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domingo, 28 de fevereiro de 2021

FOTO: Robô exterminador

Fuzileiros navais americanos da Companhia K (Kilo), 3º Batalhão do 5º Regimento de Fuzileiros Navais com um robô armado Weaponized Multi-Utility Tactical Transport Vehicle (Veículo Tático de Transport Armado Multi-Utilitário).

Leitura recomendada:

A Força Aérea Americana vai completamente "Rainbow Six" com seus novos robôs batedores arremessáveis6 de outubro de 2020.

A arte da guerra em Tropas Estelares - 3 Para a glória da Infantaria Móvel17 de fevereiro de 2020.

Israel dá um passo "revolucionário" com drones táticos, 3 de setembro de 2020.

A França dá sinal verde ético para soldados biônicos12 de dezembro de 2020.

A Arte da Guerra em Duna17 de setembro de 2020.

COMENTÁRIO: Por que exoesqueletos militares continuarão sendo ficção científica20 de agosto de 2020.

sábado, 2 de janeiro de 2021

FOTO: Soldado tcheco invencível

Soldados da República Tcheca durante um exercício, armados com o novo fuzil padrão CZ Bren 2 com miras ópticas.

Os soldados tchecos portam o fuzil vz. 58 (Samopal vzor 58, fuzil modelo 58), calibre 7,62x39mm. Este fuzil foi projetado na Tchecoslováquia na década de 1950 e, embora externamente o vz. 58 se assemelhe ao AK-47 soviético, é um projeto diferente baseado em um pistão a gás de recuo curto, e não compartilha peças com os fuzis Kalashnikov; nem mesmo o carregador.

O soldado no centro tem na banda do capacete as letras IDDQD, em alusão ao código de invencibilidade no jogo Doom.

Bibliografia recomendada:

Doom:
Knee-deep in the dead.

Leitura recomendada:

terça-feira, 15 de dezembro de 2020

O Exército Francês tem uma "Red Team" para se preparar para a Guerra do Futuro


Por Pascal Samama, BFM Business, 14 de dezembro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 15 dezembro de 2020.

O Exército Francês está montando uma Red Team (equipe vermelha), esta equipe de 10 autores de ficção científica se baseia em dados reais para imaginar os conflitos de amanhã.

Freqüentemente, as notícias vão além da ficção, especialmente em questões de conflitos. Para se preparar para tudo, mesmo o inimaginável, os soldados franceses agora convocam a Red Team Défense (link), um grupo de comando especial criado por iniciativa do Ministério das Forças Armadas.


Esses especialistas não são guerreiros que forjaram sua experiência no terreno ou no mundo cibernético. São dez especialistas em ficção científica* (autores, roteiristas, cartunistas e designers) selecionados entre centenas para imaginar como seriam os conflitos entre 2030 e 2060.

*Jeanne Bregeon, François Schuiten, Hermès, Laurent Genefort, Romain Lucazeau, Capitaine Numericus, Virginie Tournay, DOA, Xavier Dorison et Xavier Mauméjean.

“A Red Team é o símbolo da abertura do Ministério das Forças Armadas em termos de inovação. Ela está virando a mesa. Aceitar uma mudança de perspectiva e ver suas convicções derrubadas”, declarou Florence Parly, Ministra das Forças Armadas, durante a apresentação de seu primeiro trabalho revelado durante o Fórum de Inovação em Defesa Digital.

Criada por iniciativa do Ministério das Forças Armadas, a Red Team trabalha sob a égide da Agência da Inovação de Defesa (Agence de l’innovation de défense, AID) em cooperação com o Estado-Maior das Forças Armadas (État-major des armées, EMA), da Direção-Geral de Armamento (Direction générale de l’armement, DGA) e a Direção-Geral de Relações Internacionais e Estratégia (Direction générale des relations internationales et de la stratégieDGRIS).

A população mundial em 2050 de acordo com a Red Team. (© Red Team)

Mudanças climáticas e migrações

Esta equipe declina suas propostas em quatro temporadas compostas por diferentes cenários baseados em dados demográficos, climáticos, científicos e militares. Os dois primeiros (Les nouveaux pirates et Barbaresque 3.0/ Os novos pirates e Barbária 3.0) recentemente revelados exploram as consequências demográficas, econômicas e geoestratégicas causadas pelas mudanças climáticas na forma de histórias em quadrinhos.

Considera-se que a população mundial está dividida entre os que têm um pé na terra e os apátridas obrigados a viverem em cidades flutuantes que, para sobreviver, atacam bases terrestres, em particular Kourou. Como lidar com esse conflito assimétrico?

