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quinta-feira, 20 de agosto de 2020

FOTO: Tom Celek iraquiano

Coronel Abdullah Faraj Al-Azzawi, Força Aérea Iraquiana, piloto de MiG-25 vestindo o traje de pressão parcial de grande altitude nos anos 80, durante a guerra contra o Irã. 

O traje VKK-6 e o capacete GSH-6, modelos soviéticos, aparentemente foram fabricados na Bulgária, um dos membros do Pacto de Varsóvia; o que coloca em questão se o próprio MiG-25 que Abdullah pilotava também não era de fabricação búlgara.

Bibliografia recomendada:

Arabs at War:
Military Effectiveness, 1948-1991.
Kenneth M. Pollack.

Leitura recomendada:

quinta-feira, 13 de agosto de 2020

Operação Haboob: E se a França tivesse engajado-se no Iraque em 2003?

Fuzileiros navais americanos posando com um retrato do ditador Saddam Hussein, 2003.

Pelo Tenente-Coronel Michel Goya, La Voie de l'Épée, 23 décembre 2011.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de agosto de 2020.

A Operação Haboob ("Tempestade de Areia" em árabe) é o nome do engajamento das forças francesas no sul do Iraque de 2003 a 2009 como parte da coalizão liderada pelos Estados Unidos. A operação é obviamente imaginária e o nome é inventado. Porém, se acreditarmos, entre outros, nos documentos revelados pelo Wikileaks, com outro Presidente da República que não Jacques Chirac e até o atual poder, esta operação poderia ter ocorrido. Portanto, não é totalmente inútil torná-la ucrônica.* 

Soldados franceses do 3e RIMa diante de um retrato do ditador Saddam Hussein doze anos antes, em 1991.

*Nota do Tradutor: Ucronia, história de eventos fictícios a partir de um ponto de partida histórico; "counter-factual".

Áreas de responsabilidade da Coalização no Iraque em 30 de abril de 2004.

É provável que o volume do contingente francês engajado fosse bastante próximo ao do britânico, sem dúvida um pouco menor por causa de nossos meios um pouco mais limitados e de nossos compromissos em outros lugares. Como os outros contingentes aliados, uma vez derrubado o regime de Saddam Hussein, teríamos nos estabelecido no Sul, mas provavelmente não em Basra reservada aos britânicos, aliados privilegiados e ex-ocupantes da cidade. Tendo em conta o nosso volume de forças e a qualidade dos nossos quadros, poderíamos ter pego a chefia da divisão multinacional Centro-Sul no lugar dos polacos, entre Bagdá e as zonas petrolíferas. Além do núcleo duro do estado-maior da divisão, que teria levado em consideração cerca de vinte contingentes com regras de engajamento mais complexas e restritivas entre si, também teríamos fornecido dois ou três grupos de armas combinadas* para proteger os lugares sagrados de Najaf e Karbala, e os eixos logísticos na região do Kuwait.

Exemplo da ordem de batalha de um SGTIA.

*NT: Um Groupement Tactique Interarmes (GTIA) é uma força de armas combinadas de valor regimento que incorpora elementos de infantaria, cavalaria, artilharia e engenharia em uma força de combate auto-suficiente, para objetivos táticos definidos. O GTIA é geralmente uma unidade temporária, formada para cumprir uma missão - ou várias missões - durante um período fixo. 
Cada uma das unidades de combate de um GTIA (companhia ou esquadrão) provavelmente constituirá um subconjunto de armas combinadas denominado SGTIA (sous-groupement tactique interarmes/ subgrupo tático de armas combinadas). Um exemplo de uma configuração possível seria uma companhia de infantaria reforçada por um pelotão de carros de combate, mais elementos de engenharia.

Derrubada de uma estátua do ditador Saddam Hussein em Badgá, 2003.

Dado o fraco apoio da opinião pública francesa a esta operação, ela teria sido "encoberta" pelo apelo a todas as virtudes da ação humanitária. As forças teriam recebido instruções estritas de prudência, bem como de meios "tão justos" e especialmente não "agressivos". Como os outros, teríamos, portanto, tomado toda a força da revolta Mahdista de 2004. Lembre-se de que, na época, os contingentes aliados não lutaram e apelaram aos americanos para reduzirem as forças do exército Mahdi. Admitindo que fôssemos mais combativos, o que creio, teríamos nos envolvido, sozinhos ou mais provavelmente ao lado dos americanos, por vários meses de luta (a crise durou de abril a outubro de 2004). Teríamos perdido entre 100 e 200 mortos e feridos nessas batalhas.

Combatentes xiitas do Exército Mahdi, 2004.

