Por Samuel Charap, cientista político sênior da Rand Corporation, e Scott Boston, analista sênior de defesa da Rand Corporation, 21 de janeiro de 2022.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 21 de janeiro de 2022.
Com as forças russas concentradas nas fronteiras da Ucrânia, a discussão política em Washington tem se concentrado cada vez mais no que os Estados Unidos podem fazer para ajudar seus parceiros ucranianos a defender seu país. Apenas nesta semana, o governo Biden aprovou as entregas de mísseis antiaéreos Stinger lançados pelo ombro, fabricados nos EUA, para Kiev, além de aumentar o fornecimento de outros equipamentos militares. Aliados, incluindo o Reino Unido, também estão fornecendo sua própria assistência.
|
Militares ucranianos que participam do conflito armado com separatistas apoiados pela Rússia na região de Donetsk do país participam da cerimônia de entrega de armas e equipamentos militares pesados em Kiev, em 15 de novembro de 2018. (SERGEI SUPINSKY/AFP VIA GETTY IMAGES)
|
A justificação para o auxílio tem variado. Alguns argumentaram que a assistência militar dos EUA à Ucrânia pode mudar o cálculo da Rússia agora, possivelmente impedindo Moscou de lançar um ataque. Outros afirmam que a ajuda aos militares ucranianos pode ter um impacto real em uma possível luta com os russos, tornando significativamente mais desafiador para o Kremlin alcançar a vitória e descartando certas opções militares que a Rússia possa estar considerando. E também há vozes que clamam por capacidades adicionais meramente para aumentar os custos para Moscou – isto é, para matar mais soldados russos – de modo a criar problemas políticos para o presidente Vladimir Putin em casa, embora sem muita expectativa de que a Ucrânia prevaleça.
Nenhum desses argumentos é convincente. Isso não significa que a cooperação de segurança com Kiev deve cessar. Isso significa que a assistência militar não é uma alavanca eficaz para resolver esta crise.
Desde 2014, os Estados Unidos forneceram mais de US$ 2,5 bilhões em ajuda militar à Ucrânia, após a anexação russa da Crimeia e a invasão do Donbass. A assistência dos EUA à Ucrânia incluiu o fornecimento de treinadores, sistemas defensivos selecionados (como radares de contra-morteiro) e, mais recentemente, mísseis antitanque Javelin. Esta assistência visa principalmente melhorar a eficácia ucraniana no conflito relativamente estático contra as forças separatistas apoiadas pela Rússia no Donbass, que estão principalmente armadas com armas portáteis e leves, juntamente com alguma artilharia e blindagem da era soviética.
Crucialmente, no entanto, a Ucrânia não tem lutado principalmente contra as forças armadas da Rússia no Donbass. Sim, a Rússia armou, treinou e liderou as forças separatistas. Mas mesmo pelas próprias estimativas de Kiev, a grande maioria das forças rebeldes consiste de moradores locais – não soldados do exército russo regular. De fato, as forças armadas russas se envolveram diretamente nos combates apenas duas vezes – em agosto-setembro de 2014 e janeiro-fevereiro de 2015 – e com capacidades limitadas, embora ambos os episódios tenham terminado em esmagadoras derrotas ucranianas.
Moscou procurou manter algum véu de negação sobre seu envolvimento no conflito, o que significava que os militares russos nunca usaram mais do que uma pequena fração de suas capacidades contra os ucranianos. Aplicou apenas força suficiente para fazer o trabalho, evitando intervenções prolongadas e evidentes. Uma grande variedade de capacidades russas exclusivas – incluindo sua força aérea e mísseis balísticos e de cruzeiro – não esteve envolvida nos combates, mesmo que tenham sido repetidamente demonstradas em operações de combate na Síria.
A natureza do acúmulo russo relatado sugere que a guerra expandida, se acontecer, será fundamentalmente diferente dos últimos sete anos de impasse latente. A Rússia tem a capacidade de realizar uma operação ofensiva conjunta em larga escala envolvendo dezenas de milhares de pessoas, milhares de veículos blindados e centenas de aeronaves de combate. Provavelmente começaria com ataques aéreos e de mísseis devastadores de forças terrestres, aéreas e navais, atingindo profundamente a Ucrânia para atacar quartéis-generais, aeródromos e pontos de logística. As forças ucranianas começariam o conflito quase cercadas desde o início, com forças russas dispostas ao longo da fronteira leste, forças navais e anfíbias ameaçando do Mar Negro no sul, e o potencial (cada vez mais real) de forças russas adicionais se desdobrando na Bielorrússia e ameaçando pelo norte, onde a fronteira fica a menos de 65 milhas (104,6km) da própria Kiev.
