quarta-feira, 30 de junho de 2021

COMENTÁRIO: A Lição Curda


Por Larry Goodson, War Room, 7 de novembro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de junho de 2021.

Abandonar um aliado ou proxy porque eles não atendem mais aos seus interesses pode ser uma boa estratégia, mas isso tem um custo.

O presidente dos EUA, Donald Trump, tem a intenção de retirar as tropas americanas da Síria pelo menos nos últimos 18 meses, com base em repetidos pronunciamentos públicos nesse sentido (por exemplo, em abril de 2018 e dezembro de 2018). Ele finalmente ordenou que as forças americanas se retirassem do nordeste da Síria em 6 de outubro de 2019, após uma conversa por telefone com o presidente turco Recep Tayyip Erdogan. Três dias após este último pronunciamento presidencial, que anunciou a retirada das forças americanas do nordeste da Síria, as tropas turcas e seus aliados da milícia síria cruzaram para a zona curda lá. O presidente Trump foi imediatamente condenado por “abandonar os curdos” de todos os cantos do globo e de todos os lados do sistema político americano. Esta não foi a primeira vez que os Estados Unidos abandonaram os curdos, e os curdos nunca esquecem.

No primeiro dia do ano acadêmico para a classe do US Army War College de 2013, eu separei uma parte dos pontos de ensino planejados e, em vez disso, substituí uma discussão do debate que girava sobre a política dos EUA em relação à Síria na esteira da rebelião que foi crescendo lá. Eu distribuí dois artigos de opinião representando os dois lados da discussão política que então grassava em Washington. Um deles foi “Os riscos da inação na Síria”, de três senadores - John McCain, Joseph I. Lieberman e Lindsey O. Graham - publicado no The Washington Post em 5 de agosto de 2012. 
A outra estava "Combinando realismo e idealismo na Síria e Oriente Médio", do ex-secretário de Estado Henry A. Kissinger, que apareceu no The Washington Post em 3 de agosto de 2012. A ideia era fornecer aos alunos uma amostra do debate sobre uma decisão importante de política externa, a qual seria lugar-comum nos futuros empregos para os quais seu ano no War College visa prepará-los.

Como costuma acontecer, o que aconteceu na sala do seminário não foi exatamente o que eu esperava, mas me deixou com uma lição para toda a vida. Um de meus bolsistas internacionais naquele ano foi um oficial (agora um general) Peshmerga (Forças Curdas Iraquianas). Quando a conversa chegou a ele, ele abanou o artigo de Kissinger e declarou vigorosamente que não iria ler nada do homem que vendeu os curdos em 1975.

Em 1972, Kissinger e o presidente Richard Nixon decidiram, em conjunto com o Irã e Israel, fornecer armas e munições soviéticas aos curdos iraquianos a fim de amarrar o governo iraquiano liderado por árabes com uma rebelião. No entanto, as aspirações curdas por um estado foram frustradas desde a Conferência de Paz de Paris de 1919, deixando os curdos divididos entre o sudeste da Turquia, noroeste do Irã, norte do Iraque e nordeste da Síria. Nenhum desses estados queria um Curdistão independente, então, quando o Acordo de Argel de 1975 resolveu a disputa de fronteira que estava no centro das tensões Irã-Iraque, Kissinger cortou a ajuda da CIA aos curdos, enquanto o Irã e a Turquia fecharam suas fronteiras aos refugiados curdos , que foram deixados para enfrentar os meninos valentões de Saddam Hussein. O jornalista Daniel Schorr relata o que aconteceu a seguir em “Telling It Like It Is: Kissinger and the Kurds” (Christian Science Monitor, 18 de outubro de 1996), dizendo, “[Mustafa] Barzani [o líder curdo] escreveu a Kissinger, 'Vossa Excelência, os Estados Unidos têm uma responsabilidade moral e política para com nosso povo’. Não houve resposta. Em 1975, Kissinger foi questionado perante o Comitê de Inteligência da Câmara como ele poderia justificar essa traição. Ele respondeu: ‘Ação encoberta não deve ser confundida com trabalho missionário’."

Curdos arremessam batatas e frutas podres em veículos americanos se retirando da Síria


A perspectiva ultra-realista de Kissinger (menos de dois anos depois de receber o Prêmio Nobel da Paz de 1973) é incrivelmente empolgante, mas não é a lição que aprendi na aula naquele dia. Em vez disso, é que o comportamento em relação a aliados e proxies (procuradores) é lembrado por muito tempo. Abandonar um aliado ou procurador porque eles não atendem mais aos seus interesses pode ser uma boa estratégia, mas tem um custo. O cálculo desse custo, sem dúvida, deve ocorrer antes de escolher o abandono, mas também deve ser calculado antes de iniciar o caminho em direção à aliança. Em minha experiência (e nos exemplos históricos de que tenho conhecimento), essas avaliações nunca acontecem.

