segunda-feira, 12 de abril de 2021

GALERIA: Mulas ou Blindados?


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 12 de abril de 2021.

Esta segunda feira, a conta oficial do Exército alemão (Heer) publicou fotos no Twitter com a pergunta "#MuliMonday ou #MarderMonday?" com fotos mostrando mulas de transporte e transportadores Marder.




A discussão é antiga, desde o fim da Primeira Guerra Mundial. Os cavalos e mulas, assim como outros animais de carga tal como camelos, podem se deslocar por terrenos mais acidentados onde veículos teriam dificuldade ou seria impossibilitados completamente de trafegar. Em um primeiro momento essa discussão girava em razão dos motores serem muito fracos, e isso dava aos veículos pouquíssima autonomia. Hoje existe também a questão da comodidade e do preço de operação dos animais em oposição aos veículos. Eventualmente, motores mais fortes forneceram maior autonomia aos veículos (blindados e caminhões) e os animais de tração foram colocados no plano de fundo da "imagem" das operações, especialmente em filmes de propaganda; mesmo com eles ainda respondendo por 80% da logística orgânica das unidades alemãs na Segunda Guerra Mundial.

A postagem gerou alguns memes e um comentaristas chamado Göran B. respondeu com uma foto de uma mula mecânica dizendo "Que tal algo novo como segunda-feira muli, mas inovador??".

Bibliografia recomendada:

Storm of Steel:
The Development of Armor Doctrine in Germany and the Soviet Union, 1919-1939.
Mary R. Habeck.

Leitura recomendada:

Entre Tradição e Evolução: Caçadores Alpinos usando mulas no combate de montanha no século XXI27 de outubro de 2020.

sexta-feira, 9 de abril de 2021

GALERIA: Motoristas de ambulância voluntárias em Rivoli

Enfermeira motorista prepara uma maca, Rivoli, Argélia, outubro de 1943.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 9 de abril de 2021.

Instaladas em um acampamento em Rivoli, a sudeste de Mostaganem, na Argélia, as motoristas voluntárias da 531ª Companhia de Transporte Médico (531e Compagnie Sanitaire de Transport, 531e CST) cuidam de suas ocupações. Algumas estão se preparando para a partida em uma missão, outros, retornando de sua missão, estão ocupadas fazendo a manutenção de seus veículos, ambulâncias Dodge WC 54 (lubrificação, enchimento de pneus, troca de rodas, reabastecimento de combustível). Seu cotidiano é ilustrado por refeições, confecção de roupas e descanso.

Seu recrutamento é principalmente feminino. As voluntárias, apelidadas de "chaufferettes", além da formação como motorista, receberam formação médica sancionada com a concessão de diploma de ambulância que os autoriza a usar a insígnia da Cruz Vermelha. O símbolo da unidade é um Pato Donald representado como um socorrista para marcar a missão de saúde. A companhia é composta por quatro seções de 20 ambulâncias Dodge e comandada pelo Capitão Abdon Monsang.

Criada em fevereiro de 1943 na região de Orã, a companhia dependia do 27º Esquadrão de Logística (27e escadron du Train) e combatia dentro da CEF (Corpo Expedicionário Francês) então do 1º Exército, e serviria na campanha da Itália. As motoristas-enfermeiras seriam apelidadas de "Rochambettes" e de "Marinettes" (caso fossem da marinha).

Distintivo da 531e CST com o Pato Donald.

Duas voluntárias com suas bonecas mascotes.

Vista geral do acampamento da 531ª em Rivoli, na Argélia, outubro de 1943.
As ambulâncias Dodge WC 54 estão organizados em ordem de saída para um exercício noturno. Esse tipo de ambulância, a mais utilizada em todo o conflito, pode transportar quatro feridos deitados em macas ou seis sentados.

Uma motorista voluntária garante a manutenção dos veículos.

Posando e com graxa no rosto, uma motorista se limpa com ajuda do retrovisor após uma sessão de lubrificação do veículo. Na porta da ambulância está a insígnia da companhia, um Pato Donald socorrista.

Duas motoristas voluntárias conduzem a manutenção das ambulâncias.

Duas voluntárias ao volante após um exercício. Os capacetes M26 Adrian possuem a insígnia das tropas coloniais, contendo uma âncora.

“Enquanto uma equipe da companhia de transporte médico se prepara para o exercício e carrega as macas da ambulância, os camaradas do acantonamento tricotam, remendam”, diz a legenda original. No quintal de uma fazenda perto de Rivoli, a sudeste de Mostaganem, outras motoristas penduram roupas ou preparam seus equipamentos com seus colegas homens. Na entrada da fazenda, está pintada a insígnia do 28e du Train, esquadrão de Orã.

