domingo, 28 de março de 2021

Moçambique: Localizada perto de um importante local de gás, a cidade de Palma caiu sob o jugo do Estado Islâmico

Por Laurent LagneauZone Militaire OPEX360, 28 de março de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 28 de março de 2021.

Em outubro de 2017, o grupo jihadista Ahlu Sunnah wal Jamaa (os "seguidores da tradição do profeta"), também chamado de "al-Shabab" (não relacionado à organização somaliana de mesmo nome) lançou uma insurreição armada na região da província de Cabo Delgado, onde a descoberta de imensas reservas de gás natural permitiria a Moçambique tornar-se um dos maiores produtores mundiais.

Apesar das apostas que esta região representava, as autoridades moçambicanas demoraram a reagir, quando não se refugiaram na negação. Depois, acabaram solicitando a ajuda de companhias militares privadas (PMC), principalmente russas e sul-africanas. Ao mesmo tempo, o grupo al-Shabab prometeu lealdade ao Estado Islâmico e adotou o nome de "Estado Islâmico da África Central" (ISCAP).

A cidade de Palma, no extremo norte do Moçambique. (AFP)

No entanto, a situação continuou a piorar. Em agosto de 2020, os jihadistas tomaram o porto de Mocímboa da Praia, estratégico para a logística das instalações do gasoduto Afungi, no qual o grupo francês Total é um dos principais investidores. Então, um mês depois, desembarcaram nas ilhas de Metundo e Vamizi, dando-se assim a possibilidade de ameaçarem o tráfego marítimo ao largo de Cabo Delgado.

Nos meses seguintes, diversos ataques perpetrados nas proximidades de Afungi levaram a Total a suspender suas atividades na região. Depois houve uma calmaria, atribuída à ação das Forças Armadas de Defesa de Moçambique. No entanto, em fevereiro, a situação continuou preocupante, como Bernard Émié, chefe da Direção-Geral de Segurança Externa (DGSE, serviço secreto francês), apontou em fevereiro durante um Comitê Executivo de Contraterrorismo.

Na verdade, a calmaria terá durado pouco. Depois da Total ter acabado de anunciar o reinício das suas atividades no sítio de Afungi, Palma, uma cidade de 75.000 habitantes situada a apenas dez quilómetros de distância, foi atacada pelo ISCAP em três locais diferentes.

O destino de Palma pode ser uma reminiscência do destino de Kolwezi, submergido por rebeldes katangeses em 1978.* De fato, muitos expatriados - pelo menos 180 - ficaram presos. Operações de evacuação - por mar e terra - foram tentadas em 26 de março. Mas, de acordo com a imprensa local, pelo menos um comboio foi emboscado e fazendo pelo menos sete mortos.

Bandeira do Zaire presenteada à Legião em exposição no Museu da Legião Estrangeira em Aubagne, no sul da França. (Foto do tradutor)

Nota do Tradutor: Famosa Operação Bonite/Léopard onde os paraquedistas da Legião Estrangeira (2e REP) saltaram em ação de emergência e derrotaram os rebeldes katangueses e seus conselheiros cubanos no Zaire (atual República Democrática do Congo). A ação rápida e decisiva da Legião salvou a vida de 2.200 europeus e 3.000 africanos. A Frente de Libertação Nacional Congolesa (FNLC) já havia massacrado 60 europeus e 100 africanos e, sob orientação de seus conselheiros cubanos, pretendia massacrar os demais e se recuar para a Angola comunista. A Legião perdeu 5 legionários mortos e teve 25 feridos na operação. A FLNC perdeu em torno de 400 mortos e 160 prisioneiros, além de 1.500 armas leves e pesadas capturadas; notadamente 10 metralhadoras pesadas, 38 fuzis-metralhadores, 4 peças de artilharia, 15 morteiros e 21 lança-rojões. A FLNC jamais se recuperou da derrota.

É difícil obter informações sobre a situação na cidade, pois os retransmissores telefônicos foram cortados (confirmado pela operadora Vodacom). Portanto, só temos testemunhos de pessoas que conseguiram fugir do conflito. De acordo com a Pinnacle News, “dezenas de civis foram decapitados ou baleados e pelo menos 21 soldados foram mortos."

De qualquer forma, em 27 de março, Palma acabou caindo sob o controle dos jihadistas. “As forças do governo retiraram-se de Palma, por isso a cidade está efetivamente tomada”, disse uma fonte de segurança citada pela AFP. “Palma está nas mãos dos atacantes”, confirmou outro.

O fato deste ataque ter sido lançado quando a Total tinha acabado de anunciar o recomeço das suas atividades é presumivelmente uma coincidência... E a calmaria que se tinha referido anteriormente deveu-se provavelmente a dificuldades relacionadas com a época das chuvas do que à ação das forças moçambicanas na região.

Nesse ínterim, a Total voltou a anunciar a suspensão das atividades na Anfugi. E resta saber o que Maputo pretende fazer para retomar o controle da cidade... Preocupada com a situação devido à presença de expatriados sul-africanos na região, a África do Sul pode tentar uma intervenção...

Isso é o que o "Daily Maverik" publicado em Joanesburgo entende. "A África do Sul estava planejando no sábado enviar forças especiais para a cidade costeira de Palma, a fim de evacuar vários sul-africanos que ainda estariam presos ou mantidos como reféns pelos insurgentes islâmicos", disse ele. De fato, escrito em 27 de março.

Recorde-se que as forças especiais americanas lançaram recentemente uma missão para formar e treinar os seus homólogos moçambicanos. Quanto à França, preocupada com o envolvimento da Total em Cabo Delgado e presente na região (com Mayotte), pretende fazer o mesmo. Foi o que disse Florence Parly, a Ministra das Forças Armadas, durante uma audiência parlamentar em janeiro. “Estamos agora a ver como podemos apoiar, através da formação e educação, as forças armadas” de Moçambique, disse ela.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

Por que Moçambique está terceirizando a contra-insurgência para a Rússia25 de março de 2020.

Dividendos da Diplomacia: Quem realmente controla o Grupo Wagner?, 22 de março de 2020.

Helicóptero Gazelle de mercenários sul-africanos foi abatido em Moçambique26 de abril de 2020.

Vega Strategic Services: as PMC russas como parte da guerra de informação?10 de fevereiro de 2021.

A dependência da Rússia de contratados militares privados soa alarme no mundo todo9 de fevereiro de 2021.

Islâmicos ligados ao Estado Islâmico decapitaram mais de 50 pessoas em campo de futebol em Moçambique11 de novembro de 2020.

Jihadistas somalianos ameaçam atacar interesses franceses e americanos no Djibouti

Por Laurent Lagneau, Zone Militaire OPEX360, 28 de março de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 28 de março de 2021.

