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domingo, 30 de maio de 2021

A Alemanha pacífica


Por Dominik Wullers, War on the Rocks, 28 de maio de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de maio de 2021.

Há apenas alguns anos, muitos observadores das relações internacionais teriam pensado na Alemanha como um país amante da paz, senão pacifista. Sempre que um conflito internacional exigia ação rápida, a Alemanha foi rápida em rejeitar a opção militar. Se concordasse com uma operação militar, Berlim pediria que suas tropas fossem posicionadas longe da ação. Agora, a Alemanha confirmou recentemente que enviará em breve um navio de guerra à zona quente que é o Indo-Pacífico.

Este desdobramento planejada demonstra um realismo crescente na Alemanha. Como já escrevi, a Alemanha está se tornando mais realista em sua política externa e menos wilsoniana. O principal catalisador tem sido o interesse cada vez menor dos EUA na Europa desde o fim da Guerra Fria. Receber sanções e ameaças tarifárias dos EUA tornou os alemães mais cientes da verdadeira natureza anárquica das relações internacionais, por exemplo, após o desdobramento do Plano de Ação Conjunta Global ou no confronto em curso sobre o oleoduto Nord Stream 2.

Seria errado considerar a iniciativa Indo-Pacífico alemã puramente como parte de um esforço europeu maior. É verdade que a França foi o primeiro país da UE a lançar uma estratégia para o Indo-Pacífico. Além disso, o presidente francês Emmanuel Macron vem pressionando Berlim há algum tempo para que apóie seus planos de transformar a União Europeia em uma grande potência. No entanto, a Alemanha teve sua própria epifania realista, pelo menos em parte graças a Donald Trump. A manobra do país no Indo-Pacífico não é um mero produto de ceder relutantemente à pressão francesa. Segue-se o claro interesse de que a Alemanha, como nação soberana, desenvolveu na última década.


O que há de “realista” em enviar uma mera fragata à vastidão do Indo-Pacífico? A mudança é apenas um elemento da estratégia realista e refrescante contida nas Diretrizes de Política da Alemanha para o Indo-Pacífico (Leitlinien der Bundesregierung zum Indo-Pazifik) que o governo alemão divulgou no ano passado. O documento define, assumidamente e sem desculpas, os interesses alemães na região. Em oposição às considerações morais que são a base do wilsonianismo, o novo realismo alemão exibido aqui se concentra em interesses como a segurança e a integridade da nação. Em comparação com livros brancos anteriores e diretrizes de defesa nacional, essas diretrizes estão repletas de interesses realistas.

A magnitude desta mudança contínua do wilsonianismo para o realismo não pode ser exagerada. Há apenas 10 anos, o então presidente Horst Köhler deixou o cargo depois de ser criticado pela mídia alemã por insinuar que poderia haver uma conexão entre as operações militares alemãs no exterior e a proteção do mar aberto ou outros interesses econômicos. As lições de Trump sobre a realidade das relações internacionais certamente bateram.

Objetivos indo-pacíficos da Alemanha

Os interesses alemães no Indo-Pacífico são duplos: proteger os interesses econômicos alemães na região e manter os Estados Unidos engajados na OTAN. O primeiro objetivo está claramente delineado na estratégia indo-pacífica alemã e requer o direito à palavra na definição do futuro desta região crucial. O Indo-Pacífico contém mais de 4 bilhões de clientes, linhas de produção indispensáveis, recursos naturais altamente procurados, avanços tecnológicos que definem a geração e várias das mais importantes rotas de transporte e comércio, tornando-o crucial para os interesses alemães. Se a Alemanha deseja manter seu nível de riqueza e evitar o declínio econômico, o Indo-Pacífico é o lugar para estar.


A China também é um fator importante para a Alemanha perseguir seus interesses. A China, como a “fábrica mundial” e também um dos mercados mais promissores, é também o segundo país mais poderoso do mundo. A Marinha do Exército de Libertação do Povo recentemente se tornou a maior marinha do mundo e a China está adotando uma política externa cada vez mais coercitiva. A China construiu várias ilhas artificiais para usar como bases militares no Mar da China Meridional, traçou uma linha de nove traços no mapa desse mar, desrespeitou a decisão dos tribunais internacionais, expandiu sua influência com sua enorme Iniciativa do Cinturão e Rota, e de forma constante aumentou seus gastos militares. A China está mudando o equilíbrio de poder na região e além.

Os interesses da Alemanha em relação à China até agora têm sido principalmente econômicos. As elites empresariais alemãs têm pressionado por mais oportunidades de investimento e comércio com a China. Ao mesmo tempo, no entanto, a China expandiu agressivamente seu alcance na Europa com a Iniciativa do Cinturão e Rota e às vezes até conseguiu criar divisões dentro da União Europeia. A integridade da União Europeia e a sua independência de influências estrangeiras são muito importantes para Berlim. Manter a China sob controle é, portanto, competir com os interesses econômicos da Alemanha.

A Alemanha também tem interesse em impedir que os Estados Unidos transformem as tensões com a China na próxima Guerra Fria. Como o ministro alemão das Relações Exteriores, Heiko Maas, avança com as novas diretrizes: “Uma nova bipolaridade com novas linhas divisórias no Indo-Pacífico minaria [nossos] interesses”. Dado que a China extrai sua força de seu impressionante crescimento econômico, qualquer tentativa bem-sucedida de conter as ambições da China deve incluir um componente econômico eficaz. As ramificações para o comércio e produção globais seriam significativas, como a tentativa comparativamente em pequena escala da antiga administração dos EUA de diplomacia tarifária já ilustrou. Consequentemente, o multilateralismo e as iniciativas para fortalecer a Associação das Nações do Sudeste Asiático e outros instrumentos de equilíbrio regional são destaque nas diretrizes alemãs.


O segundo objetivo da mudança alemã para o Indo-Pacífico tem a ver com a segurança nacional. Trump não foi o primeiro nem o último presidente a ameaçar diminuir os compromissos de segurança dos EUA com o Velho Mundo se os países europeus, e especialmente a Alemanha, não fizerem mais por sua própria defesa. Depois que a COVID-19 esmagou o orçamento alemão, anteriormente bem equilibrado, e dada a cultura em declínio, mas ainda fortemente pacifista, do país, é altamente improvável que o orçamento de defesa alcance os números prometidos no período corrente.

A nova estratégia alemã para manter o apoio militar americano parece finalmente seguir o conselho do senador Richard Lugar: ou a OTAN sai da área ou sai do mercado. A OTAN ainda não se engajou totalmente no Mar da China Meridional, mas com um de seus membros militarmente mais relutantes enviando um navio de guerra para lá, pode ser uma opção viável para o futuro. Mesmo que a OTAN não se torne a “Organização do Tratado do Atlântico Norte e do Indo-Pacífico”, uma presença europeia nas proximidades do novo rival dos Estados Unidos poderia persuadir Washington de que a Europa ainda possui valor estratégico para os Estados Unidos. O Departamento de Estado dos EUA já aplaudiu a iniciativa alemã.