Posteriormente, teríamos, como os britânicos em Basra, sem dúvida testemunhado impotentemente a tomada das províncias xiitas pelas várias milícias e, na segunda linha, a guerra civil de 2006. Com a aproximação das eleições presidenciais francesas de 2007 , as forças teriam sido solicitadas a deixar as bases o mínimo possível e a se manterem discretas. Uma parte delas seria até repatriada, para fins eleitorais. As últimas unidades francesas teriam deixado o país discretamente em 2008, aproveitando o sucesso inesperado do Surge (Surto) americano.

O General David Petraeus, um dos principais arquitetos do Surge.

Em resumo, comparando com outros aliados, principalmente os britânicos, teríamos cerca de 150 soldados mortos e 1.000 feridos, além de custos humanos indiretos (suicídios, distúrbios psicológicos graves, não-renovação de contratos, etc.) da mesma ordem, ou seja, o equivalente a dois regimentos completos perdidos. Financeiramente, ao acumular custos militares e civis, esta operação teria custado ao Estado entre 5 e 10 milhões de euros, já para não falar dos custos indiretos (pensões de feridos, recondicionamento de equipamentos, etc) dificilmente calculáveis, mas provavelmente superiores.

Elementos do GTIA de Kapisa no Vale do Alasei, em 2009.
Em primeiro plano um AMX-10RC e ao fundo alguns VAB.

Por esse preço, o número de armas de destruição em massa nas mãos dos malfeitores não teria diminuído no mundo, nem o número de terroristas. A França teria contribuído para a eliminação de uma tirania, o que está longe de ser desprezível, e para o estabelecimento de uma democracia imperfeita, corrupta e muito frágil. Sua imagem com os americanos teria sido preservada, mas talvez não no resto do mundo.

Mas é claro que tudo isso não passa de imaginação.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:





quarta-feira, 12 de agosto de 2020

FOTO: Fuzileiros navais americanos em combate urbano

Fuzileiros navais cruzando uma rua nos arredores de Bagdá em 16 de abril de 2003. Kilo & India Co. 3/4 Marines. No dia seguinte, esses fuzileiros navais cruzariam a ponte do rio Diyala e seriam a primeira unidade dos fuzileiros navais a entrar em Bagdá.

Bibliografia recomendada:

Concrete Hell:
Urban warfare from Stalingrad to Iraq,
Louis A. DiMarco.

Leitura recomendada:


domingo, 9 de agosto de 2020

O aprendizado chinês sobre a Guerra do Golfo

Por Robert Farley, The National Interest, 2 de maio de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 8 de agosto de 2020.

Eles aprenderam muito com ela.

Aqui está o que você precisa lembrar: A Guerra do Golfo forneceu aos tomadores de decisão civis e militares chineses um exemplo imediato de como era a guerra moderna e deu algumas lições sobre como lutar (e como não lutar) no futuro. O PLA se tornou uma organização radicalmente mais sofisticada - com capacidade de aprendizado muito mais eficaz - do que era em 1991. Ainda temos que ver, entretanto, como todas as peças se encaixarão em um combate real.

Soldados americanos observando um cadáver iraquiano diante de um cenário de poços de petróleo em chamas, 1991.

Em 1991, oficiais militares chineses assistiram aos Estados Unidos desmantelarem o Exército Iraquiano, uma força com mais experiência de batalha e sofisticação técnica um pouco maior do que o Exército de Libertação do Povo (PLA). Os americanos venceram com baixas que eram triviais para os padrões históricos.

Isso levou a um exame de consciência. O PLA ainda não estava no piloto automático na década de 1980, mas o ritmo das reformas no setor militar não tinha correspondido ao da vida social e econômica na China. Dado o péssimo desempenho do PLA na Guerra Sino-Vietnamita de 1979, bem como o colapso da União Soviética, algo estava fadado a mudar. A Guerra do Golfo forneceu um catalisador e uma direção para essa mudança.

Aprendizado

Para ter uma ideia de por que a Guerra do Golfo é importante para o PLA, precisamos fazer um rápido desvio para a teoria organizacional. Os exércitos aprendem de várias maneiras diferentes; experimentos, experiência, enxertia (retirando membros de outras organizações semelhantes), aprendizagem vicária e exploração. Em 1991, o PLA carecia de qualquer experiência relevante na guerra moderna desde a desastrosa campanha contra o Vietnã em 1979. Faltava-lhe os fundos e os meios políticos para empreender o tipo de exercícios em grande escala necessários à guerra moderna. A enxertia é notoriamente difícil para as organizações militares modernas, já que se tornou difícil simplesmente contratar sargentos e coronéis de países estrangeiros.

