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terça-feira, 6 de dezembro de 2022

FOTO: Cerimônia de Sainte-Geneviève com o GIGN


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 6 dezembro de 2022.

Esta manhã, dia 6 de dezembro de 2002, ocorreu a cerimônia de Sainte-Geneviève, a padroeira dos gendarmes franceses. Esta celebração não acontecia desde 2019 por conta da pandemia. A foto foi tirada por Stéphane Bommert (@StephaneBommert).

Geneviève, nascida em Nanterre por volta de 420 e falecida em Paris entre 502 e 512, é uma santa francesa, padroeira da cidade de Paris, da diocese de Nanterre e dos gendarmes. A forma do latim Genovefa também é usada e deu o nome de “génovéfain” (religioso).


Os gendarmes na foto são os famosos "supergendarmes' do Grupo de Intervenção da Gendarmaria Nacional (Groupe d'intervention de la Gendarmerie nationale), o GIGN. Por seu caráter de forças especiais, os comandos estão cobrindo o rosto. Eles estão armados com fuzis FAMAS com baioneta, e usam suas condecorações e brevês. O militar em primeiro plano tem o brevê de sniper, com o fuzil FR F2 e um alvo sobrepostos.

Brevet tireur d'élite.

Bibliografia recomendada:

GIGN:
40 ans d'actions extraordinaires,
Roland Môntins.

GIGN:
Nous étions les premiers,
Christian Prouteau e Jean-Luc Riva.

Leitura recomendada:




domingo, 27 de novembro de 2022

As mulheres do RAID, do GIGN ou da BRI: essas exceções nas unidades de elite

"Eles são pessoas atléticas, motivadas e com uma mente muito forte."
(Andrea Mongia)

Por Anne Vidalie, Madame Figaro, em 07 de junho de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 27 de novembro de 2022.

Reportagem: Elas são apenas um punhado, atribuídas às unidades de aplicação da lei mais prestigiadas, GIGN e BRI. Nem Mulheres Maravilha nem kamikazes, essas atletas cheias de adrenalina e senso de dever nos contam sobre seu cotidiano neste mundo de homens experientes.

Na foto, seu longo cabelo loiro se destaca. Neste dia de abril de 2016, no pátio ensolarado do Hôtel de Beauvau, o Ministério do Interior reuniu, para um discurso, cerca de cinquenta policiais em guarda-parques e uniformes - azul para o BRI-N, a Brigada de Pesquisa e Intervenção Nacional, preta para seus colegas no RAID, a unidade de pesquisa, assistência, intervenção e dissuasão. Cerca de cinquenta homens, cabelos curtos e pistolas ao lado. E uma mulher, portanto, Sônia (pseudônimo), com seu rabo de cavalo. A primeira a se juntar ao prestigioso BRI-N, conhecido como "Nat" (de "Nacional"), cinco anos antes.

A brigadeira (cabo) de 41 anos, agora estacionada no BRI em Rouen (sua nova designação por dezoito meses) é pioneira. Uma exceção, também, nas fileiras das unidades de elite. Porque entre os supergendarmes do GIGN como entre seus colegas policiais, as meninas podem ser contadas exatamente nos dedos das duas mãos: 5 nas 22 agências do BRI, de 380 agentes; 5 também para o GIGN, para 250 soldados de campo; 10 mulheres escolhidas a dedo que explodiram em um mundo de ultra-testosterona; 10 mulheres apaixonadas por caçar "bandidos grandes" ou dedicadas a proteger o Presidente da República. Se algumas hesitaram entre o exército, a polícia ou a gendarmaria, nenhuma empunhou o uniforme por acaso ou por omissão. Em suas bocas, uma palavra volta como um mantra: "servir". Seu país e seus concidadãos.

Tiro de alta precisão e treinamento comando

A maréchale des logis Estelle, 27, deve em breve ingressar neste pequeno clube. La Tourangelle está prestes a realizar seu sonho: instalar-se no campo de Versalhes-Satory, a base do GIGN, entrincheirada atrás de sua cerca eletrificada encimada por arame farpado. Em janeiro, a jovem começou seus doze meses de treinamento regulatório lá, uma versão caseira dos Trabalhos de Hércules. No programa: tiro de alta precisão, paraquedismo, esportes de combate, estágio comando, condução rápida, spinning e primeiros socorros, em particular.

"As meninas podem ser contadas exatamente nos dedos das duas mãos: 5 nas 22 antenas da BRI, de 380 agentes; 5 também no GIGN, para 250 militares em campo."
(Andrea Mongia)

Não muito tempo atrás, Estelle e seus companheiros foram atrás de um fugitivo. Escapado de uma van da prisão, o homem havia roubado uma arma e munição dos gendarmes da escolta, antes de se refugiar em prédios abandonados. Depois de tentar em vão argumentar com ele, os soldados realizaram o assalto. Alguns minutos depois, eles algemaram o maníaco. Uma notícia que passou despercebida? Não, um exercício especialmente inventado para endurecer o futuro "ops" (operacional) do GIGN.

"A provação da água fria"

Para chegar lá, Estelle teve que superar uma cansativa pista de obstáculos. A semana de pré-seleção, primeiro. Depois o temido "pré-estágio". Durante oito semanas, essa fã de triatlo, escalada e deslizamento esportivo corre, dia e noite, com a mochila nas costas. Ela sobe e rasteja, mergulha e nada, quase sem dormir. Ela luta com chutes e socos. Como os meninos, exceto por dois detalhes: as meninas usam um pacote de 5 quilos e não 11 para a marcha comando, e têm o direito de usar as pernas para subir na corda. Em 2018, Estelle falhou no "teste de água fria". O "curso d'água", com uniforme em um lago a 5°C, estava além de suas forças. Dois anos depois, "mais bem preparada mentalmente graças às sessões de hipnose", ela foi selecionada, a única mulher em uma classe de 22 gendarmes.

"Elas são ainda mais motivadas e perseverantes do que os homens."

