terça-feira, 22 de julho de 2025

Direito Romano, Ditadura e o Brasil


Da página História militar e Estratégia, no Twitter, em 22 de julho de 2025.

Como a República Romana aponta para o prosseguimento da escalada autoritária do Judiciário brasileiro.

Hoje, Roma é frequentemente lembrada como um Império. Contudo, antes de César Augusto, o 1º Imperador de Roma, a cidade já era capital do poder dominante no Mediterrâneo.

Com efeito, entre 509 e 27 a.C. Roma foi uma república com instituições peculiares, muitas das quais influenciaram o Ocidente e seguem sendo replicadas ao redor do mundo.

O arcabouço institucional era complexo, uma mescla de Monarquia, Aristocracia e Democracia.
Mas o que isso tem a ver com o Brasil de 2025?


Para este ensaio, nos ateremos ao caráter monárquico da SPQR, nome oficial da República Romana (Senatus Populusque Romanus, ou O Senado e o Povo de Roma).

Esse caráter monárquico estava investido em seus dois principais magistrados, os Cônsules.
Estes eram eleitos pela Assembleia Popular, que funcionava como uma espécie de Câmara Baixa do Legislativo romano e tinham mandatos fixos de um ano, além de poder de veto sobre as decisões do outro Cônsul.

Contudo, os Cônsules deviam atuar em estrita obediência à Lei e, em casos excepcionais, não detinham os meios necessários à resolução de um determinado problema, como guerra civil, invasão externa ou revoltas nas províncias.

Existiam dois meios para isso:

  • Senatus consultum ultimum

Este decreto consistia em uma declaração formal de apoio para que os cônsules ou outro oficial romano ignorassem a Lei (que continuava em vigor) a fim de resolver uma ameaça à segurança do Estado.
Os cônsules precisavam responder por seus atos após a resolução do conflito em questão e poderiam ser processados por qualquer cidadão romano que se achasse prejudicado. Deviam, inclusive, responder como simples cidadãos, recebendo o apoio do Senado apenas caso suas ações fossem consideradas justificadas pelos senadores.
Repare que, embora o magistrado tivesse o apoio do Senado na execução das medidas, se abusasse da autoridade de forma injustificada, corria o risco de ser condenado. Desnecessário dizer que isso forçava a autolimitação do poder concedido emergencialmente.

  • Dictator

Ditador já era um cargo formal na República romana, dotado de autoridade suprema e por tempo delimitado (geralmente limitado a seis meses). Ele ficava acima dos Cônsules e estava sujeito apenas a uma supervisão limitada do Senado durante seu mandato.
Ao contrário do item anterior, o ditador detinha poderes amplos que se estendiam a todo o mundo romano.
Porém, era esperado que ele renunciasse a seu cargo assim que a ameaça fosse eliminada e seu julgamento após a renúncia era menos comum.

Mas e o Brasil, onde entra nessa história?


Todo esse apanhado histórico foi para, finalmente, chegarmos ao Brasil e a situação atual da República.

Foi amplamente defendido na mídia e até mesmo alguns atores políticos que o Brasil enfrentou (ou ainda enfrenta) uma situação de emergência, com o Estado sob ameaça, desde 2019.

Foi a partir de então que começou a expansão sistemática dos poderes judiciários, com muitas ações não respaldadas por precedentes do próprio Poder Judiciário nem previstas na legislação brasileira.

Isso ocorre, em parte, porque os mecanismos legais previstos na Constituição Federal, como Lei Marcial ou Estado de Sítio, envolvem intenso escrutínio do Congresso e são extremamente difíceis de aprovar. Só que existe um problema-chave: ao contrário dos ditadores romanos, os magistrados brasileiros não possuem mandato temporário nem tarefa específica ao exercerem seus poderes extraordinários. Além disso, não estão sujeitos a responsabilização posterior por suas ações durante a suposta emergência. Para piorar esse poder foi autoconcedido. Isso gera incentivos perversos: mesmo que essas ações sejam justificáveis (e aqui não estou entrando no mérito), as autoridades com tamanho poder não possuem incentivo à moderação, pois não podem ser responsabilizados, nunca serão processadas como cidadãos comuns. Da mesma forma, não possuem o “mandato emergencial” limitado nem em duração, nem em escopo. É um poder regulado apenas pela consciência. Mas, se tem algo que a experiência e a história nos ensinam é que humanos adoram o poder e dificilmente abrem mão dele. César, afinal, foi proclamado Ditador Perpétuo poucas semanas antes de ser assassinado nos Idos de Março.
Seu herdeiro foi Augusto, o último líder da República de Roma — e o seu primeiro Imperador.