Miliciana vietnamita guardando prisioneiros chineses, 1979.

Isso impede a exploração e o aprendizado indireto, que envolvem tentar aprender o máximo possível com o ambiente (exploração) e com as experiências de outros exércitos. Em 1991, a Guerra do Golfo deixou claro o que funcionou (as forças armadas dos Estados Unidos) e o que não funcionou (as forças armadas iraquianos). Não é surpreendente, neste contexto, que a Guerra do Golfo teria um efeito tão grande no PLA.

Equipamento

Um grande problema veio do lado do equipamento.

Tipo 69 iraquiano, uma evolução do Tipo 59 (cópia chinesa do T-54A) com tecnologia do T-62, destruído pela 1ª Divisão Blindada Britânica na Batalha de 73 Easting, 26-27 de fevereiro de 1991.

Em 1990, a sofisticação técnica do PLA havia se deteriorado a ponto das forças iraquianas desfrutarem de uma vantagem considerável sobre suas contrapartes chinesas. A Força Aérea iraquiana incluía caças MiG-23, MiG-25 e MiG-29, enquanto a PLAAF contava com cópias do MiG-21 produzidos na China, bem como aeronaves mais antigas como o MiG-19. Da mesma forma, o sistema de defesa aérea iraquiana, que não causou grandes danos em ondas de ataques de aeronaves americanas, era pelo menos tão sofisticado quanto os sistemas que a China era capaz de empregar.

Os chineses também descobriram, por meio do acesso aos tanques iraquianos capturados pelos iranianos na Guerra do Golfo Pérsico, que os T-72 iraquianos, que não representavam nenhum desafio para o Exército dos EUA, eram consideravelmente superiores aos tanques chineses existentes. Embora a Guerra do Golfo não tenha envolvido um combate naval sério, não foi difícil inferir que os problemas provavelmente afetaram o setor naval também.

T-72 iraquiano destruído.

O equilíbrio entre qualidade e quantidade mudou historicamente. Na Guerra Civil Chinesa e na Coréia, o PLA aproveitou os números e a eficácia tática para derrotar (ou pelo menos nivelar o terreno com) oponentes mais sofisticados tecnologicamente. No Vietnã, as injeções de tecnologia crítica anti-acesso ajudaram a neutralizar as ofensivas aéreas americanas. Historicamente, o PLA esperava que a vantagem numérica ajudasse a equilibrar o campo de jogo contra uma das superpotências, mas a coalizão liderada pelos EUA cortou através das forças iraquianas quantitativamente superiores como uma faca quente na manteiga. O Iraque demonstrou que, pelo menos no que diz respeito à guerra convencional, o equilíbrio havia mudado fortemente em favor da tecnologia.

Essa compreensão da Guerra do Golfo ajudou a impulsionar a modernização do PLA. Especialmente nas forças aéreas e navais, a China tomou medidas imediatas para atualizar sua tecnologia militar, geralmente por meio da compra de hardware soviético mais avançado. Sem dinheiro, a Rússia estava ansiosa para fazer negócios e não se preocupava muito com as consequências de longo prazo da transferência de tecnologia. A China também tentou adquirir tecnologia com aplicações militares da Europa, mas as sanções associadas ao massacre da Praça de Tiananmen prejudicaram esse esforço. Finalmente, a China acelerou os esforços para aumentar a sofisticação da pesquisa e do desenvolvimento em sua própria base militar-industrial.

Um líder de movimento estudantil falando na Praça de Tiananmen (Praça da Paz Celestial), durante as manifestações lideradas por estudantes em 1989.

Doutrina

Junto com as mudanças na tecnologia, vieram mudanças na doutrina e nas expectativas de como a guerra terminaria. O PLA começou a enfatizar o poder aéreo mais do que o poder terrestre e, em particular, investigou o potencial de ataque de precisão de longo alcance. Historicamente, o PLA nunca teve a oportunidade de realizar ataques significativos e operacionalmente relevantes atrás das linhas inimigas, não obstante a cooperação com a formação de guerrilheiros na Guerra Civil. Na verdade, o PLA ainda carece de experiência com a tradicional guerra de manobra de “batalha profunda”, na qual a exploração de avanços dá às pontas de lança blindadas a capacidade de interromper a logística e o comando do inimigo.

Tanques de batalha principais M1A1 Abrams da 3ª Divisão Blindada avançam em formação durante a Batalha de Medina Ridge, 27 de fevereiro de 1991.