Uma motorista da 531ª Companhia de Transporte Médico realiza "a tarefa de reabastecer antes da manobra". Ela está vestida com as uniformes de combate regulamentares: casquete (boné de polícia) americano com cruz de metal vermelha, camisa de sarja com gravata cáqui, braçadeira com cruz vermelha e insígnia de motorista em feltro preto passando pela abertura do ombro esquerdo, calças de malha, polainas de lona e borzeguins.

Uma motorista voluntária da 531ª Companhia de Transporte Médico dirigindo uma ambulância Dodge. No painel, o mascote da companhia.

Bibliografia recomendada:

A Mulher Militar:
Das origens aos nossos dias.
Raymond Caire.

Leitura recomendada:

GALERIA: A 2ª Divisão Blindada em direção a Estrasburgo

Carros M4 Sherman do 501e RCC nos subúrbios de Estrasburgo, 23 de novembro de 1944.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de abril de 2021.

Na manhã de 23 de novembro de 1944, os tanques do 501º RCC (Régiment de Chars de CombatRegimento de Carros de Combate) precipitaram-se no nevoeiro. Às 9h, as tropas chegaram aos subúrbios ao norte e ao cinturão oeste dos fortes da cidade, mas as valas antitanques cavadas pela população retardaram o avanço dos tanques da 2ª Divisão Blindada (2e Division Blindée, 2e DB do General Leclerc) que não possuía infantaria no momento. O mau tempo transformara os campos em um atoleiro onde os tanques não podiam manobrar.

O juramente de Leclerc feito em Kufra de ver a bandeira tricolor francesa tremulando na Catedral de Estrasburgo estava cumprido. A 2e DB hasteou a tricolor francesa livre sobre a catedral de Estrasburgo às 14:30h.

A reportagem do ECPAD apresenta os veículos blindados da 1ª e 4ª companhias do 501e RCC equipados com os M3A3 Stuart (canhão de 37,2mm) e Sherman M4A3 (canhão de 76 e 75mm). O repórter, identificado apenas como Raphel, concentra-se em dois tanques, o M3A3 Stuart "Valmy" da 1ª seção da 4ª companhia, e o Sherman M4A3 “Medenine II” da 2ª seção da 1ª companhia do 501e RCC. Os dois tanques estão carregados de infantaria, cada infante extremamente necessário na situação.

Carregado de infantaria, M4A3 Sherman "Medenine II" do 501e RCC avança em direção a Estrasburgo.

No nevoeiro da manhã, o Sherman M4A3 "Medenine II" e o Stuart M3A3 "Valmy" do 501e RCC na estrada para Starsbourg.

A lateral do M4A3 Sherman "Medenine II" mostrando a divisa da 2ª Divisão Blindada do General Leclerc.

A memória coletiva alemã da batalha é um pouco mais sombria. No livro A Batalha das Ardenas: A cartada final de Hitler (Ardennes 1944: Hitler's Last Gamble), sir Antony Beevor afirma que a Batalha de Estrasburgo foi um dos "episódios mais inglórios" da história militar alemã, com um colapso da defesa da Wehrmacht que foi prematuro e ignominioso. Foi acelerado pelo pânico da liderança nazista, já que muitos oficiais fugiram antes do ataque dos Aliados. Isso levou a uma desmoralização geral das forças terrestres do Heer, Waffen-SS e Luftwaffe, bem como a um colapso da disciplina. Ele afirma:

"Os SS saquearam Estrasburgo antes de se retirarem. De acordo com um general que defendia a cidade, os soldados ordenados a 'lutarem até a última bala' tendiam a jogar fora a maior parte de sua munição antes da batalha, para que pudessem alegar que haviam acabado. O Generalmajor Vaterrodt, o comandante (Heer), estava desdenhoso sobre o comportamento de oficiais superiores e oficiais do Partido Nazista. 'Estou surpreso que Himmler não tenha enforcado ninguém em Estrasburgo', disse ele a outros oficiais depois de ter sido capturado. 'Todo mundo fugiu, Kreisleiter, Ortsgruppenleiter, as autoridades municipais, o prefeito e o vice-prefeito, todos eles fugiram, funcionários do governo - todos fugiram....'"

O Magistrado Chefe, nascido na Alsácia, também fugiu para a Alemanha a pé com uma mochila - já que havia assinado muitas sentenças de morte e colaborado com o sistema de ocupação alemão e era um homem marcado.

O blindado leve Stuart M3A3 "Valmy" da 1ª seção da 4ª companhia na estrada para Estrasburgo.