Três custos imediatos óbvios para os Estados Unidos existem neste caso curdo atual, todos os quais já começaram a aparecer. Primeiro, com a retirada dos americanos, as forças curdas sírias tiveram que fazer um acordo com outra pessoa ou enfrentariam a morte. Eles fizeram o movimento mais lógico e permitiram que seu outro inimigo, o governo sírio, entrasse e retomasse a Região Autônoma do Norte e Leste da Síria (Rojava) para evitar que os turcos e seus aliados da milícia sunita árabe (também inimigos dos curdos) engajassem-se em uma limpeza étnica em massa. Assim, o regime sírio finalmente recuperou a vantagem no lado oriental do rio Eufrates, no norte da Síria, depois de mais de sete anos perdendo lá. Esta nova realidade adia indefinidamente os sonhos curdos de autonomia e simultaneamente ilustra a relevância contínua do antigo provérbio do Arthashastra de Kautilya - "o inimigo do meu inimigo é meu amigo." Além disso, como os principais apoiadores internacionais da Síria são a Rússia e o Irã, este acordo coloca dois dos maiores adversários dos Estados Unidos no banco do motorista na Síria, já que a geopolítica - como a natureza - abomina o vácuo. A Rússia e o Irã estão aparentemente alinhados com a Turquia, mas no complexo “Game of Thrones” que é a Guerra da Síria nenhuma aliança é fundada em interesses convergentes, mas apenas representa um casamento de conveniência. Ainda assim, a Turquia não perde com o ganho da Rússia na Síria, já que a Turquia quer principalmente impedir Rojava de florescer ou, pelo menos, ter uma zona tampão povoada por refugiados árabes sírios repatriados da Turquia para separar a área curda da Síria dos curdos da Turquia .

O cálculo desse custo, sem dúvida, deve ocorrer antes de escolher o abandono, mas também deve ser calculado antes de iniciar o caminho em direção à aliança.

Tropas peshmerga nas cercanias de Kirkuk, 2016.

Em segundo lugar, como já foi relatado do campo Ain Issa IDP e provavelmente ocorreu em outros campos de detenção do ISIS dentro ou perto da zona de 30 km que a Turquia está tentando ocupar, os combatentes do ISIS detidos e suas famílias podem ficar em liberdade, revigorando assim as aspirações militares e possivelmente até políticas de um inimigo em grande parte derrotado. Esta é outra consequência negativa de se retirar muito apressadamente de um conflito; na verdade, esta é uma crítica freqüentemente citada à decisão do presidente Barack Obama de retirar as forças americanas do Iraque em 2011, o que contribuiu para o surgimento do ISIS na Síria. Antes da decisão de retirar as forças americanas do nordeste da Síria, o ISIS havia perdido praticamente todo o seu território e visto a maioria de seus combatentes e suas famílias capturados, em grande parte pelas Forças Democráticas Curdas da Síria (SDF). A violenta ideologia islâmica sunita adotada pelo ISIS ainda estava oscilando, no entanto. Agora ele tem uma chance de pegar vida novamente, apesar da morte do líder do ISIS, Abu Bakr Al-Baghdadi, por um ataque das forças de operações especiais americanas em 26 de outubro de 2019.

Combatentes do Peshmerga e do YPG em Kobane, 13 de fevereiro de 2015.

Terceiro, os curdos não são os únicos aliados/procuradores que podem julgar o compromisso americano com base neste evento, especialmente devido à divulgação generalizada da decisão do presidente Trump de suspender a ajuda militar à Ucrânia a fim de pressionar o governo ucraniano a fornecer informações negativas sobre o ex-vice-presidente e possível oponente da eleição presidencial Joe Biden. Esses dois eventos, tomados em conjunto, dão a impressão de que os Estados Unidos não são um aliado muito firme. Dois anos atrás, depois de uma palestra que dei no Royal Jordanian National Defense College no subúrbio de Amã, um dos oficiais-alunos perguntou: “Se os Estados Unidos não estão mais dispostos a liderar, o que devemos nós [significando “pequenos estados árabes”] fazer? A resposta é: se a América quer liderar, ela deve agir como um líder. As grandes potências que lideram alianças têm de ser capazes de absorverem alguma “carona”, como os aliados da OTAN que não pagam todo o seu comprometimento militar; tolerar alguma relutância de aliados instáveis; dar prioridade aos interesses dos aliados, às vezes sobre seus próprios interesses domésticos; e sempre honrar seus próprios compromissos o tempo todo. Uma grande potência que começa a colocar seus próprios interesses à frente de suas responsabilidades está demonstrando que não mais se vê como uma grande potência. Tanto as ideias de "liderar por trás" do presidente Obama e as ideias "América em primeiro lugar" do presidente Trump sugerem uma América que não se sente mais confortável liderando. Além disso, os aliados da América podem considerar outras opções, seja o fascínio sedutor de uma crescente Iniciativa do Cinturão e Rota da China ou a intimidação mais vigorosa da abordagem de guerra híbrida da Rússia em sua vizinhança exterior próxima.