Embora a Guerra do Golfo não tenha demonstrado que um ataque profundo pode ganhar decisivamente as guerras modernas, sem dúvida mostrou que o ataque de precisão de longo alcance poderia ajudar a interromper as operações inimigas e até mesmo atritar seriamente as forças inimigas em campo. O PLA imediatamente começou a desenvolver sua capacidade nesta área. A Marinha do Exército de Libertação do Povo (PLAN) e a Força Aérea do Exército de Libertação do Povo (PLAAF) cresceram em importância em relação às forças terrestres do PLA (embora, isso tenha tanto a ver com o desaparecimento da ameaça soviética e o declínio em importância da Coréia do Norte, quanto faz com uma nova compreensão da tecnologia), e ambos começaram a se concentrar em plataformas que ofereciam oportunidades de ataque de longo alcance. Os dois serviços também começaram a mudar para um número menor de sistemas de alta tecnologia.

Uma autoridade da Arábia Saudita e soldados sauditas assistem a um sistema de lançamento de foguetes múltiplos Astros perto da fronteira do Kuwait na Arábia Saudita, durante a Operação Escudo do Deserto, em 16 de dezembro de 1990.

Por sua vez, a Segunda Artilharia mudou seu foco da dissuasão nuclear para o ataque de precisão de longo alcance, com mísseis balísticos e de cruzeiro. Desenvolvendo uma apreciação moderna da integração de sistemas militares, o PLAN, a PLAAF e a Segunda Artilharia também enfatizaram as operações combinadas, com foco no desenvolvimento de procedimentos de comando, controle e comunicações que permitem o uso eficiente e coordenado da força militar. No entanto, é difícil avaliar o sucesso de tal planejamento na ausência de experiência em tempo de guerra.

Fuzileiro naval americano passa por um cadáver carbonizado não-identificado. No fundo, um tanque iraquiano destruído.

Conclusão

Os chineses exageraram as implicações da Guerra do Golfo? Sim e não. A bolsa de estudos revisada sobre a Guerra do Golfo deixou claro que qualquer que seja o impacto do "choque e pavor", a superioridade militar convencional da coalizão venceu. As forças americanas e britânicas tinham vantagens técnicas significativas, mas também tinham um treinamento muito melhor do que os iraquianos, apesar da experiência da Guerra Irã-Iraque. A guerra aérea preparou o terreno para a vitória da coalizão, mas a coalizão ainda precisava se destacar na guerra de manobra convencional para ter sucesso.

Legionários do 2e REI em combate urbano no aeroporto de As-Salman, no Iraque, em 25 de fevereiro de 1991.

Ainda assim, a Guerra do Golfo forneceu aos tomadores de decisão civis e militares chineses um exemplo imediato de como seria a guerra moderna e deu algumas lições sobre como lutar (e como não lutar) no futuro. O PLA se tornou uma organização radicalmente mais sofisticada - com capacidade de aprendizado muito mais eficaz - do que era em 1991. Ainda temos que ver, entretanto, como todas as peças se encaixarão em um combate real.

Vários membros das Forças Especiais dos EUA segurando uma bandeira dos EUA comemoram sua vitória sobre o exército iraquiano, ao lado de um combatente kuwaitiano armado com o fuzil FAL, em 27 de fevereiro de 1991, na Cidade do Kuwait.

Robert Farley é professor sênior na Escola de Diplomacia e Comércio Internacional de Patterson. Título original do texto "Why Chinese Military Leaders Cannot Get Over The 1991 Gulf War".

Bibliografia recomendada:

Arabs at War:
Military Effectiveness, 1948-1991.
Kenneth M. Pollack.
China's Evolving Military Strategy.
Joe McReynolds.

Leitura recomendada:

A Guerra Sino-Vietnamita de 1979 foi o crisol que forjou as novas forças armadas da China1º de maio de 2020.

A guerra de fronteira com o Vietnã, uma ferida persistente para os soldados esquecidos da China7 de janeiro de 2020.

O Elemento Humano: Quando engenhocas se tornam estratégia25 de agosto de 2019.

Os EUA precisam de uma estratégia melhor para competir com a China - caso contrário o conflito militar será inevitável5 de fevereiro de 2020.

Essa "modinha" de que Clausewitz-é-irrelevante não é uma blasfêmia. É simplesmente errada5 de janeiro de 2020.

Sim, a China estaria disposta a travar outra Guerra da Coréia caso necessário21 de junho de 2020.

A guerra no Estreito de Taiwan não é impensável2 de junho de 2020.

As Forças Armadas chinesas têm uma fraqueza que não podem consertar: nenhuma experiência de combate6 de janeiro de 2020.

sexta-feira, 5 de junho de 2020

O perigo de abandonar nossos parceiros

Um soldado dos EUA supervisiona membros das Forças Democráticas Sírias enquanto eles erguem uma bandeira do Conselho Militar de Tal Abyad. (Reuters)

Por Joseph Votel e Elizabeth Dent, The Atlantic, 8 de outubro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 5 de junho de 2020.