Em fevereiro, o Presidente Macron e seu homólogo do Djibuti, Ismaël Omar Guelleh, concordaram com a "necessidade de consolidar sua parceria" no campo militar, por meio de uma declaração de intenções "sobre os princípios que enquadram a próxima renegociação do Tratado de Cooperação de defesa entre França e Djibouti, que já tinha sido revista em 2011.

Além disso, foram assinados diversos acordos de cooperação na área econômica. Eles "concretizam o aumento dos investimentos franceses no Djibuti, como o apoio ao projeto de um segundo aeroporto no país e os investimentos de grupos privados franceses nas áreas de energia e turismo", indicou então a presidência francesa.

No entanto, esses projetos estão sob a ameaça dos jihadistas somalianos "shebab", ligados à al-Qaeda. De fato, em 27 de março, seu líder, Abou Obaida Ahmad Omar, publicou um vídeo no qual ataca diretamente o presidente Guelleh, que buscará um novo mandato em 9 de abril, acusando-o de ter “transformado Djibouti em base militar de onde todas as guerras contra os muçulmanos na África Oriental são planejadas e executadas".

E apelando a seus apoiadores para "fazer dos interesses americanos e franceses no Djibouti a principal prioridade de [seus] alvos".

Desde 2002, os Estados Unidos têm uma grande base no Djibouti (o campo Lemonnier). Base que serve de ponto central para suas operações no Chifre da África e também no Iêmen. Além disso, em 2013, foi decidido transferir as atividades dos drones americanos para o aeródromo de Chabelley, localizado a cerca de dez quilômetros de distância.

Quanto à França, ela mantém uma presença militar no Djibouti desde a independência, concedida em 1977. Atualmente, e mesmo que tenha sido reduzido nos últimos anos, o contingente aí alocado é a maior de forças de presença francesas na África, com o 5º Regimento Interarmas do Ultramar (5e Régiment Interarmes d'Outre-Mer, RIAOM), um destacamento da Aviação Leve do Exército (Aviation légère de l’armée de Terre, DETALAT) com 4 helicópteros Puma e 3 Gazelle, a base aérea 188 (com 4 Mirage 2000-5, 3 Puma e uma aeronave de transporte CN-235), uma base naval e o Centro de treinamento de combate e endurecimento no deserto do Djibouti (Centre d’entraînement au combat et d’aguerrissement au désert de Djibouti, CECAD).

Recorde-se que, dada a posição estratégica ocupada pelo Djibouti (perto, em particular, do Estreito de Bab el Mandeb), o país acolhe outros contingentes estrangeiros. Assim, a China inaugurou uma base militar e um porto lá em 2017.

No entanto, os interesses franceses no Djibouti já foram alvejados em 2014, com um atentado suicida contra o restaurante "La Chaumière"; o saldo foi de um morto (cidadão turco) e cerca de vinte feridos (incluindo 7 franceses, 4 alemães, 6 holandeses e 3 espanhóis). O ataque foi posteriormente reivindicado pelos shebabs somalianos, que alegaram ter visado os franceses por "seu papel ativo no treinamento e equipamento das tropas djibutianas na Somália, bem como sua crescente intervenção nos assuntos [de] terras muçulmanas".

Bibliografia recomendada:

Estado Islâmico:
Desvendando o exército do terror.
Michael Weiss e Hassan Hassan.

Legião Estrangeira:
Um brasileiro em suas fileiras.
Luís Bouchardet.

Leitura recomendada:

Djibuti: O que a Europa deve entender sobre a abordagem da China à expansão militar19 de junho de 2020.

FOTO: O 14 de Julho no Djibouti14 de junho de 2020.

A China está preenchendo a lacuna do tamanho da África na estratégia dos EUA14 de março de 2020.

SFAB do Exército enfrentará condições difíceis durante a missão na África27 de fevereiro de 2020.

Como a China viu a intervenção da França no Mali: Uma análise14 de março de 2020.

FOTO: Rara submetralhadora tcheca na Venezuela

Tenente-Coronel Carlos Delgado Chalbaud, do Exército Nacional Venezuelano, praticando tiro com a submetralhadora ZK-383, anos 1940.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 28 de março de 2021.

A Venezuela é conhecida por suas armas exóticas, em muito devido aos diferentes picos do preço do petróleo, e a posse da ZK-383 é mais um exemplo.

A submetralhora ZK-383 foi desenvolvida pelos irmãos Koucký em 1938 na fábrica de armas então chamada Československá zbrojovka, akc.spol. (depois Československá zbrojovka-Brno) na cidade de Brno, na então Tchecoslováquia. O ZK-383 foi exportado para muitos países europeus menores após sua data de início de produção em 1938. A produção do ZK-383 continuou na fábrica de armas de Brno, mesmo durante a ocupação alemã durante a Segunda Guerra Mundial. A maioria das armas produzidas foi fornecida à Waffen-SS. Ele continuou a ser produzido em pequenos números no período pós-guerra e a produção terminou em 1948. O ZK-383 foi lentamente substituído por metralhadoras menores e mais leves, como a Sa vz. 23. A Bulgária, o mais pobre dos exércitos do Pacto de Varsóvia, continuou a usá-la até a década de 1970. A produção total girou em torno de 35 mil unidades.

A ZK-383 também chegou à América do Sul, sendo exportada para o Brasil, Venezuela e Bolívia (sendo usada por estes na Guerra do Chaco).

Teste da ZK-383 pelo Forgotten Weapons


Bibliografia recomendada:

The Chaco War 1932-35:
South America's greatest modern conflict.
Alejandro de Quesada e Phillip Jowett.
Ilustração de Ramiro Bujeiro.

Leitura recomendada:

GALERIA: Armas do golpe militar na Venezuela em 195811 de fevereiro de 2021.

GALERIA: Ativação do Comando de Operações Especiais venezuelano30 de agosto de 2020.

Selva de Aço: A História do AK-103 Venezuelano13 de fevereiro de 2021.

O regime da Venezuela enche seus bolsos com dinheiro do narcotráfico24 de fevereiro de 2021.

FOTO: Paraquedistas venezuelanos marchando com a sub Hotchkiss14 de fevereiro de 2021.

FOTO: Sniper com baioneta calada9 de dezembro de 2020.

sábado, 27 de março de 2021

Os combates de rua na Batalha de Saigon

Paraquedistas sul-vietnamitas cercaram os rebeldes Binh Xuyen em frente à Escola Petrus Ky, na rua Cong Hoa, durante a Batalha de Saigon, em 28 de abril de 1955.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 27 de março de 2021.