Intenções Subjacentes


Obviamente, as duas metas da Alemanha colidem um pouco. A Alemanha não pode esperar impressionar Washington e não antagonizar Pequim no Indo-Pacífico. Olhando mais de perto, no entanto, o interesse da Alemanha em ter uma palavra a dizer na região não requer necessariamente tal neutralidade. Basta se tornar relevante para a grande potência que molda a região, que ainda são os Estados Unidos.

Previsivelmente, a Alemanha ficará do lado dos Estados Unidos no Indo-Pacífico. Claro, as diretrizes alemãs têm o cuidado de mascarar essa inevitabilidade: “Nenhum país deve - como no tempo da Guerra Fria - ser forçado a escolher entre os dois lados ou cair em um estado de dependência unilateral”. No entanto, se a China fosse, digamos, agressivamente tentar mudar o equilíbrio na região a seu favor, a Alemanha, pelo projeto de suas diretrizes de política indo-pacífica, teria que ficar do lado dos Estados Unidos e seus aliados em prol do multilateralismo e a ordem internacional baseada em regras.


Isso faz com que o novo realismo alemão brilhe ainda mais. O país não apenas divulgou uma lista sem remorso de seus interesses no Indo-Pacífico, mas também tomou providências para ficar do lado do poder dominante e preparou uma explicação culpando o contendor. O raciocínio é claro. Ou a China se restringe e segue as regras - regras que claramente beneficiaram a Alemanha até agora - ou a Alemanha terá que apoiar os Estados Unidos na contenção da agressão chinesa. O último cenário pode ser caro, visto que as empresas alemãs investem pesadamente na China e a China é um dos principais parceiros comerciais da Alemanha. No entanto, a China não tem aliados, tem um enorme problema demográfico, ainda está atrás dos Estados Unidos em muitas áreas e, conseqüentemente, não é provável que ganhe em um confronto no futuro próximo. Faz sentido para uma potência média realista se posicionar como a Alemanha.

A Alemanha está fazendo aos Estados Unidos um favor muito maior do que uma fragata poderia simbolizar. Ao se envolver na região e aliar-se aos Estados Unidos, a Alemanha permitiu que as ameaças americanas de conter economicamente a China se tornassem reais. Antes do lançamento da Alemanha de seu documento de estratégia, tais ameaças não eram confiáveis, como Lisa Picheny e eu argumentamos anteriormente. No passado, europeus e alemães agiram especificamente contra os interesses americanos em relação à China quando podiam se beneficiar. Agora, com uma presença militar na região, ignorar a agressão chinesa e lucrar economicamente ficou mais difícil. Além disso, a Alemanha não está apenas enviando uma fragata para o Indo-Pacífico. Ela está enviando a força de sua economia para ajudar os Estados Unidos a conterem a China.


Mudanças propostas recentes para o itinerário planejado da fragata alemã podem lançar algumas dúvidas sobre a estratégia indo-pacífica alemã. O governo alemão está aparentemente pensando em cancelar um exercício conjunto com um grupo naval europeu que estará no Indo-Pacífico ao mesmo tempo. Além disso, está sendo discutida uma visita de boa vontade ao porto de Xangai. À luz das próximas eleições que determinarão a sucessora de Angela Merkel, e dado o ainda importante sentimento wilsoniano entre o público alemão, essas mudanças propostas podem ser uma indicação de que alguns políticos acham sensato desacelerar seu realismo recém-descoberto. Mas, mesmo se ocorrerem, essas pequenas mudanças no desdobramento da fragata não podem mudar as profundas fundações realistas enraizadas nas diretrizes indo-pacíficas alemãs. Nem pode mudar as forças que fizeram a Alemanha reconhecer a realidade anárquica das relações internacionais.

Conclusão


Como a estratégia indo-pacífica alemã se relaciona com o quadro europeu mais amplo? Todos os três países membros da UE que publicaram documentos oficiais sobre o Indo-Pacífico - França, Alemanha e Holanda - compartilham interesses semelhantes na região. A França, considerando-se uma potência residente na região, tem provavelmente a visão mais ambiciosa. Todos os três, no entanto, favorecem o sistema atual baseado em regras (isto é, liderado pelos EUA), o que os torna aliados naturais dos EUA, apesar de sua aversão a uma ordem bipolar. Juntando suas forças em uma única a estratégia europeia faz sentido nessas condições. No entanto, resta saber se isso se concretizará. Até então, esses três países da UE irão cooperativamente, mas separadamente, perseguir seus interesses.

Alguns argumentam que esse desdobramento foi planejado apenas para aplacar os Estados Unidos no debate sobre os gastos com defesa, mas tais opiniões são míopes. A China está competindo pelo domínio regional e potencialmente mundial com a grande potência que garantiu a prosperidade alemã desde 1949. Dada não apenas a retórica cada vez mais realista, mas também várias ações, como a publicação das diretrizes do Indo-Pacífico, parece que há uma nova consciência da natureza anárquica das relações internacionais no governo alemão. Outros temem que a Alemanha esteja provocando desnecessariamente a China. Dadas as ambições claras e inegáveis da China, um conflito entre a China e os Estados Unidos está fadado a ocorrer de uma forma ou de outra. É certamente melhor posicionar a Alemanha em relação a este conflito agora, enquanto ainda há tempo para moldar a forma desse conflito em algo mais benéfico para a Alemanha.

Dada a longa tradição alemã de contenção pacifista e moralismo wilsoniano, é notável a rapidez com que a mudança para uma visão de mundo mais realista está acontecendo. A mudança ainda não está completa: as diretrizes ainda contêm muito do que é wilsoniano. No entanto, considerando que há apenas alguns anos tal documento teria sido suicídio político, sua própria existência é notável. Além disso, posiciona bem a Alemanha no confronto de grandes potências que está por vir. Se há algo a aprender com as novas diretrizes políticas, é que não existe mais uma Alemanha pacífica, mas sim uma Alemanha do Pacífico.


Dominik Wullers é um ex-oficial do exército da Bundeswehr. Atualmente, ele atua como administrador civil na divisão de aquisição de defesa do Bundeswehr. Ele possui um Ph.D. em economia pela Helmut-Schmidt-University e um M.P.A. da Harvard Kennedy School.

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sábado, 8 de maio de 2021

A reforma do sistema de inteligência do Japão


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de maio de 2021.

Quando os Aliados derrotaram o Japão no final da Segunda Guerra Mundial, eles desmantelaram o aparato de segurança japonês e deliberadamente deixaram o país dependente de potências externas. Isso implicou não apenas em desmontar as forças armadas, mas também o extenso aparato imperial de inteligência que havia facilitado a expansão japonesa na Ásia. Ao se reconstituir, o Japão do pós-guerra optou por um sistema de inteligência descentralizado como alternativa ao modelo anterior à guerra. O resultado foi mais um fragmento de um aparato de inteligência do que um sistema completo, com Tóquio terceirizando os componentes que faltavam para seus aliados. Esse sistema funcionou durante a Guerra Fria, quando o Japão era mais essencial para a estratégia anti-soviética dos EUA. Desde então, no entanto, o Japão se viu incapaz de contar com seus aliados para fornecer inteligência vital em tempo hábil. A crise dos reféns do Estado Islâmico em janeiro de 2015, durante a qual o Japão dependeu da inteligência jordaniana e turca, reforçou essa lição.