O Tenente Nanterre, comandante da 4ª companhia, apresenta o galhardete do 501e RCC da 2ª Divisão Blindada à frente do Stuart M3A3 "Valmy".

O "Valmy" e o “Medenine II” na estrada coberta pelo nevoeiro.

O Sherman M4A3 "Medenine II" do 501e RCC da 2ª Divisão Blindada nos subúrbios de Estrasburgo durante a luta pela libertação da cidade.

O "Medenine II" em meio à arquitetura medieval de Estrasburgo.

A rápida libertação de Estrasburgo pela 2ª Divisão Blindada do General Leclerc produziu uma torrente de alegria na nação francesa recém-libertada e foi uma vitória extremamente simbólica para o povo francês e os Aliados ocidentais em geral. Leclerc era muito respeitado e apreciado por seus contemporâneos americanos, ao contrário de alguns outros comandantes franceses. A libertação da cidade e a tricolor erguida sobre a catedral foram considerados o último grande objetivo da Libertação da França.


Operação Nordwind


Em janeiro de 1945, os alemães lançaram a Operação Nordwind (Vento do Norte) e declararam pela rádio de Berlim que a suástica estaria tremulando novamente na Catedral de Estrasburgo em alguns dias. O General Eisenhower pretendia recuar e abandonar a cidade, mas de Gaulle e os demais oficiais do Exército Francês o convenceram que era possível manter a cidade; o povo estraburguês estava sendo ameaçado de invasão alemã, fugindo na direção oposta, pela quarta vez em duas gerações. Além disso, centenas de milhares de alsacianos seriam submetidos a represálias alemãs. Como uma mulher estraburguesa, identificada como Madame Siegfried, disse em uma entrevista:

"Ter desfrutado de seis semanas de liberdade após três anos de tensão permanente, medo permanente, e acreditar mais uma vez que eles [os alemães] voltariam; estava além das minhas forças. Foi um pânico, um medo verdadeiro como eu nunca soube desde então. Nem os bombardeios, nem qualquer outra coisa, mas ouvir que eles podem voltar! "

Foi então decidido que o 1º Exército Francês defenderia a cidade custasse o que custasse. O General Jean de Lattre de Tassigny declarou à população civil que Estrasburgo "libertada por franceses, será defendida por franceses".

As unidades francesas do 1º Exército lutariam obstinadamente sob o peso de cinco divisões alemãs e não cederiam - mesmo ao ponto de unidades serem virtualmente aniquiladas, como o Batalhão do Taiti (Bataillon du Pacifique), um veterano de Bir Hakeim. Os franceses mantiveram sua posição e o avanço alemão foi interrompido em uma luta desesperada a cerca de 40 quilômetros a oeste de Estrasburgo e a Operação Nordwind se tornou outro desastre para os alemães, com o Heer e Waffen-SS terminando a batalha com preciosas divisões sangradas e batidas. Estrasburgo estava salva e duas semanas depois o Bolsão de Colmar foi liquidado; a guerra entraria então na Alemanha.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:






quarta-feira, 7 de abril de 2021

Turquia, Nagorno-Karabakh e o eixo da Ásia Central

O presidente turco Recep Tayyip Erdogan (esquerda) com Ilham Aliyev, Presidente da República do Azerbaijão no Palácio Presidencial turco. (Foto da assessoria de imprensa do presidente turco por meio do Getty Images)

Por Eugene Chausovsky, Newlines Institute for Strategy and Politics, 19 de março de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 7 de abril de 2021.

Depois de desempenhar um papel crucial no apoio à vitória militar decisiva do Azerbaijão sobre a Armênia no conflito de Nagorno-Karabakh, a Turquia já está consolidando suas conquistas e voltando seu olhar para o leste.

O ministro das Relações Exteriores da Turquia, Mevlut Cavusoglu, recebeu seus homólogos do Azerbaijão e do Turcomenistão em Ancara em 23 de fevereiro para discutir iniciativas de cooperação entre os três países. Cavusoglu disse durante uma conferência de imprensa conjunta que “Estamos prontos para fazer tudo o que depende de nós a fim de entregar gás do Turcomenistão para a Turquia e depois para a Europa”.

O fato da Turquia acompanhar o sucesso militar do Azerbaijão cortejando os recursos energéticos do Turcomenistão não é coincidência. Os ganhos territoriais do Azerbaijão em Nagorno-Karabakh têm o potencial de desbloquear uma série de projetos de infraestrutura e conectividade de energia através do Cáucaso e da Ásia Central, com a Turquia servindo para se beneficiar tanto como destino quanto como estado de trânsito estratégico para tais projetos, enquanto busca um objetivo mais assertivo de política externa em toda a sua periferia. Ancara enfrentará inúmeros desafios para ver esse potencial totalmente materializado, mas o clima geopolítico atual oferece uma oportunidade única de aproveitar seu momento, especialmente porque seus interesses no Cáucaso e na Ásia Central coincidem com os dos EUA.