A reversão da política na Síria ameaça desfazer cinco anos de luta contra o ISIS e prejudicará gravemente a credibilidade e a confiabilidade americanas.

A decisão política abrupta de aparentemente abandonar nossos parceiros curdos não poderia ser pior. A decisão foi tomada sem consultar os aliados dos EUA ou a liderança militar sênior dos EUA e ameaça afetar futuras parcerias exatamente no momento em que mais precisamos delas, dada a fadiga de guerra do público americano juntamente com inimigos cada vez mais sofisticados determinados a nos perseguirem.


No nordeste da Síria, tivemos uma das parcerias mais bem-sucedidas. O Estado Islâmico estava usando a Síria como um santuário para apoiar suas operações no Iraque e em todo o mundo, inclusive hospedando e treinando combatentes estrangeiros. Tivemos que ir atrás do ISIS com rapidez e eficácia. A resposta veio na forma de um pequeno grupo de forças curdas preso na fronteira com a Turquia e lutando pela vida contra militantes do ISIS na cidade síria de Kobane em 2014.

Tentamos muitas outras opções primeiro. Os EUA trabalharam inicialmente para formar parcerias com grupos rebeldes sírios moderados, investindo US$ 500 milhões em um programa de treinamento e equipagem para desenvolver suas capacidades de luta contra o ISIS na Síria. Esse esforço fracassou, exceto por uma pequena força no sudeste da Síria, perto da base americana al-Tanf, que começou como um posto avançado dos EUA para combater o ISIS e permanece hoje como um impedimento contra o Irã. Então, nos voltamos para a Turquia para identificar grupos alternativos, mas o Pentágono descobriu que a força que a Turquia havia treinado era simplesmente inadequada e exigiria dezenas de milhares de tropas dos EUA para reforçá-la em batalha. Sem o apetite público por uma invasão terrestre americana em larga escala, fomos obrigados a procurar outro lugar.


Eu (Joseph Votel) conheci o General Mazloum Abdi pela primeira vez em uma base no norte da Síria em maio de 2016. Desde o início, era óbvio que ele não era apenas um homem impressionante e atencioso, mas um combatente que pensava claramente sobre os aspectos estratégicos da campanha contra o ISIS e ciente dos desafios de combater um inimigo formidável. Ele pôde ver os perigos de longo prazo da guerra civil, mas reconheceu que a ameaça mais imediata ao seu povo era o ISIS. Após um começo conturbado na Síria, concluí que finalmente havíamos encontrado o parceiro certo que poderia nos ajudar a derrotar o ISIS sem nos envolvermos no conflito mais sombrio contra o regime de Bashar al-Assad.

As Forças Democráticas da Síria (SDF), inicialmente compostas pelas Unidades de Proteção do Povo Curdo (YPG), foram então concebidas: uma força de combate que eventualmente cresceu para 60.000 soldados determinados e endurecidos pela batalha. A decisão de formar uma parceria com as YPG, começando com a luta em Kobane, foi tomada em duas administrações e exigiu anos de deliberação e planejamento, especialmente considerando as preocupações de nosso aliado da OTAN na Turquia, que considera as SDF como uma ramificação do grupo designado terrorista do Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK). Eventualmente, as YPG se tornou a espinha dorsal da força de combate contra o ISIS na Síria. Sem elas, o presidente Donald Trump não poderia ter declarado a derrota completa do ISIS.

Combatente curdo com OVN.

Com o apoio do que se tornou a Coalizão para Derrotar o ISIS, de 80 membros, que incluía poder aéreo, conselheiros em terra e equipamentos, as SDF tornaram-se uma força a ser considerada e liderou uma série de vitórias. Em agosto de 2016, elas libertaram a cidade síria de Manbij, que antes funcionava como um centro para os combatentes do ISIS cruzarem para dentro da Turquia e acredita-se que seja o local onde os atacantes que realizaram os ataques de Paris em novembro de 2015 transitaram. Atento à necessidade de credibilidade, ao pressionar para libertar áreas dominadas pelos árabes, as YPG conseguiram incorporar unidades árabes em sua estrutura como uma força de combate unida de curdos e árabes. Essa força, as SDF, libertou a chamada capital do califado, Raqqa, e cidades no vale do rio Eufrates Médio, culminando na derrota territorial do ISIS em Baghouz em março passado.