Em resposta ao incidente, o então governante Partido Liberal Democrata do Japão começou a esboçar uma proposta para criar uma nova agência especializada em inteligência estrangeira. Para lidar com a dependência japonesa de estranhos, o novo sistema mudará de um modelo descentralizado com capacidade de coleta limitada para um sistema centralizado com recursos internos. O plano apoiaria a lenta normalização do Japão de suas capacidades militares gerais para enfrentar novas ameaças.

O então primeiro-ministro japonês Shinzo Abe (centro) inspeciona as tropas no campo de treinamento de Asaka, da Força de Autodefesa Terrestre, em 1º de julho de 2014. Em 2015, o premier Abe sugeriu modificações no Artigo 9 da Constituição japonesa.
(Toru Yamanaka / AFP)

Durante a Guerra Fria, Tóquio poderia depender de Washington para garantir a segurança externa do Japão, enquanto contava com sua própria força econômica para obter acesso a recursos. Mas o Japão não é mais visto pelos americanos como o baluarte vital da Guerra Fria no Pacífico, dando aos Estados Unidos menos incentivo para cooperar. Enquanto isso, tanto a China quanto a Coréia do Norte surgiram como ameaças à segurança japonesa. Mais longe, os japoneses se envolveram mais profundamente em regiões como a África e o Oriente Médio. Hoje, o Japão precisa de inteligência rápida, precisa e confiável. Quase um quarto de século desde o fim da Guerra Fria, no entanto, o Japão ainda está usando um sistema antigo mal adaptado a um mundo em mudança.

O atual aparato de inteligência do Japão está fragmentado em cinco organizações. O Gabinete do Serviço de Informação e Pesquisa concentra-se em inteligência de código aberto e geo-espacial. O Ministério das Relações Exteriores japonês coleta inteligência diplomática. O Quartel-General da Inteligência de Defesa reúne inteligência de comunicações, incluindo sistemas eletrônicos e de telecomunicações. No âmbito do Ministério da Justiça, a Agência de Inteligência de Segurança Pública conduz principalmente investigações internas e monitora grupos domésticos subversivos. A mais poderosa delas é a Agência Nacional de Polícia, responsável pela aplicação da lei nacional, contra-terrorismo e combate ao crime transnacional; também possuindo pessoal posicionado nas outras quatro instituições como diretores de inteligência de alto nível.

A falta de uma agência central de análise no Japão significa que agências de inteligência separadas e não integradas se reportam de forma independente ao gabinete do primeiro-ministro.

- Gabinete do primeiro-ministro:
  • Gabinete do Serviço de Informação e Pesquisa
  1. Dá resumos semanais ao primeiro-ministro.
  2. Fornece inteligência de código aberto e geo-espacial.
  3. Concebido inicialmente como coordenador de inteligência, mas geralmente é ignorado por outras agências de inteligência.
  • Quartel-General da Inteligência de Defesa
  1. Coleta inteligência derivada da interceptação de comunicações ou transmissões eletrônicas.
  2. Serviço de Inteligência do Ministério da Defesa.
  3. Fundado em 1997 para integrar inteligência coletada pelas Forças de Autodefesa.
  4. Formado majoritariamente por militares oficiais de inteligência.
  • Ministério das Relações Exteriores
  1. Coleta informações diplomáticas de missões no exterior.
  2. Formada por diplomatas profissionais que não são treinados como oficiais de inteligência.
  • Agência de Inteligência de Segurança Pública
  1. Agência de investigação interna criada para monitorar grupos domésticos subversivos e extremistas.
  2. Tem funções de contra-espionagem e contra-terrorismo, mas não tem poder de prisão.
  3. Subordinado ao Ministério da Justiça.
  • Agência Nacional de Polícia
  1. O objetivo principal é a aplicação da lei.
  2. Responsável pelo combate ao crime e pela execução de missões de contra-terrorismo, bem como de contra-espionagem.
  3. Depois que as forças armadas japonesas foram desmanteladas em 1945, eles assumiram muitas funções de inteligência doméstica.
  4. Pessoal de alto nível é incorporado como oficiais de inteligência em todas as outras agências, dando à Agência Nacional de Polícia grande poder institucional.
Membros do 374º Esquadrão de Forças de Segurança da USAF e a Divisão Fussa da Polícia Nacional Japonesa respondem a um "incidente" de munições não-detonadas durante um exercício de treinamento de resposta conjunta na Base Aérea de Yokota, no Japão, em 27 de março de 2009.
(Osakabe Yasuo / Força Aérea dos EUA)

Este sistema carece de dois componentes principais: Sua maior fraqueza é a ausência de um corpo de inteligência clandestino, privando o Japão de acesso confiável à inteligência humana. O país também não possui uma instituição que reúna a inteligência coletada pelos diferentes departamentos. Tal instituição forneceria uma análise abrangente para os principais formuladores de políticas e garantiria o compartilhamento eficaz de informações entre as agências. Em vez disso, as agências de inteligência do Japão se reportam diretamente ao gabinete do primeiro-ministro. A ausência desses dois nós-chave deixou os formuladores de políticas japoneses com enormes lacunas de percepção, forçando-os a reagir às crises em vez de evitá-las. Repetidamente, isso levou a consequências trágicas para os cidadãos japoneses.

Comandos peruanos resgatando diplomata e funcionários japoneses na Operação Chavín de Huántar, o assalto à embaixada japonesa em Lima, 22 de abril de 1997.

Raízes Imperiais e da Guerra Fria

Para entender as limitações atuais do sistema de inteligência japonês, é preciso olhar para o passado militarista do país e sua grande estratégia da era da Guerra Fria. Antes de 1945, os militares japoneses dominavam a estrutura do governo. As Forças Armadas viram a conquista da Ásia como o melhor meio da nação-ilha garantir o acesso aos recursos de que precisava. Para desestabilizar seus inimigos e preparar a Ásia para a conquista, os militares desenvolveram um forte aparato de inteligência estrangeira modelado ao longo das linhas alemãs: o exército e a marinha administravam seus próprios serviços de inteligência, enquanto o corpo de polícia militar (Kempeitai para o exército e Tokkeitai para a marinha) conduzia funções de contra-espionagem e polícia secreta.

Militares da Kempeitai com as braçadeiras contendo os caracteres 憲兵 (ken-pei, Polícia Militar).

O sistema de inteligência do império foi altamente eficaz. Os militares realizavam operações clandestinas por meio de redes de espionagem chamadas Tokumu Kikan, ou agências de serviços especiais. Além de coletar inteligência, o Tokumu Kikan conduziu uma série de atividades para manter os adversários do Japão desequilibrados, realizando assassinatos e operações de bandeira falsa, bem como treinando de quintas colunas como o Exército Nacional Indiano de Subhas Chandra Bose e, principalmente, forças auxiliares de ocupação; além de massacres contra populações conquistadas.