Uma paisagem geopolítica em mudança

O recente conflito no Nagorno-Karabakh gerou mudanças importantes na paisagem geopolítica da região do Cáucaso e muito mais. Após décadas de negociações inconclusivas após o conflito inicial entre o Azerbaijão e a Armênia de 1988 a 1994, Baku empreendeu uma grande ofensiva militar no final de setembro de 2020 que lhe permitiu recuperar territórios substanciais dentro e ao redor do Nagorno-Karabakh que estavam anteriormente sob controle armênio. A Turquia desempenhou um papel fundamental na vitória do Azerbaijão, fornecendo a Baku apoio político e de segurança significativo, incluindo o uso de drones turcos para virar o jogo e a alegada facilitação de mercenários da guerra civil síria.

Esse papel reforçado da Turquia também se traduziu em uma influência diplomática substancial para Ancara. Embora a Rússia tenha servido como mediadora principal no conflito e negociou o acordo de cessar-fogo que encerrou as hostilidades no início de novembro, fez isso tendo que levar seriamente em consideração os interesses da Turquia. Embora a Rússia tenha ganhado uma posição mais direta na região com o destacamento de 2.000 soldados russos de manutenção da paz, as partes em conflito também concordaram com o estabelecimento de um centro de monitoramento conjunto turco-russo para impor o cessar-fogo. Ancara e Baku também estiveram envolvidos em negociações bilaterais, fora do centro de monitoramento turco-russo, sobre o aumento da presença militar turca no Azerbaijão.

Imediatamente após sua vitória, o Azerbaijão lançou um ambicioso programa de desenvolvimento de infraestrutura para a região. Em uma reunião conjunta em janeiro com o presidente russo Vladimir Putin e o primeiro-ministro armênio Nikol Pashinyan, o presidente azerbaijano Ilham Aliyev anunciou a criação de um grupo de trabalho para planejar projetos econômicos e de infraestrutura em toda a região. Isso inclui a construção de uma nova estrada ligando o Azerbaijão ao seu enclave, Nakhchivan, e posteriormente à Turquia, bem como um novo aeroporto internacional na região de Fizuli.

Para a Turquia, esses projetos são muito bem-vindos, já que o conflito no Nagorno-Karabakh há muito serviu como um impedimento econômico para Ancara. Como parte de seu apoio político ao Azerbaijão no conflito do Nagorno-Karabakh, a Turquia fechou suas fronteiras com a Armênia, com Ancara condicionando a retomada das relações diplomáticas e laços comerciais à cessão de território de Yerevan para Baku. O comércio da Turquia com o Azerbaijão, portanto, passou principalmente pela Geórgia, que serve como o único estado de trânsito para projetos de energia cruciais, como o oleoduto BTC e o gasoduto BTE de gás natural como parte da rota do "Corredor Sul". Agora, a inclusão do Nagorno-Karabakh e da Armênia em projetos de infraestrutura e trânsito poderia desbloquear um potencial econômico significativo para a Turquia no Cáucaso.

Mas as ambições da Turquia não param por aí. Uma maior abertura do Cáucaso também abre as portas do Mar Cáspio para a Ásia Central, que tem volumes de energia significativamente maiores do que o Azerbaijão. O Turcomenistão é particularmente atraente para a Turquia nesse aspecto, detendo a quarta maior reserva de gás natural do mundo. O Turcomenistão atualmente envia a grande maioria de suas exportações de gás natural para o leste, para a China, com capacidade significativa para enviar quantidades adicionais de seus suprimentos de energia para o oeste, para a Turquia e para a Europa.

Com uma paisagem reconfigurada no Cáucaso e o desenvolvimento de infraestrutura necessária, as exportações de gás natural do Turcomenistão poderiam fornecer uma vantagem econômica significativa para Ancara, permitindo que a Turquia se tornasse um ponto central de conexão entre o Cáucaso, a Ásia Central, a Europa e a bacia do Mediterrâneo. Isso permitiria à Turquia diversificar ainda mais sua dependência energética da Rússia, o que, por sua vez, poderia se traduzir em uma política externa mais encorajada e independente.

"A Turquia pode diversificar ainda mais sua dependência energética da Rússia, o que, por sua vez, pode se traduzir em uma política externa mais encorajada e independente."