A Batalha de Saigon (Operação Rung Sat) foi uma confrontação urbana de um mês entre o Exército Nacional Vietnamita e o exército privado do sindicato do crime organizado Binh Xuyen ocorrida de 28 a 30 de abril de 1955, no período em que o governo central de Saigon estava consolidando-se como um Estado. A batalha começou ao meio-dia de 28 de abril de 1955 e o ANV esmagou amplamente o Binh Xuyen em uma semana. Os combates se concentraram principalmente no distrito comercial chinês de Cholon, no centro da cidade. A área densamente povoada viu cerca de 500-1000 mortes e até 20.000 civis desabrigados no fogo cruzado. Os combates de limpeza fora de Saigon continuaram até maio.

O Binh Xuyen era uma organização criminosa que controlava atividades ilegais em Saigon, especialmente no distrito comercial chinês de Cho Lon, que cresceu o bastante para formar forças paramilitares e controlar regiões no Vietnã, seguindo a tradição regional de exércitos particulares. Os combates entre o Binh Xuyen e o Exército Nacional Vietnamita (Armée Nationale Vietnamien, ANV) se iniciaram em 28 de abril de 1955, após uma campanha de atentados à bomba por conta do ultimado do primeiro-ministro Ngo Dinh Diem para que o Exército Binh Xuyen fosse absorvido pelo ANV e ficasse sob a autoridade do Estado vietnamita. A batalha terminou em maio de 1955 com a vitória total do ANV e a completa destruição da organização criminosa.

Origem

Os grupos Binh Xuyen surgiram pela primeira vez no início dos anos 1920 como uma coalizão vagamente organizada de gangues e trabalhadores contratados com cerca de duzentos a trezentos homens. A história inicial de Binh Xuyen consistia em ciclos de sequestro, pirataria, perseguição e, ocasionalmente, prisão. Nos 1920-40, o Binh Xuyen sofreu pesada infiltração de comunistas através dos trabalhadores sindicalizados e participaram do grande levante comunista de 1940, e da guerra contra os franceses em 1945 ao lado do Viet Minh. Rapidamente derrotados, o Binh Xuyen se fragmentou e, para sobreviver como organização, seu líder Bay Vien se aliou ao serviço secreto francês (Deuxième Bureau) depois de escapar de uma tentativa de assassinato, protegido por duas companhias de capangas leais. Em junho de 1948, Bay Vien tornou-se coronel encarregado das Forças Auxiliares Binh Xuyen, reportando-se temporariamente a Tran Van Huru, vice-primeiro-ministro do governo provisório do Vietnã e governador de Nam Phan.

As autoridades francesas no Vietnã do Sul deram a Vien o controle total de Saigon-Cholon (Sài Gòn – Chợ Lớn), sob a condição de que ele destruísse a infraestrutura comunista da cidade. O conhecimento de Bay Vien sobre o Viet Minh e seu desejo de destruir as tropas de seu adversário Nguyen Binh em Saigon possibilitaram que ele destruísse as forças comunistas em muito pouco tempo. O governo colonial francês recompensou o sucesso do Binh Xuyen permitindo que Bay Vien monopolizasse a indústria de caminhões na Cochinchina (sul do Vietnã) e permitindo que o chefão operasse como um senhor da guerra. Bay Vien foi promovido a Général de division (General-de-Divisão, três estrelas).

Em 1949, o Imperador Bao Dai tornou-se o Chefe de Estado do recém-formado Estado do Vietnã. Para resolver o problema de ter que espalhar muito o Exército Nacional Vietnamita na guerra contra o Viet Minh, ele decretou todas as forças militares não-comunistas do país como exércitos independentes dentro do exército convencional. Bay Vien recebeu o posto de Major General do Exército Nacional Vietnamita após a operação para limpar a Rota Colonial 15 e suas tropas se tornaram o Exército Binh Xuyen (QDQG Bình Xuyên), que era um exército autofinanciado com receitas de bordéis e cassinos administrados legalmente; Bay Vien tomou à força o controle dos cassinos de grupos do crime organizado macaense.

O General Vien fez acordos com Bao Dai, garantindo-lhe o controle de seus próprios assuntos em troca de seu apoio nominal ao regime, assim como fizera com o governo colonial francês. Em março de 1955, o grupo juntou-se ao Cao Dai e Hoa Hao na formação de uma "Frente Unida das Forças Nacionais". Nesse período, o Exército Binh Xuyen tinha cinco batalhões de infantaria regulares e dois batalhões de tropas de choque de segurança pública (Công an xung phong). Essa força privada era poderosa demais e o novo primeiro-ministro do recém-independente Vietnã, Ngo Dinh Diem emitiu um ultimato para que eles se rendessem e ficassem sob o controle do Estado.

Na meia-noite de 29 a 30 de março, explosões abalaram Saigon enquanto o Binh Xuyen respondia à remoção de seu chefe de polícia por Diem. 200 tropas do Binh Xuyen atacaram a sede do ANV. Os confrontos foram inconclusivos, com o ANV sofrendo seis mortos para os 10 de seus oponentes, mas ao nascer do sol, os corpos de civis espalhavam-se pelas as calçadas.

A batalha

Paraquedistas do ANV em durante os combates, com fumaça ao fundo. O soldado à retaguarda carrega um FM Châtellerault 24/29 francês.

A batalha final entre o ANV de Diệm e o Binh Xuyen começou no dia 28 de abril ao meio-dia. Após a troca inicial de tiros de armas portáteis e morteiros, o ANV recorreu à artilharia mais pesada de seu arsenal. Isso coincidiu com os crescentes pedidos de dentro do governo Eisenhower para se livrar de Diem porque Eisenhower acreditava que ele não seria capaz de subjugar o Binh Xuyen e unificar o país. Ao anoitecer, uma grande parte do centro da cidade foi engolfada pelo combate de casa em casa. Na manhã de 29 de abril, o conflito jogou milhares de civis para fora de suas casas. Um quilômetro quadrado da cidade, em torno do densamente povoado distrito chinês de Cholon, onde o Binh Xuyen tinha uma fortaleza, tornou-se uma zona de fogo livre. Artilharia e morteiros arrasaram os bairros pobres da cidade, matando quinhentos civis e deixando 20 mil desabrigados.

Os observadores descreveram que o combate de ambos os lados carecia de estratégia e dependia de táticas de desgaste de força bruta. Uma das poucas manobras consideradas táticas foi uma tentativa do ANV de cortar os reforços de Bình Xuyen demolindo a ponte que cruza o canal Saigon-Cholon. Isso foi respondido com o Binh Xuyen lançou pontes flutuantes sobre o canal. Parecia que o conflito seria determinado pelo lado que fosse capaz de absorver o maior número de perdas. Aproximadamente 300 combatentes foram mortos no primeiro dia de combate.


Na manhã de 29 de abril, em Washington, John Foster Dulles, o Secretário de Estado dos EUA ligou para J. Lawton Collins para suspender as medidas destinadas a substituir Diem. Eisenhower determinou que eles deveriam ser colocados em espera enquanto se aguardava o resultado da operação do ANV. Collins e Dulles entraram em confronto na reunião do Conselho de Segurança Nacional (National Security Council, NSC), com Collins pedindo veementemente a remoção de Diem. Collins continuou a argumentar que a tentativa de destruir os Binh Xuyen pela força produziria uma guerra civil. O NSC endossou a posição de Dulles.