Durante quatro anos, as SDF libertaram dezenas de milhares de quilômetros quadrados e milhões de pessoas das garras do ISIS. Durante a luta, elas sofreram quase 11.000 baixas. Em comparação, seis militares americanos, bem como dois civis americanos, foram mortos na campanha anti-ISIS. A chave para esse relacionamento eficaz foi a confiança mútua, a comunicação constante e as expectativas claras. A parceria não ficou isenta de dificuldades. Isso incluiu trabalhar pelo anúncio de dezembro de 2018 de nossa partida repentina e nosso acordo subsequente com a Turquia para buscar um mecanismo de segurança para as áreas de fronteira. Mas a cada vez, a forte confiança mútua construída no terreno entre nossos militares e as SDF preservava nosso ímpeto. A mudança repentina de política nesta semana rompe essa confiança no momento mais crucial e deixa nossos parceiros com opções muito limitadas.

Soldados americanos e russos se encarando na Síria.

Não precisava ser assim. Os EUA trabalharam incansavelmente para aplacar nossos aliados turcos.

Nós nos envolvemos em inúmeras rodadas de negociações, comprometendo-nos a estabelecer um mecanismo de segurança que incluísse patrulhas conjuntas em áreas de interesse para os turcos e mobilizando 150 tropas americanas adicionais para ajudar a monitorar e reforçar a “zona segura”. No entanto, Ancara renegou repetidamente seus acordos com os EUA, considerando-os inadequados e ameaçando invadir áreas mantidas pelas SDF, apesar da presença de soldados americanos.

Patrulha americana passando por um blindado turco na Síria.

Uma possível invasão da Turquia contra os elementos curdos das SDF, juntamente com uma saída americana precipitada, agora ameaça desestabilizar rapidamente uma situação de segurança já frágil no nordeste da Síria, onde o califado físico do ISIS foi derrotado apenas recentemente. Quase 2.000 combatentes estrangeiros, cerca de 9.000 combatentes iraquianos e sírios, e dezenas de milhares de membros da família ISIS estão detidos em centros de detenção e campos de deslocados em áreas sob controle das SDF. O que acontece se sairmos? As SDF já declararam que terão que fortalecer os mecanismos de defesa ao longo da fronteira entre a Síria e a Turquia, deixando as instalações de detenção e os acampamentos do ISIS com pouca ou nenhuma segurança. Isso é particularmente preocupante, já que Abu Bakr al-Baghdadi, o autoproclamado califa do ISIS, recentemente pediu aos apoiadores que retirem os combatentes dessas instalações. Também ocorreram ataques violentos no campo de refugiados de al-Hol, onde dezenas de milhares de mulheres e crianças estão alojadas e onde a simpatia pelo ISIS corre solta.

Soldados turcos na Síria.

O Pentágono e a Casa Branca depois esclareceram que os EUA não estavam abandonando os curdos e não apoiaram uma incursão turca na Síria. Mas o dano já pode ter sido causado, porque parece que os turcos adotaram a mudança como sinalizando uma luz verde para um ataque no nordeste. Esse abandono da política ameaça desfazer cinco anos de luta contra o ISIS e prejudicará severamente a credibilidade e a confiabilidade americanas em qualquer luta futura em que necessitemos de fortes aliados.

O General Joseph Votel serviu como comandante do Comando Central dos EUA (CENTCOM) de março de 2016 a março de 2019. Como comandante do CENTCOM, Votel supervisionou as operações militares em toda a região, incluindo a campanha contra o Estado Islâmico no Iraque e na Síria. Antes do CENTCOM, ele era o comandante do Comando de Operações Especiais dos EUA (SOCOM) e do Comando de Operações Especiais Conjuntas (JSOC). O General Votel é um Distinto Bolsista Sênior não-residente em Segurança Nacional no Instituto do Oriente Médio (MEI).

Elizabeth Dent é bolsista não-residente da MEI em contraterrorismo e trabalhou em várias capacidades no Departamento de Estado da Coalizão Global dos EUA para Derrotar o ISIS de 2014 a 2019.

Bibliografia recomendada:

Estado Islâmico: Desvendando o exército do terro.
Michael Weiss e Hassan Hassan.

Leitura recomendada:


FOTO: A última patrulha24 de abril de 2020.








domingo, 24 de maio de 2020

COMENTÁRIO: 36 anos depois, a Guerra Irã-Iraque ainda é relevante

Iraniano posando em um tanque T-62 iraquiano destruído no Cuzestão, no Irã, do outro lado da fronteira com o Iraque.

Por Tallha Abdulrazaq, Middle East Monitor (MEMO), 22 de setembro de 2016.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 24 de maio de 2020.

Faz 36 anos desde o início da Guerra Irã-Iraque, envolvendo toda a região do Oriente Médio em incertezas, desestabilizando mercados e causando imensa perda de vidas e danos permanentes a milhões de soldados e civis iraquianos e iranianos. Os ecos dessa guerra ainda podem ser ouvidos hoje.