Potenciais quebra-molas

Vários fatores podem complicar os grandes planos da Turquia na região. A primeira e mais imediata preocupação é a sustentabilidade do cessar-fogo entre a Armênia e o Azerbaijão. Na sequência do acordo, a situação política na Armênia tornou-se altamente volátil. Pashinyan sofreu pressão significativa de manifestantes e líderes políticos e militares para renunciar e realizar eleições antecipadas - pressão à qual ele finalmente sucumbiu em 18 de março, quando anunciou que as eleições seriam realizadas em 20 de junho. Uma mudança de governo na Armênia poderia levar à retomada de hostilidades e ameaçam qualquer progresso em direção ao desenvolvimento de infra-estrutura na região, embora a presença da Rússia sirva como um freio sobre as principais ações militares de qualquer uma das partes envolvidas.

Outra preocupação é a viabilidade de conectar o fornecimento de gás natural do Turcomenistão ao Azerbaijão através do Mar Cáspio. Embora tal projeto seja relativamente fácil de construir do ponto de vista técnico (exigindo apenas 186 milhas de gasoduto a um custo projetado de menos de US$ 1,8 bilhão), seria um desafio maior do ponto de vista político. De fato, a construção de um gasoduto Trans-Cáspio tem sido discutida por décadas, mas o progresso tem sido bloqueado por disputas legais e marítimas entre os estados do litoral do Mar Cáspio, que incluem Rússia, Irã e Cazaquistão, além do Azerbaijão e Turcomenistão. A Rússia e o Irã estão especialmente irritados com o oleoduto, vendo-o como um rival potencial para suas próprias exportações de energia.

No entanto, muitas bases políticas e jurídicas foram estabelecidas nos últimos anos para resolver disputas entre os estados litorâneos do Mar Cáspio. Um acordo histórico foi alcançado em agosto de 2018, no qual os cinco estados litorâneos assinaram a Convenção sobre a Situação Jurídica do Mar Cáspio, definindo sua situação legal e estabelecendo uma fórmula para dividir seus recursos. Isso permite que os países individuais cheguem a acordos sobre a construção de oleodutos submarinos entre eles, em vez de precisar da aprovação formal de todos os cinco (como uma concessão à Rússia e ao Irã, qualquer presença militar no Mar Cáspio de outros países além dos estados litorâneos foi proibida). Posteriormente, em janeiro deste ano, o Azerbaijão e o Turcomenistão chegaram a seu próprio acordo bilateral permitindo a exploração e o desenvolvimento conjuntos no bloco offshore de Dostluk, no Mar Cáspio.

Além das questões jurídicas e técnicas, a Rússia continua sendo o maior desafio aos planos da Turquia no Cáucaso e na Ásia Central. Moscou ainda é o principal ator em ambas as regiões e tem o poder - seja diplomático ou militar - de agir como um atrapalhador de quaisquer iniciativas importantes tomadas lá. No entanto, a Turquia provou sua capacidade de trabalhar com a Rússia mesmo em teatros contestados, como pode ser visto na cooperação dos países na Síria, apesar de estarem em lados opostos do conflito, e mais recentemente no Nagorno-Karabakh.

"A Turquia provou sua capacidade de trabalhar com a Rússia mesmo em teatros contestados, como pode ser visto na cooperação dos países na Síria, apesar de estarem em lados opostos do conflito, e mais recentemente no Nagorno-Karabakh."

Em parte, isso se deve aos seus próprios laços bilaterais substanciais, com a Turquia servindo como um grande importador de gás natural russo e como um mercado para a venda de armas russas, incluindo os S-400. Mas isso também ocorre porque a Turquia abriu caminho para esses teatros tais como a Líbia nos últimos anos e aumentou seu próprio poder e influência, dando a Moscou pouca escolha a não ser negociar. Neste contexto, a oposição russa a um oleoduto Trans-Cáspio não é mais um obstáculo comprovado para a Turquia, mas sim um desafio para manobrar com cuidado.

O fator americano

Portanto, se a Turquia quiser cumprir seus grandes planos de servir como um ponto focal na integração entre o Cáucaso, a Ásia Central e a Europa, será necessário que Ancara navegue cuidadosamente em torno de inúmeros obstáculos. Um jogador que pode ser de grande ajuda para a Turquia são os Estados Unidos. Embora os EUA não tenham uma presença direta no Cáucaso e na Ásia Central, há importantes interesses sobrepostos com a Turquia nessas regiões e a influência que pode exercer.