Após 48 horas de combate, o ANV começou a ganhar vantagem. Le Grand Monde, anteriormente o maior estabelecimento de jogos de Bay Vien e servindo temporariamente como cidadela do Binh Xuyen, foi tomado de assalto pelos paraquedistas de Diem após uma luta que causou pesadas perdas para ambos os lados. O ANV então tomou de assalto uma das fortalezas mais pesadamente fortificadas do Binh Xuyen, a Escola de Ensino Médio Petrus Ký, na rua Cong Hoa (na era francesa, era a rua Nancy, hoje Nguyen Van Cu) em Cholon. Quando Collins voltou ao Vietnã do Sul, em 2 de maio, a batalha estava quase vencida. As forças Binh Xuyen foram derrotadas e em retirada e seus postos de comando foram destruídos. O quartel-general de Bay Vien estava sendo bombardeado e seus tigres, pítons e crocodilos lá dentro foram mortos por ataques de morteiros e bombardeios.

Ngo Dinh Diem saiu vitorioso da operação: Bay Vien fugiu para Paris para viver sua vida com os lucros de seus empreendimentos criminosos, e o ANV perseguiu os remanescentes do Binh Xuyen no delta do Mekong, perto da fronteira com o Camboja. Em Saigon, multidões exultantes se reuniram em frente à residência de Diem gritando "Đả đảo Bảo Đại!" (que significa "Abaixo Bao Dại!").


Bibliografia recomendada:

The Twenty-Five Year Century:
A South Vietnamese General remembers the Indochina War to the Fall of Saigon.
General Lam Quang Thi.


Leitura recomendada:

PINTURA: Guardas de Fronteira da KGB com um Mi-8

Guardas de Fronteira com um Mi-8 de transporte no Afeganistão.
Realismo socialista de 1986.
(Ushanka Show)

Bibliografia recomendada:




Leitura recomendada:

FOTO: Hinds afegãos, 26 de abril de 2020.

FOTO: Grupo Alfa no Afeganistão20 de março de 2020.

FOTO: Flâmula no Afeganistão30 de abril de 2020.

FOTO: Spetsnaz no Afeganistão, 1986, 26 de janeiro de 2020.

FOTO: Comboio soviético no Passo de Salang, 1988, 25 de janeiro de 2020.

FOTO: T-62M no Passo de Salang, 28 de janeiro de 2020.


quinta-feira, 25 de março de 2021

Líder do ISIS no Sinai foi morto em confronto com forças egípcias

Militantes do ISIS no Sinai.
(Twitter)

Por Tzvi Joffre, The Jerusalem Post, 23 de março de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 25 de março de 2021.

Al-Hamadin, referido como o "mais perigoso e mais antigo dos elementos takfiri do Sinai", foi responsável pelo assassinato de centenas de civis e soldados egípcios.

Líder da organização terrorista ISIS na Península do Sinai, Salim Salma Said Mahmoud al-Hamadin, foi morto durante confrontos com forças beduínas e egípcias perto de Al-Barth, ao sul de Rafah e perto da fronteira com Israel, segundo a mídia árabe. Um guarda-costas e escolta também foram detidos.

Hamadin, referido como o "mais perigoso e mais antigo dos elementos takfiri do Sinai", foi responsável pelo assassinato de centenas de civis e soldados egípcios, de acordo com os relatórios. "Takfiri" é uma palavra freqüentemente usada para se referir a grupos extremistas armados, mas originalmente se referia a apóstatas muçulmanos ou infiéis.

O ataque ao líder do ISIS foi conduzido como uma operação conjunta entre os militares egípcios e a União Tribal do Sinai. O líder terrorista havia sido preso no passado devido ao envolvimento em ataques à bomba em Taba e Sharm al-Sheikh, mas conseguiu escapar e continuar suas atividades terroristas.

Hamadin recrutou um grande número de pessoas para o grupo terrorista Ansar Bayt al-Maqdis antes do grupo jurar fidelidade ao ISIS, de acordo com a Sky News Arabia. O ISIS no Sinai explodiu bombas nos gasodutos entre o Egito e Israel e lançou foguetes contra Israel várias vezes.

Em 2019, o presidente egípcio Abdel Fattah al-Sisi confirmou que os militares egípcios estavam trabalhando com Israel para combater o ISIS no Sinai, em uma entrevista à CBS.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

GALERIA: Caçada ao Estado Islâmico no Iraque19 de novembro de 2020.

COMENTÁRIO: Contra o Daesh, a estranha vitória11 de setembro de 2020.

Cinco lições das guerras de Israel em Gaza11 de fevereiro de 2021.

Síria: Os "ISIS Hunters", esses soldados do regime de Damasco treinados pela Rússia8 de setembro de 2020.

Sahel: A Força Barkhane elimina chefe de operações do Grupo de Apoio ao Islã e aos Muçulmanos13 de novembro de 2020.

Islâmicos ligados ao Estado Islâmico decapitaram mais de 50 pessoas em campo de futebol em Moçambique11 de novembro de 2020.

quarta-feira, 24 de março de 2021

GALERIA: Atividades das tropas francesas na Tunísia

Um soldado do 2e GTM (2e Grupo de Tabors Marroquinos) dispara uma submetralhadora Thompson no Djébel Ousselat, na Tunísia, abril de 1943.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 24 de março de 2021.

As tropas francesas do 19º Corpo de exército são retratadas na frente tunisiana em abril de 1943 durante a Batalha do Maciço de Ousselat (Djebel Ousselat, localizado a noroeste de Kairouan) durante a campanha da Tunísia. Também conhecida como ataque de Fondouk, a batalha opõe o 1º Exército Italiano, apoiado por elementos panzer alemães, ao 19º Corpo de Exército francês em conexão com a 34ª Divisão de Infantaria "Touro Vermelho" americana e o 9º Corpo de Exército britânico, e faz parte das operações realizadas para retomar a crista oriental da cordilheira.

Atividade na linha de frente no  período também envolveram:

- um regimento de caçadores africanos equipados com tanques Renault D1 avançando em direção a Pichon;

- elementos do 411e RAAA (411e Régiment d’artillerie antiaérienne/ 411º Regimento de Artilharia Antiaérea), que lutando como parte da DMC (Division de marche de Constantine/ Divisão de Temporária de Constantine), equipado com um canhão de 75mm CA modelo 1932 em alerta no setor de Robaa;

- soldados do 67e RAA (67e Régiment d’artillerie d’Afrique/ 67º Regimento de Artilharia da África), parte da DMC, armados com canhões de montanha modelo 1906 de 65mm e ocupando posições no setor de Ousseltia;

- do 2e GTM (2e Groupe de tabors marocains/ 2º Grupo de tabors marroquinos), que lutou no seio do DMM (Division de marche du MarocDivisão de Marcha do Marrocos), com veículos que tomaram do inimigo no setor de Siliana e depois partindo ao ataque no setor de Ousseltia;

homens do 1º batalhão do 19e RG (19e Régiment du génie/ 19º Regimento de Engenharia), pertencentes ao DMC, que participam numa operação de neutralização de minas anti-pessoais.