“Elas são ainda mais motivadas e perseverantes que os homens”, saúda o Tenente Hugues (pseudônimo), responsável pelo recrutamento e integração no GIGN. Isso é um eufemismo. Em 2014, Mona (pseudônimo) teve que jogar a toalha na quinta semana devido a uma mega laceração intercostal. Esta maratonista-jogadora de vôlei-judoca-boxeadora do exército "levou um treinador que a colocou na miséria com Muay Thai e CrossFit" para se apresentar novamente no ano seguinte. No terceiro dia de seu pré-estágio, Sabrina*, recebeu no pescoço um colosso de 100 kg. Ela rangeu os dentes por três semanas, até que seus superiores mandaram sua manu militari para o hospital, os tendões do pescoço a poucos milímetros da ruptura. Ela corria o risco de ficar tetraplégica. Dois anos e uma operação depois, ela estava de volta. "Os homens e mulheres do GIGN não são Golgoths ou Mulheres Maravilha, diz ela, no entanto. Eles são pessoas atléticas, treinadas e dotadas de uma mente muito sólida." Aço endurecido, de fato.

Na BRI, a seleção também não é um piquenique. Em 2009, quando Sonia se inscreveu para esta unidade 100% masculina, ela primeiro teve que convencer os hierarcas a lhe dar uma chance. “Com os chefes e líderes de grupos, nos reunimos para discutir isso, confidencia um deles. Alguns eram muito contrários à presença de mulheres”. Não fisicamente forte o suficiente. E então era provável que "causasse problemas com os caras". O "taulier" (patrão) da casa não compartilha desses preconceitos. Ele dirá "sim" para Sonia.

Não estão à altura?

Hervé Gac, o chefe da BRI nacional, está desapontado. Este ano, recebeu apenas uma candidatura feminina, ele que gostaria de ver "mais mulheres" na sua equipe. “Um casal em um carro, ainda passa mais despercebido do que dois caras”, aponta o comissário. Os motivos, ele sabe de cor: o medo de não estar à altura; preocupações (justificadas) com a vida familiar. “E a base de recrutamento é reduzida, dado o seu pequeno número nas fileiras da polícia”, observa Denis Favier, ex-chefe do GIGN, então da gendarmaria nacional.

Hoje, elas representam 20% dos efetivos da gendarmaria, 28% da polícia. Os homens às vezes resistem. Em 2016, o ex-chefe do RAID, Jean-Marc Fauvergue, propôs uma mulher para o cargo vago de número 3. "O diretor-geral não me seguiu", lamenta. Em janeiro, uma comissária divisional foi abordada para assumir o comando da BRI parisiense. Mas um conselheiro do Ministério do Interior foi preferido a ela in extremis.

Na semana de provas, ela é a única moça entre mais de 70 candidatos. Assim como seus camaradas, a faixa preta de caratê combina exercícios de spinning e imobilização, percursos de tiro em locais fechados ou abertos, boxe e luta de solo, flexões, flexões e corrida à pé. E, a cereja desta pista de obstáculos, os famosos “rappels de nuit”, estas provas noturnas que minam a lucidez e a reatividade dos candidatos. “É muito apropriado para o trabalho da BRI porque, devido às operações noturnas e aos finais de semana, muitas vezes estamos exaustos”, disse a policial. Desde 2013, os sortudos têm direito a um estágio dos "recém-chegados". Quatro semanas de treinamento nas diversas especialidades do banditismo - entorpecentes, roubos e sequestros - e na neutralização de indivíduos perigosos. Adrenalina garantida!

Desejo de ação e terreno

Gendarmes ou policiais, essas esportistas um tanto ousadas, em busca de "ação" e "terreno", "querem que as coisas andem". Algumas fugiram do tédio do serviço ou da delegacia, como Charlie (pseudônimo), 34, guarda estacionada na BRI em Estrasburgo e duas vezes vice-campeã europeia de canoagem. Outros, fartos de pequenos criminosos e traficantes da cidade, ardiam para caçar a aristocracia de bandidos, esses ases do roubo, extorsão ou tráfico de todos os tipos. Mona, ela deixou o exército porque os comandos, uma década atrás, ainda eram fechados para as mulheres. Ela ingressou na gendarmaria com uma ideia fixa: ingressar nas fileiras das forças especiais da casa, o lendário GIGN.

"Eu senti que tinha que me provar a cada momento."

- Charlie.

Com seus colegas homens, os primeiros meses nem sempre foram bons. Elas se sentiram medidas, julgadas. "No início, ficou claro que alguns não queriam trabalhar comigo", diz Charlie. "Eu senti que tinha que me provar o tempo todo." No entanto, não, ela não se arrepende de nada (em alusão à música de Edith Piaf). Era "se lançar e ver sem ser vista", estar sentada num ônibus com dois lugares do “alvo” que nada desconfia. Lya, 36 anos, há seis anos no BRI-N, também gosta de "filocher" (girar) e "apertar" (parar) os "bandidões". “Temos o negócio mais bonito”, sublinha a brigadeira de olhos verdes. Ela e Sonia fizeram parte do esquadrão que acabou com a fuga midiática do ladrão Redoine Faïd, em 3 de outubro de 2018, em um HLM em Creil, norte de Paris. O epílogo de uma caçada que começou três meses antes, quando o reincidente escapou de helicóptero de uma prisão na região de Ile-de-France.

Edith Piaf - Non, Je ne regrette rien

Disfarçar-se três vezes ao dia

"A pequena", segundo os colegas, também não reluta nas "inter". Estas chamadas operações de "intervenção" para as quais a policial de 1,65m por 55kg, ex-integrante da equipe de boxe e vôlei da polícia francesa, deve se transformar em uma Tartaruga Ninja, com colete à prova de balas e capacete anti-armas de guerra. Um kit de cerca de trinta quilos ao qual se juntam por vezes o escudo de 25kg, até o "door raider", o abre-portas de 30kg.