Em suma, esta guerra não se parecerá em nada com o status quo ante do conflito na Ucrânia, e isso mina a primeira justificativa para a ajuda dos EUA: dissuadir a Rússia. As forças armadas ucranianas foram moldadas para combater o conflito no Donbass e, portanto, representam pouca ameaça de dissuasão para a Rússia; o fornecimento de armas americanas não pode fazer nada para mudar isso. Se Moscou está disposta a lançar uma grande guerra, invadindo o segundo maior país da Europa com uma população de mais de 40 milhões, enquanto absorve uma tremenda punição econômica do Ocidente, então é improvável que seja dissuadida por qualquer assistência militar americana que possa ser entregue nas próximas semanas. Os únicos sistemas de armas que poderiam impor custos plausivelmente que poderiam mudar o cálculo da Rússia, como mísseis terra-ar e aeronaves de combate, são aqueles que os Estados Unidos dificilmente forneceriam aos ucranianos. E, independentemente disso, eles não poderiam ser adquiridos, entregues e colocados em operação – para não falar de treinar os operadores ucranianos para usá-los – a tempo de ter um impacto nessa crise. Sistemas grandes e modernos exigem treinamento extensivo e apoio material.
Assim que a dissuasão falhar e uma guerra começar, as forças armadas ucranianas se encontrarão em circunstâncias desesperadoras quase que imediatamente. A Ucrânia não tem forças suficientes para se defender com credibilidade contra todas as possíveis vias de ataque, o que significa que teria que escolher entre defender um conjunto selecionado de pontos fortes fixos – cedendo o controle de outras áreas – ou manobrar para engajar forças russas que os superam em número. A linha de conflito no Donbass será apenas uma das muitas frentes. As fortificações ucranianas ali podem muito bem parecer uma Linha Maginot moderna: preparada para um ataque frontal que pode nunca acontecer e contornada pelas forças móveis de um adversário com aeronaves mais avançadas e forças terrestres mais móveis.
O grande tamanho da Ucrânia significa que as forças terrestres que operam lá serão obrigadas a se deslocarem para cobrir grandes áreas de terreno rural. Os engajamentos móveis beneficiariam as forças russas, que são muito mais bem treinadas e equipadas para conduzir guerras de manobras aéreas e terrestres coordenadas do que seus oponentes ucranianos. Os militares russos praticaram repetidamente o uso de ataques de longo alcance e tiros táticos acionados por drones, bem como outros meios de reconhecimento, tanto em treinamento quanto em operações de combate na Síria. As aeronaves de combate e as defesas aéreas estratégicas da Rússia dão a Moscou muito mais opções para controlar o ar e atacar as forças ucranianas, e a maioria dos pilotos russos tem experiência real recente na Síria. Os militares ucranianos também operam em grande parte armas soviéticas herdadas; as forças russas têm uma profunda familiaridade com as limitações desses sistemas e sabem quais táticas empregar para reduzir ainda mais sua eficácia.
Em suma, o equilíbrio militar entre a Rússia e a Ucrânia está tão desequilibrado a favor de Moscou que qualquer assistência que Washington possa fornecer nas próximas semanas seria amplamente irrelevante para determinar o resultado de um conflito, caso ele comece. As vantagens da Rússia em capacidade e geografia se combinam para representar desafios intransponíveis para as forças ucranianas encarregadas de defender seu país. O segundo argumento a favor da ajuda — mudar o curso da guerra — não se sustenta.
O terceiro argumento para a ajuda é fornecer assistência para permitir que uma insurgência ucraniana imponha custos a uma força de ocupação russa. Muitos têm em mente a analogia histórica aqui da ajuda dos EUA aos mujahideen no Afeganistão após a invasão soviética em 1979. De fato, alguns estão até recomendando fornecer os mesmos mísseis antiaéreos Stinger lançados pelo ombro que atormentavam a força aérea soviética na época.
Se a Rússia tentar uma ocupação de longo prazo de áreas com muitos ucranianos hostis, essas formas de apoio podem, nas margens, complicar as coisas para Moscou. Mas o apoio dos EUA a uma insurgência ucraniana deve ser uma questão de último recurso durante um conflito prolongado, não uma peça central da política antes mesmo de começar. A perspectiva de uma ocupação marginalmente mais cara provavelmente não fará diferença para Moscou se chegar a esse estágio; pois já terá absorvido custos muito mais significativos. Os planejadores russos estão cientes de que muita coisa pode dar errado em uma operação de grande escala, especialmente uma ocupação. Se Putin tomar a decisão de ocupar grandes partes da Ucrânia, não será porque acredita que será fácil ou barato para a Rússia.
Devemos também ter em mente que os custos de uma guerra que dura até o ponto de uma campanha de insurgência na Ucrânia serão arcados desproporcionalmente pelos ucranianos. Nesse estágio do conflito, milhares — ou, mais provavelmente, dezenas de milhares — de ucranianos terão morrido. Por quaisquer sucessos que conseguirem contra os ocupantes russos, os insurgentes ucranianos terão de pagar caro; a experiência da oposição síria ou dos insurgentes chechenos não é algo que os americanos devam desejar a um parceiro próximo como a Ucrânia.
Em tempos normais, há muitas boas razões para os Estados Unidos fornecerem apoio militar à Ucrânia. Mas estes não são tempos normais. A assistência militar agora será, na melhor das hipóteses, marginal para afetar o resultado da crise. Pode ser moralmente justificado ajudar um parceiro dos EUA em risco de agressão. Mas, dada a escala da ameaça potencial à Ucrânia e suas forças, a maneira mais eficaz de Washington ajudar é trabalhar para encontrar uma solução diplomática.