Oficialmente, os comandantes da inteligência militar se reportavam aos ramos da inteligência de vários exércitos e marinhas regionais, mas suas conexões em Tóquio lhes davam ampla latitude. Como o resto dos militares do Japão Imperial, os Tokumu Kikan tiveram pouca supervisão e subverteram a autoridade civil com impunidade, às vezes conduzindo operações com motivação política com o objetivo de justificar a expansão militar. Durante o Incidente de Mukden em 1931, por exemplo, agentes da inteligência militar japonesa agindo por iniciativa própria explodiram a Ferrovia do Sul da Manchúria (operada pelos japoneses) e culparam as forças chinesas locais. A operação forneceu o pretexto para que o Japão se apoderasse da região industrializada e rica em recursos da Manchúria, no atual nordeste da China.

Em 1928, ocorrera um incidente semelhante de indisciplina, onde o Coronel Komoto Daisaku, um oficial do exército japonês Kwantung,  decidiu por iniciativa própria matar o senhor-da-guerra chinês Chang Tso-lin. O plano consistiu em plantar uma bomba ao longo de uma ponte ferroviária próxima a Shenyang, onde a linha passava pela Ferrovia do Sul da Manchúria, que explodiu quando o trem de Chang passou por baixo dela. Mortalmente ferido, Chang morreu algumas horas depois. No Tribunal de Crimes de Guerra de Tóquio em 1946, o Almirante Okada Keisuke testemunhou que Chang foi assassinado porque o Exército Kwantung estava enfurecido por seu fracasso em deter o exército nacionalista de Chiang Kai-shek, que era apoiado por Moscou (o rival estratégico de Tóquio), na campanha da Expedição do Norte (1926–1928).

Chang Tso-lin (Zhang Zuolin, 張作霖), conhecido como "O Tigre do Norte" e líder da clique Fengtian.

Na época do assassinato, o Exército Kwantung já estava em processo de preparar Yang Yuting, um alto general da clique Fengtian, para ser o sucessor de Chang. No entanto, o assassinato pegou até mesmo a liderança do Exército Kwantung desprevenida, uma vez que as tropas não foram mobilizadas e o Exército Kwantung não poderia tirar nenhuma vantagem culpando os inimigos chineses de Chang e usando o incidente como um casus belli para uma intervenção militar japonesa. Em vez disso, o incidente foi veementemente condenado pela comunidade internacional e pelas autoridades militares e civis da própria Tóquio. A emergência do filho de Chang, Chang Xueliang - "O Jovem Marechal" - como sucessor e líder da clique Fengtian, também foi uma surpresa.

O Jovem Marechal, para evitar qualquer conflito com o Japão e o caos que pudesse provocar uma resposta militar dos japoneses, não acusou diretamente o Japão de cumplicidade no assassinato de seu pai, mas, em vez disso, executou discretamente uma política de reconciliação com o governo nacionalista de Chiang Kai- shek, que o deixou como governante reconhecido da Manchúria em vez de Yang Yuting. O assassinato enfraqueceu consideravelmente a posição política do Japão na Manchúria.

Militares da Kempeitai se rendendo em Saigon, Cochinchina, sul da então Indochina Francesa, em 13 de dezembro de 1945.

Após a Segunda Guerra Mundial, os vitoriosos Aliados desmantelaram as forças armadas do Japão Imperial, junto com o aparato de inteligência militar. Desarmado e ocupado pelos Estados Unidos, o Japão foi forçado a recuar em sua força econômica para adquirir recursos. Disto surgiu a Doutrina Yoshida, em homenagem ao então primeiro-ministro Shigeru Yoshida, na qual o Japão terceirizou a segurança externa para os Estados Unidos enquanto se concentrava na reconstrução econômica.

Felizmente para o Japão, sua localização o tornou indispensável para a contenção da União Soviética pelos EUA. Os Estados Unidos garantiram a segurança externa do Japão em um tratado de defesa mútua de 1952. O sistema de inteligência seguiu esse modelo. O Japão passou a depender da CIA para coletar inteligência e informar o governo japonês, que manteve acesso confiável a informações oportunas durante a Guerra Fria.

No entanto, o Japão continuou a enfrentar ameaças internas. Isso incluía o apoio soviético ao Partido Comunista Japonês e a grupos terroristas como o Exército Vermelho Japonês. A força policial do Japão agiu para preencher a lacuna, coletando inteligência doméstica. A partir dessa base, o Japão desenvolveu uma rede de inteligência descentralizada focada principalmente em ameaças domésticas. A Agência Nacional de Polícia dominava essa estrutura de inteligência, posição que continua ocupando até hoje.

Embora o sistema de inteligência da era da Guerra Fria fosse limitado e dependente dos Estados Unidos, ele atendeu às necessidades do Japão ao longo desse período. As tentativas de fortalecer o sistema de inteligência encontraram forte oposição de legisladores e do público, que lembrou os excessos dos serviços de inteligência militar da era imperial.

Desafios pós-Guerra Fria

Após o fim da Guerra Fria, o Japão se viu em um novo contexto. Seu envolvimento econômico se aprofundou na América Latina, África e Oriente Médio. Enquanto isso, o crescimento explosivo da China desde 1978 a transformou de uma economia fraca e atrasada em um agressivo concorrente tanto em segurança quanto em economia, exatamente quando o próprio crescimento do Japão começou a declinar vertiginosamente.

O colapso da União Soviética colocou em risco a segurança da Coréia do Norte e levou Pyongyang a redobrar os esforços para adquirir e testar a capacidade nuclear e de mísseis balísticos. Também diminuiu o interesse dos EUA em subscrever a segurança do Japão, especialmente depois que Washington começou a canalizar mais de seus recursos e atenção para estabilizar o Oriente Médio. À medida que os interesses dos Estados Unidos e do Japão divergiam, cada vez menos recursos de inteligência eram direcionados para objetivos que o Japão considerava importantes.

Comandos peruanos celebrando a vitória em Chavín de Huántar, 22 de abril de 1997.

O declínio do apoio dos americanos expôs as fraquezas inerentes ao sistema de inteligência subdesenvolvido do Japão. Em 1996, por exemplo, o Movimento Revolucionário Marxista Tupac Amaru do Peru ocupou a residência oficial do embaixador japonês em Lima, levando 24 reféns japoneses, incluindo o embaixador e vários funcionários de alto escalão. O ministro das Relações Exteriores do Japão vôou para Lima, onde precisava ser informado pelo embaixador canadense e passar um tempo coletando informações em primeira mão.

O Japão também foi pego de surpresa em 1998 com o lançamento de um foguete Taepodong norte-coreano e sua incapacidade de rastrear o vôo do míssil. Este incidente levou o Japão a investir em satélites de reconhecimento e desenvolver seu próprio programa de inteligência geo-espacial alojado no Gabinete de Informação e Escritório de Pesquisa. Este pequeno passo foi insuficiente, no entanto, e o Japão se viu mais uma vez pego de surpresa pela tomada de reféns pelo Estado Islâmico em 2015, estimulando o partido no poder a propor uma reforma mais completa da inteligência, contando até mesmo com a criação de uma unidade contra-terrorista com alcance internacional subordinada à uma inteligência central.