Artilheiros do 67e RA (regimento de artilharia) com uma mula montada com um canhão de montanha 65mm modelo 1906 no setor de Ousseltia.

Operação de detecção de minas por sapadores do 19º Regimento de Engenharia.

O relatório também menciona o posto de comando do General Koeltz, comandante do 19º Corpo do Exército francês, instalado em um trailer provavelmente em Djerissa, o posto de comando Kellermann instalado em tendas, um campo de prisioneiros em Maktar onde estão internados soldados alemães e italianos do corpo expedicionário da África, um avião alemão abatido perto de Maktar e os túmulos de soldados alemães e aliados em Pichon.

Distribuição de sopa aos prisioneiros italianos no campo de Maktar.

O túmulo de um soldado alemão no cemitério de Pichon.

Vista geral do cemitério de Pichon.

O túmulo de um soldado francês morto por uma mina no cemitério de Pichon; um capacete francês é colocado sobre a cruz.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

FOTO: Tanques LT-38 eslovacos em desfile

Tanques LT-38 eslovacos desfilando em 14 de março de 1941.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 24 de março de 2021.

A Eslováquia encomendou 10 tanques ČKD LT vz. 38 da República Tcheca, então ocupada pela Alemanha e com o nome oficial de Protetorado da Boêmia e Morávia, depois que a Tchecoslováquia foi dividida em dois e a Eslováquia teve que construir sua própria força blindada. O primeiro uso dos LT-38 (sua designação eslovaca) foi na guerra de fronteira com a Hungria, em 1938.

Os eslovacos foram o primeiro aliado da Alemanha nazista, e participaram da invasão da Polônia em 1º setembro de 1939, onde empregaram seus LT-38 como a força móvel do Exército de Campanha Bernolák, uma força de 51.306 homens dividida em três divisões de infantaria sob o ministro da Defesa, General Ferdinand Čatlošo, e incorporado ao 14º Exército alemão (Coronel-General Wilhelm List). Os eslovacos se engajaram em combate com o exército polonês em 4 e 5 de setembro, parando para operações de limpeza do território conquistado. Um grupo móvel foi criado em 5 de setembro, oficialmente Grupo de Tropas Rápidas "Kalinčiak" (Coronel Ivan Imro), participando dessas ações de limpeza contra o Exército Karpaty polonês. O exército eslovaco lutou em escaramuças menores, terminando seu avanço em 11 de setembro.

Esse exército de campanha retornou em triunfo para a Eslováquia em 16 de setembro, desfilando em Poprad em 5 de outubro. O Exército de Campanha Bernolák foi desmobilizado gradualmente a partir de 7 de outubro. As baixas eslovacas foram mínimas, com 37 mortos, 114 feridos, 11 desaparecidos e 2 aeronaves destruídas.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

FOTO: Goumiers com um carro italiano capturado

Soldados marroquinos do Exército Francês posando com um Fiat 508 CM italiano capturado, identificado como a viatura de um oficial pela placa sendo apontada por um goumier, na Tunísia, abril de 1943.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 24 de março de 2021.

Durante a batalha do Massiço do Djébel Ousselat (também Ousselet), de março a abril de 1943, soldados goumiers de Tabors marroquinos combatendo como parte da Divisão de Marche do Marrocos (Division de Marche du Maroc) foram uma parte essencial do esforço aliado, especialmente por conta da sua capacidade de combate em montanha. Os goumiers atingiriam o ápice da excelência na campanha da Itália no setor de Monte Cassino, em 1944.

Essa competência militar seria também acompanhada de estupros em massa e massacres terríveis na região de Esperia.

O termo Goum designava uma companhia de Goumiers. Origina-se do árabe-magrebino gūm e do árabe clássico qawm, designando “tribo” ou “povo”. O termo também se refere a contingentes montados de cavaleiros árabes ou bérberes empregados por líderes tribais durante as campanhas no norte da África. O termo tabor é originalmente uma designação turca de tabur fazendo referência a um batalhão ou pelo árabe intermediário ṭābūr, também originalmente uma designação turca.

A palavra originou-se da palavra árabe magrebina Koum (قوم), que significa "povo". A designação não específica "Goumi" (versão francesa "Goumier") foi usada para contornar as distinções tribais e permitir que voluntários de diferentes regiões servissem juntos em unidades mistas por uma causa "comum". Os goumiers foram recrutados das tribos bérberes da Cordilheira do Atlas, no Marrocos.

Na terminologia militar francesa, um goum era uma unidade de 200 auxiliares. Três ou quatro goums formavam um tabor. Um dispositivo  ou grupo era composto de três tabores. Um goum, neste caso, era o equivalente a uma companhia em unidades militares regulares e um tabor, portanto, seria equivalente a um batalhão. Um tabor era a maior unidade goumier permanente.

Entre 1942 e 1945, quatro Grupamentos de Tabors Marroquinos (Groupements de Tabors MarocainsGTM) foram criados, cada um compreendendo 3 Tabors (batalhão) com 3 a 4 goums (companhias). Goumiers serviram então na Indochina de 1946 a 1954. O 2º Grupamento de Tabors Marroquinos (2e groupement de tabors marocains, 2e GTM) foi uma das seis unidades mais condecoradas do Exército Francês na Segunda Guerra Mundial.

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terça-feira, 23 de março de 2021

O “bom alemão” nos filmes de guerra

Omar Sharif como o bom policial Major Grau no filme A Noite dos Generais de Anatole Litvak (1967).

Por Kenneth George Godwin, Cagey Films, 18 de julho de 2015.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 22 de março de 2021.

Por coincidência, apenas algumas semanas depois de assistir novamente Die Brücke (A Ponte da Desilusão, 1959) de Bernhardt Wicki, também assisti a dois outros filmes que tratam da Alemanha durante a Segunda Guerra Mundial. Esses dois, muito maiores em escala, são produções de Hollywood e oferecem alguns pontos interessantes de comparação com o filme de Wicki. Die Brücke, embora demonstre uma empatia genuína por seus personagens, não faz nenhuma tentativa de nos apresentar a figura do “bom alemão”; os adolescentes em seu centro foram corrompidos até o âmago pelo regime nazista e voluntariamente desperdiçaram suas próprias vidas e as de outras pessoas para apoiar uma causa já perdida, enquanto os adultos ao seu redor foram cúmplices do regime ou, na melhor das hipóteses, permaneceram em silêncio sobre sua insatisfação com ele. Os dois filmes americanos, por outro lado, giram em torno desse clichê problemático, embora um tenha sido baseado em um romance de sucesso de um escritor americano, enquanto o outro foi baseado em um romance de um autor alemão.

