerra. Nesse modo de equilíbrio de poder, os exércitos devem contribuir para eliminar a incerteza caracterizando as intenções de nossos concorrentes. Devem, acima de tudo, impedir a imposição de um fato consumado e, para isso, contar com um nível muito alto de capacidade de resposta.

Quando um ator, decidindo aproveitar sua vantagem e recorrendo à força para atingir seus objetivos, provoca uma reação de pelo menos um nível equivalente, o confronto – a guerra – intervém. Pode ocorrer em todas ou parte das áreas de conflito, dependendo das capacidades dos protagonistas. O objetivo primordial do confronto é submeter o adversário às suas próprias demandas, em particular minando sua vontade. As forças armadas devem ser capazes de detectar sinais fracos que possam antecipar a mudança para o confronto.

Aprender a dominar estratégias híbridas

A extensão e multiplicação de áreas de enfrentamento nos últimos anos têm se mostrado propícias à implementação de estratégias híbridas e de evasão. Essas estratégias combinam modos de ação militares e não-militares, diretos e indiretos, regulares ou irregulares, muitas vezes difíceis de atribuir, mas sempre projetados para permanecer abaixo do limiar estimado de resposta ou conflito aberto. Podem chegar ao ponto de buscar o enfraquecimento interno do país visado, atacando sua coesão nacional. Nossos concorrentes, nossos adversários e nossos inimigos recorrem voluntariamente a estratégias híbridas, por isso devemos ser capazes de combatê-los. Além disso, devemos aprender a dominar essas estratégias, respeitando os princípios em que se baseiam nossas ações.

Impor-se na competição, ser capaz de se envolver em confrontos

Para vencer a guerra antes da guerra, as forças armadas devem estar permanentemente aptos a atuar em todos os ambientes e campos de conflito. Trata-se de ponderar a partir da competição - em que só se é forte se for credível - e, se necessário, na contestação - em que se coloca em jogo diretamente a credibilidade, estando pronto para o confronto. Nosso modelo deve nos garantir essa capacidade. Isso requer, antes de tudo, a disseminação permanente de uma cultura de audácia e de risco. Trata-se de vencer a batalha de ideias, ser reativo e criativo, definir o ritmo enquanto se esforça para evitar surpresas estratégicas. O entusiasmo e a convicção devem permitir-nos conquistar o apoio dos nossos interlocutores (a nível interministerial e internacional). Alimentados por essa cultura de ousadia e de risco, nossos esforços devem girar em torno de três eixos principais.

  • Fortalecer e apoiar a comunidade humana das forças armadas. Esta comunidade é composta por militares e civis, da ativa e da reserva, e inclui também suas famílias, que desempenham um papel fundamental. O objetivo é aumentar a resiliência e cultivar as forças morais desta comunidade, bem como reforçar a sua singularidade, garantia de eficiência operacional. Além disso, esta comunidade se nutre do vínculo entre as forças armadas e a nação, que deve ser mantido e fortalecido, em particular por meio de nossa ação junto aos jovens. Em particular, o apoio da nação de origem das forças armadas é vital.
  • Adaptar a organização e as capacidades das forças armadas à nossa leitura de conflito, para adquirir superioridade multiambiente e multicampoA França deve poder contar com um modelo militar credível, equilibrado e coerente, que garanta a nossa capacidade de nos impormos na competição e de nos envolvermos em situações de alta intensidade. A excelência da cadeia de comando e sua organização, plástica e reativa, baseia-se na capacidade de compreender as situações, de propor opções, de decidir com rapidez e justiça. Trata-se também de sincronizar os efeitos em um espectro muito amplo, contando principalmente com as possibilidades oferecidas pela inteligência cibernética e artificial. Este princípio de agilidade deve também irrigar o nosso trabalho de prospecção, bem como os processos de capacitação, visando em particular a optimização e melhor controle dos programas de armamento.
  • Fazer do treinamento uma nova dimensão de uma luta a ser travada com nossos parceirosA preparação operacional contribui diretamente para a credibilidade das forças armadas francesas, prontos para os combates mais difíceis e complexos. Enquanto as forças armadas francesas mantêm a capacidade de agir sozinhas, a estrutura normal para sua ação é a da ação coletiva. Pretendemos, portanto, desempenhar um papel de liderança entre nossos aliados, bem como no desenvolvimento de parcerias em todo o mundo. É tanto uma questão de fortalecer nossa interoperabilidade e nossa capacidade de assumir o papel de nação-quadro quanto de mostrar nossas capacidades e entregar mensagens estratégicas a nossos concorrentes e adversários. Finalmente, as forças armadas contribuem para a capacidade nacional de avaliação da situação, bem como para a prevenção e resolução de crises, que integram todas as alavancas de ação do Estado.