"Ela sobe e engatinha, mergulha e nada, quase sem dormir."
(Andrea Mongie)

Na força de observação e pesquisa do GIGN, Mona faz o mesmo trabalho que Lya. Por uma, duas, três semanas, a adjudante loira cruza a França no encalço de um bando de vigaristas. Ela nunca se cansa disso, ela que adora se arrumar para passar despercebida em uma cidade, um restaurante chique ou um acampamento de zonards. "Cada vez, levo a roupa toda, perucas, óculos, sapatos, calças largas, jeans justos, jogging, saia, shorts, vestido longo, véu islâmico etc., ela lista. Você tem que ser capaz de mudar sua aparência três ou quatro vezes no mesmo dia."

Após nove anos dessa vida, Sabrina, 39 anos, trocou o acampamento Satory pelo Palácio do Eliseu. A partir de agora, ela garante a proteção de Emmanuel Macron dentro do Grupo de Segurança da Presidência da República, que mistura policiais e gendarmes. "O objetivo é criar em torno dele uma bolha de segurança adaptada às circunstâncias", explica a ajudante-chefe. Seu companheiro, ex-integrante do esquadrão paraquedista da gendarmaria, entende "as limitações da profissão". Exceto uma: a parisiense Lya, em um relacionamento com um policial da subdiretoria antiterrorista e mãe de uma menina de um ano. "Conseguimos, ela confidencia. Mas um de nós terá que optar por horários mais estáveis." Não tenho certeza se é ela...

Bibliografia recomendada:

A Mulher Militar:
Das origens aos nossos dias,
Raymond Caire.

Leitura recomendada:

ENTREVISTA: Camille, da Guarda ao Grupo27 de agosto de 2022.

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sexta-feira, 18 de novembro de 2022

Lembrando a guerra francesa no Afeganistão


Por Olivier Schmitt, War on the Rocks, 10 de setembro de 2018.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 18 de novembro de 2022.

Jean Michelin, Jonquille Afghanistan, 2012 (Gallimard, 2017)

Após os ataques de 11 de setembro, a França rapidamente expressou seu apoio aos Estados Unidos. O diário francês Le Monde publicou a manchete “Somos todos americanos” no dia seguinte aos ataques. O presidente Jacques Chirac foi o primeiro líder a se encontrar com o presidente George W. Bush uma semana após os ataques. Em diversas ocasiões, os políticos franceses declararam que apoiariam os Estados Unidos, por uma questão de solidariedade. Por exemplo, em frente à Assembleia Nacional Francesa em novembro de 2001, o primeiro-ministro Lionel Jospin declarou: “Se a França participa desse conflito, não é contra o Afeganistão, mas sim porque os Estados Unidos sofreram ataques de rara violência e, como aliada, a França tem que ficar do lado dos americanos”.


No entanto, assim como tantos outros países da OTAN que se juntaram à guerra dos Estados Unidos, as prioridades estratégicas francesas estão em outro lugar que não o Afeganistão. No caso francês, as missões no Kosovo, no Líbano ou em vários países africanos eram prioridades maiores, e a França lutou para conciliar a demonstração de solidariedade a um custo mínimo. Isso explica o compromisso militar flutuante: limitado até 2008, ambicioso entre 2008 e 2012 (quando a França assumiu a responsabilidade pelos distritos de Kapisa e Surobi), pois os tomadores de decisão sentiram que deveriam combinar palavras com ações depois que Paris voltou a se juntar à estrutura militar integrada da OTAN, e limitada novamente após 2012, quando o presidente François Hollande declarou vitória e implementou sua promessa de campanha de retirar as “tropas de combate” francesas do Afeganistão até o final de 2012. A missão no Afeganistão nunca foi popular na França, principalmente porque as elites políticas falharam em criar uma narrativa coesa: se o Afeganistão não era importante antes de 2008, por que se tornou o principal engajamento das forças armadas francesas depois dessa data? Hollande decidiu então se alinhar com a opinião pública francesa e retirar as forças francesas. Esta decisão foi vista pelos parceiros da OTAN, em particular os Estados Unidos, como enviando um sinal errado, embora a França tenha tentado pintar a retirada como o passo lógico depois que as regiões de Kapisa e Surobi foram transferidas para as forças afegãs.

Militarmente falando, os planos da campanha francesa evoluíram fundamentalmente com a eleição de Nicolas Sarkozy para a presidência. Ele decidiu aumentar a contribuição francesa, com um objetivo estratégico claro: melhorar o relacionamento com os Estados Unidos.

Comboio soviético no Passo de Salang em 1988.

A França concordou em assumir a responsabilidade pelas regiões de Kapisa e Surobi, duas áreas pequenas e montanhosas de importância estratégica crítica devido à sua proximidade com Cabul e a rodovia de Salang. As províncias controlam o acesso à parte norte do Afeganistão a partir de Cabul, mas também ao Paquistão através da província de Laghman, a sudeste. Devido à sua importância geográfica, a área já foi violentamente disputada pelos mujahedin e pelos soviéticos durante a invasão soviética do Afeganistão. Os franceses desdobraram uma brigada na região, sob o comando do Comando Regional-Leste. No entanto, como a França havia se recusado anteriormente a participar do sistema de equipes de reconstrução provincial, a divisão do trabalho entre europeus e americanos foi invertida em Kapisa. Enquanto a maioria dos países europeus administrava suas próprias equipes de reconstrução provincial, com as tropas americanas fornecendo a principal força no campo de batalha após o “surge” (ver, por exemplo, a Noruega em Faryab ou o Reino Unido em Helmand), o oposto aconteceu: uma equipe de reconstrução provincial americana liderou a governança e operações de desenvolvimento, enquanto as forças militares francesas lideravam as operações de segurança.

A campanha no Afeganistão foi um importante motor de transformação nas forças armadas francesas. Os franceses trabalharam como parte de uma coalizão, adaptados aos perigos do campo de batalha (por exemplo, redescobrindo como lidar com dispositivos explosivos improvisados) e experimentaram uma nova estrutura organizacional, como os Groupements Tactices Interarmesgrupos de batalha ad hoc de armas combinadas, compostos de companhias e seções oriundas de diferentes regimentos.