Um dos principais interesses compartilhados entre os EUA e a Turquia é o desenvolvimento do Corredor Sul, especialmente quando se trata da esfera energética. Os EUA há muito buscam apoiar projetos que possam permitir que a Europa se diversifique do forte controle de energia da Rússia no continente, servindo como um dos principais financiadores e técnicos dos oleodutos BTC e BTE na década de 1990 e início de 2000. Os EUA podem desempenhar um papel semelhante ao fornecer peso econômico e diplomático para ajudar a Turquia a ver o oleoduto Trans-Cáspio concluído. Os EUA também poderiam ajudar a estabilizar a situação política na Armênia e enfatizar as oportunidades econômicas de integração regional para Yerevan por meio de um influente lobby armênio em Washington.

Da perspectiva americana, apoiar a Turquia em seus esforços não apenas serviria como um freio à influência da Rússia no Cáucaso e na Ásia Central, mas também poderia moderar qualquer alinhamento adicional entre Ancara e Moscou e ajudar a mitigar conflitos futuros no Cáucaso. Assim, embora muitos desafios estejam à frente para a Turquia e os EUA em tais esforços, as mudanças recentes no teatro eurasiano oferecem oportunidades substanciais para ambos os países que são difíceis de ignorar.

Eugene Chausovsky é um membro não-residente do Newlines Institute. Anteriormente, ele atuou como Analista Sênior da Eurásia na Stratfor por 10 anos. Seu trabalho se concentra em questões políticas, econômicas e de segurança pertencentes à ex-União Soviética, Europa e América Latina. Ele tweeta em @EugeneChausovsk.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

VÍDEO: Lugers da ocupação francesa em 1945


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 7 de abril de 2021.

A Alemanha Nazista derrotada foi ocupada pelos quatro vencedores principais, com quatro zonas de ocupação: soviética, americana, britânica e francesa. A zona de ocupação francesa continha recursos como arquivos de fotos da Wehrmacht, material nuclear para a planejada bomba atômica alemã (material este que foi cedido aos americanos para o bombardeio à Nagasaki) e, mais relevante para o vídeo, a fábrica da Mauser em Oberndorf - capturada quase intacta pelo 9e Régiment de Chasseurs d'Afrique em 20 de abril de 1945.

Zonas de ocupação de 1948 a 1949.

Zonas de ocupação em Berlim. Ao lado, o distintivo das forças francesas em Berlim.

A fábrica da Mauser também tinha novos protótipos, como os do Sturmgewehr 45(M) (StG-45(M), o "M" sendo de Mauser) de estampagem, mas esses foram evacuados pelos alemães para a Áustria, onde foram capturados pelos aliados. Essa epopéia gerou, entre outros, o protótipo CEAM Modèle 50/B, e os fuzis CETME e HK G3 (além do sistema de trancamento por roletes do SIG 510).

O enorme complexo da Mauser continha pilhas e pilhas de armas acabadas e de peças, tanto da Luger P08 quanto de pistolas Walther P38 e fuzis Mauser Kar 98k, mas, principalmente, o ferramental para a produção dessas armas. Os franceses então produziram 48 mil fuzis Kar 98k, 35 mil pistolas P38 e 3.500 pistolas Luger P08 para uso das forças francesas (modelos de Luger também foram fabricados para o comércio privado). Inicialmente com águias nazistas na lateral da corrediça - por serem peças pré-existentes - as novas fabricações continham uma estrela.

Os estoques de peças da Mauser continham pouquíssimos carregadores, então os franceses fabricaram 10 mil novos carregadores no arsenal de Levallois, uma média de 3 carregadores por pistola, com um suprimento de dois carregadores por pistola (1 em reserva). Para facilitar o emprego do armamento, 5 mil manuais franceses da Luger foram impressos entre 1950 e 1951.

Estrela na corrediça.

A Luger francesa tinha placas de empunhadura de alumínio fundido e era acabada com uma cor cinza-azulada, apelidada de "cinza fantasma", tal qual nas P38 francesas.

Essas pistolas Luger viram uso extensivo nas guerras da Indochina e Argélia, saindo de serviço de primeira linha em 1953 em favor das pistolas MAC Modèle 1950. As Luger foram então transferidas para a Gendarmerie Nationale, para o novo Exército Austríaco e para estoques de reserva do Exército Francês até os anos 1970.

Essa produção supria um exército em necessidade de recriação, tanto na França quanto na ocupação da Alemanha e na reocupação da então Indochina Francesa. Uma França se reerguendo e se reafirmando como uma potência mundial ainda utilizou essa produção para empregar e reter especialistas de armamento franceses e alemães. Em 1948, os soviéticos protestaram a produção francesa alegando que a produção de armas na Alemanha violava os acordos aliados do tempo de guerra, sendo explicitamente proibido. Ora, os soviéticos tomaram as fábricas e levaram todo o ferramental para a União Soviética e continuaram produzindo por décadas com as máquinas e especialistas "voluntários" alemães. Mas ainda assim os franceses já haviam cessado a produção na Alemanha há tempos, e então os franceses retiraram tudo de utilizável da fábrica e destruíram o prédio no final de 1948.