Pirataria costeira globalizada em 2050, vista pela Red Team Défense. (© Red Team)

O segundo cenário explora as consequências da ascensão do Mediterrâneo. Ao redesenhar os contornos, provoca a migração de dezenas de milhões de seres humanos e a modificação de questões geoestratégicas. Os conflitos marítimos estão aumentando e visando embarcações comerciais autônomas. A situação é tal que as Nações Unidas autorizam esses barcos a terem armas pilotadas por uma inteligência artificial.

Dados de "segredo de defesa"


“Somos prisioneiros do nosso quotidiano. Para romper o muro da imaginação, temos de apelar às pessoas que pensam fora da caixa: os autores de ficção científica são um deles”, indica Emmanuel Chiva, diretor da AID.

A imaginação vai longe demais? Nem tanto. A Red Team permanece no controle desses cenários, mas confia nas informações fornecidas por especialistas científicos e militares.

“Construir um mundo na encruzilhada do imaginário e do verossímil, onde as preocupações geopolíticas, demográficas, tecnológicas e ambientais se encontram, é essencial para roteirizar formas inesperadas de conflito”, estima Virginie Tournay, autora e membro da Red Team Défense.

Tudo pode ser considerado por esses autores de ficção científica? Sim, mas nem tudo será revelado. Parte do trabalho é classificado como “segredo de defesa” para não divulgar dados sensíveis e dar ideias a inimigos e também a concorrentes.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:


quinta-feira, 17 de setembro de 2020

A Arte da Guerra em Duna


Pelo Ten-Cel Michel Goya, La Vóie de l'Épée, 9 de janeiro de 2016.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 17 de setembro de 2020.

O universo de Duna é um universo de grande riqueza, misturando em um estilo barroco, mas muito coerente, elementos inteiros de sociedades humanas passadas e elementos de pura imaginação. A guerra é praticada ali de uma maneira particular, mas permanece guerra com sua própria gramática.

Como destruir uma Casa Grande

O sistema político de Duna é o resultado de uma Grande Convenção (tipo Magna Carta) que rege as relações entre a Casa Imperial, os grandes senhores feudais reunidos na assembléia de Landsraad e a Guilda dos Navegantes que detém o monopólio dos vôos espaciais. A guerra é tolerada ali, desde que não perturbe esse equilíbrio de poder. É exercido principalmente entre Casas e às vezes, sob certas condições, entre o Trono e uma Casa. A Guilda é normalmente neutra.


Essas guerras são limitadas por três fatores. O primeiro é a fragmentação de poderes e a preocupação em evitar que um ator (a Casa Imperial de Corrino em primeiro lugar) se torne hegemônico. Qualquer casa que se torna muito poderosa vê os outros se unindo contra ela. A segunda restrição é a dos custos e, particularmente, dos custos de transporte. Normalmente as operações de mundo a mundo precisam passar pela Guilda e a projeção do espaço é muito cara. O último é a presença de armas atômicas. Seu uso é proibido pela Convenção, mas, ao contrário das máquinas pensantes, sua existência não é. Podemos, portanto, considerar (supondo que os princípios da dissuasão nuclear se apliquem da mesma forma às famílias e aos Estados-nação) que os "atômicos" mantêm um interesse em um segundo emprego improvável ou como ultima ratio.

As guerras, portanto, assumem uma forma ampla, uma vez que quase tudo pode ser usado contra o adversário - sabotagem econômica, corrupção, pressão diplomática, invasões, assassinatos, etc. - mas superficiais devido a esses limites de escalar aos extremos. Portanto, normalmente não terminam com a destruição do adversário. No entanto, dois fatores podem levar a que esses limites sejam empurrados ou mesmo ultrapassados: o ódio, como aquele que os Atreides e Harkonnens têm um pelo outro, e uma ameaça à circulação da especiaria, um elemento essencial para o funcionamento da Guilda e, portanto, também do Império.

A Terceira Guerra Mundial: Agosto de 1985.
General Sir John Hackett.

A busca pela destruição total de uma Grande Casa, como a dos Atreids, sem o uso primário das armas atômicas, é complexa. Uma estratégia convencional de primeiro ataque contra as armas atômicas inimigas é difícil, especialmente com o emprego de campos de força. A única solução é dominar o adversário com um ataque rápido e massivo o suficiente para atingir um resultado decisivo antes mesmo que a decisão de usar a arma final possa ser tomada. Esse foi o cenário de engajamento na "margem de erro" da dissuasão descrita pelo General Hackett em 1979 no livro A Terceira Guerra Mundial. Obviamente, esta é a escolha feita pelo barão Vladimir Harkonnen.