As memórias de Jean Michelin, Jonquille (que significa “Narciso”, seu codinome de chamada de rádio) nos levam ao coração da experiência de combate francesa. Este livro lindamente escrito é notavelmente diferente do relato do herói-machão que dominou o gênero nos últimos anos. Como capitão do exército, Michelin foi destacado para o Afeganistão em 2012 para comandar uma companhia de combate. Ele fica sabendo da eleição de Hollande ao chegar à base aérea de Bagram e rapidamente entende que o novo presidente francês cumprirá sua promessa de campanha de retirar as tropas de combate, uma decisão que, é claro, definirá sua turnê.

A companhia de Michelin será a última tropa francesa a ocupar o posto avançado de Tagab. No momento de sua chegada, as forças armadas francesas já haviam se adaptado ao campo de batalha afegão, um processo que provavelmente começou após uma emboscada em 2008 no vale de Uzbeen que tirou a vida de dez soldados franceses, com 21 feridos. Essa perda, a mais significativa para as forças francesas desde o ataque ao edifício Drakkar no Líbano em 1983, foi um choque para o povo francês e seus militares. Em 2012, as tropas francesas são bem diferentes de suas contrapartes de 2008: Os equipamentos melhoraram, as táticas foram desenvolvidas e alguns soldados de Michelin já foram destacados na área e são aguerridos, embora seja a primeira turnê do autor no país.


Michelin faz um ótimo trabalho ao mostrar a experiência militar diária dessas tropas, desde as interações às vezes frustrantes com os comandantes e a tensão de cada missão, até a vida cotidiana em uma base operacional avançada e a tolice e o humor que permeiam os desdobramentos quando as balas não estão disparando. O autor claramente tem grande respeito pelas tropas sob seu comando, desde o soldado raso até seus companheiros oficiais. Cada capítulo leva o nome de um desses soldados, que ocupa o centro do palco por algumas páginas. Longe de dar a impressão de “super-guerreiros” executando operações de combate sozinhos, essa escolha destaca como esses soldados fazem parte de um todo orgânico.

Michelin não fala de política, mas está sempre presente, em primeiro lugar porque, uma vez tomada a decisão de retirada do Afeganistão, a proteção da força definitivamente tem precedência sobre outras preocupações operacionais. O autor explica as consequências em vários capítulos, que juntos fornecem uma ótima ilustração de um dos dilemas centrais da guerra contemporânea: como lutar de forma eficaz, minimizando as baixas. Um dos firmes constrangimentos tácticos impostos aos soldados franceses é a ordem permanente de evitar qualquer combate na “zona verde” do vale do Tagab, zona onde a vegetação oferece cobertura ideal aos insurgentes e que assistiu a intensos combates antes da turnê de Michelin. Ao longo do livro, fica claro que a zona verde é percebida como um perigo à espreita que ameaça as tropas. Mas gera fascínio e frustração nos soldados, ansiosos por desafiar o inimigo e ressentidos com os limites impostos às suas ações. Talvez eu esteja lendo muito sobre isso, mas descobri que as discussões de Michelin sobre a zona verde me lembraram de como Julien Gracq retrata o Farguestão em seu maravilhoso romance The Opposing Shore (que você deve ler imediatamente, caso ainda não o tenha feito).


A política também está presente ao mostrar os sucessos do Exército Nacional Afegão. Os franceses usaram as crescentes capacidades das tropas afegãs como uma justificativa fundamental para a retirada, tanto para o público doméstico quanto especialmente para os aliados. Mas Michelin admite francamente que suas tropas tiveram muito pouca interação com as forças afegãs, em grande parte devido ao aumento de incidentes “verde sobre azul”. Ele também retrata a raiva de seus próprios soldados quando, durante uma operação liderada pelos afegãos que se transformou em um combate feroz com o Talibã, eles recebem ordens de não intervir. Paris era incapaz de tolerar mais soldados morrendo.

O livro oferece informações interessantes sobre várias características da guerra ocidental durante a intervenção no Afeganistão: a importância do poder aéreo para apoiar as tropas terrestres, o equipamento excessivamente pesado que os soldados precisam carregar durante suas operações (à custa da proficiência tática) e o que isso significa para fazer parte de uma operação de coalizão como parceiro minoritário dos Estados Unidos. Para as tropas francesas, o apoio logístico dos EUA é claramente percebido como um luxo, como demonstra uma curta viagem ao aeródromo de Bagram, que Michelin foi incentivado por seus superiores a usar como uma oportunidade para relaxar por alguns dias e aproveitar (abusar?) das instalações americanas. O autor também alude a alguns dos desafios de comandar tropas oriundas de diferentes regimentos e especialidades ocupacionais, reunidas de forma ad hoc, o que faz sentido operacional, mas gera problemas de fricção e coesão. Microculturas de comando, planejamento ou rituais militares são resilientes, mesmo dentro do mesmo exército. Do ponto de vista sociológico, os leitores podem querer mais detalhes sobre esses episódios, mas é compreensível que o autor, que ainda serve nas forças armadas francesas, não se aprofunde aqui.

Legionários engenheiros do 2e REG no Afeganistão.

Apesar da forte ênfase na proteção da força, Michelin recorda de forma pungente os detalhes e as consequências de um ataque suicida em 9 de junho que levou à perda de soldados franceses. Uma equipe de Cooperação Civil-Militar (CIMIC) colocada sob o comando de Michelin para esta missão específica é visada, quatro dos seus membros são mortos e alguns soldados do autor ficam feridos. Michelin é brutalmente honesto ao recordar o “alívio covarde” que sente ao perceber que as baixas não são militares da sua companhia, mas da equipe CIMIC, imediatamente seguidas de vergonha e raiva por pensar isso. Ele também relata as dúvidas do comandante tático no local (adjunto de Michelin) que “repassa” a missão constantemente em sua cabeça e questiona se ele poderia ter feito as coisas de maneira diferente. O autor também revela o efeito do ataque nos soldados que sobreviveram e no funcionamento da companhia como unidade de combate. Um dos momentos mais reveladores do livro é quando um suboficial antigo, observando que os soldados mais jovens não parecem entender totalmente o que acabou de acontecer, menciona que deseja que eles percebam que “isso não é a porra do Call of Duty”.