Quatro meses atrás, em uma viagem de pesquisa à Turquia, ficou claro para mim quais eram os planos turcos se o presidente Erdogan pudesse convencer o presidente Trump a abandonar os parceiros curdos da América no norte da Síria. A execução desses planos está agora se desenrolando. A América teve a oportunidade de mostrar sua liderança ao conter a Turquia e fracassou. Ironicamente, de acordo com um comunicado à imprensa do Comando Central dos EUA de outubro de 2014 que anunciou a criação da Operação Inherent Resolve (Determinação Inerente), que estabeleceu a coalizão liderada pelos americanos contra o ISIS, “o nome INHERENT RESOLVE pretende refletir a determinação inabalável e profundo compromisso dos EUA e nações parceiras na região e em todo o mundo para eliminar o grupo terrorista ISIL [agora chamado ISIS] e a ameaça que eles representam para o Iraque, a região e a comunidade internacional em geral.” Tanto a Turquia quanto as forças curdas sírias fazem parte da coalizão, que talvez precise de um novo nome, já que a determinação e o compromisso dos Estados Unidos parecem tão firmes hoje quanto eram na época de Kissinger.


Larry P. Goodson atua como Professor de Estudos do Oriente Médio no US Army War College, onde voltou recentemente após um ano na Universidade de Oxford trabalhando em seu novo livro, “First Great War of the 21st Century:  From Syria to the South China Sea” (Primeira Grande Guerra do Século XXI: Da Síria ao Mar da China Meridional).

Bibliografia recomendada:

Estado Islâmico: Desvendando o exército do terro.
Michael Weiss e Hassan Hassan.

Leitura recomendada:





A Wehrmacht executando o Anschluss da Áustria

Soldados austríacos com uniformes austríacos usando peças sobrepostas da Wehrmacht, Áustria, 1938. O símbolo da República da Áustria ao lado do escudo alemão no capacete, e a águia da Wehrmacht por cima do uniforme ao lado do colarinho e cordões austríacos.

Por Mitch WilliamsonWeapons and Warfare, 13 de novembro de 2015.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de junho de 2021.

O Bundesheer austríaco, consistindo em sete divisões de infantaria, uma brigada independente e uma divisão blindada, era um exército em desenvolvimento em março de 1938. Como tal, enfrentou uma escassez que teria comprometido uma resistência austríaca sustentada por mais de várias semanas. O mais notório deles era a falta de munição de artilharia tanto nas divisões de infantaria quanto no regimento de artilharia independente, o que totalizava aproximadamente um suprimento de dez a doze dias. Isso poderia ter sido estendido por meio da conservação cuidadosa de projéteis, como praticado por todos os exércitos quando com pouca munição; no entanto, depois de esgotada a munição, isto teria um efeito altamente negativo sobre as capacidades defensivas do Bundesheer. O exército austríaco também não era tão bem treinado quanto a Wehrmacht.

O Plano DR (conhecido como Plano Jansa).
Desdobramento do Exército austríaco em 11 de março de 1938.

Embora os regimentos de artilharia do Bundesheer ainda estivessem equipados com um grande número de artilharia antiga da Primeira Guerra Mundial, eles foram modernizados com o uso de novas munições e refinamentos técnicos que, juntos, aumentaram a letalidade e o alcance. O equipamento também foi tornado mais leve para uso no terreno montanhoso da Áustria. Aqui, por exemplo, o canhão de campanha de 80mm (da Primeira Guerra Mundial) provou ser muito eficaz. Como a Wehrmacht estava enfrentando problemas para mover sua artilharia para a Áustria exatamente porque não havia considerado os problemas que o terreno montanhoso poderia representar, é possível que os primeiros dias da invasão tivessem realmente dado à Áustria uma vantagem importante, embora temporária, em artilharia.