Rádio-operador do 1er BEP em combate na Rota Colonial 6, no Tonquim, em 1952.
Ele tem uma Luger no coldre.

Bibliografia recomendada:

The Luger.
Neil Grant.

Leitura recomendada:

terça-feira, 6 de abril de 2021

Por que o Leclerc continuará sendo um dos melhores tanques do mundo


Por Michel Cabirol, La Tribune, 6 de abril de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 6 de abril de 2021.

O Ministério das Forças Armadas assinou um contrato no valor de mais de 1 bilhão de euros para a manutenção em estado operacional do Leclerc. Este contrato permitiria ao tanque francês atingir uma disponibilidade de 70%.

É um pouco como "Golden hello" de Nicolas Chamussy. No dia de sua chegada à chefia da Nexter - 1º de abril -, o Ministério das Forças Armadas saudou a assinatura de um importante contrato de MCO (Maintien en condition opérationnelle/Manutenção em condição operacional) para o tanque de batalha Leclerc, denominado Mercado de Apoio em serviço (Marché de soutien en service, MSS2). Neste contexto, a SIMMT (Structure intégrée du maintien en condition opérationnelle des matériels terrestres/Estrutura integrada para a manutenção em estado operacional de equipamentos terrestres) notificou a Nexter de um contrato de valor superior a 1 bilhão de euros para o MCO de Leclerc e seu reparador por um período de dez anos. O contrato entrou em vigor em 31 de março, dia em que terminou o contrato MSS1 anterior. “A longevidade do tanque Leclerc está assegurada”, garantiu o ministério em nota à imprensa.

A partir de 2025, o objetivo é atingir o teto de 30.000 horas-motor por ano para a frota de tanques de batalha Leclerc.

Este contrato vai garantir “um aumento da disponibilidade de tanques Leclerc”, avaliou o ministério. Assim, permitirá uma melhoria bastante significativa na disponibilidade do tanque Leclerc, que hoje está em torno de 60% (58% em 2018, 64% em 2017). A disponibilidade de tanques de guerra no mundo, que são bem mantidos, gira em torno de 60%. De acordo com nossas informações, o contrato MCO permitiria gradualmente que a disponibilidade do Leclerc fosse alcançada em até 70%. Apesar da idade (quase 30 anos), o Leclerc ainda impressiona e continua sendo um dos melhores tanques do mundo. Em 2019, durante o exercício da OTAN Iron Spear, realizado na Letônia, ele terminou em primeiro lugar nesta competição amistosa, que reuniu 44 tripulações de tanques, representando 8 países (Alemanha, Espanha, Estados Unidos, Itália, Noruega, Polônia, Reino Unido e França).


Dobrando o número de peças cobertas

As negociações entre a SIMMT, a Direção-Geral de Armamentos (Direction générale de l'armement, DGA) e Nexter arrastaram-se. Tanto que alguns observadores questionaram se os negociadores conseguiriam chegar a um acordo a tempo antes do fim do mercado MSS1. Por que tão demorado? A Nexter teve que negociar em paralelo com a SIMMT por um lado, e por outro lado com a DGA os termos dos dois contratos (MCO e tratamento de obsolescências do tanque). O Exército também teve que fazer novas demandas importantes em relação ao MSS1. E, finalmente, a Ministra das Forças Armadas, Florence Parly, pôde dar seu consentimento em fevereiro, durante uma comissão ministerial de investimentos (comité ministériel d'investissement, CMI), para a notificação deste importante contrato em termos de capacidade para o Exército.

Como sempre, as negociações tropeçaram no valor do contrato. A Nexter e a SIMMT começaram de muito, muito longe. No início das negociações, a Nexter solicitou ao ministério uma extensão de 40% em relação ao contrato MSS1 para atender às novas demandas do Exército, segundo fontes corroborantes. Em particular, o de apoiar a nova visão do Chefe do Estado-Maior do Exército, General Thierry Burkhard, que deseja preparar as forças terrestres francesas para combates de alta intensidade (treinamento, exercícios, etc.). Isso implica, em particular, aumentar os estoques de peças de reposição. No entanto, o nível da primeira proposta comercial da Nexter ainda precisa ser avaliado, tendo em vista que o escopo dos dois contratos de suporte não é totalmente comparável.