O General Thierry Burkhard é General de l'Armée (General-de-Exército, 5 estrelas no sistema francês) e Chefe do Estado-Maior da Defesa das Forças Armadas Francesas.

Artigo publicado na edição especial n° 80 da revista DSI, "L’armée de Terre face à la haute intensité" (O Exército face à alta intensidade), outubro-novembro de 2021.

Leitura recomendada:

Entre a autonomia estratégica e o poder limitado: o paradoxo francês16 de janeiro de 2022.

ENTREVISTA: "A Legião vai muito bem!"19 de janeiro de 2022.

O Futuro da Marinha Francesa – Conversa do CSIS com o Almirante Vandier5 de fevereiro de 2022.

França no Pacífico: o que ela tem feito e por que isso é bom para a América3 de outubro de 2021.

Discurso do Chefe da Defesa francês sobre a parceria da França com a Suécia16 de outubro de 2021.

terça-feira, 25 de janeiro de 2022

FOTO: Merkava em treinamento urbano.


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 25 de janeiro de 2022.

Um Merkava israelense realizando treinamento operando seus tanques por entre contêiners simulando edifícios para imitar o combate urbano, onde as linhas de visão, a liberação do cano e o movimento do veículo podem ser fortemente restritos.

A Força de Defesa de Israel (FDI) tem vasta experiência em terrenos densamente urbanizados, e o Merkava é o único tanque principal de batalha (main battle tank, MBT) projetado especificamente para este ambiente; incluindo a capacidade de transportar quatro fuzileiros.


sexta-feira, 21 de janeiro de 2022

As armas do Ocidente não farão diferença para a Ucrânia


Por Samuel Charap, cientista político sênior da Rand Corporation, e Scott Boston, analista sênior de defesa da Rand Corporation, 21 de janeiro de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 21 de janeiro de 2022.

Com as forças russas concentradas nas fronteiras da Ucrânia, a discussão política em Washington tem se concentrado cada vez mais no que os Estados Unidos podem fazer para ajudar seus parceiros ucranianos a defender seu país. Apenas nesta semana, o governo Biden aprovou as entregas de mísseis antiaéreos Stinger lançados pelo ombro, fabricados nos EUA, para Kiev, além de aumentar o fornecimento de outros equipamentos militares. Aliados, incluindo o Reino Unido, também estão fornecendo sua própria assistência.

Militares ucranianos que participam do conflito armado com separatistas apoiados pela Rússia na região de Donetsk do país participam da cerimônia de entrega de armas e equipamentos militares pesados em Kiev, em 15 de novembro de 2018.
(SERGEI SUPINSKY/AFP VIA GETTY IMAGES)

A justificação para o auxílio tem variado. Alguns argumentaram que a assistência militar dos EUA à Ucrânia pode mudar o cálculo da Rússia agora, possivelmente impedindo Moscou de lançar um ataque. Outros afirmam que a ajuda aos militares ucranianos pode ter um impacto real em uma possível luta com os russos, tornando significativamente mais desafiador para o Kremlin alcançar a vitória e descartando certas opções militares que a Rússia possa estar considerando. E também há vozes que clamam por capacidades adicionais meramente para aumentar os custos para Moscou – isto é, para matar mais soldados russos – de modo a criar problemas políticos para o presidente Vladimir Putin em casa, embora sem muita expectativa de que a Ucrânia prevaleça.

Nenhum desses argumentos é convincente. Isso não significa que a cooperação de segurança com Kiev deve cessar. Isso significa que a assistência militar não é uma alavanca eficaz para resolver esta crise.