Uma situação semelhante foi prevista por Tom Clancy dez anos antes no jogo Splinter Cell: Chaos Theory (Splinter Cell: Teoria do Caos, de 2005), com um líder japonês - o Almirante Toshiro Otomo - criando uma força especial que violava os termos de desmilitarização japonesa: a Força de Autodefesa de Informação (Information Self-Defense Force, ISDF).


No período pós-Guerra Fria, o Partido Liberal Democrata defendeu a reforma da inteligência. Em 2006, um comitê parlamentar do partido produziu o Segundo Relatório Machimura, que propôs uma nova agência para coletar inteligência estrangeira operando nas embaixadas japonesas. A proposta também pedia que uma agência realizasse análises de inteligência centralizadas de maneira semelhante ao Escritório do Diretor de Inteligência Nacional dos EUA.

O Segundo Relatório Machimura não mudou o sistema de inteligência japonês, mas a última proposta do Partido Liberal Democrata - nove anos depois - aborda os mesmos problemas enraizados. No entanto, a reforma da inteligência japonesa continua enfrentando vários desafios. O primeiro são os persistentes sentimentos antimilitaristas do público japonês. A Constituição japonesa é famosa por conter um artigo, o Artigo 9, que proíbe o uso da guerra para resolver conflitos internacionais. Embora não haja equivalente ao Artigo 9 para a inteligência, que proíba um serviço de inteligência clandestino, aos olhos do público, inteligência e militarismo estão profundamente interligados. As memórias da Segunda Guerra Mundial ainda são profundas.

Obstáculos burocráticos também impedem a reforma. A ala geoespacial do Gabinete do Serviço de Informação e Pesquisa, estabelecida após o incidente com a Coréia do Norte em 1998, tinha o objetivo de desempenhar um papel fundindo os fluxos separados de inteligência. No entanto, as outras agências de inteligência optaram por contorná-lo totalmente. Qualquer nova organização central de análise enfrentaria resistência semelhante, especialmente da influente Agência Nacional de Polícia, que historicamente reluta em compartilhar informações.

O mesmo vale para uma nova agência de inteligência estrangeira, que provavelmente desviaria pessoal e recursos fiscais das agências existentes. Os Estados Unidos também lidaram com as mesmas questões ao estabelecer seus "centros de fusão" do Escritório do Diretor de Inteligência Nacional e Segurança Interna após o 11 de setembro. A agência de supervisão dos EUA ainda não teve sucesso total em seu objetivo de coletar informações de outras 16 agências da comunidade de inteligência americana.

Soldado japonês com um lança-rojão.

O Japão, entretanto, está avançando lenta e inexoravelmente em direção à reforma da inteligência, assim como está avançando com sua normalização militar. Desde o fim da Guerra Fria, os japoneses adicionaram recursos quando absolutamente necessário. Na esteira do lançamento do foguete norte-coreano em 1998, por exemplo, Tóquio conseguiu preencher lacunas críticas, investindo em satélites de reconhecimento e construindo suas capacidades de inteligência geoespacial; este último permanecendo hoje um ponto forte do sistema de inteligência japonês.

Em 2013, o Partido Liberal Democrata aprovou a Lei de Sigilo Especial, que estabeleceu um sistema de classificação unificado entre as agências e expôs consequências claras para o vazamento de segredos. Anteriormente, as diferentes agências protegiam as informações de maneiras diferentes, o que significa que não podiam confiar umas nas outras para manter os segredos protegidos. A padronização dos esquemas de classificação encorajou a colaboração. A lei é altamente impopular junto ao público, mas encerrou uma longa disputa para impor tal reforma.

Não há garantia de que a atual proposta do Partido Liberal Democrata levará a mudanças imediatas ou radicais. No entanto, as demandas por inteligência rápida e precisa estão aumentando, e o Japão não pode depender de seus aliados para atender às suas necessidades. O processo de reforma será lento, mas Tóquio acabará por adquirir e desenvolver totalmente sua própria inteligência humana e capacidades de análise central. O país vai investir em suas capacidades de inteligência cibernética, bem como se esforça para desenvolver um sistema de inteligência para gerenciar todos os aspectos das operações de inteligência. O amadurecimento dos aspectos técnicos desse sistema levará tempo, mas as instituições do Japão têm se mostrado historicamente capazes de dominar novos procedimentos em um período de tempo relativamente curto.

A situação global

Fuzileiros navais americanos e soldados da nova Brigada Anfíbia de Desdobramento Rápida japonesa durante a cerimônia de abertura do Exercício Punho de Ferro 2020 (Iron Fist 2020) no acampamento de Pendleton, na Califórnia, em 17 de janeiro de 2020.

Com a falta de transparência dos Estados Unidos nos anos recentes, com um rastro de abandonos diplomáticos e até mesmo militares de aliados (como os curdos no Oriente Médio), a liderança do Japão sente-se ameaçada por um aliado não confiável e uma China cada vez mais assertiva (e agressiva). Uma enquete sobre a proposta de revisão do Artigo 9, realizada em junho de 2020, mostrou que a população não está "no mesmo passo", com 69% se opondo à idéia. “Para o povo japonês, o Artigo 9 é uma espécie de Bíblia”, disse em 2019 Hajime Funada, legislador governista do Partido Liberal Democrata e ex-chefe de um painel para revisar a carta.

Afetando ainda mais a ansiedade de defesa da nação-arquipélago, o Japão tem problemas de baixa natalidade e de falta de efetivos militares; os jovens japoneses não se interessem pelo uniforme citando baixos salários e incômodos típicos da vida militar, como habitação em quartéis e transferências longe da cidade de origem.

A geopolítica internacional continua como sempre foi: imprevisível e violenta. Em meio aos caos global da pandemia, com manifestações na Tailândia, fechamento político brutal no Vietnã e no Camboja, o exército birmanês - o Tatmadaw - executou um golpe de estado em 1º de fevereiro; iniciando uma repressão brutal de manifestantes civis, que escalou no mês passado para confrontos entre guerrilhas étnicas e o Tatmadaw. O Japão foi signatário da declaração do Ministro das Relações Exteriores do G7 em 3 de fevereiro, "condenando o golpe militar". Em 21 de fevereiro e novamente em 28 de fevereiro, o governo japonês disse "condenar veementemente" a situação em Mianmar. Na mesma declaração, ele disse, "o governo do Japão, mais uma vez, exorta veementemente os militares de Mianmar a libertarem aqueles que estão detidos... e restaurar rapidamente o sistema político democrático de Mianmar".

A abordagem do Japão para o golpe em Mianmar foi marcada pela temperança. No dia seguinte à tomada do poder pelo Tatmadaw, o Ministro de Estado para Defesa Yasuhide Nakayama afirmou: "Se não abordarmos isso bem, Mianmar pode crescer mais longe das nações democráticas politicamente livres e se juntar à liga da China". Isso revela a compreensão do governo japonês sobre a importância geoestratégica de Mianmar na região. A influência crescente da China em Mianmar tem sido uma preocupação para os líderes japoneses. O medo do aumento da dependência da China foi um dos fatores que levaram o Tatmadaw a decidir iniciar reformas políticas e abrir Mianmar em 2011. O governo do Japão foi fundamental neste processo, facilitando o reengajamento entre a comunidade internacional e o governo de Mianmar.

Com a condição de que a democratização continuasse, o Japão perdôou grande parte da dívida pendente de Mianmar em 2012. Mas o mais importante, talvez, o Japão forneceu um empréstimo-ponte a Mianmar para permitir que pagasse seus atrasados com o Banco Mundial e o Banco de Desenvolvimento Asiático no mesmo ano. Isso permitiu que essas instituições financeiras iniciassem a ajuda ao desenvolvimento e apoiassem a transição democrática do então presidente Thein Sein.

A diplomacia do Japão também deve ser vista no quadro das relações com a ASEAN, um parceiro estratégico chave para o Japão. Tóquio passou décadas investindo na estabilidade e prosperidade dos países do sudeste asiático e a economia do Japão depende muito deles. No dia 10 de fevereiro houve um telefonema entre os chanceleres do Japão e da Indonésia, sendo os principais assuntos discutidos a situação em Mianmar e questões relacionadas com o Mar da China Meridional e Mar da China Oriental. Para o Japão - e também para a ASEAN - essas questões estão todas interligadas.

Conforme a retórica do Partido Comunista Chinês fica cada vez mais agressiva, os países do ASEAN têm agido para forjar aliançasEm 2010, o governo japonês levou um susto: Pequim cortou abruptamente todas as exportações de terras raras para o Japão por causa de uma disputa com uma traineira de pesca. Tóquio era quase totalmente dependente da China para os metais essenciais, e o embargo expôs essa vulnerabilidade aguda. Atualmente, a China comunista até mesmo fala abertamente em "preparação para a guerra", se aproveitando da pandemia mundial originada em Wuhan.

Quando o então primeiro-ministro japonês, Shinzo Abe, disse no mês de abril do ano passado que a pandemia de Covid-19 foi a maior crise nacional desde a Segunda Guerra Mundial, foi amplamente esquecido que, poucas semanas antes, seu governo aprovou de longe o maior orçamento de defesa do país desde o fim do conflito. A prioridade atual é na força de mísseis, claramente mirando ações anti-navio na disputa de ilhas com Pequim.

O Almirante Yamamura em teleconferência com o Almirante Vandier, comandante da marinha francesa, em 1º de outubro de 2020.

Recentemente, o Japão se aproximou da França, um país que sempre foi culturalmente próximo dos japoneses (apesar da brutal ocupação da Indochina de 1940-1945 e do apoio à invasão tailandesa em 1941), e manobras militares conjuntas entre o Japão, Estados Unidos e França foram marcadas de 11 a 17 de maio de 2021 no Campo Ainoura, na Prefeitura de Nagasaki, onde está instalada a Brigada Anfíbia de Desdobramento Rápido da GSDF, unidade especializada na defesa de ilhas remotas. Os exercícios também serão realizados no Campo de Treinamento de Kirishima, nas prefeituras de Miyazaki e Kagoshima, e no mar e espaço aéreo a oeste de Kyushu. De acordo com a GSDF, esta será a primeira vez que tropas japonesas, americanas e francesas realizarão exercícios de campanha conjuntos no Japão.

"A França é um camarada em nossa visão Indo-Pacífico. Queremos melhorar nossas habilidades táticas na defesa da ilha", enfatizou o ministro da Defesa do Japão, Nobuo Kishina em entrevista coletiva em abril de 2021.

Em uma tal situação de insegurança e instabilidade, é mais do que recomendável uma central de inteligência que permita pelo menos um certo nível de aviso antecipado e liberdade de ação.

Bibliografia recomendada:

sábado, 1 de maio de 2021

FOTO: Reconhecimento Estratégico indonésio

Tontaipur, Pelotão de Reconhecimento de Combate do Comando Estratégico (Kostrad) do Exército Indonésio.

Por Filipe do A. MonteiroWarfare Blog, 1º de maio de 2021.

O Comando Estratégico do Exército (Komando Cadangan Strategis Angkatan DaratKostrad) é um comando de nível do Corpo de exército que tem até 35.000 soldados. Ele supervisiona a prontidão operacional entre todos os comandos e conduz operações de defesa e segurança no nível estratégico, de acordo com as políticas do comandante das Forças Armadas Nacionais da Indonésia. O Kostrad é a principal unidade básica de combate de guerra do Exército Indonésio, enquanto o Kopassus é a elite das forças especiais do Exército Indonésio; o Kostrad como "Komando Utama Operasi" ou Comando de Operação Principal ainda se mantém como a unidade de combate de primeira linha das Forças Armadas Nacionais Indonésias junto com o Kopassus.

Este corpo tem três divisões:
  • 1ª Divisão de Infantaria Kostrad, com sede em Cilodong, Depok, Java Ocidental.
  • 2ª Divisão de Infantaria Kostrad, com sede em Singosari, Malang, Java Oriental.
  • 3ª Divisão de Infantaria Kostrad, com sede em Bontomarannu, Gowa, Celebes Meridional.
O "Pelotão de Reconhecimento de Combate" do Kostrad (Peleton Intai Tempur, abreviado como "Tontaipur") é uma formação de unidade especial do Kostrad em um nível de pelotão para conduzir operações de reconhecimento especial (special recon, SR). Suas informações adicionais sobre o número de tropas e armamento são confidenciais. Foi formado em 2001 e faz parte do Batalhão de Inteligência do Kostrad. Tontaipur foi formada sob os auspícios do então comandante do Kostrad, Ten-Gal Ryamizard Ryacudu. Semelhante a outras unidades especiais das Forças Armadas Nacionais da Indonésia, o Tontaipur é treinado para operações especiais de combate terrestre, aéreo e marítimo.

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sexta-feira, 30 de abril de 2021

As forças convencionais da Coréia do Sul se fortalecem: a busca por estabilidade estratégica


Por Manseok Lee e Hyeongpil Ham, War on the Rocks, 16 de abril de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de abril de 2021.

Como a Coréia do Sul deve responder ao crescente arsenal de mísseis de ponta nuclear da Coréia do Norte? Alguns argumentam que Seul deveria melhorar suas capacidades convencionais a fim de deter o aventureirismo nuclear de Pyongyang e alcançar a estabilidade na Península Coreana. Outros afirmam que um acúmulo de armas na Coréia do Sul em resposta aos desenvolvimentos nucleares da Coréia do Norte poderia resultar em uma escalada inadvertida da crise.

Em seus recentes ensaios em War on the Rocks e International Security, Ian Bowers e Henrik Hiim apontam corretamente que as forças militares convencionais da Coréia do Sul são de crescente importância para a estabilidade estratégica com a Coréia do Norte. No entanto, eles também argumentam que as forças convencionais da Coréia do Sul estão aumentando a instabilidade na Península. Bowers e Hiim concluem que “se os Estados Unidos desejam garantir que quaisquer iniciativas de desnuclearização sejam bem-sucedidas, pode ser necessário persuadir a Coréia do Sul a realizar reduções de armas convencionais, especialmente no que diz respeito a capacidades ofensivas”.

Nós respeitosamente discordamos. As forças convencionais sul-coreanas desempenham um papel positivo e até mesmo essencial em um contexto de aliança com os Estados Unidos na manutenção da estabilidade enquanto a Coréia do Norte se nucleariza. Nossas perspectivas sobre este assunto são informadas por nossa experiência como oficiais militares sul-coreanos envolvidos no desenvolvimento de teorias e políticas de dissuasão para a aliança EUA-Coréia do Sul. Argumentamos que as capacidades convencionais da Coréia do Sul na verdade fortalecem a estabilidade na Península Coreana, reduzindo as expectativas da Coréia do Norte em relação à utilidade de suas armas nucleares. Como resultado, o desenvolvimento dessas forças convencionais - em cooperação com seus aliados em Washington - ajuda Seul a impedir que Pyongyang alcance seus objetivos estratégicos por meio do aventureirismo nuclear.

Abordagens da Coréia do Sul para dissuasão


As capacidades convencionais da Coréia do Sul foram projetadas para desempenhar um papel central no estabelecimento da postura de dissuasão da aliança EUA-Coréia do Sul e na implementação de uma estratégia anti-nuclear combinada. Essa abordagem está codificada na estratégia de "dissuasão sob medida" anunciada em 2013. Essa estratégia está em sintonia com as características específicas do programa nuclear da Coréia do Norte. Especificamente, é baseado no entendimento de que Kim Jong Un sozinho tem autoridade para empregar as armas nucleares da Coréia do Norte, que os lançadores de mísseis móveis são o principal meio de disparo e que os mísseis da Coréia do Norte estão localizados em túneis profundamente enterrados. Esses recursos podem permitir que a aliança EUA-Coréia do Sul detecte os primeiros sinais de alerta de ataques nucleares, bem como destrua os mísseis durante os estágios de desdobramento e preparação de lançamento. A estratégia é baseada tanto no compromisso dos EUA com a dissuasão nuclear estendida e na construção esperada da Coréia do Sul de forças convencionais, quanto na interoperabilidade dessas forças com os meios militares americanos.

As capacidades militares convencionais da Coréia do Sul no que diz respeito à dissuasão das ameaças nucleares da Coréia do Norte consistem em três elementos principais: o sistema de Defesa Aérea e de Mísseis da Coréia, o sistema de Cadeia de Matança (Kill Chain) e o sistema de Punição e Retaliação Maciça da Coréia (Korea Massive Punishment and Retaliation). O sistema de Defesa Aérea e de Mísseis da Coréia é um sistema em grande parte nativo de defesa antimísseis em camadas. Embora ainda seja principalmente conceitual e muitos componentes do sistema de defesa antimísseis estejam em estágio de desenvolvimento, as forças armadas sul-coreanas pretendem estabelecer sistemas de alerta antecipado, comando e controle e múltiplos sistemas de interceptação em meados da década de 2020 por meio de investimentos constantes. O sistema de Cadeia de Matança - operado pelo exército, marinha e força aérea - consiste em sensores, mísseis balísticos terrestres / marítimos e de cruzeiro e várias bombas guiadas com precisão. Ele tenta detectar ataques de mísseis norte-coreanos iminentes e permitir que as forças sul-coreanas destruam os mísseis e lançadores do país preventivamente. Por último, o sistema de Punição e Retaliação Maciça da Coréia envolve o uso de múltiplas capacidades cinéticas e não-cinéticas, incluindo mísseis balísticos e de cruzeiro, bombas guiadas, bombas blecaute e armas de pulso eletromagnético, para atingir as instalações de liderança da Coréia do Norte após qualquer ataque nuclear. Na verdade, o sistema de Cadeia de Matança e o sistema Punição e Retaliação Maciça da Coréia compartilham as mesmas plataformas de armas, embora suas abordagens para usar os meios disponíveis sejam diferentes. Isso representa uma das razões por trás da decisão da Coréia do Sul de integrar o sistema de Cadeia de Matança e o sistema de Punição e Retaliação Maciça da Coréia em 2019 e expandir os conceitos para o sistema de Ataque Estratégico (Strategic Strike) para facilitar a gestão eficiente de projetos de aumento de força.


As capacidades convencionais da Coréia do Sul reforçam a dissuasão na Península Coreana. Por um lado, o sistema sistema de Cadeia de Matança e o sistema de Punição e Retaliação Maciça da Coréia representam meios de conseguir a dissuasão por negação, uma vez que os mísseis da Coréia do Sul são capazes de atingir os mísseis e lançadores da Coréia do Norte se os ataques forem iminentes. Por outro lado, o sistema de Punição e Retaliação Maciça da Coréia visa a dissuasão por meio da punição. O objetivo é transmitir a mensagem de que, se a Coréia do Norte decidir usar suas armas nucleares, todos os participantes do processo de tomada de decisão, incluindo Kim Jong Un, serão removidos. Assim, o sistema de Punição e Retaliação Maciça da Coréia está mais próximo de uma estratégia de contra-força ou contra-liderança do que de uma estratégia de contra-valor.

Antecipando preocupações com relação às forças convencionais da Coréia do Sul


Enquanto a Coréia do Sul acredita que suas forças convencionais são fundamentais para estabilizar o equilíbrio militar com a Coréia do Norte, outros analistas estão preocupados que as medidas da Coréia do Sul tenham o efeito oposto. Bowers e Hiim, por exemplo, estão preocupados com o aumento do risco do uso nuclear da Coréia do Norte, ameaçando a estabilidade estratégica na Península Coreana e fortalecendo o incentivo da Coréia do Norte para possuir armas nucleares.

A primeira preocupação é que, se as forças convencionais da Coréia do Sul forem operadas unilateralmente e preventivamente, isso pode aumentar o risco de uso de armas nucleares pela Coréia do Norte. Embora essa preocupação seja compreensível, a Coréia do Sul não tem incentivo para operar suas forças convencionais de forma independente, unilateral ou sem qualquer consulta aos Estados Unidos. Além disso, dados os vários fatores socioeconômicos envolvidos, um ataque preventivo com risco de retaliação nuclear imporia custos quase inimagináveis à Coréia do Sul, que é democrática com uma economia aberta. Portanto, a preocupação de que as capacidades convencionais aprimoradas da Coréia do Sul aumentem o risco do uso de armas nucleares pela Coréia do Norte é exagerada.


A segunda preocupação é que o acúmulo de forças convencionais da Coréia do Sul possa ameaçar a estabilidade estratégica na Península Coreana. O conceito de estabilidade estratégica envolve duas condições essenciais: estabilidade da corrida armamentista, que indica que nenhum dos lados tem incentivo para se engajar rapidamente no aumento militar; e estabilidade de crise, o que implica que não há incentivo para nenhuma das partes usar a força militar primeiro. Se uma corrida armamentista sempre resulta em uma escalada de crise imparável, o ponto levantado pelos céticos pode parecer razoável. Na prática, entretanto, isso nem sempre é verdade. Por exemplo, se um equilíbrio estratégico e vulnerabilidade mútua forem alcançados após o acúmulo de armas de um lado, ambos os lados podem perder o incentivo do primeiro ataque. O sistema de defesa antimísseis da Coréia do Sul e a capacidade garantida de retaliação permitiriam à aliança EUA-Coréia do Sul responder prontamente e com credibilidade ao aventureirismo nuclear da Coréia do Norte e, assim, desencorajar Pyongyang de escalar uma crise lançando seus ataques preventivos e surpresa, alcançando assim estabilidade estratégica.