A Guerra Irã-Iraque durou quase oito anos, terminando apenas em 1988, e foi uma época definidora da história e da construção do moderno Oriente Médio. Teve consequências que ditaram o equilíbrio de poder na região desde o início da guerra até o regime baathista de Saddam Hussein ser derrubado pelas forças lideradas pelos EUA em uma invasão ilegal em 2003. Também domina muito a situação atual no Iraque, agora uma sombra sempre em ruínas de seu antigo eu, seu poder regional não apenas minou, mas foi totalmente destruído por uma combinação de desventuras militares ocidentais e imperialismo indireto iraniano.

Às vezes conhecida como Primeira Guerra do Golfo, para distingui-la da segunda em 1990 e da terceira em 2003, poucos percebem que muitos dos principais atores do Iraque atualmente, incluindo os líderes de partidos políticos violentamente sectários e milícias xiitas terrivelmente brutais, viram gênese na sopa primordial que estava mergulhada no sangue derramado por esse conflito. Os terceirizados do Irã no Iraque hoje adotaram amplamente a doutrina política de Wilayat Al-Faqih, do Aiatolá Ruhollah Khomeini, ou Guardião Jurista, que substituiu o nacionalismo secular do xá após a Revolução Iraniana de 1979.


Recentemente, surgiram vídeos mostrando o chamado patriota iraquiano Hadi Al-Amiri, ex-ministro dos Transportes do Iraque pós-2003, lutando contra seu país em nome do Irã durante a guerra. Al-Amiri também é o líder da Organização Badr, tão fortemente ligada a Teerã, que é difícil saber onde termina o Corpo de Guardas da Revolução Islâmica do Irã (IRGC) e onde eles começam.

Vídeo de Hadi al-Amiri em combate


O ex-primeiro-ministro do Iraque, Nouri Al-Maliki, é do Partido Dawa, apoiado pelo Irã, responsável por ataques terroristas no Iraque e no Oriente Médio durante a Guerra Irã-Iraque. Al-Maliki é um político sectário infame e impenitente que certa vez comparou manifestantes pacíficos iraquianos, cansados de sua perseguição, com pessoas que mataram o neto do Profeta Muhammad (PBUH) no século VII, amplamente visto como um incentivo à violência política e religiosa contra o manifestantes.

A liderança iraniana é um produto direto da Guerra Irã-Iraque. Rostos onipresentes representando o regime iraniano que são vistos na mídia estavam todos amplamente presentes durante a guerra. O herdeiro de Khomeini e o atual Guardião Jurista do Irã, o Líder Supremo Aiatolá Ali Khamenei, fazia parte da cabala Khomeinista que derrubou o igualmente repressivo Xá Mohammed Reza Pahlavi, e teve os ouvidos de Khomeini durante a guerra.

Soldado iraniano com máscara de gás em uma trincheira durante a guerra.

A Força Quds do IRGC, uma organização que parece ter acionado vários grupos terroristas, é liderada por um homem que construiu sua carreira na Guerra Irã-Iraque. O General Qassem Soleimani começou sua carreira no IRGC como soldado em 1979, mas rapidamente subiu na hierarquia depois de participar da supressão dos curdos iranianos, além de liderar e organizar forças irregulares no território iraquiano durante a guerra. Ele ganhou sua reputação de letalidade, com um ex-oficial da CIA que teria conhecimento das atividades de Soleimani no Iraque descrevendo-o como "o mais poderoso agente no Oriente Médio hoje". Talvez Soleimani possa atribuir essa reputação ao fato de ter sido forjado no crisol da Guerra Irã-Iraque.

Houve muita desinformação em termos da própria guerra, mesmo de uma perspectiva histórica. Por exemplo, a maioria dos historiadores acredita que a guerra começou em 22 de setembro, porque essa é a data em que o Iraque cruzou a fronteira iraniana e iniciou sua invasão. O que as pessoas não sabem é que, sem dúvida, a guerra começou antes dessa data, com o bombardeio iraniano das aldeias iraquianas no início daquele mês. De fato, o Iraque abateu aeronaves iranianas em 7 e 9 de setembro, conforme noticiado pelo jornal Al-Iraq em 9 de setembro de 1980. A invasão iraquiana foi parcialmente uma resposta a esses e outros atos de agressão iranianos.