Embora os nazistas tenham conseguido criar uma nova Alemanha quase monolítica à sua própria imagem, houve indiscutíveis elementos de resistência durante seu reinado de doze anos. Algumas pessoas não estavam dispostas a aceitar a visão de mundo nazista, mas muitos, se não a maioria desses oponentes, foram eventualmente esmagados pelo regime. O movimento clandestino Rosa Branca (Weiße Rose), liderado por estudantes em Munique, esteve brevemente ativo em 1942 e no início de 1943, distribuindo panfletos incitando as pessoas a enfrentarem os nazistas; seus líderes foram presos, julgados por traição e executados por decapitação. O romance brilhante de Hans Fallada, Every Man Dies Alone ("Todo homem morre sozinho", também conhecido como Alone in Berlin (Sozinho em Berlim), de 1947), foi baseado em um caso real em que um casal comum, devastado pela morte de seu único filho na guerra, começou a deixar cartões postais em locais públicos tentando criar alguma conscientização do público sobre os crimes do regime; este casal também foi preso, julgado e executado por decapitação. Mas o clichê do “bom alemão” geralmente não lida com esse tipo de resistência ativa; em vez disso, tende a lidar com a idéia de pessoas decentes que, de alguma forma, simplesmente não sabiam o que estava sendo feito em seu nome.

O Tenente Diestl (Marlon Brando) enfrenta seu superior, o capitão Hardenberg (Maximilian Schell).

Imediatamente após a guerra, havia credulidade entre os vencedores sobre esse tipo de esquecimento e um dos princípios centrais dos julgamentos de Nuremberg era que as alegações de ignorância não eram convincentes e que as pessoas em todos os níveis da sociedade alemã eram cúmplices, em algum grau, dos crimes nazistas. O regime certamente não fez nenhuma tentativa de esconder seus objetivos e métodos, aprovando leis que gradualmente despojaram os direitos de todos os "indesejáveis", atacando abertamente negócios e indivíduos judeus à vista do público, operando trens cheios de prisioneiros nas ferrovias que passavam muitas cidades a caminho dos campos. E, no entanto, graças a uma propaganda muito eficaz e a preconceitos profundos e antigos na sociedade como um todo, muitos alemães aceitaram essa situação com serenidade - não apenas não foram pessoalmente afetados por essas medidas opressivas, como acreditaram que as vítimas mereciam esse tratamento.

Em seu comentário no Blu-ray da Twilight Time do filme The Young Lions (Os Deuses Vencidos, 1958), de Edward Dmytryk, Julie Kirgo, Lem Dobbs e Nick Redman apontam que quando o filme foi feito treze anos após o fim da guerra, era possível para os vencedores mostrarem mais compreensão e empatia pelo ex-inimigo, possibilitando ao filme apresentar um simpático “bom alemão” na forma do tenente da Wehrmacht Christian Diestl. E, no entanto, para torná-lo simpático, também era necessário torná-lo extremamente, até mesmo implausivelmente ingênuo, aprendendo apenas lentamente ao longo de um período de anos que o regime que ele serve não é o que ele pensava que era. Isso não é tanto uma abertura para a compreensão do indivíduo alemão após o desaparecimento da inimizade da guerra; mas a questão é o que, exatamente, estava por trás disso? Sem dúvida, foi pelo menos parcialmente devido à escalação de Marlon Brando para o papel, um ator importante e popular que não poderia ter retratado o personagem como escrito no romance de Irwin Shaw: no livro, ele era mais como uma versão adulta dos meninos em Die Brücke, um verdadeiro crente corrompido por um governo corrupto. Estranhamente, no filme, Diestl se torna o mais simpático dos três protagonistas, seu destino final visto como um trágico desperdício (Shaw estava aparentemente muito descontente com essa alteração em seu trabalho).

O Major Grau (Omar Sharif) testemunha o prazer do General Tanz (Peter O’Toole) na destruição.

Mas, além das distorções impostas pela escalação de estrelas, talvez houvesse um propósito político maior por trás da limpeza de Diestl. O filme foi feito no auge da Guerra Fria, uma época em que a Alemanha se tornara um importante aliado contra o Império Soviético, uma época em que, de várias maneiras, os crimes da Alemanha nazista haviam se tornado uma distração embaraçosa, melhor varrida para debaixo do tapete. Ao separar esse personagem decente do regime hediondo que ele serviu, foi possível ver que os alemães comuns não eram realmente responsáveis ou cúmplices dos crimes nazistas. À sua maneira, Os Deuses Vencidos representou um elemento na reabilitação da sociedade alemã, com a morte de Diestl uma espécie de ato sacrificial de expiação (aparentemente o próprio Brando queria que ele morresse com os braços estendidos como os de Cristo, uma sugestão que Dmytryk foi sábio em ignorar).

Em 1967, quando Anatole Litvak dirigiu A Noite dos Generais (The Night of the Generals), adaptado de um romance do prolífico ex-soldado e nazista Hans Hellmut Kirst, esta questão da reabilitação já havia praticamente terminado seu curso e era possível simplesmente contar uma história ambientada na Alemanha nazista e os países ocupados em que um personagem principal, o policial militar Major Grau (Omar Sharif), era um homem decente que apenas tentava fazer seu trabalho com honra - neste caso, investigando um assassinato brutal. Como personagem, ele não precisa carregar o peso simbólico que onera Diestl e, portanto, de certa forma representa o triunfo desse processo de reabilitação. Nem santo nem monstro, Grau é reconhecidamente “apenas um homem”, alguém com quem o espectador se identifica facilmente.

Os Deuses Vencidos (Edward Dmytryk, 1958)

Marlon Brando como Diestl, o impossivelmente ingênuo soldado alemão em Os Deuses Vencidos (1958), de Edward Dmytryk.

Os Deuses Vencidos (The Young Lions1958) de Edward Dmytryk foi adaptado por Edward Anhalt do primeiro romance de Irwin Shaw, publicado em 1948 e frequentemente vinculado a The Naked and the Dead de Norman Mailer, From Here to Eternity de James Jones e The Caine Mutiny de Herman Wouk como as principais obras literárias americanas saindo da guerra. Ao contar três histórias paralelas, sobre dois soldados americanos e um alemão, o objetivo de Shaw era apresentar um retrato abrangente da guerra de vários pontos de vista. Como já mencionado, o alemão, um nazista comprometido no livro, torna-se no filme um homem politicamente ingênuo que começa por acreditar que Hitler pode restaurar a Alemanha à sua antiga grandeza, mas aos poucos se desilude com a brutalidade e a inutilidade da guerra. No final, tendo tardiamente ficado sabendo dos campos de extermínio, ele perde a vontade de continuar e, essencialmente, comete suicídio por um soldado inimigo. A maior crítica que pode ser feita contra ele é que ele é simplesmente impensadamente apolítico até que seja tarde demais.