A dificuldade é que o custo da projeção de força e a eficácia dos campos de força de Holtzman (que podem ser comparados às muralhas de um castelo fortificado) favorecem a defesa em relação ao ataque. Para obter um equilíbrio de poder esmagador, é necessário, portanto, reunir uma massa considerável (e, portanto, ruinosa) e se possível beneficiar de uma "quinta coluna".

A massa é alcançada reunindo todas as forças Harkonnen e se beneficiando da ajuda de uma ou duas legiões de Sardaukar do Imperador, tanto qualitativas (um único Sardaukar vale vários combatentes "regulares") quanto quantitativas. Para Vladimir Harkonnen, é um risco duplo: militar primeiro porque se descobre em outro lugar, e financeiro, já que a expedição é ruinosamente custosa. O fracasso pode ser fatal para a Casa Harkonnen. Este é um risco político para o imperador Shaddam IV, a quem o Landsraad pode ver como tendo quebrado o equilíbrio e ajudado a destruir - o que é pior, por traição - uma Grande Casa. A divulgação desta intervenção pode desencadear uma guerra geral contra a Casa Corrino. Além disso, os Sardaukar, como os "voluntários" de certas épocas, lutam sob o uniforme de soldados Harkonnens. A quantidade é uma qualidade em si, e a massa utilizada para a operação, dez vezes maior que àquela estimada pelo mentato dos Atreides, Thufir Hawat, contribui para a surpresa estratégica. Ela também intervém antes que os Atreides sejam capazes de se fortalecer consideravelmente, graças à aliança com os Fremen.

Legionário Sardaukar.

O ataque maciço dos Harkonnens é consideravelmente facilitado pela "quinta coluna" presente no local, composta pelos agentes mantidos em Arrakis após a partida dos Harkonnens, e especialmente pelo traidor Yueh que não só abaixa os campos de força Holtzman de Arrakeen, mas também neutraliza o duque Leto. É um cavalo de Tróia, desta vez oposto aos Atreides, que permite tanto abrir as portas ao sitiante quanto matar o líder adversário, centro de gravidade clausewitziano desses atores políticos. Quando certos indivíduos são de importância desproporcional, eles devem ser colocados contra outros indivíduos, aqueles capazes de se aproximar deles para atingi-los.

Sob essas condições, o plano Harkonnen só poderia ter sucesso, mas como todos os planos complexos, não poderia ter sucesso total.

Aquiles e Holtzman


Em Duna, os combatentes aparentemente têm todo o armamento clássico da ópera espacial, feixes de laser e campos de força em particular, mas com aquela sutileza mutante que quando os dois se encontram causa uma explosão de intensidade variável, mas podendo ser até o de uma pequena arma atômica. Isso poderia dar origem a táticas suicidas interessantes (muito fáceis de conseguir com a concepção da vida humana que reina neste universo), especialmente contra os grandes escudos de proteção, mas Frank Herbert tacitamente as exclui. Na verdade, uma das duas tecnologias, o laser, é pouco utilizada, exceto quando não há risco de presença de escudos no campo adversário, o que é o caso em particular no deserto de Arrakis. Notemos de passagem que poderia ter sido o inverso - o escudo considerado muito perigoso - o que obviamente teria mudado as condições do combate, mas também todo o universo de Duna tanto quanto o combate faz o exército e o exército faz Estado.

O campo de força Holtzman se assemelha à armadura de cavaleiros pela quase-invulnerabilidade que fornece a seus portadores, no entanto, com duas diferenças notáveis: é infinitamente mais manobrável do que a armadura, o que nega a vantagem de mobilidade que poderia ter existido para benefício dos não-portadores leves, e acima de tudo é aparentemente barato, o que torna seu uso muito comum. Sua única fraqueza é que pode ser perfurado por objetos lentos, o que requer uma punhalada à arma branca. A alta tecnologia, portanto, requer paradoxalmente um retorno às formas ancestrais de confronto. Herbert exclui as táticas coletivas do tipo falange, que no entanto deveriam ser possíveis, em favor de um combate puramente homérico composto por um conjunto de confrontos individuais ou em pequenas equipes (pouco desenvolvidos pelo autor enquanto então pode-se ver imediatamente o benefício que pode haver em um ataque de dois homens a um portador de escudo). O combate em Duna exige excelência individual alcançada por meio de uma mistura de virtudes guerreiras - coragem e agressão em primeiro lugar - e domínio da esgrima. Adquirir essa excelência leva tempo e requer profissionalização de fato, bem como a constituição de uma aristocracia guerreira. Essa aristocracia desenvolve então uma cultura específica que lhe garante o monopólio da violência, o que por sua vez pode explicar a recusa de qualquer tática de massa, mas também a torna vulnerável ao aparecimento dessa mesma massa no campo de batalha. Civis amadores são excluídos de um campo de batalha onde não têm chance de sobrevivência, mas também são excluídos em grande parte das próprias guerras.