“Teria sido necessário comparar o custo do pacote MSS1 e as peças que a SIMMT comprou nos últimos dez anos porque estavam fora do pacote”, explica ao La Tribune.


No final das contas, este contrato, que conta fortemente com a sólida experiência do MSS1 (10 anos), permite ao Exército em particular quase dobrar o número de peças cobertas pelo pacote negociado, de acordo com nossas informações. Assim, se uma peça quebrar 40 ou 50 vezes, a Nexter é obrigada a substituí-la 40 ou 50 vezes pelo mesmo preço que se entregasse apenas uma. Esta disposição inchou o projeto de lei do contrato.

Comparado com àquele do MSS1. No entanto, o contrato MSS2 oferece, em última análise, muito mais serviços do que o MSS1. Por fim, o Exército também continuará comprando peças fora do pacote.

Um contrato revisado para baixo em 2025?


Grande parte da equação para essas negociações complexas emanou da resolução da obsolescência iminente do Leclerc (turbomáquina, motor e mira). Obsolescências que até agora não foram tratadas pelo Ministério das Forças Armadas para um tanque que foi projetado na década de 1980 e colocado em serviço em 1993. Por que tanto atraso no tratamento da obsolescência? Devido aos orçamentos reduzidos da anterior lei de programação militar (loi de programmation militaireLPM).

Perante o constrangimento orçamental da época, o Ministro da Defesa Jean-Yves Le Drian não conseguiu em 2015 integrar o tratamento da obsolescência no quadro do contrato de modernização do tanque, denominado "Leclerc renovado" (330 milhões de euros). “Esta operação de modernização não contemplou a resolução de um determinado número de obsolescências”, frisa. Objetivo desta operação: compatibilizar a vetrônica dos tanques Leclerc modernizados com o programa Scorpion no âmbito do combate colaborativo, e mais precisamente com o Sistema de Informação e Comando Escorpião (Système d'information du combat Scorpion, SICS), desenvolvido pela Atos. Como parte desse contrato de modernização, 200 unidades estão programadas para reforma, incluindo 122 até 2025.

Scorpion: o reforço do grupamento tático interarmas.

Como resultado, a Nexter, que é necessária para garantir dentro da estrutura do contrato MCO um objetivo de desempenho em relação ao Exército, muito logicamente desejou durante as negociações do MSS2 cobrir-se financeiramente, contanto que o problema de obsolescências não fosse resolvido. Porque eles podem causar avarias repetidas e, dentro da estrutura deste contrato fixo, o gerente de projeto pode ser solicitado a trocar peças do tanque com muito mais frequência. O que então explodiria seus custos... Daí o valor do contrato em alta.

No final, SIMMT e Nexter concordaram no momento em um aumento razoável no valor do contrato. Isso é 13% entre MSS1 e MSS2, de acordo com nossas informações. No entanto, o ministério deseja rever o contrato para baixo assim que as obsolescências do Leclerc forem resolvidas. “Em 2025, vamos renegociar para baixo o contrato assim que forem eliminados os principais riscos. Podemos então fazer alterações no contrato para levar em conta essas mudanças”, explica uma fonte a par do dossiê.

Dois mercados

Além do suporte, o tanque Leclerc, que chega à meia-idade (quase 30 anos após o comissionamento), passará por um check-up completo, que no Exército Francês é chamado de operação de sustentabilidade. Ela dirá respeito ao tratamento das obsolescências do motor diesel do industrial finlandês Wärtsilä, bem como da turbo-máquina (turbina a gás da antiga Turbomeca) e do visor de Safran. A Wärtsilä sabe exatamente o que precisa para reconstruir o motor do Leclerc, que envelheceu desde que entrou em serviço. Além desses três grandes projetos, a Nexter como contratante principal também terá que lidar com um certo número de pequenas obsolescências muito mais comuns, incluindo subsistemas optrônicos. No contrato, também está escrita uma cláusula de velhice das obsolescências.

No MCO, a SIMMT e a Nexter, que poderão contar com uma base mínima de atividades, negociaram um preço fixo para um determinado número de operações de suporte. Assim, o grupo terá inicialmente de garantir, por exemplo, uma disponibilidade de 10.000 a 20.000 horas-motor por ano para a frota Leclerc do Exército. Este decidirá a cada ano o que precisa em relação às suas atividades (10.000, 11.000, 12.000...) mas poderá decidir durante o ano aumentar o número de horas em caso de uma necessidade muito rápida do Exército. A partir de 2025, a meta é chegar ao teto de 30 mil horas-motor, destaca uma fonte próxima ao arquivo. Ou um volante de horas entre 10.000 e 30.000 horas.


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