Estranhamente para um filme de Hollywood de grande orçamento, Diestl é mais simpático do que os dois soldados americanos cujas histórias constituem o resto do filme. Noah Ackerman (Montgomery Clift) é um judeu esquelético e hiper-neurótico que voluntariamente se junta à infantaria apenas para ser brutalizado por seus colegas recrutas e oficiais (o filme é um tanto astuto sobre o óbvio anti-semitismo por trás desse tratamento), até sua habilidade de aceitar a brutalidade acaba conquistando o respeito relutante de seu pelotão - aceitação amparada por um sistema militar que, ao tomar conhecimento dos abusos, pune o oficial responsável, reafirmando que o preconceito é pessoal e não institucional. Mas Ackerman também - quase - tem que lidar com o preconceito fora do exército quando se apaixona por uma loira não-judia de uma pequena cidade, Hope Plowman (Hope Lange, a personagem mais simpática do filme), cujo pai apenas por um breve momento expressa desconfiança em relação aos judeus... apenas para aceitá-lo abruptamente porque, bem, Noah é a escolha de sua filha.

Montgomery Clift como o neurótico Noah Ackerman.

O terceiro canto do triângulo é o artista da Broadway Michael Whiteacre (Dean Martin), um covarde declarado que faz tudo o que pode para ficar fora de perigo. Esses esforços lhe causam muito tormento pessoal, a mistura de um desejo de autopreservação com uma profunda culpa tornando-o amargo e sarcástico. Não é tanto a covardia quanto essa amargura que causa problemas com sua namorada Margaret Freemantle (Barbara Rush); inevitavelmente, o conflito com ela finalmente o obriga a aceitar seu lugar e seguir para a Europa após o Dia D para se juntar à luta.

Este foi o primeiro papel de Martin depois de romper sua parceria com Jerry Lewis e isso o revela como um ator sério e convincente. Clift, por outro lado, em seu primeiro papel após o famoso acidente de carro que causou graves lesões faciais, dá uma atuação desconfortável como Ackerman, seus maneirismos nervosos e neuróticos telegrafando seu status de vítima, que eventos subsequentes (sua aceitação por seus companheiros soldados, seu casamento com Hope, seu heroísmo sob fogo) nunca podem apagar completamente. Esses dois personagens parecem desvios da história central do filme sobre a desilusão de Diestl, resultando na impressão final de que Os Deus Vencidos é a tragédia de um alemão decente traído por seu país, que se desviou para o caminho errado. Ao longo do filme, Diestl se recusa a obedecer a ordens imorais sem consequências, mas no final parece assumir a culpa de sua nação e aceita de bom grado sua punição.

Dean Martin como o egocêntrico Michael Whiteacre.

O filme é um tanto trabalhoso e sem forma, nunca encontrando realmente uma maneira de passar significativamente de um fio narrativo para outro até o clímax bastante abrupto e arbitrário em que o agora desarmado Diestl encontra Whiteacre e Ackerman logo após todos terem descoberto os horrores dos campos de concentração. A principal mudança aqui em relação ao romance está na maneira quase casual com que Diestl é morto por Whiteacre (proporcionando a Brando um momento impressionante), enquanto no livro Diestl, não redimido até o fim, atira em Ackerman e depois é morto por Whiteacre. Na versão do filme, Ackerman, o judeu que acabou de descobrir o que os nazistas fizeram nos campos, é estranhamente alheio ao clímax.

Glenn Erickson, no DVD Savant, afirma que The Young Lions é um filme muito mal feito (uma opinião com a qual Julie Kirgo, Lem Dobbs e Nick Redman discordam no comentário do disco Twilight Time), afirmando que Dmytryk nunca se recuperou como cineasta de sua experiência como um dos Dez de Hollywood (acusados de comunismo) e sua subsequente retratação e acusação de nomes. Certamente, antes dessa experiência, ele tinha sido um trabalhador de estúdio eficiente que ocasionalmente transcendia as limitações do material de filme B - e fez vários notáveis films noirs - enquanto depois ele tendia a fazer filmes de "prestígio" um tanto inchados como este e seu predecessor imediato Raintree County (A Árvore da Vida, 1957), finalmente afundando nas embaraçosas profundezas de Bluebeard (Barba Azul, 1972). Não há muita personalidade de direção em Os Deuses Vencidos e uma rápida comparação com outro épico de cinco anos depois, The Victors (Os Vitoriosos, 1963) de Carl Foreman, parece indicar que Dmytryk realmente não tinha nenhuma convicção pessoal sobre o material aqui. Embora o filme de Foreman seja igualmente inchado, e certamente falho, ele é carregado e dado estatura pela paixão de Foreman pelo material.

A Noite dos Generais (Anatole Litvak, 1967)

O Major Grau (Omas Sharif) confronta alegremente os generais que ele suspeita de assassinato.

A Noite dos Generais (The Night of the Generals, 1967), e também recém-lançado em Blu-ray pela Twilight Time) de Anatole Litvak foi baseado em um romance de Hans Hellmut Kirst. Kirst havia sido oficial do exército alemão e um nazista, embora depois da guerra afirmasse não saber dos "excessos" do partido. A partir de 1950, ele estabeleceu uma carreira de sucesso como romancista, escrevendo vários livros sobre a vida sob os nazistas e durante a guerra, muitos com uma tendência satírica. O roteiro de Night of the Generals foi co-escrito por Paul Dehn (cujo trabalho variou de Seven Days to Noon a Goldfinger, de The Spy Who Came In From the Cold para as quatros sequências de O Planeta dos Macacos) e o romancista Joseph Kessel (cuja livros incluem Belle de Jour e Army of Shadows) e mostra algumas das fraquezas familiares que caracterizam muitas das grandes produções multinacionais dos anos 60, nas quais a logística às vezes superou a criatividade. No entanto, The Night of the Generals, embora um tanto vagaroso, é um filme mais interessante do que The Young Lions, estruturado como três narrativas paralelas ambientadas durante a guerra e nos anos 1960. Ao contrário de The Young Lions, este filme consegue integrar os vários elementos para que todos eles se conectem tematicamente.

Anatole Litvak, nascido na Ucrânia em 1902, teve uma carreira interessante. Tendo testemunhado a Revolução Russa, ele ingressou na indústria cinematográfica em Leningrado antes de emigrar para a Alemanha em 1925, onde editou o Pabst’s Joyless Street e começou a dirigir alguns anos antes dos nazistas tomarem o poder. Em meados dos anos 30, mudou-se para Paris, onde seu sucesso internacional com Mayerling em 1936 o levou a um contrato com a Warner Brothers e uma mudança para Hollywood, onde fez comédias, dramas e, eventualmente, documentários de guerra. Após a guerra, ele foi dirigiu The Snake Pit (Na Cova da Serpente) e Sorry, Wrong Number (Uma Vida Por um Fio) em 1948, recebendo indicações para Olivia De Havilland e Barbara Stanwyck ao Oscar; oito anos depois, ele ajudou Ingrid Bergman a ganhar o prêmio pelo papel principal em Anastasia (Anastácia, a Princesa Esquecida, 1956). O trabalho de Litvak exibe sofisticação e ecletismo apropriados à sua formação, mas talvez suas melhores qualidades - incluindo um relacionamento com atrizes principais - não fossem realmente chamadas para seu penúltimo filme, A Noite dos Generais, que tem uma certa impessoalidade em comum às produções multinacionais da época.

Generais Kahlenberge (Donald Pleasence), Tanz (Peter O’Toole) e von Seidlitz-Gabler (Charles Gray).

A extensa narrativa do filme começa em Varsóvia em 1942 com o assassinato brutal de uma prostituta. O Major Grau (Omar Sharif), um policial militar, inicialmente não se interessa... até que uma testemunha afirma que o suposto assassino estava vestindo o uniforme de um general alemão. Este fato estimula Grau a iniciar uma investigação que é ressentida por seus superiores. No meio de uma guerra brutal, por que esse assassinato importa? O senso de justiça e ordem de Grau o leva a perseguir o assassino, que pode ser um dos três homens: o politicamente escorregadio General von Seidlitz-Gabler (Charles Gray), o sorrateiro General Kahlenberge (Donald Pleasence) ou a estrela em ascensão General Tanz (Peter O 'Toole).O mistério é bastante óbvio por causa do elenco e da qualidade das performances - O'Toole é mais neuroticamente intenso a partir do momento em que entra na tela, obviamente um homem com apetites desagradáveis e um amor pela guerra e violência. A brutalização sexual de prostitutas é apenas uma forma mais pessoalmente satisfatória do massacre em grande escala no qual ele se deleita.

Mas, embora isso seja óbvio, o interesse do filme reside nas complexidades narrativas maiores que têm os outros dois generais envolvidos na trama de 1944 para assassinar Hitler - Kahlenberge muito profundamente, von Seidlitz-Gabler com menos comprometimento. Dois anos após o primeiro assassinato, Grau, agora em Paris, se depara com um caso idêntico, com os três generais mais uma vez nas proximidades. Reabrindo sua investigação, ele chega inadvertidamente perto de expor o plano de assassinato, enquanto as consequências dessa tentativa derrotam Grau no momento em que ele tenta fazer uma prisão, permitindo que Tanz se safe de seus crimes pessoais. As ironias da narrativa são bastante densas - a importância de uma única morte no meio de uma guerra que matou dezenas de milhões; a tentativa fracassada de pôr fim a essa guerra, permitindo que um assassino escape da justiça...

O terceiro fio da história envolve o policial francês Inspetor Morand (Philippe Noiret), que fez amizade com Grau na Paris Ocupada, reconhecendo no oficial alemão um homem que compartilhava de seu próprio senso de justiça. Quando, em meados dos anos 60, um assassinato semelhante de uma prostituta ocorre logo após Tanz ser libertado da prisão, onde estava cumprindo pena por seus crimes de guerra, Morand, agora um agente da Interpol, vai a uma reunião do antigo regimento de Tanz onde o idoso general é o convidado de honra. Morand aqui consegue concluir a investigação deixada inacabada em 1944 pela morte de Grau.

Tanz observa suas tropas quando chega a notícia da tentativa de assassinato de Hitler.

Até certo ponto, a narrativa de fundo - a trama e politicagem dos generais, a tentativa de assassinato e assim por diante - é mais interessante do que a história do crime um tanto superficial, e o filme seria muito mais forte se o elemento de mistério fosse mais eficazmente desenvolvido para criar algum suspense genuíno paralelo ao suspense que surge da tentativa de assassinato. Com mais ênfase nessa tentativa, a posição de Grau como “o bom alemão”, seguindo sua consciência mesmo no violento caos da guerra, parece menos a do protagonista do filme do que de um personagem meramente coadjuvante, efeito ampliado por sua ausência da conclusão da história. Além disso, seu foco nos crimes individuais cometidos por Tanz talvez inadvertidamente sugira que, no contexto da guerra e dos maiores crimes nazistas, um homem decente seria incapaz de afetar eventos maiores, que a decência em si é no final ineficaz (não há nenhuma sugestão de que o complô dos generais contra Hitler tenha algo a ver com decência: é antes uma questão de política e interesse próprio, um reconhecimento de que se a Alemanha deve sobreviver de alguma forma, o louco deve ser removido antes que a destruição se torne completa).

Nem Os Deuses Vencidos e nem A Noite dos Generais são totalmente bem-sucedidos, mas o filme de Litvak oferece um tratamento mais nuançado e honesto de seus personagens alemães e dá menos desculpas para o papel de seu "bom alemão" dentro de sua estrutura narrativa. O apelo pela decência de Diestl no filme de Dmytryk é ingênuo na melhor das hipóteses, mais provavelmente simplesmente desonesto, permitindo que sua estrela Marlon Brando pareça simpática sem complicações para confundir o público.

Ambos os Blu-rays da Twilight Time fornecem excelentes transferências, mas é uma pena que um comentário tenha sido fornecido apenas para o filme mais enfadonho.

Esse comentário é amplo e discursivo, cobrindo a literatura que saiu da guerra e o tratamento daqueles grandes romances de Hollywood, mas também abordando a caça às bruxas comunista do final dos anos 40 e início dos anos 50, o papel de Dmytryk como um dos Dez de Hollywood que, após serem mandados para a prisão, não apenas retrataram e entregaram nomes, mas também inventaram acusações contra outros na indústria cinematográfica. Enquanto Glenn Erickson vê seu trabalho subsequente como o de um homem derrotado que perdeu sua integridade, Kirgo, Dobbs e Redman vêem o oposto: um homem atormentado, que continuamente trabalhava seu próprio sentimento de culpa por meio de seus filmes. Estranhamente, embora todos os três concordem no início que Os Deuses Vencidos é um melodrama impressionante (Kirgo começa dizendo "Eu amo este filme"), eles passam muito tempo discutindo erros no elenco, fraquezas no roteiro de Anhalt e algumas das encenações de Dmytryk , e até mesmo as falhas do romance original (e seu gênero). No final da faixa, achei bastante difícil entender seu entusiasmo inicial pelo filme.

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