Para os americanos que sabem ler francês, o livro será interessante não apenas por suas qualidades literárias, mas também porque dá uma visão do “jeito francês de guerra” no Afeganistão. Notavelmente, mostra como as forças armadas com muito menos apoio logístico e meios disponíveis do que as forças armadas americanas se organizam efetivamente para a guerra expedicionária (como também ilustrado pela intervenção subsequente da França no Mali). Mas o livro também é um dos primeiros sinais do que poderia estar evoluindo nas relações civis-militares na França. É publicado na coleção “Blanche” da Gallimard, a coleção de maior prestígio em um país tão obcecado por literatura que celebra a nova “temporada literária” todo mês de setembro. Também faz parte de várias publicações recentes de soldados franceses contando sua experiência no combate moderno, por exemplo, o General Bernard Barrera no Mali, o Major Brice Erbland (que também aparece no livro de Michelin) no Afeganistão e na Líbia, ou o Sargento Tran Van Can no Afeganistão, entre outros.

Essa tendência segue uma revitalização dos debates estratégico-militares franceses no final dos anos 2000, cujos principais atores foram retratados por Michael Shurkin, e pode ser ilustrativa de uma geração que conheceu o combate, mas quer evitar a criação de uma “sociedade militar” removida da dinâmica social mais ampla na França. Portanto, os falantes de francês devem ler Jonquille tanto por seus próprios méritos quanto por seu lugar no contexto mais amplo das relações civis-militares francesas. Só podemos esperar que eventualmente seja traduzido para o inglês.


Sobre o autor:

Olivier Schmitt é professor associado do Center for War Studies, University of Southern Denmark, e autor de Allies that Count: Junior Partners in Coalition Warfare (Georgetown UP, 2018). Ele tuíta em @Olivier1Schmitt.

Leitura recomendada:

sexta-feira, 28 de outubro de 2022

FOTO: Guarda-bandeira da Brigada Franco-Alemã

Soldado francês escudado por alemães,
14 de julho de 2019.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 28 de outubro de 2022.

Guarda-bandeira binacional da Brigada Franco-Alemã, todos armados com fuzis FAMAS F1, o famoso bullpup francês. Os soldados usam camuflados dos seus respectivos países, manoplas brancas e a boina azul da brigada que é usada "à inglesa", com o distintivo do lado esquerdo.

Desfile da Brigada Franco-Alemã em Reims em homenagem ao 50º aniversário da amizade franco-alemã, 19 de outubro de 2012.

A criação da Brigada Franco-Alemã foi um dos gestos de aproximação entre a França e a Alemanha depois de quase um século de animosidade permanente. No dia 22 de janeiro de 1963, dezoito anos após o fim da Segunda Guerra Mundial, o presidente Charles de Gaulle e o chanceler alemão Konrad Adenauer assinaram o Tratado do Élysée, estabelecendo a amizade franco-alemã.

A Brigada de mesmo nome foi acionada em 2 de outubro de 1989, sob o comando do General Jean-Pierre Sengeisen; o comando da brigada sendo alternado entre as duas nacionalidades. Seu atual comandante é o General Marc Rudkiewicz, e as tropas são - desde 2016 - provenientes da 1re Division Blindée francesa e a 10. Panzerdivision alemã, formando uma brigada de infantaria mecanizada de 5.980 homens. Seu lema é:

Le devoir d'excellence
Dem Besten verpflichtet
("O dever da excelência")

sexta-feira, 23 de setembro de 2022

Incursões paraquedistas na Indochina: duas incursões francesas no Vietnã

Pelo Tenente-Coronel Albert Merglen, Exército Francês.

Military Review, abril de 1958.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 23 de setembro de 2022.

Durante os oito anos de guerra travada pelo Exército Francês no Vietnã contra as forças comunistas do Viet-Minh, as duas ações militares que obtiveram o maior sucesso material e moral - com o mínimo de perdas e no menor tempo - foram as incursões aerotransportadas em 9 de novembro de 1952 em Phu-Doan, e em 17 de julho de 1953 em Lang Son.

Devido à precisão das informações de inteligência, a surpresa e a bravura das unidades engajadas, essas operações nas áreas de retaguarda do inimigo permitiram a captura ou destruição de importantes depósitos de armamentos e munições que apoiavam toda a atividade Viet-Minh no Vietnã do Norte.

O crescente poder destrutivo das armas nucleares pode muito bem levar a um aumento na possibilidade de mais pequenas guerras de "brush fire" (tiroteio no mato).

É por essa razão que o estudo dessas duas operações aerotransportadas francesas apresenta interesse histórico e didático. Em uma aliança, o conhecimento das experiências de um aliado - "fracassos e sucessos" - é a base do aumento da eficiência.

Após um breve esboço da situação geral no Vietnã em outubro de 1952, o planejamento e a execução das incursões serão analisados para incluir as lições aprendidas durante essas operações.

"Parceiros em futuras alianças devem estar preparados para trabalhar e planejar juntos agora, se quiserem atingir o máximo em cooperação. Isso deve incluir a coordenação da organização, o desenvolvimento técnico e as táticas."

A situação geral

Soldado Viet-Minh segurando uma mina Lunge na rua Hàng Đậu, durante a Batalha de Hanói, em dezembro de 1946.

Quando o ataque surpresa Viet-Minh começou em 19 de outubro de 1946 em Hanói, o Exército Francês tinha apenas cerca de 30.000 homens na Indochina (área de cerca de 300.000 milhas quadradas, população, 29 milhões de habitantes). Inicialmente, de 1946 a 1950, a guerra era do tipo "guerrilheiro". Então, lentamente, devido à organização comunista e à ajuda chinesa, uma luta aberta ocorreu do final de 1950 a 1954.

Quando o Alto Comando Viet-Minh lançou a invasão do país Tai no outono de 1952, um equilíbrio de poder fora alcançado. (Figura 1) Os objetivos da operação eram a conquista de uma linha de partida contra o Laos, a ligação com o Sião [Tailândia] e a captura da preciosa safra de ópio.

Figura 1:
O Vietnã em 1952-1953.