"Um grupo de prisioneiros-de-guerra iranianos capturados pelas tropas iraquianos no setor norte em uma ofensiva iraquiana na semana passada [entre 9 e 14 de junho de 1988] durante a qual os iranianos foram empurrados de cinco colinas estratégicas. Em mais de uma ocasião, grupos e organizações mundiais de direitos humanos protestaram contra o envio forçado do Irã de crianças e velhos para frente de batalha para serem usados como limpadores de minas humanos."

Enquanto o mundo geralmente fica feliz em permanecer na felicidade da ignorância e difamar Saddam Hussein além do opróbrio que ele realmente merece, eles tendem a ignorar como ele fez o máximo para preservar o status quo com o Irã depois que Khomeini derrubou o Xá. Saddam chegou a enviar uma mensagem diplomática ao aiatolá, expressando seus parabéns e seus desejos para que as relações iraquiano-iranianas continuassem a se desenvolver depois de terem melhorado após o Acordo de Argel em 1975. Esse acordo pôs fim ao apoio iraniano a militantes curdos e dividiu o canal estratégico Shatt Al-Arab entre os dois países.

Cena de combate entre iranianos e carros T-72 iraquianos


Qual foi a resposta de Khomeini? Ele começou a incitar a população xiita do Iraque a se levantar e apoiou organizações terroristas, incluindo o mencionado Partido Dawa, em suas tentativas de assassinar líderes e políticos iraquianos. Tariq Aziz, um árabe cristão e um dos assessores mais próximos de Saddam, foi alvo de assassinato em abril de 1980. A tentativa de assassinato envolveu terroristas apoiados pelo Irã arremessando uma granada em Aziz, no centro de Bagdá, que não conseguiu matá-lo e em vez disso matou civis inocentes. A resistência de Khomeini à coexistência pacífica pode estar relacionada a Saddam ser forçado a expulsá-lo do Iraque como parte de seu acordo de 1975 com o Xá, e assim Khomeini guardava rancor, apesar de ser um hóspede do Iraque por 13 anos na cidade de Najaf.

Saddam pode ter ido embora e Khomeini pode ser enterrado, mas as repercussões desse conflito sobreviveram a seus instigadores. Saddam fracassou em sua guerra, com o objetivo de restaurar a soberania iraquiana sobre o Shatt Al-Arab e derrubar os mulás, e Khomeini não conseguiu expulsar Saddam. No entanto, Saddam conseguiu isolar os iranianos e a exportação da revolução Khomeinista por 23 anos. Não foi até os EUA derrubarem os guardões dos portões do mundo árabe e islâmico em 2003 que a Caixa de Pandora de ambição hegemônica e sectária iraniana foi desencadeada, com um verdadeiro exército de veteranos da Guerra Irã-Iraque pronto para terminar o que haviam começado em 1980.


Infelizmente, a ocupação iraniana indireta do Iraque e os maus-tratos brutais que o povo iraquiano sofreu sob o novo regime que eclipsa tudo o que os baathistas* já infligiram ao Iraque criaram um ambiente de ódio, desconfiança e raiva que levarão a outra guerra com o Irã. Essa guerra vai acontecer e pode ou não envolver um Iraque soberano, mas é claro que será caro tanto em termos de vidas e riqueza, como um resultado lamentável que só pode ser evitado se o mundo agir agora para forçar o Irã a respeitar seus vizinhos e interromper suas tentativas de exportar sua ideologia e sistema político para toda a região.

*NT: O Partido Socialista Árabe Baath ou Ba'ath (حزب البعث العربي الاشتراكي, Ḥizb Al-Ba‘ath Al-‘Arabī Al-Ishtirākī) foi um partido político fundado na Síria por Michel Aflaq, Salah ad-Din al-Bitar e associados de Zaki al-Arsuzi. O partido defendia o Baathismo (Al-Ba'ath) que é uma mistura ideológica de nacionalismo árabe, pan-arabismo, socialismo árabe e anti-imperialismo. O Baathismo pedia unificação do mundo árabe em um único estado. Seu lema, "Unidade, Liberdade, Socialismo", refere-se à unidade árabe, e liberdade de controle e interferências não-árabes. O golpe de 1966 na Síria separou o partido Baath em dois movimentos, um na Síria e outro no Iraque. Por conta disso, a Síria foi um dos únicos países árabes a apoiar o Irã na Guerra Irã-Iraque.

A alternativa é um cenário de pesadelo de morte, atrocidades, déficit econômico e estagnação política que condenarão o povo do Oriente Médio a muitos mais anos de luta e miséria.

Bibliografia recomendada:

Árabes em Guerra: Eficiência Militar, 1948-1991, de Kenneth M. Pollack.

Relações Soviéticas-Iraquianas, 1968-1988: Na sombra do conflito Iraque-Irã, de Haim Shemesh.

Leitura recomendada: