domingo, 29 de março de 2020

FOTO: Trincheira Constitucionalista

Trincheira de combatentes paulistas nos arredores de Amparo/SP durante a Revolução de Constitucionalista de 1932.

sábado, 28 de março de 2020

GALERIA: Bawouans em combate no Laos

Durante os pesados combates em Banh-Hine-Siu, pára-quedistas do 3º BPVN estão prontos para repelir os ataques dos "bô dôï" (soldados das formações regulares do Viet Minh) de dois regimentos da 325ª Divisão.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 28 de março de 2020.

Paraquedistas vietnamitas do 3e BPVN (3ème Bataillon de Parachutistes Viêtnamiens, apelidados "bawouans"), sob o comando do Chef de bataillon Mollo, engajados em pesados combates no Laos, no posto de Banh-Hine-Siu e na vila de Na Pho de 5 a 9 de janeiro de 1954, contra elementos da 325ª Divisão Viet Minh (Daï Doan 325).

As fotos de Ferrari Pierre para o ECPAD mostram o armamento típico dos paraquedistas franceses da fase final da Guerra da Indochina: fuzis e carabinas de coronha dobrável MAS 36 CR 39 e M1A1, submetralhadoras MAT 49, fuzis-metralhadores Châtellerault 24/29.

Em 9 de janeiro, um batalhão de paraquedistas vietnamitas tomou o posto de Banh-Hine-Siu, que ele teimosamente defendeu contra os combatentes do Viet Minh emboscados nas proximidades. Um lançamento de munição, a intervenção da artilharia e bombardeios com napalm os ajudam a contra-atacar os adversários entrincheirados nos arredores.

Ao mesmo tempo, combates de rua aconteceram na vila de Na Pho, onde um batalhão do Viet Minh passou a noite. Além do aspecto militar, o relatório da ação também citou refugiados do Laos que fugiram do avanço do Viet Minh, uma evacuação médica dos feridos por helicóptero e feridos aguardando tratamento.

Distintivo do 3e BPVN, em vietnamita Tien Doan Nhay Du 3 (TDND 3).

Anverso e reverso.

O 3e BPVN foi criado como parte do "amarelamento" ("jaunissement") do General Jean de Lattre de Tassigny - a criação de exércitos nacionais vietnamita, laociano e cambojano. A criação de formações paraquedistas indochineses começou em nível companhia, em 1948. Os quadros do 3e BPVN vieram da 10e CIP (10ème Compagnie Indochinoise Parachutiste), de 195 homens, incorporado ao 10e BPCP (10e Bataillon Parachutiste de Chasseurs à Pied, de tradição alpina e elevado a "groupement" por pouco tempo) de 1950 a 1952; comandada pelo Tenente Louis d'Harcourt, um futuro general, a companhia foi recrutada na região de Hanói, no Tonquim (norte do Vietnã).

3e Bawouan foi criado em 1º de setembro de 1952 com uma companhia de comando (compagnie de commandement de bataillon, CCB), e três companhias de combate (com a posterior adição de uma quarta), ele tinha um efetivo de cerca de 1.000 homens. O 3e Bawouan foi um dos cinco batalhões paraquedistas vietnamitas - 1º, 5º (que lutou em Dien Bien Phu), 6º e 7º BPVN - criados entre 1951 e 1954, e pertencendo ao Exército Nacional Vietnamita (Armée Nationale Vietnamienne, ANV); além do 1er Bataillon de Parachutistes Laotiens (1er BPL), do Laos, e o 1er Bataillon de Parachutistes Khmers (1er BPK), do Camboja.

O 3e BPVN participou das operações Mimosa (maio de 1953), Camargue (julho de 1953), Concarneau, Lamballe e Mont St Michel (agosto de 1953), Flandre (setembro de 1953) a operação no posto de Ban-Hine-Siu (janeiro de 1954) e Églantine (junho de 1954).

Os paras do 3e Bawouan mantêm o posto de Banh-Hine-Siu contra elementos da 325ª Divisão Viet Minh.

Bawouans carregam o cadáver de um camarada com um poncho usado de mortalha.

O soldado está usando um capacete de origem americana coberto com uma bandeira de sinalização para a aviação.

Durante um contra-ataque do 3º BPVN nos ferozes combates de rua de Na Pho, um paraquedista armado com um fuzil de coronha dobrável MAS 36 CR 39 capturou um fuzil alemão Mauser Karabiner 98K, equipado com sua baioneta, equipando os "bô dôï" (soldado das tropas regulares vietnamitas) da 325ª Divisão VM (Daï Doan 325).
À esquerda, um paraquedista e seu FM 24/29, à direita as pernas do Viet-Minh morto.

Elementos da 325ª Divisão do Viêt-minh se infiltraram dentro do posto de Banh-Hine-Siu, e os paraquedistas do 3º BPVN lançaram um contra-ataque para desalojá-los.

Um "bô dôi" que operava uma metralhadora Browning .30 (recalibrada em 7.62×54mmR) foi morto, com um paraquedista vietnamita trazendo a arma de emprego coletivo de volta para o posto de Banh-Hine-Siu, enquanto seus companheiros continuam a repelir uma infiltração inimiga.

Protegidos em uma trincheira, os paraquedistas de uma equipe de morteiro lutam contra a 325ª Divisão Viet Minh, ao redor do posto de Banh-Hine-Siu.

Os paraquedistas do 3º BPVN defendem o posto de Banh-Hine-Siu.
À esquerda, o soldado está armado com um fuzil-metralhador M 24/29 de 7,5mm.

Um paraquedista ferido é confortado por um camarada.
No fundo, outro paraquedista vietnamita ferido, com um fuzil MAS 36 CR 39 em bandoleira.

Paraquedistas aproveitam uma pausa para relaxar e saciar a sede.
O paraquedista no centro segura uma baioneta alemã do Mauser Karabiner 98K, capturada do inimigo.

Um paraquedista, o cinto contendo granadas defensivas MK 2 e DF 37, traz para cobertura um companheiro de combate ferido no rosto.

Um paraquedista, armado com um fuzil MAS 36 CR 39, ferido no pescoço durante fortes combates no posto de Banh-Hine-Siu. 

Paraquedistas feridos durante a defesa do posto de Banh-Hine-Siu.
O paraquedista à direita está usando um capacete francês modelo 51, enquanto seu camarada é protegido pelo capacete de paraquedista de origem americana, mais comum na época na Indochina.

Em Banh-Hine-Siu, um paraquedista do 3º BPVN depena galinhas compradas na aldeia para melhorar a ração individual da base, uma das quais é cozida em fogo de bambu.

Um oficial da 3ª BPVN conversa com uma laociana de Banh-Hine-Siu.

Retrato de um Viêt-Minh ferido durante os combates em Banh-Hine-Siu.

Bônus:


Foto do autor com um bawouan veterano da Indochina e da Argélia.

Pôster de alistamento nas forças paraquedistas vietnamitas.

sexta-feira, 27 de março de 2020

A Companhia de Fuzileiros na campanha da Itália

General Mark Clark passa em revista fuzileiros brasileiros na Itália.

Pelo General Everaldo José da Silva, Revista do Exército Brasileiro Nº 121 (1): 60-82, janeiro-março de 1984.

I – Introdução

Na qualidade de comandante de uma companhia de fuzileiros da Força Expedicionária Brasileira (FEB) não poderia me furtar a transmitir impressões sobre como vi o emprego da companhia durante a guerra, na Itália.

Assim, atendendo a convite da Revista do Exército Brasileiro, após decorridos quase 40 anos, eis-me voltando aos tempos de capitão, à frente de uma subunidade – a 1ª Companhia do Regimento “Sampaio” – a unidade de infantaria com que o então Distrito Federal contribuiu para organizar a FEB.

Não foi muito fácil, confesso, reorganizar muitas idéias e rever aquela pequena coluna de combatentes nas diferentes ações de que tomou parte.

6º RI de volta a São Paulo, 1945.

Às vezes, chegou-me a fugir da memória o que tanto me preocupara na época para o cumprimento da missão determinada – o que fazer, como fazer e quando fazer – e como foi feito, na realidade.

Ouvindo melhor o subconsciente, porém, foi-me ele ainda fiel e consegui reunir as idéias adiante transcritas, todas elas pautadas na mais legítima lealdade para com aquele pugilo de bravos que tive a honra e a felicidade de comandar.

É possível, é evidente, que a outro comandante de companhia de fuzileiros poderá parecer estranha alguma conceituação que hoje trago a registro com o único propósito de servir a estudos pormenorizados que se desejar fazer a respeito da guerra na Itália, da doutrina de ontem em paralelo com a que se realiza hoje em nosso Exército Brasileiro, que nos parece muito benéfico à chegada de conclusões no aprimoramento do emprego das armas, mui especialmente da subunidade de infantaria, cuja missão no combate é, no ataque, aproximar-se o mais possível do inimigo para destruí-lo ou capturá-lo, tomando-lhe a posição, e na defensiva, repelir o avanço inimigo pelo fogo, mantendo, a todo custo, a posição ocupada.

Procurei n este registro focalizar as fases mais importantes em que a companhia de fuzileiros foi empregada durante a campanha, descrevendo fatos e comportamentos, através de informações colhidas do batalhão, em relatórios escritos e orais, e por meio de companheiros de fileira que comigo conviveram na guerra e após seu término.

Para isso, seguiremos o sumário elaborado justamente sob as idéias enumeradas e que norteará o presente trabalho.

II – Organização

A companhia de fuzileiros tipo FEB, compunha-se da seção de comando, três pelotões de fuzileiros e um pelotão de petrechos, este correspondendo ao pelotão de apoio na atual organização, com menor poder de fogo, evidentemente, em face da presença, no atual pelotão de apoio, da seção de morteiros 81 e outra, de canhões sem-recuo, principal meio de defesa a serviço da companhia.

Em ligeira observação, verifica-se que a atual organização possui maior poder de fogo e mais autonomia em combate, por poder dispensar o acompanhamento, em determinadas missões, da companhia de apoio do batalhão.

O pelotão de petrechos da companhia tipo FEB possuía, além de uma seção de metralhadoras leves .30, uma seção de morteiros 60 mm. Além desse armamento, a companhia possuía uma metralhadora .50, arma geralmente empregada contra viaturas de qualquer tipo e contra a aviação inimiga.

À falta de armamento de maior potência na companhia de fuzileiros, o batalhão reforçava as companhias segundo as missões, com suas seções de metralhadoras pesadas e morteiros 81.


Evidentemente, a atual organização dá à companhia maior liberdade de ação em combate, maior autonomia.

Não se deve inferir daí, entretanto, que a organização tipo FEB tenha sido insuficiente para atuar nos idos de 40, na II Grande Guerra. O batalhão supriu essa necessidade.

A companhia de fuzileiros era mais fluída, menos pesada, mais leve, em detrimento, é lógico, de sua capacidade de combate.

Forçosamente, a mecanização, a blindagem, meios e princípios generalizados no modo de combater hoje, foram aperfeiçoando a organização atualmente existente.

Quanto a efetivo, a companhia tipo FEB possuía da ordem de 200 homens. Seus pelotões possuíam 41 homens, inclusive um 3º sargento orientador; fora o capitão comandante e o 1º tenente subcomandante, a seção de comando constava de 33 praças.

No que se refere a armamento, o fuzil (arma individual) usado era o Springfield ou Garand, hoje substituídos pelo FAL.

As metralhadoras eram leves – ponto 30, e pesadas – ponto 50.

Além disso, como já nos referimos anteriormente, a companhia possuía três morteiros 60, hoje distribuídos aos pelotões de fuzileiros.

Sobre transporte, a companhia possuía duas ou três viaturas ¼ de tonelada (jeep) para o comando da companhia e usadas para carregar o material do pelotão de petrechos, nos grandes deslocamentos.


O equipamento da Seção de Comando, inclusive os sacos de lona, eram transportados em viaturas do batalhão.

Parece-nos merecer especial enforque a questão do uniforme.

Era ele de lã verde-oliva, que resguardava o homem da inclemência do clima europeu, nos meses de inverno. Além da calça e blusa, foi distribuída uma jaqueta, à semelhança de nossa japona, porém oferecendo vantagens por ser de duas faces, uma delas forrada de lã que aquecia a contento.

Foram também distribuídas galochas de borracha que resguardavam os pés da friagem, evitando o conhecido problema do “pé-de-trincheira”. Para forrar o capacete, havia um gorro de lá que protegia a cabeça e os ouvidos do vento, da neve e do frio.

Aos motoristas, foi pago um par de óculos especiais de forma a proteger os olhos da neve e do vento quando na direção.

Em síntese muito ligeira, aqui estão elementos que constituíram características da companhia tipo FEB. Poderíamos entrar em outras minudências, lembrando, por exemplo, a capa branca, o forro branco da barraca, com o objetivo de mascarar, camuflar, no lençol branco que cobre a Itália nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro e outras peças que o Exército Norte-Americano, a quem cabia apoiar a FEB no aspecto, distribuiu às forças brasileiros.

Não julgo, porém, de real importância para o objetivo do trabalho e, por isso, passo a considerações sobre o emprego da companhia em combate.

III – Emprego


Não pretendemos examinar o emprego da companhia tipo FEB em todas as fases do combate.

Preferimos adiantar desde já que fugiu bastante ao que se ensina e se aprende na teoria. Na prática, as missões atribuídas às unidades eram bem superiores ao que normalmente se via nos manuais e se exercitava em paz. As frentes de ataque e de defesa, os objetivos a conquistar e as posições a guardar, a manter, distribuídas à companhia tipo FEB, eram mais amplas do que previam os regulamentos, aconselhavam os princípios táticos. Entretanto, eram missões ... E missões se cumprem com os meios disponíveis.

Atribuímos esse distanciamento da teoria o fato da escassez de forças no teatro de operações italiano, à situação em si. Essa não observância às possibilidades ideais da subunidade acarretava dificuldades no desenrolar do cumprimento da missão.

No âmbito do batalhão, provocava verdadeiros vazios entre as subunidades ao ameaçar os flancos. Dificultavam as ligações entre elas e o comando do batalhão se sentia algumas vezes sem poder influir sobre o combate dada a falta de ligações, pelo rádio 111, que falhava em momentos precioso para a conduta da operação.

No âmbito da companhia, entre os pelotões, ocorria o mesmo problema, pois nem o fio, nem o rádio, nem o mensageiro funcionavam a pleno êxito nessas oportunidades em que o bombardeio da artilharia e de morteiros inimigos era desfechado sobre a coluna atacante, sobre os núcleos de defesa de uma posição.

Em face desses problemas, ocorria também a pouca disponibilidade de meios para constituir a reserva, princípio que garante a manutenção do impulso na ofensiva, e na defensiva assegura o combate para a defesa de uma posição tomada ao inimigo.

Como exemplo gritante, citamos a ação de 21 de fevereiro de 1945, sobre Castelo, em que o comandante do I Batalhão do Regimento “Sampaio” usou um pelotão da 1ª Companhia como elemento de segurança imediata dos elementos de comando do batalhão que acompanhava o ataque, ficando assim aquela subunidade com dois pelotões somente para cumprir a missão que lhe fora atribuída, de atacar à retaguarda e à esquerda do dispositivo do batalhão, em ligação com os elementos mais da direita da 10ª Divisão de Montanha, que fora lançada sobre a crista do conjunto Belvedere - Monte Gorgolesco - Capela de Ronchidos – Della Torracia. E observe-se ainda que, para essa operação, o batalhão solicitou e obteve o reforço da 5ª Companhia (do capitão Waldir Moreira Sampaio) ao regimento de infantaria, fato também que não nos parecia muito usual na teoria, mas que, segundo sentiu o major comandante do I Batalhão, se tornava imprescindível para que o ataque fosse reanimado e crescesse de ímpeto, o que realmente ocorreu, com absoluta segurança.


Na defesa, quase sempre, os dispositivos eram muito dispersos, as frentes largas demais, determinando a leitura cuidadosa de um plano de fogos em que estes se cruzassem evitando vazios, trechos não batidos.

Os pelotões ocupavam pontos críticos não permitindo que guardássemos reservas no âmbito da companhia.

O batalhão quase sempre preferia suprir essa dificuldade, colocando uma companhia ou mesmo o pelotão em condições de atuar na frente vulnerável, ameaçada.

O problema, porém sempre existiu: frentes superiores às possibilidades dos meios, determinando cuidadosa vigilância, inclusive por meio de pequenas patrulhas à noite para evitar surpresas desagradáveis.

Sobre patrulhas, reservamos um item especial, dado seu largo emprego em campanha, em particular nos meses em que o inverno italiano obrigou aos aliados a fazerem uma parda na guerra de movimento, aproveitando para recompletarem seus efetivos, reorganizarem-se para a grande ofensiva da primavera, enquanto o degelo bloqueava as estradas.

IV – Patrulhas

Patrulha na região da Torre di Nerone, 1944.

Como todos sabem, os meses de defensiva na Itália tiveram como ações de movimento, agressivas, as conhecidas patrulhas do “pracinha”, que se infiltrava nas linhas inimigas em busca de informações, em busca de prisioneiros e para precisar melhor as posições que nos incomodavam de dia e à noite com tiros de metralhadoras e fogos de artifício, para irritar o nervo brasileiros que, a pouca distância, às vezes, chegava a sentir os preparativos e ouvir suas conversas no idioma alemão.

Segundo a missão que recebia, a patrulha se dizia:

- de Reconhecimento

- de Combate

- para fazer prisioneiro.

Prisioneiros alemães.

Não vamos definir os diferentes tipos de patrulha, convindo porém focalizar que a de combate normalmente tinha por missão “se possível” ocupar a posição inimiga, expulsando, destruindo ou capturando seus ocupantes e, por isso, era considerada de maior importância e de maior responsabilidade para os patrulheiros.

As patrulhas tanto se realizavam durante o dia como à noite, tudo em função dos fins a que deveriam servir ao escalão que as determinava.

Eram constituídas desde pequenas esquadras de ligação até o pelotão reforçado, que tinha por missão enfrentar o adversário (tendo em vista o combate para ocupar posição, desalojando dela o ocupante) ou capturar prisioneiro.

Normalmente, as patrulhas vinham em ordem escrita do batalhão, que agia por iniciativa própria ou por ordem do regimento.


Ao chegar a ordem à subunidade, os homens que constituiriam a patrulha eram cuidadosamente selecionados, segundo a missão a que seria levados.

O estudo da missão “ordem de patrulha” começava com a interpretação do documento, por parte, inicialmente, do comandante da companhia, e posteriormente, em conjunto com o oficial ou sargento designado.

Eram fatores a pesar nesse estudo os seguintes dados:

- missão

- terreno, principalmente o objetivo, o local até onde deveria chegar a patrulha, os itinerários de ida e de regresso, os acidentes mais importantes do terreno a percorrer, trechos minados etc.

- inimigo, natureza e efetivo do inimigo com que provavelmente os patrulheiros iriam encontrar.

Esse estudo era feito inicialmente na carta, e, posteriormente, no terreno, de um posto de observação (PO) de onde seria abarcada a maior extensão da área a percorrer. Quando possível, aos patrulheiros de maior responsabilidade no cumprimento da missão era mostrado no terreno o processo de como deveria cumprir sua tarefa no conjunto da patrulha.


Conforme a importância da missão, o batalhão acionava seus morteiros e o observador avançado da artilharia para apoiar a patrulha em caso de necessidade. Houve um pelotão que, durante uma “patrulha de ocupação” de dia, recebeu apoio de fogo de artilharia, que assegurou seu retorno às bases, isolando elementos inimigos que procuravam cercar, envolver a patrulha, mediante uma progressão protegida por pequena dobra do terreno. Não fosse o desencadeamento do fogo previsto e a patrulha teria sido severamente castigada por sua audácia em penetrar nas linhas inimigas em as conhecer devidamente.

Ao término da missão, de retorno às linhas inimigas, cabe ao comandante da patrulha fazer relatório oral pormenorizado ao comandante da companhia, que o transmite, imediatamente, ao comandante do batalhão, por intermédio do oficial de permanência, de forma que as informações se tornem úteis e não percam em sua validade por decurso de tempo.

O General Crittenberger, comandante do IV Corpo americano, aperta a mão do 3º Sgt. Onofre de Aguiar que acabou de retornar com a sua patrulha, novembro de 1944.

Além das informações orais, é feito um relatório por escrito o m ais explícito possível, registrando-se, de preferência, a natureza do inimigo, quanto a efetivo, armamento e missão.

Acompanha o relatório um croquis onde eram amarradas as resistências (PO e postos de comando, PC), com os meios de comunicação usados pelo inimigo.

Quanto a prisioneiros, estes não devem permanecer por muito tempo no PC da companhia. Devem ser encaminhados o mais cedo possível ao PC do batalhão.

Assim se procedia na Itália.

Em anexo, um Relatório de Patrulha, elaborado pelo então tenente Carlos Augusto de Oliveira Lima, comandante de uma patrulha, à base de pelotão reforçado.

FOTO: O fuzil M1941 Johnson na China

Chineses comunistas durante a Guerra Civil Chinesa, armados com o fuzil semi-automático M1941 Johnson americano, 1949.

Esse fuzil exótico aparece no filme chinês Assembléia (Ji jie hao, 2007), surpreendendo muitos telespectadores fãs de armamento que, em um primeiro momento, julgaram a aparição como um erro cinematográfico.


FOTO: Mussolini passa os Alpini em revista

Mussolini passa em revista a V Brigata Nera Alpina Mobile "Aldo Resega" (Dronero-Cuneo) em Val Camonica, na província de Brescia na República Social Italiana (RSI), 1945. (Colorizada)

Leitura recomendada:

GALERIA: Visita de Hitler a Mussolini na Itália, 19389 de setembro de 2020.

A submetralhadora MAS-385 de julho de 2020.

FOTO: Malizia, o mascote do 17e RGP

Malizia, o mascote do 17e RGP, fotografado com o seu binômio, o Caporal Fabien.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 17 de março de 2020.

Malizia é um Pygargue à tête blanche (Haliaeetus leucocephalus, águia-de-cabeça-branca) nascido em cativeiro no Rocher des Aigles, um santuário de falcoaria em Rocamadour, na França, e foi oferecido ao 17e RGP (Régiment du génie parachutiste, regimento de engenharia paraquedista) pela princesa Caroline de Mônaco, a madrinha do regimento. 

Malizia foi batizado em homenagem a François Grimaldi, apelidado "il Malizia" ("o Malicioso"). Em 1297, François Malice tomou a fortaleza monegasca conhecida como Rochedo de Mônaco por ardil ao se vestir de monge franciscano.

"Malizia incorpora a naturalidade e o domínio do ar, coragem e combatividade, especificidades da arma de engenharia".

ENTREVISTA: "Torturei uns trinta"


Por Alexandre Oltramari, Revista Veja, 9 de dezembro de 1998.

O ex-tenente gostava "muito" de dar choque nos dedos e aprendeu a torturar "vendo".

O ex-tenente Marcelo Paixão de Araújo: herdeiro de uma das grandes fortunas mineiras.

Marcelo Paixão de Araújo debruçou-se sobre uma mesa de vidro, na sala de seu amplo apartamento, em Belo Horizonte, pediu à empregada para trazer biscoitos, água mineral e café — e prestou a VEJA um histórico depoimento de quase duas horas. Com ele, tornou-se o primeiro agente da repressão a admitir em público que torturava presos políticos durante a ditadura militar. Hoje, passados trinta anos, sua vida é tranquila. Herdeiro dos fundadores do sólido Banco Mercantil, Marcelo Paixão de Araújo formou-se em direito e trabalha como corretor de seguros, em Betim, a 30 quilômetros de Belo Horizonte, para onde vai dirigindo seu Toyota do ano. Casado, duas filhas, acaba de mudar-se para um apartamento de 300 metros quadrados, na região da Savassi, um dos bairros mais chiques da capital mineira. Apesar dos 15 quilos acima do peso ideal, ele maneja seu barco no lago de Furnas, onde tem uma casa para os fins de semana. De manhã, lá por uma hora, antes de sair para o trabalho. Em casa, tem uma biblioteca de 2.500 volumes, onde se podem encontrar desde clássicos da literatura brasileira até manuais de tortura. Ele gosta de livros de política e de História e, nos últimos tempos, tem-se dedicado à leitura de biografias. Leu A Lanterna na Popa, do ex-ministro Roberto Campos, e Chatô, o Rei do Brasil, do jornalista Fernando Morais.

"A tortura causa um desgaste muito grande. Nunca me neguei a torturar alguém, mas só fazia quando havia necessidade. Mas a brincadeirinha não tem a menor graça, viu?" (risos)


Em 1968, Marcelo Paixão de Araújo servia como tenente no 12º Regimento de Infantaria do Exército em Belo Horizonte, um dos três centros mais conhecidos de tortura da capital mineira durante a ditadura militar. Ali, permaneceu até 1971. "Fiquei porque achava que a única forma de consertar o país era por meio das Forças Armadas", diz. Ao deixar a caserna, foi trabalhar na empresa do pai, a Minas Brasil, braço de seguros do Banco Mercantil, onde ocupava o cargo de superintendente técnico. Raríssimas vezes usava terno e gravata. Preferia trabalhar de calça jeans. "Ele era diferente do pai e dos irmãos. Era um moleque, uma pessoa muito alegre, que vivia contando piada", diz uma ex-funcionária da empresa. "Descobri que eu não havia nascido para ser executivo", conta Marcelo. Ali, trabalhou seis anos, mas teve tantos problemas que saiu da empresa para o divã do analista. Fez sete anos de análise. Ele garante que não recorreu ao divã em função da passagem pelo porão e diz que vive em paz com seu passado. Na entrevista a VEJA, o ex-tenente alternou estados de humor, indo da descontração à rispidez em segundos. Aqui, ele conta como e por que torturou três dezenas de presos políticos, de 1968 a 1971:

O engenheiro Leovi Carísio, hoje com 52 anos, foi uma das vítimas de tortura do ex-tenente. Era militante do grupo Colina/VAR-Palmares, ficou mais de três anos preso e passou pelo pau-de-arara, "esticamento" e tomou choque. Ele explica: "Marcelo me obrigava a deitar de costas numa mesa. Aí, ele amarrava meus punhos e tornozelos aos pés da mesa e puxava de um lado ao outro até envergar meu tronco. Era horrível". 

Veja — Durante a ditadura, em depoimentos na Justiça Militar, 22 presos políticos acusam o senhor de tortura. É verdade?
Araújo — Quem lhe disse isso?

Veja — Vi nos processos na Justiça Militar. E, pela quantidade de presos que o citaram, o senhor é o agente da repressão que mais praticou torturas. É verdade?
Araújo — Sim. Todos os depoimentos de presos que me acusam de tortura são verdadeiros.

Veja — O senhor fez isso cumprindo ordens ou achava que deveria fazê-lo?

Araújo — Eu poderia alegar questões de consciência e não participar. Fiz porque achava que era necessário. É evidente que eu cumpria ordens. Mas aceitei as ordens. Não quero passar a idéia de que era um bitolado. Recebi ordens, diretrizes, mas eu estava pronto para aceitá-las e cumpri-las. Não pense que eu fui forçado ou envolvido. Nada disso. Se deixássemos VPR, Polop (organizações terroristas) ou o que fosse tomar o poder ou entregá-lo a alguém, quem se aproveitaria disso seriam os comunistas. Não queríamos que o Brasil virasse o Chile de Salvador Allende. Nessa época, eu tinha 21 anos, mas não era nenhum menino ingênuo (risos). O pau comia mesmo. Quem falar que não havia tortura é um idiota.

Ex-militante do PCB, três anos de cadeia, o hoje professor de História Ápio Costa Rosa, 57 anos, carrega marcas físicas da tortura. "Marcelo apagava cigarro no meu corpo, mas a pior coisa que ele fez foi me deitar no chão, colocar um cabo de vassoura no meu pescoço e subir em cima. Aí, quando eu ia respirar, ele derramava óleo no meu rosto. Estou pagando por isso tudo até hoje", diz.

Veja — Como o senhor aprendeu a torturar?
Araújo — Vendo.

Veja — O que o senhor fazia?
Araújo — A primeira coisa era jogar o sujeito no meio de uma sala, tirar a roupa dele e começar a gritar para ele entregar o ponto (lugar marcado para encontros), os militantes do grupo. Era o primeiro estágio. Se ele resistisse, tinha um segundo estágio, que era, vamos dizer assim, mais porrada. Um dava tapa na cara. Outro, soco na boca do estômago. Um terceiro, soco no rim. Tudo para ver se ele falava. Se não falava, tinha dois caminhos. Dependia muito de quem aplicava a tortura. Eu gostava muito de aplicar a palmatória. É muito doloroso, mas faz o sujeito falar. Eu era muito bom na palmatória.

Veja — Como funciona a palmatória?
Araújo — Você manda o sujeito abrir a mão. O pior é que, de tão desmoralizado, ele abre. Aí se aplicam dez, quinze bolos na mão dele com força. A mão fica roxa. Ele fala. A etapa seguinte era o famoso telefone das Forças Armadas. Tinha gente que dizia que no telefone vinha inscrito US Army (indicando que era produto das Forças Armadas americanas). Balela. Era 100% brasileiro. O método foi muito usado nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas o nosso equipamento era brasileiro.

Veja — E o que é o telefone?
Araújo — É uma corrente de baixa amperagem e alta voltagem.

Veja — De quanto?
Araújo — Posso pegar o manual para informar com certeza. Mas não tem perigo de fazer mal. Eu gostava muito de ligar nas duas pontas dos dedos. Pode ligar numa mão e na orelha, mas sempre do mesmo lado do corpo. O sujeito fica arrasado. O que não se pode fazer é deixar a corrente passar pelo coração. Aí mata.

Veja — Qual era o estágio seguinte quando o preso não falava?

Araújo — O último estágio em que cheguei foi o pau-de-arara com choque. Isso era para o queixo-duro, o cara que não abria nas etapas anteriores. Mas pau-de-arara é um negócio meio complicado. No Rio e em São Paulo gostavam mais de usar o pau-de-arara do que em Minas Gerais. Mas a gente usava, sim. O pau-de-arara não é vantagem. Primeiro, porque deixa marca. Depois, porque é trabalhoso. Tem de montar a estrutura. Em terceiro, é necessário tomar conta do indivíduo porque ele pode passar mal. Também tinha o afogamento. Você mete o preso dentro da água e tira. Quando ele vai respirar, coloca dentro de novo, e vai por aí afora. É como um caldo, como se faz na piscina. Era eficiente. Mas eu não gostava. Achava que o risco era muito alto. Afogamento não era a minha praia (risos). A geladeira, uma câmara fria em que se coloca o preso, não funcionava em Belo Horizonte. Era muito caro. O que tinha era o trivial caseiro. O menu mineiro.

Aos 53 anos, o engenheiro mecânico José Antônio Gonçalves Duarte, ex-militante do Partido Operário Comunista, POC, lembra com clareza seu suplício: "Esse pulha do Marcelo me torturou durante 98 dias. Era choque nos dedos, ouvidos e órgãos genitais, e afogamento. Há seis anos, eu o vi em São Paulo. Pensei: 'Como é fácil matar esse cara'. Minha mulher me puxou pelo braço e fomos embora".

Veja — O que mais tinha no menu mineiro?
Araújo — A dança da lata eu praticava muito.

Veja — Como era?
Araújo — Eu pegava duas latinhas de ervilha e abria. Depois, colocava o cara de pé, em cima.

Veja — Sangrava?
Araújo — Não. Ele falava antes disso (gargalhadas). Mas quem era mais leve agüentava mais tempo.

Veja — E quem não tinha o que dizer?
Araújo — Ia para a lata igual. Mas é muito fácil identificar quem tinha e quem não tinha o que falar.

Veja — Como?

Araújo — Militante é diferente. Jornalista é diferente de militar, que é diferente de empresário, que é diferente de militante. Ele se deixa trair por uma série de coisas. O linguajar, para começar, é diferente. Então, inocente só era torturado quando o agente era muito cru, sem conhecimento algum da práxis marxista, ou quando era um sádico. É muito fácil identificar uma pessoa que não é de esquerda. Vou dar um exemplo. Há algum tempo fui comprar dólares no Banespa, no câmbio turismo. Como até hoje tenho minha carteira militar, apresentei-a no lugar da identidade. O atendente viu a carteira, olhou para mim e perguntou:

— O senhor serviu no colégio militar?
— Tive uma época lá. Por quê? Você foi aluno lá?
— Não.
— Você foi soldado?
— Não.
— Escuta, eu te prendi?
— Não foi bem assim. Fui preso e o senhor foi o único que acreditou em mim. Apanhei com palmatória antes de o senhor chegar e me liberar.
— Sorte, hein? Já pensou se fosse o contrário? (risos).

Veja — O senhor já reencontrou alguma pessoa que torturou?
Araújo — Sim. Eventualmente, eu encontro ex-presos meus, inclusive os que apanharam. E o relacionamento não é muito ruim, não. Não é aquele negócio de dar beijinhos e abraços. Mas é um relacionamento de respeito. Há pouco tempo, aqui em Belo Horizonte, encontrei o Lamartine Sacramento Filho, que é professor em uma faculdade local. Segurei ele no ombro e disse: 'Você não me conhece, não?' Ele levou um susto. Aí eu disse: 'Você tá bom?' Ele disse que sim e não quis mais conversa. Mas também não passa batido, não (risos). Não deixo passar batido (sério).

Veja — Por quê?
Araújo — É o meu esquema. Não deixo passar batido. Não vai passar batido. Não passa batido. Vou lá, coloco a mão no ombro dele e digo: Não me esqueci de você, não. Você lembra de mim? Estamos aí. A vida continua.

Veja — Quantas pessoas o senhor já torturou?
Araújo — Não tenho idéia. Não sou igual a matador que faz talho na coronha do revólver para cada um que mata. Mas você quer um número aproximado?

Veja — Sim.
Araújo — Uns trinta.

Veja — O senhor matou alguém em sessões de tortura?
Araújo — Não. Já atirei, mas não matei.

Veja — Mas morreu gente onde o senhor servia.
Araújo — Pouca gente. O João Lucas Alves, que era um ex-sargento da FAB, foi um deles. Ele morreu na tortura.

Veja — O senhor participou?
Araújo — Não. Isso foi alguns dias antes de eu ser convocado. Depois que eu saí, se morreu alguém eu não sei.

Veja — O que é besteira e o que é verdade no que já se escreveu sobre tortura no Brasil?

Araújo — Há algumas pequenas inverdades. Mas a maioria dos fatos é correta. Há pouca besteira e muita verdade. As pessoas que participaram desse período até hoje não falaram abertamente. As altas autoridades do país foram as primeiras a tirar o seu da reta. Morri de rir ao ler o livro sobre o Geisel (refere-se ao livro que reúne as memórias do ex-presidente Ernesto Geisel, publicado no ano passado pela Fundação Getúlio Vargas). Segundo o depoimento de Geisel, ele não sabia de nada, mandava apurar tudo, era um inocente. É uma gracinha isso tudo. Todos os agentes do governo que escreveram sobre a época do regime militar foram muito comedidos. Farisaicos, até. Não sabiam de nada, eram santos, achavam a tortura um absurdo. Quem assinou o AI-5? Não fui eu. Ao suspender garantias constitucionais, permitiu-se tudo o que aconteceu nos porões. É claro que havia diversas pessoas envolvidas nisso. Mas eu não vou citar o nome de ninguém. Falo apenas de mim.

José Adão Pinto, que pertencia à Corrente Revolucionária, um braço mineiro da ALN, hoje é dono de uma livraria em São Paulo, tem 51 anos, casado, sem filhos: ele ficou estéril devido às intermináveis sessões de choque nos órgãos genitais e sofre de hemorróidas, pois lhe introduziam um cabo de vassoura no ânus. "Todo mundo me torturava, e não apenas o Marcelo, pois eu era o único negro".

Veja — Por que o senhor deixou o Exército?
Araújo — Estava numa encruzilhada. Ou eu ia para a academia ou tomava outro rumo na vida. Preferi terminar o meu curso de direito.

Veja — A tortura não é uma coisa desumana?
Araújo — (Silêncio)

Veja — Quem tortura age como um monstro?
Araújo — Monstro? (em tom indignado). Não. As pessoas que transitam em determinado meio tendem a se relacionar com seus pares. Então, militar andava com militar, policial andava com policial. Essas práticas eram normais entre nós. Quem eu achava que era monstro eram os sádicos. Eu mesmo afastei dois sargentos. Não queria sádicos trabalhando comigo.

Veja — O senhor tem medo de alguma vingança?
Araújo — Não. Andei armado de 1973 até 1980. Tinha um Smith & Wesson, calibre 38, de cinco tiros. Hoje não uso mais arma. Minha preocupação era a violência. Achava que tinha obrigação de reagir à violência. Aí descobri que ia armar bandido. Se for para andar armado, vou atirar pelo menos duas vezes por semana, não vou andar no volante, enfim, há uma série de precauções que precisam ser tomadas.

Veja — O senhor não tem medo de que aconteça algo para suas filhas?
Araújo — Uma das minhas meninas estuda direito na PUC. Há um ano, um débil mental falou para toda a sala que o pai dela tinha sido do Doi-Codi, que torturava gente, esse tipo de coisa.

Veja — Ela já sabia do seu passado?
Araújo — Sim. Quando uma tinha 13 anos e a outra 14, contei tudo. Foi na época em que saiu o livro Brasil: Nunca Mais. O meu nome está lá, na segunda página, para todo mundo ver (risos). É engraçado. Todo mundo tem o livro, mas pouquíssima gente leu.

Veja — Foi difícil essa conversa?

Araújo — Não foi muito difícil, não. Sou um bom pai. Minhas filhas foram bem criadas. Conhecem o pai que têm. Eu nunca escondi as coisas. Nunca disse a elas que fui um santinho. Disse a elas que não pensassem que eu não bati em alguém. Bati, sim. Elas ficaram um pouco chocadas e disseram: 'Pai, já sabemos, mas agora pára'. Não queriam detalhes. Eu segui a minha vida. Não adianta esconder esse tipo de coisa. A verdade uma hora vem à tona.

Veja — O senhor sofreu algum tipo de crise de consciência em função da tortura?
Araújo — Isso sempre deixa dramas na gente. É uma coisa pesada. Não é bom tratar um semelhante dessa forma. Você não quer aproveitar e comer um biscoitinho? (Ele come um biscoito.) Depois de deixar o Exército, tive uma grande crise de depressão. Fiz análise durante sete anos. Mas não foi por isso. Tinha problemas existenciais que não podem ser relacionados com a minha atividade no porão. Tinha problemas na empresa. Queria fazer coisas e o pessoal não queria. Foi problema profissional. Tinha um salário muito bom e ele piorou demais. E dinheiro é uma desgraça. É bom quando não faz falta.

Veja — O senhor se arrepende de ter torturado?
Araújo — Não me arrependo. Mas se você me perguntar se eu faria de novo, é outra conversa. É como você me perguntar se eu gostaria de voltar a ter 21 anos hoje. Com a experiência e o dinheiro que tenho atualmente, quero (risos). Mas não me arrependo de nada do que fiz.

Veja — O senhor faria tudo outra vez?
Araújo — Se achasse que não havia outro caminho para livrar o país do comunismo, sim. Mas, em princípio, não. Porque a tortura ou, eufemisticamente, o interrogatório por meios violentos, que não precisa necessariamente ser a porrada, causa um desgaste muito grande. Nunca me neguei a torturar alguém, porém só fazia quando havia necessidade. Mas a brincadeirinha não tem a menor graça, viu (risos).

Veja — Por que o senhor fazia isso, então?
Araújo — O índice de aproveitamento é de mais de 90%. A primeira vez que vi um interrogatório, como assistente, fiquei chocado. E olha que não tinha agressão. Foi só interrogatório policial duro.

Veja — O que o deixou chocado?
Araújo — A forma como o interrogado desmontou sem apanhar. Não adianta fazer interrogatório sem saber quem é o sujeito, de onde veio e o que faz. Era bobagem pegar um sujeito que foi flagrado com um folheto que se imaginava ser da ala vermelha do PCBR ou do PC do B. Isso não levava a lugar algum. Sabe o que funcionava demais? Um tapa com força na mesa. O cara levava um susto. E falava. Quando vi esse interrogatório, fiquei com pena do sujeito. Eram cinco pessoas em volta dele, gritando, ameaçando, chamando-o de mentiroso. Achava que o cara era inocente. Perdi a pena quando ele abriu o bico. Aí eu disse: "Ah, seu sem-vergonha, quer dizer que isso funciona". Com o tempo, vi outros interrogatórios mais duros. Em seguida, passei a atuar como agente.

Veja — Por que o senhor participou disso tudo?

Araújo — Eu achava que havia a necessidade de destruir as organizações de esquerda do país. Era uma convicção íntima. Nunca gostei do marxismo. Sempre fui visceralmente antimarxista. Isso é uma questão de formação. Meu pai sempre foi antimarxista. A coisa complicou quando descobri que o método (a tortura) era rápido. Bastava levar para o porão e pronto. Mas raríssimas vezes deixei de começar um interrogatório conversando com o indivíduo. Não vou dizer que no calor da prisão o cara não tenha ido direto para o porão. Já aconteceu, sim. Mas foram poucas vezes. Por que sabem o meu nome completo? Porque eu nunca escondi o meu nome. Tinha convicção quanto ao que estava fazendo. Eu não tinha codinome, como quase todo mundo. Portanto, não sou o maior torturador do país, mas sim um dos poucos que agiram de cara limpa.

General Ernesto Geisel.

Veja — Hoje, quase três décadas depois, o senhor não faz nenhuma ressalva ao passado?
Araújo — É preciso admitir que os resultados foram pífios. Atacamos muito a subversão e pouco a corrupção. A única coisa que o Geisel falou em seu livro que eu lhe dou razão é que não se pode fazer um movimento apenas contra. Tem de ser a favor de algo. Faltava isso no movimento. Houve outros equívocos. Para acabar com as lideranças de esquerda, acabaram com as de direita também. Cercearam o movimento estudantil, a política partidária. Foi uma pena. A gente podia ter aproveitado para fazer uma grande remodelação do país. Recentemente, lendo as memórias do Oswaldo Aranha, vi que ele diz o mesmo da Revolução de 1930. Tinha-se de aproveitar aquele período discricionário rapidamente, para impor com agilidade as reformas necessárias. Eu concordo inteiramente com ele.

Veja — Por que o senhor só resolveu dar esse depoimento agora?
Araújo — Porque ninguém me havia perguntado sobre isso antes.

L'État militaire en Amérique latine.
Alain Rouquié.

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"A tortura se justifica quando pode evitar a morte de inocentes", 27 de março de 2020.