Nessa época, o Exército Viet-Minh incluía, além de 300.000 auxiliares locais e 120.000 "guerrilheiros" provinciais, um Exército Regular com seis divisões de infantaria e uma divisão de artilharia de cerca de 100.000 soldados bem equipados e treinados. Em 23 de outubro de 1952, as divisões vermelhas cruzaram o Rio Negro, movendo-se em direção ao sudoeste. O suprimento para essas tropas veio da área de Tuyen Quang, via Yen Bay.

O Alto Comando francês, em vez de dissipar seus esforços em uma defesa frontal, decidiu atingir a linha de comunicações e depósitos inimigos na zona vital de Phu-Doan, entre Tuyen Quang e a baía de Yen. O ataque à baía de Yen, base avançada da ação ofensiva do Viet-Minh contra o país Tai, teria sido a melhor manobra, é claro. No entanto, os meios disponíveis em unidades terrestres e aéreos não eram suficientes para conduzir uma tal operação. Restava apenas a possibilidade de empreender uma ação contra Phu-Doan, a qual recebeu o codinome Lorraine (Lorena).

Realizada em outubro, Lorraine essencialmente era uma incursão terrestre expandida a qual fora iniciada a partir de Vietri. No início de novembro, uma poderosa força-tarefa de infantaria e blindados havia alcançado uma área a cerca de 32 quilômetros a partir da importante encruzilhada de Phu-Doan, onde estradas e vias fluviais se uniam para permitir o abastecimento da ofensiva do Viet-Minh.

O Tenente Hélie de Saint Marc, Capitão Merglen (autor) e o Capitão Bloch, então comandante do 2e BEP, em Na San, no final de 1952.
(Frans Janssen
 / NLLegioen).

A Operação de Phu-Doan

Figura 2:
A Incursão Aeroterrestre sobre Phu-Doan,
9 de novembro de 1952.

Decidiu-se lançar uma operação aerotransportada de tamanho de equipe de combate regimental (regimental combat team, RCT) em cada lado do rio Song-Chay para assegurar a destruição dos depósitos e instalações do inimigo.  Uma coluna motorizada deveria efetuar a junção com a força aerotransportada (Figura 2).

O conceito da operação foi de, na manhã de 9 de novembro, lançar a força primeiro para tomar o cruzamento da estrada sobre o rio e a encruzilhada, e então destruir os depósitos inimigos. A força-tarefa infantaria-blindados, que iniciara o seu movimento durante a noite anterior, deveria realizar junção com os paraquedistas durante a noite. A totalidade da aérea seria limpa sistematicamente por alguns dias antes do recuo para Vietri. Era sabido que o inimigo possuía forças consideravelmente fortes na região de Phu-Doan.

A força-tarefa aerotransportada incluiu três batalhões (1º e 2º Batalhões Estrangeiros de Paraquedistas da Legião Estrangeira e o 3º Batalhão de Paraquedistas Coloniais), dois pelotões cada um com três canhões sem recuo de 75mm, um pelotão de engenharia com equipamento de cruzamento de rios, e um pelotão de demolição. Disponíveis para a operação estavam 53 aviões C-47 Dakota, os quais fariam duas missões cada, e usariam Hanói como aeródromo de partida.

O plano previa o lançamento simultâneo de dois batalhões às 09:30, um deles com o quartel-general da força em um zona de lançamento (ZL) ao norte do rio Song-Chay, e o outro em uma zona de lançamento ao sul do rio. O lançamento seria realizado após a neutralização das aldeias limítrofes por aviões de combate e sob a proteção de bombardeiros B-26 que circulavam sobre a área durante a operação. Às 12:30, outro batalhão deveria ser lançado na zona de lançamento do norte. A altitude do salto foi de 600 pés. As zonas de lançamento seriam marcadas com granadas de fumaça lançadas por um avião de busca três minutos antes do vôo dos primeiros seriados.

A condução da operação

Velames enchem o céu,
Visão comum na Indochina.

A operação ocorreu conforme o planejado - 2.354 paraquedistas capturaram a cabeça-aérea ao custo de um morto e 16 feridos. Às 17:00h foi feita a ligação com a força-tarefa motorizada, a qual assumiu o comando da força aerotransportada. 

Importantes depósitos de armamento, munição e suprimentos foram encontrados. O seguinte material foi recuperado:

  • 34 morteiros
  • 30 lança-foguetes antitanque
  • 14 metralhadoras
  • 40 submetralhadoras
  • 250 fuzis
  • dois canhões sem recuo de 57mm

Pela primeira vez, um caminhão russo "Molotova" foi capturado. Os paraquedistas realizaram a limpeza da área, destruíram fábricas de armamento e depósitos de alimentos e enviaram patrulhas de longo alcance na direção de Yen Bay com bem poucas perdas. Em 6 de novembro, após uma semana de operação, eles foram trazidos de volta em caminhões para Hanói.

Lançamento de paraquedistas de aviões Dakota, 1952.

Infelizmente, este belo sucesso foi limitado por um revés de última hora. Quando a força-tarefa terrestre da Operação Lorraine se retirou dois dias depois, conforme planejado, a retaguarda foi emboscada por dois regimentos Viet-Minh e perdeu os homens e material.

Esta operação destacou o fato de que, embora a captura de depósitos nas áreas de retaguarda do inimigo seja relativamente fácil por uma operação aerotransportada, é muito perigoso ficar lá por muito tempo, exposto a um contra-ataque concentrado pelas reservas inimigas. A Operação Lorraine, realizada com forças fracas, conseguiu apenas atrasou a ofensiva do Viet-Minh no país Tai, e não a deteve. A capital, Son La, foi capturada pelo inimigo antes do final de novembro, e o Comando francês foi obrigado a reagrupar suas unidades isoladas ao redor do aeródromo de Na San.

Os batalhões paraquedistas, que haviam saltado em Phu-Doan, foram transportados por via aérea para Na San dois dias após seu retorno a Hanói. O General Gilles, comandante das forças aerotransportadas no Vietnã do Norte, assumiu o comando das forças de defesa. Três divisões do Viet-Minh tentaram em vão tomar de assalto Na San e foram forçadas a se retirar do país Tai com pesadas perdas.