A terceira preocupação é que o acúmulo de forças convencionais da Coréia do Sul pode tornar mais difícil convencer a Coréia do Norte a desnuclearizar por meio de negociações. Em outras palavras, mesmo que o governo Biden consiga persuadir Pyongyang de que os Estados Unidos não representam uma ameaça existencial para a Coréia do Norte, as forças convencionais da Coréia do Sul representam um incentivo para que a Coréia do Norte preserve suas armas nucleares. Essa noção parece depender da premissa de que se a Coréia do Sul tomar medidas para se desarmar, a Coréia do Norte poderá ser mais receptiva a desistir de suas armas nucleares. No entanto, as medidas de desarmamento unilateral são inaceitavelmente arriscadas com um oponente tão malicioso e não confiável como a Coréia do Norte. É mais provável que, se a Coréia do Sul reduzisse os planos de modernização da força convencional, a Coréia do Norte optaria por usar uma estratégia coercitiva contra a Coréia do Sul ou mesmo tentar alterar o status quo com base em sua recém-descoberta vantagem militar assimétrica. Tal situação seria um resultado intolerável para a Coréia do Sul e os Estados Unidos.

A contenção militar sul-coreana não convenceria a Coréia do Norte a se envolver em negociações para desnuclearizar. Ao contrário, melhorar suas forças convencionais poderia, na verdade, dar à Coréia do Sul uma vantagem de negociação. As capacidades contra-nucleares e de contra-liderança da Coréia do Sul são fichas potenciais a serem trocados se a Coréia do Norte estiver disposta a negociar por reduções em suas armas nucleares ou no tamanho do Exército Popular da Coréia. Qualquer redução unilateral de armas por Seul será um desperdício de uma troca potencial. Mesmo se a Coréia do Norte eliminasse suas armas nucleares, ainda teria um enorme exército convencional, incluindo mais de um milhão de soldados, corpos mecanizados e divisões de artilharia. A Coréia do Sul tem motivos suficientes para manter suas capacidades convencionais de dissuasão e estabilidade após a desnuclearização.

Dissuasão convencional contra a Coréia do Norte


À medida que as capacidades nucleares da Coréia do Norte melhoram, a questão mais importante para a Coréia do Sul e seus aliados americanos é determinar a melhor forma de impedir Pyongyang de empregar suas armas nucleares. Durante o Oitavo Congresso do Partido dos Trabalhadores da Coréia, Kim Jong Un revelou suas intenções de separar a Coréia do Sul dos Estados Unidos e reunificar a Península Coreana sob o domínio socialista. Ele planeja fazer isso, em parte, pressionando a aliança por meio do uso de ameaças nucleares coercitivas.

A Coréia do Sul e os Estados Unidos devem trabalhar juntos para convencer a Coréia do Norte de que suas ameaças nucleares nunca terão sucesso. Até o momento, a Coréia do Sul confiou nas forças nucleares da América para dissuadir a Coréia do Norte. No entanto, como observa Brad Roberts, a Coréia do Norte provavelmente aplicaria táticas de “zona cinzenta” - isto é, provocações militares apoiadas por suas armas nucleares que caem abaixo do limite nuclear dos EUA. Se não houver meios de preencher a lacuna entre as capacidades convencionais e nucleares, a Coréia do Norte provavelmente consideraria a ameaça de usar armas nucleares de uma maneira mais agressiva, pois pode erroneamente perceber que os Estados Unidos não interviriam em uma crise na Península Coreana. A ameaça convencional credível da Coréia do Sul, portanto, aumenta os custos esperados das provocações nucleares da Coréia do Norte e reduz a possibilidade de atingir os objetivos políticos e militares desejados por meio do uso de armas nucleares.


Olhando para a Frente


As forças convencionais da Coréia do Sul desempenham um papel positivo na manutenção da estabilidade na Península Coreana. Ao fornecer opções flexíveis e confiáveis para dissuasão, as forças convencionais da Coréia do Sul impedem que a Coréia do Norte cometa um erro de cálculo estratégico e determine incorretamente que o emprego nuclear trará benefícios políticos. Assim, as forças convencionais do país são essenciais para manter a estabilidade estratégica por meio da gestão de crises. As propostas para reduzir as capacidades convencionais da Coréia do Sul na esperança de garantir a desnuclearização voluntária da Coréia do Norte são compreensíveis, dados os perigos do conflito na Península Coreana. Em última análise, entretanto, a restrição unilateral da Coréia do Sul não promoveria os interesses de segurança da Coréia do Sul ou dos Estados Unidos. Em vez disso, Seul e Washington devem trabalhar juntos para reforçar a postura convencional da Coréia do Sul. Isso pode até dar à Coréia do Norte incentivos para voltar à mesa de negociações e se abster de fazer ameaças nucleares. Além disso, é hora de pensar mais seriamente sobre como os países (por exemplo, Austrália, Japão, União Européia, Reino Unido, etc.) que compartilham valores com os Estados Unidos e a Coréia do Sul podem agir coletivamente para evitar o aventureirismo nuclear da Coréia do Norte e ajudar a garantir a estabilidade estratégica na Península Coreana.


Maj. Manseok Lee é atualmente um candidato a Ph.D. na Universidade da Califórnia, Berkeley. Anteriormente, ele foi um pesquisador associado do Center for Global Security Research no Lawrence Livermore National Laboratory. Ele escreveu vários artigos de pesquisa sobre a estratégia nuclear da Coréia do Norte, não-proliferação nuclear e impacto de tecnologias emergentes na estabilidade estratégica.

Cel. Hyeongpil Ham recebeu seu Ph.D. do Instituto de Tecnologia de Massachusetts. Ele trabalhou por mais de 30 anos no Ministério da Defesa Nacional da Coréia do Sul, Ministério das Relações Exteriores e Instituto Coreano de Análises de Defesa. Ele liderou a força-tarefa governamental responsável por abordar as ameaças nucleares da Coréia do Norte e desenvolver a estratégia de dissuasão e defesa da Coréia do Sul.

Os autores são especialmente gratos a Brad Roberts e a um especialista no assunto do War On The Rocks pelos comentários perspicazes sobre as versões anteriores deste artigo. Todas as declarações de fato, opinião ou análise expressas são de responsabilidade dos autores e não refletem as posições oficiais ou pontos de vista do governo e exército sul-coreanos.

Bibliografia recomendada:

A Guerra da Coréia: Nem vencedores, nem vencidos.
Stanley Sadler.

The Armed Forces of North Korea:
On the path of Songun.
Stijn Mitzer e Joost Oliemans.

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FOTO: Filipinos na Coréia14 de março de 2020.