Desde 2014, os Estados Unidos forneceram mais de US$ 2,5 bilhões em ajuda militar à Ucrânia, após a anexação russa da Crimeia e a invasão do Donbass. A assistência dos EUA à Ucrânia incluiu o fornecimento de treinadores, sistemas defensivos selecionados (como radares de contra-morteiro) e, mais recentemente, mísseis antitanque Javelin. Esta assistência visa principalmente melhorar a eficácia ucraniana no conflito relativamente estático contra as forças separatistas apoiadas pela Rússia no Donbass, que estão principalmente armadas com armas portáteis e leves, juntamente com alguma artilharia e blindagem da era soviética.

Crucialmente, no entanto, a Ucrânia não tem lutado principalmente contra as forças armadas da Rússia no Donbass. Sim, a Rússia armou, treinou e liderou as forças separatistas. Mas mesmo pelas próprias estimativas de Kiev, a grande maioria das forças rebeldes consiste de moradores locais – não soldados do exército russo regular. De fato, as forças armadas russas se envolveram diretamente nos combates apenas duas vezes – em agosto-setembro de 2014 e janeiro-fevereiro de 2015 – e com capacidades limitadas, embora ambos os episódios tenham terminado em esmagadoras derrotas ucranianas.

Moscou procurou manter algum véu de negação sobre seu envolvimento no conflito, o que significava que os militares russos nunca usaram mais do que uma pequena fração de suas capacidades contra os ucranianos. Aplicou apenas força suficiente para fazer o trabalho, evitando intervenções prolongadas e evidentes. Uma grande variedade de capacidades russas exclusivas – incluindo sua força aérea e mísseis balísticos e de cruzeiro – não esteve envolvida nos combates, mesmo que tenham sido repetidamente demonstradas em operações de combate na Síria.


A natureza do acúmulo russo relatado sugere que a guerra expandida, se acontecer, será fundamentalmente diferente dos últimos sete anos de impasse latente. A Rússia tem a capacidade de realizar uma operação ofensiva conjunta em larga escala envolvendo dezenas de milhares de pessoas, milhares de veículos blindados e centenas de aeronaves de combate. Provavelmente começaria com ataques aéreos e de mísseis devastadores de forças terrestres, aéreas e navais, atingindo profundamente a Ucrânia para atacar quartéis-generais, aeródromos e pontos de logística. As forças ucranianas começariam o conflito quase cercadas desde o início, com forças russas dispostas ao longo da fronteira leste, forças navais e anfíbias ameaçando do Mar Negro no sul, e o potencial (cada vez mais real) de forças russas adicionais se desdobrando na Bielorrússia e ameaçando pelo norte, onde a fronteira fica a menos de 65 milhas (104,6km) da própria Kiev.

Em suma, esta guerra não se parecerá em nada com o status quo ante do conflito na Ucrânia, e isso mina a primeira justificativa para a ajuda dos EUA: dissuadir a Rússia. As forças armadas ucranianas foram moldadas para combater o conflito no Donbass e, portanto, representam pouca ameaça de dissuasão para a Rússia; o fornecimento de armas americanas não pode fazer nada para mudar isso. Se Moscou está disposta a lançar uma grande guerra, invadindo o segundo maior país da Europa com uma população de mais de 40 milhões, enquanto absorve uma tremenda punição econômica do Ocidente, então é improvável que seja dissuadida por qualquer assistência militar americana que possa ser entregue nas próximas semanas. Os únicos sistemas de armas que poderiam impor custos plausivelmente que poderiam mudar o cálculo da Rússia, como mísseis terra-ar e aeronaves de combate, são aqueles que os Estados Unidos dificilmente forneceriam aos ucranianos. E, independentemente disso, eles não poderiam ser adquiridos, entregues e colocados em operação – para não falar de treinar os operadores ucranianos para usá-los – a tempo de ter um impacto nessa crise. Sistemas grandes e modernos exigem treinamento extensivo e apoio material.