Ilíada e Odisséia.
Homero.

Na Ilíada, existem os heróis, que têm um nome, e os guerreiros anônimos que servem para defender os primeiros. Duna tem sua cota de heróis-esgrimistas como Duncan Idaho, Gurney Halleck ou Conde Fenring e seus soldados comuns que fazem o papel de bucha de espada. Duncan Idaho pode, portanto, se orgulhar de ter matado mais de 300 em nome do duque Leto. Mas os heróis são raros e, se forem extravagantes, dificilmente farão diferença em batalhas que são agregados de milhares de micro-batalhas. Frank Herbert, portanto, apresenta uma categoria intermediária que combina número e qualidade: combatentes de elite, como os Sardaukar, os Fremen e alguns Atreides. Os Fremen têm as qualidades guerreiras mais fortes, os Atreids são excelentes técnicos e os Sardaukar combinam as duas características em proporções menores. Cada um desses homens é capaz de derrotar vários soldados comuns, e sua presença decide o destino das batalhas. É de todo interesse a presença de Sardaukar (10 a 20% das tropas apenas) na força de ataque desdobrada por Vladimir Harkonnen contra os Atreides, com esse medo, no entanto, de que essas poucas brigadas pudessem ser usadas pelo Imperador para varrê-lo ele mesmo. O interesse desses combatentes de elite, evidente no nível tático, é ainda mais gritante no nível operacional quando se considera o custo da projeção interplanetária de um único homem.

Aliás, Frank Herbert insiste muito na importância de ambientes extremos, como o deserto de Arrakis ou a opressão do planeta-prisão Salusa Secundus, para desenvolver qualidades guerreiras. Ele certamente pensa nos beduínos árabes do século VII, que constituem seu modelo para os Fremen. Esta teoria é muito discutível, os ambientes extremos secretando especialmente sociedades adaptadas, mas congeladas ou mesmo aprisionadas. Os inuítes ou os índios amazônicos, por exemplo, nunca formaram um exército de conquistadores. Basicamente, essa teoria também assume que sociedades ricas e agradáveis ​​são frágeis e seus exércitos são fracos. A história, e especialmente a Segunda Guerra Mundial, mostra que as coisas são muito mais complexas.

Os Fremen são um caso especial no universo militar de Duna, pois ambos são perfeitamente adequados ao seu ambiente, muito resistentes em combate e numerosos. Assim, eles introduzem massa em uma escala desconhecida na equação. O ataque Harkonnen, considerado como considerável, mobilizou 10 legiões, sendo 100 brigadas ou algumas centenas de milhares de homens, onde o mentate Thufir Hawat esperava um ataque de no máximo algumas dezenas de milhares, o que parece constituir a norma das batalhas. Todos esses números também parecem muito baixos quando se trata de controlar um planeta inteiro, mas é verdade que as populações também não parecem grandes. Com uma população de cultura guerreira de dez milhões de Fremen, eleva-se para um potencial de dois a três milhões de combatentes adultos do sexo masculino e igual número de combatentes secundários. Isso obviamente muda a situação, como a chegada dos piqueiros suíços na segunda metade do século 15 ou o levée en masse revolucionário de 1792 mudaram a face da guerra travada até então na Europa com pequenos exércitos profissionais. Também podemos pensar nos contingentes profissionais ocidentais que enfrentam os 10 milhões de pashtuns em idade para portar armas no Afeganistão ou no Paquistão. A atitude e lealdade dos Fremen são, portanto, uma parte essencial da geopolítica do Império.

Operação de estabilização em Arrakis


À parte os casos, muito raros, de extermínio do inimigo, uma vitória militar torna-se vitória política apenas se houver aceitação da derrota por quem perdeu o duelo de armas. No esquema trinitário de Clausewitz, é o poder político que nota a derrota e aceita a paz, podendo o povo apenas seguir as decisões de seu governo. Se a ação militar não se contenta em apenas derrotar o exército adversário, mas também tem o efeito de destruir o poder político, nos privamos de um interlocutor e corremos o risco de ver aparecer um ou mais outros que vão continuar a guerra de outra maneira.

Os americanos não são os Harkonnens (talvez a Casa Imperial) e Paul Muad'dib não é Osama Bin Laden, Mullah Omar ou Saddam Hussein, mas a situação em Arrakis em 10191 após a captura de Arrakeen tem algumas semelhanças com aquela do Afeganistão em 2001 e especialmente do Iraque em 2003, mas um Iraque que seria o único produtor mundial de petróleo.