A Operação de Lang Son

Caporal-chef Auguste Apel, da Legião Estrangeira,
em Na San, 13 de dezembro de 1952.

Durante a primavera de 1953, uma nova ofensiva do Viet-Minh no Laos falhou em uma campanha na qual os batalhões paraquedistas novamente se destacaram. Um grau de equilíbrio de poder foi alcançado. As forças do Viet-Minh, no entanto, estavam recebendo crescente assistência da China comunista. Para cortar esse fluxo logístico, foi planejada uma operação aerotransportada, chamada Hirondelle (Andorinha). O objetivo da operação era Lang Son, uma importante instalação de estoque de suprimentos na área de retaguarda do inimigo (Figura 3).

O problema era capturar a cidade e os depósitos bem guardados, e destruir materiais e instalações. Tudo isso teria que ser realizado e a força aerotransportada retornada ao território amigo, antes que as tropas do Viet-Minh pudessem reagir. O terreno, montanhoso e arborizado com poucas estradas e trilhas, apresentava dificuldades adicionais.

Paraquedista do 3e BPC é atingido durante o assalto ao ponto de apoio 24 em Na San, 1º de dezembro de 1952.

O inimigo tinha disponível em Lang Son um batalhão local e duas companhias provinciais, além de algumas unidades antiaéreas leves na fronteira chinesa, a uma distância de cerca de 13 quilômetros. Elementos de uma divisão de infantaria, localizada perto de Thai Nguyen, poderiam estar disponíveis em aproximadamente 48 horas. Entre Lang Son e Tien Yen, oito companhias provinciais estariam em condições de reagir durante o primeiro dia, e de quatro a seis batalhões no segundo dia. Era, portanto, imperativo que a operação fosse completada o mais rápido possível.

O conceito da operação

Figura 3:
Incursão Aeroterrestre sobre Lang Son,
17 de julho de 1953.

O conceito da operação, anunciado pelo General Gilles, era executar um ataque aerotransportado na manhã de 17 de julho [de 1953] para capturar e destruir os depósitos próximos a Lang Son e a encruzilhada sobre o rio Song-Ky-Cung. Esta travessia, nas cercanias de Loc-Binh, constituía o ponto essencial para a retirada. Uma ação terrestre auxiliada por unidades atacando a partir de Tien Yen deveria ocorrer de 17 a 21 de julho para permitir o recuo da força paraquedista através de Loc-Binh e Dinh-Lap, para Tien Yen.

A força-tarefa aerotransportada incluía um quartel-general, três batalhões (6º e 8º Batalhões de Paraquedistas Coloniais, e o 2º Batalhão Paraquedista da Legião Estrangeira), e um pelotão de engenharia com 14 botes pneumáticos. As colunas de coleta ou junção consistiam de três batalhões de infantaria, três "comandos" [batalhões de comandos], um pelotão de tanques e uma companhia de engenharia com três escavadeiras. Um batalhão paraquedista e uma bateria de canhões sem-recuo de 75mm (aerotransportada) foram mantidos em reserva nos aeródromos de partida em Hanói.

Durante a Operação "Hirondelle", três pára-quedistas coloniais (incluindo o "melhor caçador do batalhão", no meio) do 8º GCP (Groupement de Commandos Parachutistes) posam ao pé de um poste de sinalização em Lang Son.

O sucesso da operação dependeria da completa surpresa quanto a data e local da incursão. Por esta razão, todo o planejamento preparatório foi realizado no máximo sigilo pelo comandante da força, auxiliado apenas por um oficial do G2 [inteligência]. As ordens do G3 [operações] foram dadas por escrito em 15 de julho; as unidades foram alertadas às 14:00h em 16 de julho e confinadas aos quartéis. Às 15:00h de 16 de julho, as instruções dos comandantes de batalhão foram realizadas.

Dado que os batalhões paraquedistas podiam levar consigo apenas armas leves e equipamentos orgânicos, o apoio aéreo foi planejado cuidadosamente. Aviões de caça deveriam atacar todas as instalações e postos de observação detectados em fotografias aéreas, os quais poderiam intervir nas zonas de lançamento. Esta ação deveria ocorrer 15 minutos antes da hora do salto. Apoio de fogo aéreo durante o salto e a subsequente reorganização deveria ser fornecidoAlém disso, provisão foi feita para cobertura de metralhamento e bombardeamento contínuos e para iluminação noturna por chamada por bombardeiros seriados.

O médico-chefe do 6e BPC, o Tenente Rivière, observa o lançamento de paraquedistas às 8:10h da manhã de 17 de junho de 1953, durante a Operação Hirondelle, em Lang Son.

A incursão começou em 17 de julho às 08:10h quando o quartel-general e dois batalhões foram lançados de 56 transportes C-47 próximo a Lang Son. Às 12:00h, próximo a Loc-Binh, o terceiro batalhão com o pelotão de engenharia anexado saltou de 29 transportes C-47.

A operação ocorreu conforme o planejado. As unidades Viet-Minh foram completamente surpreendidas. A polícia local e as companhias provinciais fugiram. Apenas os destacamentos de guarda dos depósitos resistiram resolutamente. Depósitos importantes foram descobertos e preparados para destruição por equipes especiais. Uma grande quantidade de material foi capturada.

Às 16:00h, os depósitos foram destruídos e todas as estradas levando para o sul e o norte foram minadas. Os dois batalhões em Lang Son iniciaram a sua retirada. Enquanto isso, o batalhão de Loc-Binh havia assegurado a travessia do rio Song-Ky-Cung e estava protegendo o flanco contra movimentos vindos da fronteira chinesa.

Retirada das unidades paraquedistas que participaram do ataque aos depósitos do Viet-Minh em Lang Son, passando por colunas de civis.
Durante a incursão, cerca de 200 civis de Lang Son aproveitaram a inesperada presença dos paraquedistas franceses para fugir sob sua proteção da região que estava sob administração do Viet-Minh desde 1950.