Assim que a dissuasão falhar e uma guerra começar, as forças armadas ucranianas se encontrarão em circunstâncias desesperadoras quase que imediatamente. A Ucrânia não tem forças suficientes para se defender com credibilidade contra todas as possíveis vias de ataque, o que significa que teria que escolher entre defender um conjunto selecionado de pontos fortes fixos – cedendo o controle de outras áreas – ou manobrar para engajar forças russas que os superam em número. A linha de conflito no Donbass será apenas uma das muitas frentes. As fortificações ucranianas ali podem muito bem parecer uma Linha Maginot moderna: preparada para um ataque frontal que pode nunca acontecer e contornada pelas forças móveis de um adversário com aeronaves mais avançadas e forças terrestres mais móveis.

O grande tamanho da Ucrânia significa que as forças terrestres que operam lá serão obrigadas a se deslocarem para cobrir grandes áreas de terreno rural. Os engajamentos móveis beneficiariam as forças russas, que são muito mais bem treinadas e equipadas para conduzir guerras de manobras aéreas e terrestres coordenadas do que seus oponentes ucranianos. Os militares russos praticaram repetidamente o uso de ataques de longo alcance e tiros táticos acionados por drones, bem como outros meios de reconhecimento, tanto em treinamento quanto em operações de combate na Síria. As aeronaves de combate e as defesas aéreas estratégicas da Rússia dão a Moscou muito mais opções para controlar o ar e atacar as forças ucranianas, e a maioria dos pilotos russos tem experiência real recente na Síria. Os militares ucranianos também operam em grande parte armas soviéticas herdadas; as forças russas têm uma profunda familiaridade com as limitações desses sistemas e sabem quais táticas empregar para reduzir ainda mais sua eficácia.


Em suma, o equilíbrio militar entre a Rússia e a Ucrânia está tão desequilibrado a favor de Moscou que qualquer assistência que Washington possa fornecer nas próximas semanas seria amplamente irrelevante para determinar o resultado de um conflito, caso ele comece. As vantagens da Rússia em capacidade e geografia se combinam para representar desafios intransponíveis para as forças ucranianas encarregadas de defender seu país. O segundo argumento a favor da ajuda — mudar o curso da guerra — não se sustenta.

O terceiro argumento para a ajuda é fornecer assistência para permitir que uma insurgência ucraniana imponha custos a uma força de ocupação russa. Muitos têm em mente a analogia histórica aqui da ajuda dos EUA aos mujahideen no Afeganistão após a invasão soviética em 1979. De fato, alguns estão até recomendando fornecer os mesmos mísseis antiaéreos Stinger lançados pelo ombro que atormentavam a força aérea soviética na época.

Se a Rússia tentar uma ocupação de longo prazo de áreas com muitos ucranianos hostis, essas formas de apoio podem, nas margens, complicar as coisas para Moscou. Mas o apoio dos EUA a uma insurgência ucraniana deve ser uma questão de último recurso durante um conflito prolongado, não uma peça central da política antes mesmo de começar. A perspectiva de uma ocupação marginalmente mais cara provavelmente não fará diferença para Moscou se chegar a esse estágio; pois já terá absorvido custos muito mais significativos. Os planejadores russos estão cientes de que muita coisa pode dar errado em uma operação de grande escala, especialmente uma ocupação. Se Putin tomar a decisão de ocupar grandes partes da Ucrânia, não será porque acredita que será fácil ou barato para a Rússia.

Devemos também ter em mente que os custos de uma guerra que dura até o ponto de uma campanha de insurgência na Ucrânia serão arcados desproporcionalmente pelos ucranianos. Nesse estágio do conflito, milhares — ou, mais provavelmente, dezenas de milhares — de ucranianos terão morrido. Por quaisquer sucessos que conseguirem contra os ocupantes russos, os insurgentes ucranianos terão de pagar caro; a experiência da oposição síria ou dos insurgentes chechenos não é algo que os americanos devam desejar a um parceiro próximo como a Ucrânia.