A guerra dos assassinos não termina com a morte do duque Leto, ela simplesmente se transforma. Os sobreviventes Atreides se juntam à endêmica guerra de guerrilha Fremen contra os Harkonnen, a quem eles odeiam, para constituir uma forma muito eficaz de "combate acoplado" entre um poder externo e combatentes locais. Os Fremen trazem o número, suas qualidades de luta e sua adaptação perfeita ao ambiente do deserto; os Atreides trazem os armamentos atômicos de família, uma "assistência técnica militar" e, acima de tudo, um líder carismático, uma mistura de Lawrence da Arábia, do Profeta Muhammad e do Mahdi sudanês. Não é mais uma reação de anticorpos a uma presença estrangeira hostil, mas uma verdadeira jihad.

Diante dessa oposição, que vai se desenvolvendo gradativamente, surge sistematicamente o problema do diagnóstico inicial, quase sempre com a tentação de minimizá-lo e modelá-lo de acordo com suas necessidades. Para o governo francês em 1954, os ataques do Toussaint Rouge* na Argélia foram perpetrados por bandidos e para o comando americano em 2003, os ataques da guerrilha que surgiram no triângulo sunita iraquiano em maio-junho foram os últimos tiros do regime deposto e do seu líder em fuga. Essa avaliação inicial condiciona uma resposta difícil de se livrar depois. Afastando-se da política tradicional de pura exploração econômica (em todos os sentidos da palavra) do planeta Arrakis, e pouco prejudicada por considerações humanitárias que só existem, na melhor das hipóteses, no âmbito dos signatários da Grande Convenção, os Harkonnnens e os Imperiais que recuperaram o controle de Arrakis viam os Fremen como um incômodo que devia ser eliminado pelo extermínio.

Taticamente, nos encontramos novamente no caso clássico de uma força tecnologicamente superior enfrentando uma guerra de guerrilha protegida por sua adaptação a um ambiente particular e protetor (selva, montanha, população local de campos de arroz ou cidades do Eufrates). Os Fremen, por outro lado, não se beneficiam da proteção dos escudos Holtzman, que têm a particularidade dos irritantes vermes da areia. A tentação é forte para os Harkonnens de limitar os riscos usando o domínio do ar para rastrear o inimigo com o laser.


A essa estratégia de desgaste, de outra forma ineficaz, os Fremen coordenados por Paul Atreides responderam com uma estratégia de pressão econômica, impedindo que o inimigo explorasse a especiaria. Os Sardaukar deixaram a frente e os Harkonnen recusaram-se a fazer o esforço de treinar combatentes aptos ao deserto, até porque, segundo um padrão clássico nas ditaduras, a realidade da situação no terreno estava mascarada no topo da organização. Depois de alguns anos, a estratégia de jogo Go* de Paul Atreides tornou possível controlar a maior parte do planeta e provocar uma aceleração de eventos. A ameaça finalmente óbvia à produção de especiarias provoca tanto a formação de uma coalizão de Casas liderada pelo Imperador e, portanto, a possibilidade de um confronto decisivo em nível intergaláctico, mas também, de forma mais sutil, o controle da Guilda dos Navegantes totalmente dependente da especiaria. Assim, chegamos ao estágio final e ao fim da guerra popular, conforme descrito por Mao Tsé-Tung. A batalha final contra o imperador é o equivalente a Dien Bien Phu em 10196.

O principal problema tático que surge novamente é o de remover o escudo de defesa do Imperador. O modo de ação usado é uma grande tempestade de areia cuja eletricidade estática é conhecida por saturar o campo de força. Isso requer primeiro destruir as montanhas que bloqueiam sua passagem e é aqui que intervêm os armamentos atômicos. O tabu atômico é, portanto, quebrado, em verdade de maneira indireta por um emprego em um obstáculo natural, para permitir a penetração no campo adversário. Com a superioridade numérica dos Fremen e o uso surpresa de vermes da areia, a continuação da luta não está mais em dúvida. Estranhamente, a luta termina com um duelo homérico, um risco considerável já que a pessoa do Muad'Dib é tão importante e que não se justifica estrategicamente.


Post script: notas do tradutor

Jornal com o Toussaint Rouge como capa.

O Toussaint Rouge, também conhecido como Toussaint Sanglante é o nome dado à série de ataques que ocorreram em 1 de novembro de 1954 - o festival católico do Dia de Todos os Santos - na Argélia Francesa. Normalmente é considerada a data de início da Guerra da Argélia, que durou até 1962 e levou à independência da Argélia da França. Os ataques ocorreram da meia-noite às duas da manhã, com 30 ataques a bomba e sabotagem em alvos policiais e militares; matando 4 militares franceses, 4 civis pied-noirs (franceses nascidos na Argélia) e 2 argelinos, com 1 pied-noir ferido.

Tabuleiro de Go.

O Go é um jogo de tabuleiro abstrato de estratégia para dois jogadores, em que o objetivo é cercar mais território do que o oponente. O jogo foi inventado na China há mais de 2.500 anos e acredita-se que seja o mais antigo jogo de tabuleiro continuamente jogado até os dias de hoje. Um documentário fez a comparação de que Giap e o comando norte-vietnamita em Hanói estavam jogando Go enquanto Westmoreland e o comando americano em Saigon estavam jogando Xadrez.

Bibliografia recomendada:




Leitura recomendada:


quinta-feira, 20 de agosto de 2020

COMENTÁRIO: Por que exoesqueletos militares continuarão sendo ficção científica

Uma mulher usa a armadura Scream em Hangzhou, na China, em 27 de maio de 2020: 
(Visual China Group)

Por Vikram Mittal, Forbes, 17 de agosto de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 20 de agosto de 2020.

[Nota do Warfare: As opiniões expressas neste artigo pertencem ao seu autor, não sendo necessariamente as opiniões do Warfare Blog.]

De Tropas Estelares de Robert Heinlein ao Homem de Ferro da Marvel, a ficção científica está repleta de trajes de combate futurísticos que fornecem a um soldado capacidades sobre-humanas. O maior desafio em trazer esses trajes de combate à realidade é o exoesqueleto robótico no qual o traje é construído. Na verdade, o complexo industrial militar possui um enorme cemitério de projetos de exoesqueletos.

O mais recente projeto de traje de combate, o Traje de Operador Leve de Assalto Tático (Tactical Assault Light Operator Suit, TALOS*), pretendia construir um exoesqueleto que pudesse aumentar a quantidade de armadura carregada por um operador das Forças Especiais. Embora o projeto TALOS tenha produzido inúmeras tecnologias derivadas, ele acabou falhando em produzir um traje, citando o conjunto padrão de desafios técnicos associados aos esforços de desenvolvimento de exoesqueleto.

*Nota do Tradutor: Na mitologia grega, Talos, também escrito Talus (Grego: Τάλως, Tálōs) ou Talon (Grego: Τάλων, Tálōn), era um autômato gigante feito de bronze criado para proteger a rainha Europa em Creta de piratas e invasores. Ele circulava as costas da ilha três vezes ao dia.

Um autômato (plural: autômatos), "agindo por vontade própria", é uma máquina relativamente autônoma, ou uma máquina ou mecanismo de controle projetado para seguir automaticamente uma sequência predeterminada de operações ou responder a instruções predeterminadas. Autômatos são projetados para dar a ilusão ao observador casual de que estão operando por conta própria. Desde muito tempo, o termo é comumente associado a fantoches automatizados que se assemelham a humanos ou animais em movimento, construídos para impressionar e/ou entreter as pessoas. Abaixo o gigante Talos no clássico Jasão e os Argonautas (1963):

O primeiro desafio técnico está relacionado ao sensoriamento - como o traje pode saber quando e como se mover. Sem detecção rápida, o intervalo entre o desejo do operador de se mover e o movimento real faz com que o operador sinta que está se movendo através de uma poça de gelatina.

Um segundo desafio está associado à atuação. Embora o acionamento de um joelho seja direto, articulações mais complexas, como quadris e tornozelos, requerem atuadores multidimensionais muito avançados. Mesmo os atuadores mais avançados ainda limitariam a amplitude total de movimento dessas articulações, resultando em uma diminuição da agilidade.

Equipamento de exoesqueleto movido a tecnologia, que pode ajudar entregadores a carregarem objetos pesados, antes do próximo 2019 Global Smart Logistics Summit (GSLS) no Hangzhou International Expo Center em 27 de maio de 2019, em Hangzhou, província de Zhejiang na China. O GSLS 2019 com o tema ‘Impulsionando a digitalização’ abre na terça-feira em Hangzhou.

O desafio técnico final é com a potência. Um exoesqueleto requer potência equivalente a uma pequena motocicleta. Embora várias alternativas de energia estejam disponíveis, os motores seriam muito barulhentos, as células de combustível seriam muito quentes e as baterias seriam muito pesadas. Além disso, a maioria das fontes de energia são muito inflamáveis ou explosivas, resultando em problemas de segurança.

A cada tentativa de exoesqueleto, o complexo industrial militar fica mais perto de resolver esses obstáculos técnicos, especialmente à medida que o setor comercial faz novos desenvolvimentos nos campos associados. Em particular, a comunidade protética fez enormes avanços no sensoriamento biomecânico. Além disso, vários participantes do setor de produtos de consumo estão trabalhando para desenvolver motores mais inteligentes e avançados. Além disso, uma grande parte dos esforços de pesquisa e desenvolvimento do mundo está focada em energia, então opções de energia mais leves e seguras estarão disponíveis em breve.

No entanto, em sua essência, esses desafios técnicos não serão o problema que impede o combate de exoesqueletos. Enquanto a ficção científica pinta uma visão otimista para exoesqueletos, a história pinta um quadro menos róseo. Vejamos, por exemplo, a Batalha de Agincourt, onde um grande contingente de cavaleiros franceses em armaduras perdeu para um pequeno grupo de arqueiros britânicos.

A história indica que há dois fatores críticos que todas as novas tecnologias devem levar em conta - logística e reações do inimigo. Infelizmente, os exoesqueletos têm deficiências em ambas as áreas.

Para que o traje seja eficaz, ele deve ser usado por um grande número de soldados, portanto, a comunidade de defesa precisaria adquirir um grande número desses trajes. No entanto, embora a maioria dos itens de uniformes venha em tamanhos padrão, cada exoesqueleto deve ser ajustado de acordo com o usuário. Além disso, o exoesqueleto deve se adaptar conforme o corpo do usuário muda. Qualquer desalinhamento entre os atuadores e as articulações pode tornar o traje inútil e potencialmente perigoso. Os recursos associados à fabricação e manutenção de um grande número de trajes personalizados seriam astronômicos, ao mesmo tempo que criariam um pesadelo logístico.

Região de Moscou, Rússia, 24 de agosto de 2018: Exoesqueleto desenvolvido pela Rostec em exibição no Fórum Técnico e Militar Internacional do Exército 2018.
(Marina Lystseva / TASS)

Em segundo lugar, os inimigos se adaptarão a qualquer nova tecnologia injetada no campo de batalha. A complexidade de um traje de combate se presta a muitas vulnerabilidades, com a maior fraqueza sendo a pessoa dentro do traje. Nos quadrinhos, o Homem de Ferro pode ser jogado de um lado para outro e sobreviver; entretanto, a física básica ditaria que a aceleração e desaceleração repentinas deveriam esmagar seus órgãos internos, matando-o. Embora o traje possa ser construído para sobreviver a explosões significativas e ser jogado a distâncias tremendas, o usuário dentro dele provavelmente ainda morreria. A abordagem lógica para combater esses problemas é tirar o humano do traje, o que, por sua vez, elimina a necessidade de um exoesqueleto.

Certas tecnologias mudaram a face da guerra e deram a seus usuários uma vantagem sem precedentes. Essas tecnologias variam de espadas de bronze a metralhadoras e submarinos, muitos dos quais têm raízes na ficção científica. No entanto, apesar desses sucessos, é melhor deixar algumas tecnologias no reino da ficção. Um desses conceitos futuristas são os exoesqueletos. Uma ou outra vez, a comunidade de defesa falhou em produzir exoesqueletos funcionais devido a desafios técnicos. Embora esses desafios provavelmente sejam resolvidos pelo setor comercial, o uso de exoesqueletos tem problemas fundamentais que provavelmente impedirão seu uso em combate.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

O Exército Francês está contratando escritores de ficção científica para imaginar ameaças futuras3 de junho de 2020.




FOTO: Saddam Hussein e a ficção científica28 de fevereiro de 2020.

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Operação Haboob: E se a França tivesse engajado-se no Iraque em 2003?

Fuzileiros navais americanos posando com um retrato do ditador Saddam Hussein, 2003.

Pelo Tenente-Coronel Michel Goya, La Voie de l'Épée, 23 décembre 2011.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de agosto de 2020.

A Operação Haboob ("Tempestade de Areia" em árabe) é o nome do engajamento das forças francesas no sul do Iraque de 2003 a 2009 como parte da coalizão liderada pelos Estados Unidos. A operação é obviamente imaginária e o nome é inventado. Porém, se acreditarmos, entre outros, nos documentos revelados pelo Wikileaks, com outro Presidente da República que não Jacques Chirac e até o atual poder, esta operação poderia ter ocorrido. Portanto, não é totalmente inútil torná-la ucrônica.* 

Soldados franceses do 3e RIMa diante de um retrato do ditador Saddam Hussein doze anos antes, em 1991.

*Nota do Tradutor: Ucronia, história de eventos fictícios a partir de um ponto de partida histórico; "counter-factual".

Áreas de responsabilidade da Coalização no Iraque em 30 de abril de 2004.

É provável que o volume do contingente francês engajado fosse bastante próximo ao do britânico, sem dúvida um pouco menor por causa de nossos meios um pouco mais limitados e de nossos compromissos em outros lugares. Como os outros contingentes aliados, uma vez derrubado o regime de Saddam Hussein, teríamos nos estabelecido no Sul, mas provavelmente não em Basra reservada aos britânicos, aliados privilegiados e ex-ocupantes da cidade. Tendo em conta o nosso volume de forças e a qualidade dos nossos quadros, poderíamos ter pego a chefia da divisão multinacional Centro-Sul no lugar dos polacos, entre Bagdá e as zonas petrolíferas. Além do núcleo duro do estado-maior da divisão, que teria levado em consideração cerca de vinte contingentes com regras de engajamento mais complexas e restritivas entre si, também teríamos fornecido dois ou três grupos de armas combinadas* para proteger os lugares sagrados de Najaf e Karbala, e os eixos logísticos na região do Kuwait.

Exemplo da ordem de batalha de um SGTIA.

*NT: Um Groupement Tactique Interarmes (GTIA) é uma força de armas combinadas de valor regimento que incorpora elementos de infantaria, cavalaria, artilharia e engenharia em uma força de combate auto-suficiente, para objetivos táticos definidos. O GTIA é geralmente uma unidade temporária, formada para cumprir uma missão - ou várias missões - durante um período fixo. 
Cada uma das unidades de combate de um GTIA (companhia ou esquadrão) provavelmente constituirá um subconjunto de armas combinadas denominado SGTIA (sous-groupement tactique interarmes/ subgrupo tático de armas combinadas). Um exemplo de uma configuração possível seria uma companhia de infantaria reforçada por um pelotão de carros de combate, mais elementos de engenharia.

Derrubada de uma estátua do ditador Saddam Hussein em Badgá, 2003.

Dado o fraco apoio da opinião pública francesa a esta operação, ela teria sido "encoberta" pelo apelo a todas as virtudes da ação humanitária. As forças teriam recebido instruções estritas de prudência, bem como de meios "tão justos" e especialmente não "agressivos". Como os outros, teríamos, portanto, tomado toda a força da revolta Mahdista de 2004. Lembre-se de que, na época, os contingentes aliados não lutaram e apelaram aos americanos para reduzirem as forças do exército Mahdi. Admitindo que fôssemos mais combativos, o que creio, teríamos nos envolvido, sozinhos ou mais provavelmente ao lado dos americanos, por vários meses de luta (a crise durou de abril a outubro de 2004). Teríamos perdido entre 100 e 200 mortos e feridos nessas batalhas.

Combatentes xiitas do Exército Mahdi, 2004.

Posteriormente, teríamos, como os britânicos em Basra, sem dúvida testemunhado impotentemente a tomada das províncias xiitas pelas várias milícias e, na segunda linha, a guerra civil de 2006. Com a aproximação das eleições presidenciais francesas de 2007 , as forças teriam sido solicitadas a deixar as bases o mínimo possível e a se manterem discretas. Uma parte delas seria até repatriada, para fins eleitorais. As últimas unidades francesas teriam deixado o país discretamente em 2008, aproveitando o sucesso inesperado do Surge (Surto) americano.

O General David Petraeus, um dos principais arquitetos do Surge.

Em resumo, comparando com outros aliados, principalmente os britânicos, teríamos cerca de 150 soldados mortos e 1.000 feridos, além de custos humanos indiretos (suicídios, distúrbios psicológicos graves, não-renovação de contratos, etc.) da mesma ordem, ou seja, o equivalente a dois regimentos completos perdidos. Financeiramente, ao acumular custos militares e civis, esta operação teria custado ao Estado entre 5 e 10 milhões de euros, já para não falar dos custos indiretos (pensões de feridos, recondicionamento de equipamentos, etc) dificilmente calculáveis, mas provavelmente superiores.

Elementos do GTIA de Kapisa no Vale do Alasei, em 2009.
Em primeiro plano um AMX-10RC e ao fundo alguns VAB.

Por esse preço, o número de armas de destruição em massa nas mãos dos malfeitores não teria diminuído no mundo, nem o número de terroristas. A França teria contribuído para a eliminação de uma tirania, o que está longe de ser desprezível, e para o estabelecimento de uma democracia imperfeita, corrupta e muito frágil. Sua imagem com os americanos teria sido preservada, mas talvez não no resto do mundo.

Mas é claro que tudo isso não passa de imaginação.

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