Às 23:00h de 18 de julho, os primeiros batedores da força aerotransportada encontraram, nas cercanias de Dinh-Lap, a coluna terrestre lutando desde Tien Yen. Os engenheiros foram capazes de reparar a estrada sinuosa para um certo grau e caminhões levaram os paraquedistas de volta nas últimas horas de luz de 19 de julho. Na manhã de 20 de julho, as unidades aerotransportadas foram embarcadas em LCT (Landing craft tank / embarcação de desembarque para tanques) para serem trazidos de volta para Haiphong, e então de caminhão novamente para Hanói. Dos 2.001 paraquedistas que saltaram na operação, as perdas foram extremamente leves: um morto, um desaparecido, três morreram de exaustão durante a marcha, e 21 feridos.

Este notável sucesso, considerando as pequenas forças engajadas, tiveram uma repercussão profunda no Vietnã do Norte. O esforço de guerra Viet-Minh foi dificultado de forma notável na área vital do Delta do Rio Vermelho. Uma onda de confiança se espalhou pela população amigável e o exército.

Lições Gerais

Militares do 6e BPC durante a incursão de Lang Son.
Da esquerda para a direita: Sergent-Chef Balliste, Sergent Gosse e o Adjudant Prigent (todos os três morreram mais tarde em Dien Bien Phu), e o cabo Cazeneuve, que seria um dos poucos sobreviventes da 12ª Companhia.

As duas incursões aerotransportadas brevemente descritas foram cumpridas em um teatro de operações de um tipo particular. É, portanto, difícil de tirar delas lições gerais válidas para todos os tipos de guerra. Entretanto, alguns pontos são dignos de ênfase e poderiam ser aplicados em outros teatros.

Primeiro, inteligência é extremamente importante e deve ser centralizada no mais alto nível de comando para que possa ser adaptada a situação, sempre em mudança. Devido a uma pesquisa minuciosa combinada com um questionamento de milhares de refugiados, a agência de inteligência em Hanói obtivera sucesso em desenhar uma imagem exata, precisa e detalhada das zonas de lançamento e suas proximidades, e da localização e força das unidades inimigas. Os oficiais de inteligência têm uma tremenda responsabilidade em operações desse tipo.

Segundo, se a informação é correta, é relativamente fácil operar nas áreas de retaguarda do inimigo. É muito difícil para o alto comando inimigo ter uma apreciação clara da situação, particularmente se os incursores aerotransportados não permanecerem no mesmo lugar, mas se moverem imediatamente. O problema mais difícil é aquele de retornar ao território amigo. Em algumas circunstâncias, e em zonas difíceis, é possível dividir a força aerotransportada em pequenos grupos para ou permanecer em território inimigo, ou para retornar a território amigo.

Paraquedistas do 8e GCP cobrindo uma esquina com um fusil-mitrailleur 24/29 durante a incursão de Lang Son.

Terceiro, todos os objetivos são adequados para um ataque aéreo, sejam eles militares, políticos ou econômicos. A sabotagem de uma usina de pesquisa industrial pode ser tão importante para a vitória final quanto a eliminação de um governo "quisling" (colaboracionista).

Quarto, deve-se ter em mente que as variadas possibilidades de ataques aéreos só podem ser realizadas quando os meios necessários – isto é, unidades aerotransportadas treinadas e aviões em qualidade e número necessários – estiverem disponíveis. O Alto Comando Francês no Vietnã sempre teve consciência da vantagem de usar paraquedistas. Em dezembro de 1950 eram 6.000; em 1951 cerca de 11.000; e em 1954 mais de uma dúzia de batalhões escolhidos, metade deles no exército vietnamita, estavam disponíveis com unidades de apoio aéreo de artilharia, engenheiros, sinais e corpo médico. A maior escassez foi em aeronaves. Esta é uma lição a ser lembrada: não basta ter muitas unidades aerotransportadas bem treinadas quando o número correspondente em aviões não está garantido. Quinto, a incursão aerotransportada envolve um risco calculado. No entanto, se realizada com imaginação e ousadia, os benefícios superam em muito o risco envolvido.

Conclusão

Uma incursão aerotransportada tem muitas vantagens no caso de uma guerra localizada e particularmente no início de um conflito. O exército que é provido de tropas aerotransportadas treinadas e aviões de assalto e transportadores de tropas suficientes possui grande flexibilidade. Uma operação aerotransportada ou um grande número de incursões aerotransportadas podem muito bem permitir a realização de objetivos vitais que de outra forma exigiriam grandes forças terrestres e extensas operações. Para atingir o máximo em cooperação, os parceiros em futuras alianças devem estar preparados para trabalhar e planejar juntos agora. Um esforço comum de organização, de desenvolvimento técnico e de compreensão doutrinária seria de grande benefício. Os paraquedistas franceses, com muitas ações galantes em seu nome, estão prontos e imbuídos do lema: Quem ousa, vence!

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"Novos recursos de poder de fogo e mobilidade, além de novos e aprimorados meios de controle, permitem ampla flexibilidade na seleção do plano de manobra. As táticas devem ser projetadas para localizar o inimigo, determinar sua configuração, lançar fogos apropriados em alvos adquiridos e explorar as situações resultantes com forças altamente móveis. Em um nível estratégico, as forças devem ser organizadas e equipadas para que possam ser entregues por transporte aéreo ou de superfície a qualquer área do mundo para engajamento em situações atômicas ou não-atômicas em qualquer tipo razoável de terreno. Deve ser fornecido transporte aéreo e de superfície adequados. O tempo de intervenção inicial, particularmente em guerras limitadas, pode ser tão importante quanto o tempo necessário para cercar uma força considerável."

- General-de-Brigada T. F. Bogart.

Bibliografia recomendada:

Histoire des Parachutistes Français:
La guerre para de 1939 à 1979,
Henri Le Mire.

Leitura recomendada:

O primeiro salto da América do Sul13 de janeiro de 2020.

ARTE MILITAR: Cenas da Guerra da Indochina por Filip Štorch, 2 de maio de 2021.

GALERIA: Escola de paraquedismo indochinesa17 de março de 2022.

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GALERIA: Bawouans em combate no Laos, 28 de março de 2020.

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