Em tempos normais, há muitas boas razões para os Estados Unidos fornecerem apoio militar à Ucrânia. Mas estes não são tempos normais. A assistência militar agora será, na melhor das hipóteses, marginal para afetar o resultado da crise. Pode ser moralmente justificado ajudar um parceiro dos EUA em risco de agressão. Mas, dada a escala da ameaça potencial à Ucrânia e suas forças, a maneira mais eficaz de Washington ajudar é trabalhar para encontrar uma solução diplomática.

quinta-feira, 30 de dezembro de 2021

“Gravemente inferior à Rússia na região”: como os Estados Unidos pretendem defender seus interesses no Ártico


Por Irina Taran e Elizaveta Komarova, RT Russia7 de abril de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de dezembro de 2021.

Os EUA estão "observando de perto" a Rússia no Ártico. O anúncio foi feito pelo porta-voz do Pentágono, John Kirby. Ele observou que o Ártico é "um território-chave, extremamente importante para a defesa" dos Estados Unidos, e chamou a região de "vulnerável à crescente competição". Segundo especialistas, Washington percebe que eles são inferiores à Rússia no Ártico. Ao mesmo tempo, os esforços de Moscou visam exclusivamente a garantir a segurança de suas próprias rotas.

As atividades militares russas e o aumento da infraestrutura no Ártico não passam despercebidos. O anúncio foi feito pelo porta-voz do Pentágono, John Kirby, durante uma reunião. Segundo ele, os militares americanos conhecem bem a atuação da Federação Russa na região.

“Sem entrar em conclusões específicas da análise de inteligência, observarei que, é claro, estamos acompanhando isso muito de perto”, disse ele.

Soldados americanos no Ártico.

Como Kirby destacou, o Ártico é "um território fundamental, extremamente importante para a defesa" dos Estados Unidos. Ele também chamou a região de um "corredor estratégico em potencial" entre a região do Indo-Pacífico, a Europa e os Estados Unidos, que, segundo o porta-voz, "é vulnerável à crescente competição".

O Pentágono também disse que, com o derretimento do gelo ártico, novas oportunidades de trânsito pelo Ártico estão se abrindo, bem como "as barreiras naturais das quais a Rússia dependia para proteger seus interesses na região estão sendo removidas".

"Agora ela [a Rússia] busca fortalecer sua segurança restaurando campos de aviação da era soviética, expandindo a rede de sistemas de mísseis para defesa aérea e costeira, bem como desenvolvendo capacidades para restringir e negar acesso e manobra", afirmou o site do Departamento de Defesa americano.

Soldados russos no Ártico.

A mesma postagem também contém um trecho da Estratégia Ártica do Pentágono, publicada em 2019.

“Para atingir seus objetivos nessas regiões, concorrentes estratégicos podem realizar ações maliciosas ou coercitivas no Ártico. O Departamento de Defesa deve estar pronto para proteger os interesses da segurança nacional dos EUA, tomando as medidas apropriadas no Ártico como parte da manutenção de um equilíbrio de poder favorável na região do Indo-Pacífico e na Europa ", disse a agência no documento.

Na véspera, o chefe do Estado-Maior da Marinha dos Estados Unidos, Michael Gildey, disse que só no ano passado os Estados Unidos realizaram mais de 20 exercícios e operações diferentes no Ártico.

“Nossa presença no Ártico não é mais rara; está se tornando parte integrante de nossas atividades, especialmente, eu diria, na área de responsabilidade do Comando Europeu das Forças Armadas dos Estados Unidos”, disse ele em um evento organizado pelo Grupo de Escritores de Defesa. Suas palavras são citadas no site do Instituto Naval dos Estados Unidos (United States Naval Institute, USNI).

Atividade ártica

Paraquedistas durante o exercício Artic Edge 2020.

Lembrando que em fevereiro e março de 2020, manobras conjuntas Arctic Edge - 2020 dos Estados Unidos e Canadá ocorreram no Ártico. Naquela época, cerca de 1.000 militares de todos os tipos de forças dos Estados Unidos e membros do Comando de Operações Conjuntas do Canadá participaram do treinamento. Eles foram confrontados com a tarefa de determinar "a capacidade das forças armadas para conduzir ações táticas em condições de clima extremamente frio".

Além disso, no ano passado, em 2 de março, exercícios em larga escala Cold Response da OTAN começaram no norte da Noruega, nos quais cerca de 15 mil soldados de dez países, incluindo os Estados Unidos, estiveram envolvidos. Estava planejado que as manobras levassem mais de duas semanas, mas foram concluídas antes do previsto devido à pandemia da COVID-19.

Conforme especificado, os exercícios visavam "praticar operações de combate de alta intensidade em condições rigorosas de inverno".

“Outro aspecto importante do exercício é praticar ações para usar o potencial significativo das forças e recursos anfíbios. Isso inclui o desenvolvimento prático da interação entre as forças que operam na costa e as forças que fornecem apoio nas áreas costeiras”, - observou em um comunicado no site das Forças Armadas da Noruega.

Já em março deste ano, os Estados Unidos e o Canadá realizaram um exercício conjunto de defesa antimísseis na região ártica, "Amalgam Dart". O anúncio foi feito pelo Comando de Defesa Aeroespacial da América do Norte (North American Aerospace Defense CommandNORAD). O objetivo das manobras era aumentar a prontidão para o combate e demonstrar "a capacidade de defender as abordagens do norte do território" dos Estados Unidos e Canadá.

T-80 russo em exercício de desembarque anfíbio no Ártico, 2018.

Pouco antes do início dessas sessões de treinamento, o NORAD e o Comando Norte dos EUA (United States Northern CommandUSNORTHCOM) publicaram uma estratégia conjunta. O documento relata a preocupação dos militares americanos e canadenses com a intensificação das atividades da Federação Russa na região ártica.

“O lançamento de mísseis de cruzeiro avançados de longo alcance pela Rússia, capazes, após serem lançados de seu território, de superar as abordagens do norte e tentar atingir alvos nos Estados Unidos e Canadá, tornou-se a principal ameaça militar no Ártico”, afirmou o documento.

Enquanto isso, em 16 de março, em uma audiência no Comitê de Forças Armadas do Senado dos Estados Unidos, o general americano Glen Van Hirk falou a favor da ideia de formar uma base naval na cidade americana de Nome (no Alasca). A necessidade de tal passo na Câmara Alta do Congresso foi explicada pela crescente presença naval do lado russo na região e pelo atraso técnico-militar dos Estados Unidos.

"Recupere o tempo perdido"

Submarino nuclear americano, USS Alexandria (SSN-757), quebrando gelo no Ártico.

Conforme observado por Konstantin Blokhin, pesquisador líder do Centro de Estudos de Segurança da Academia Russa de Ciências, as ações e declarações recentes do lado americano indicam que os Estados Unidos estão pensando cada vez mais em seus interesses na região Ártica.

“O Ártico é importante para Washington, antes de mais nada, do ponto de vista de manter sua liderança mundial. No entanto, os Estados Unidos já perceberam que são seriamente inferiores à Rússia nesta região, que é uma das principais forças lá", disse o especialista em conversa com a RT.


Conforme explicado por Blokhin, ao mesmo tempo os Estados Unidos, em vez de se concentrarem no desenvolvimento da região ártica, "concentraram-se na realização de intervenções militares no Oriente Médio".

“Agora eles precisam de um aumento colossal de suas forças militares no Ártico, incluindo a naval. No entanto, os Estados Unidos levarão muitos anos para alcançar resultados como a Federação Russa. Para acompanhar e fundamentar suas afirmações de presença, os Estados Unidos estão criando novas estratégias e conceitos. Mas isso não os ajudará a aumentar rapidamente a capacidade de produção e criar alternativas aos quebra-gelos russos”, disse o especialista.

Ao mesmo tempo, a liderança americana sempre reage de forma violenta e negativa aos esforços da Rússia para fortalecer o sistema de segurança em seus territórios árticos, observou Blokhin.

“Seria estranho se Moscou não fizesse isso em face do confronto intensificado com o Ocidente. Hoje, o Ártico está se tornando um verdadeiro tesouro de recursos naturais, incluindo gás e hidrocarbonetos, que estão se tornando cada vez menos numerosos no planeta. A competição entre as grandes potências está cada vez mais acirrada. Os Estados Unidos estão extremamente alarmados de que, devido ao derretimento do gelo, a Federação Russa terá acesso a toda essa riqueza, mas eles não. Além disso, os Estados Unidos têm vistas sobre a Rota do Mar do Norte, que no futuro pode ser usada de forma muito mais eficiente do que o Canal de Suez”, disse o analista.

Soldado russo e sistema anti-aéreo Pantsir-S1.

Como Lev Voronkov, professor do Departamento de Processos de Integração do MGIMO, especialista em problemas geopolíticos do Ártico moderno, explicou em um comentário à RT, a Federação Russa está "restaurando sua infraestrutura de segurança" na região do Ártico.

“Ao mesmo tempo, os esforços do lado russo nesta área não se dirigem contra nenhum outro estado, seja os Estados Unidos ou o Canadá. A Rússia está preocupada em garantir seus próprios interesses e a segurança de suas rotas no Ártico”, disse o especialista.

Ao mesmo tempo, Voronkov destacou que, apesar dos ataques agressivos à Federação Russa e das acusações dos Estados Unidos, a cooperação ártica entre os próprios países ainda está sendo construída em grande parte com base no consenso, interesses comuns e uma vontade comum para protegê-los.

“E o que às vezes é reproduzido por representantes dos militares americanos ou de outros departamentos, os custos da cozinha política interna dos Estados Unidos. Especialistas na área, incluindo os representantes dos Estados Unidos responsáveis ​​pela política do Ártico, avaliam com bastante calma e equilíbrio os esforços que a Rússia está fazendo para garantir a segurança da Rota do Mar do Norte e da região como um todo”, concluiu o especialista.

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FOTO: Fuzileiro naval no Ártico, 20 de agosto de 2021.

quinta-feira, 21 de outubro de 2021

COMENTÁRIO: A tentação da Doutrina Powell


Por Michael Shurkin, Shurbros Global Strategy LLC, 21 de outubro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 21 de outubro de 2021.

Entre os aspectos mais decepcionantes da carreira do falecido Colin Powell está a extensão em que, ao apoiar a invasão do Iraque em 2003, ele contradisse sua própria Doutrina Powell, batizada com o mesmo nome. Essa doutrina é da década de 1980 e reflete as próprias experiências das forças armadas americanas e de Powell no Vietnã. A essência da Doutrina Powell é que só se deve ir à guerra se todas as outras alternativas tiverem sido esgotadas, se houver um objetivo claro e alcançável e se houver uma estratégia de saída plausível. Um corolário é que devemos nos ater às missões que estão claramente dentro do conjunto de habilidades dos militares - ou seja, explodir coisas e matar pessoas - e evitar a "expansão da missão" a todo custo. Além disso, a guerra deve contar com um claro apoio doméstico e internacional.

Depois de nossa derrota no Afeganistão e de suportar todos os caprichos da "Guerra Global contra o Terror", na qual o Departamento de Defesa comumente confundiu meios com fins e estabeleceu objetivos nebulosos, a Doutrina Powell nunca pareceu mais atraente. O problema é que se refere a uma visão simplista dos conflitos, na qual se pode alcançar o resultado desejado por meio de uma aplicação discreta e limitada de força. Entramos, fazemos o que precisamos fazer e saímos. "Missão cumprida", como o chefe de Powell, o presidente George W. Bush, notoriamente colocou. Oxalá este fosse sempre o caso. Alguns conflitos requerem simplesmente a aplicação sustentada da força e podem nunca ser resolvidos por meio de qualquer tipo de "decisão" militar. Uma analogia grosseira seria lidar com uma doença crônica em oposição a uma intervenção cirúrgica para lidar com um problema agudo. Uma aplicação estrita da Doutrina Powell simplesmente é muito limitada.

A parte da Doutrina Powell que absolutamente deve ser adotada é sua insistência em que os custos, benefícios e riscos de um conflito sejam total e francamente avaliados. Implícito neste requisito está a necessidade de articular precisa e honestamente o que uma intervenção militar implicaria, e se uma decisão rápida é ou não possível, muito menos provável. Por exemplo, o cenário de "guerra para sempre" que muitos presumem ser categoricamente ruim não é. Conflitos de longa duração podem, de fato, ser a melhor opção. Alguns conflitos podem simplesmente exigir muito tempo. O que importa é que todos os envolvidos tenham clareza sobre a natureza do conflito e os riscos associados. Então os debates podem ser debates informados.

Leitura recomendada:

COMENTÁRIO: O mito da decisão na guerra5 de setembro de 2021.

quinta-feira, 7 de outubro de 2021

COMENTÁRIO: O Narcisismo Estratégico Americano


Por Michael Shurkin, Shurbros Global Strategies LLC, 14 de setembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 7 de outubro de 2021.

O general francês André Beaufre, talvez o melhor pensador estratégico daquele país no século passado, definiu estratégia como a "arte da dialética das vontades que empregam a força para resolver seus conflitos". Sua definição contém algo que parece óbvio, embora tragicamente, pelo menos na minha experiência, esteja ausente do pensamento estratégico americano, especialmente no Afeganistão: a ideia de que o inimigo tem vontade e age. Ele terá uma estratégia. Em vez disso, o pensamento americano tem sido consistentemente solipsista*. Houve pouca discussão sobre a estratégia do inimigo e como combatê-la. Os debates quase sempre foram sobre nós. Isso tem sido notavelmente verdadeiro nas últimas semanas, enquanto lutamos para digerir os acontecimentos no Afeganistão: Onde erramos? O que poderíamos ter feito melhor? Quais foram nossos erros? Raramente alguém disse muito sobre o que o Talibã tem feito de certo nos últimos 20 anos.

*Nota do Tradutor: O solipsismo é a ideia filosófica de que apenas a mente da própria pessoa tem a certeza de existir. Do latim "solu-, «só» +ipse, «mesmo» +-ismo".

O próprio Beaufre deu algumas dicas básicas para uma espécie de análise estratégica que não me lembro de ter ouvido entre os americanos sobre derrotar o Talibã. Ele sugeriu identificar os seus próprios pontos fracos e fortes, bem como os do inimigo. Como o inimigo pode tentar explorar nossas fraquezas? Ele deu grande ênfase ao papel crítico da liberdade de ação. O adversário procurará limitar nossa liberdade de ação; teremos que preservar a nossa enquanto limitamos a do inimigo. O lado que mais limita a liberdade de ação do outro é o lado que vence. Como é que alguém faz isso? Forçando-nos a usar helicópteros. Ou ficar atrás das barreiras Hesco. Ou manter-se nas estradas. Ou manter-se fora das estradas. Ou limitar a aplicação de poder de fogo por medo de baixas civis. Assim, o inimigo se abriga entre os civis, ou do outro lado da fronteira, em um condado que não ousamos penetrar. Beaufre também observou que, em conflitos assimétricos, os insurgentes costumam adotar a estratégia da "manobra de lassidão".

O General André Beaufre.

Em outras palavras, o lado fraco se esforça para sobreviver por tempo suficiente para que a parte mais forte se canse e decida que está de saco cheio. O lado fraco, portanto, evita a batalha. O lado forte seria sábio se fizesse o mesmo. Mais importante, o lado forte precisa se segurar em posição e, para isso, precisa se organizar para sustentar o conflito pelo máximo tempo possível. É um teste de vontade. Simplesmente não me lembro de nenhuma discussão honesta sobre a estratégia do Talibã, sobre o que precisávamos fazer para combatê-lo. Como podemos aguentar enquanto cansamos o Talibã? E se isso não fosse possível, onde estava a discussão franca do que fazer ao invés disso? Beaufre também escreveu sobre a necessidade de uma estratégia total que envolvesse todo o governo atuando em vários domínios. Como exatamente isso foi feito no Afeganistão?

Nenhum inimigo é louco o suficiente para enfrentar as forças armadas dos Estados Unidos em uma batalha aberta. Eles vão pensar em outra coisa. Foi isso que o Talibã fez, que por sinal não aplicou uma estratégia significativamente diferente daquela que os comunistas vietnamitas fizeram. No entanto, de alguma forma, estamos surpresos com o resultado.

Bibliografia recomendada:

Guerra Irregular:
Terrorismo, guerrilha e movimentos de resistência ao longo da história.
Alessandro Visacro.

Leitura recomendada:

COMENTÁRIO: Por que ler Beaufre hoje?, 12 de fevereiro de 2021.