O mais importante para a defesa contra os blindados alemães era o canhão antitanque de 47mm de fabricação austríaca, que poderia penetrar facilmente na blindagem de qualquer tanque alemão naquela época a mais de 1000m. Em março de 1938, o Bundesheer empregou 270 desses canhões com munição mais do que suficiente para dizimar os blindados do Oitavo Exército.

Desfile do Exército Austríaco em 1935


Desde o primeiro momento da invasão da Áustria, surgiram atritos para a Wehrmacht que se empilhavam uns sobre os outros. Oficiais e homens chegaram atrasados a seus postos e foram erroneamente designados ou simplesmente não treinados para suas funções. Vagões e veículos motorizados faltavam frequentemente, inadequados para suas tarefas ou inutilizáveis. De fato, o VII Corpo de Exército alemão sozinho descreveu sua situação de veículos motorizados suplementares como “nahezu katastrophal” (quase catastrófica), com aproximadamente 2.800 veículos motorizados que estavam desaparecidos ou inutilizáveis. A situação também não era melhor no que diz respeito aos cavalos, o principal motor da Wehrmacht. Uma vez dentro da Áustria, as dificuldades foram agravadas por uma rede rodoviária e ferroviária completamente inadequada e o grande número de homens e material tentando avançar. A falta de disciplina, a falta de treinamento e a completa incompetência pioraram as coisas, assim como as falhas mecânicas e a falta de combustível. O resultado foi que divisões, regimentos e batalhões foram completamente divididos; eles deixaram de ser unidades de combate. Como um grande mecanismo de relógio com defeito, a Wehrmacht deu uma guinada e estremeceu em direção à capital austríaca. Apenas algumas partes do relógio finalmente rastejaram para um alto nos subúrbios de Viena uma semana depois. Mesmo esse desempenho pífio só foi possível devido à assistência vital e essencial prestada à Wehrmacht por postos de gasolina austríacos e serviços de transporte marítimo e ferroviário. Sem essa ajuda, o desfile da vitória de Hitler na Ringstraße teria ficado visivelmente desprovido de tropas e blindados alemães. No entanto, como aconteceu com a Ofensiva do Tet norte-vietnamita trinta anos depois, desastre operacional não é igual a desastre militar. A máquina de propaganda nazista, parte da qual estava ocupada atropelando soldados alemães em sua corrida para chegar a Viena em 12 e 13 de março, provaria ser a mais bem-sucedida de todos os tempos.

Os planos de defesa austríacos, conforme estabelecidos no “Plano Jansa”, antecipavam um ataque alemão e foram iniciados no outono de 1935 pelo Chefe do Estado-Maior da Áustria, Alfred Jansa, juntamente com seus comandantes divisionais. Eles previram não apenas a mobilização e desdobramento de todo o Bundesheer e formações auxiliares contra a Wehrmacht, mas também a criação de bloqueios de ruas e a destruição de pontes e estradas para impedir o avanço do exército alemão. A mobilização exigiu um mínimo de quatro dias para o exército ativo.

Conforme recentemente declarado no jornal das Forças Armadas Austríacas (cf. Angetter, op. Cit.), o conceito defensivo que o Chefe do Estado-Maior Geral Alfred Jansa elaborou em 1935 era conhecido pelo comando militar alemão já em 1936. Além disso, Jansa foi reformado antes do “Anschluss”, nomeadamente em fevereiro de 1938 (conforme exigido por Hitler no Acordo de Berchtesgaden). Seu sucessor, o General Wilhelm Zehner, um oponente declarado do nacional-socialismo, foi escalado para executar o plano, mas foi colocado em espera por Schuschnigg. O autor chega à conclusão de que o Bundesheer austríaco não teria capacidade de resistir à Wehrmacht, mas dependeria de ajuda de fora do país.

Não havia como o exército austríaco ter prevalecido. O Bundesheer teria disparado alguns tiros que teriam valor simbólico, mas isso teria sido negado por um levante de nazistas na Estíria e Salzburgo, onde eles eram razoavelmente fortes. Portanto, teria sido um quadro muito confuso com perda desnecessária de vidas; a Áustria teria desaparecido do mapa de qualquer maneira. Schuschnigg estava certo ao ordenar ao exército que não reagisse.

Quanto à questão da resistência militar do Bundesheer em função de sua penetração pelos nazistas, o melhor estudo sobre o assunto, por Erwin Steinböck, Erwin Schmidl e eu, indica que o Nationalsozialistische Soldatenring (o nome da organização nazista que tentou penetrar e minar o Bundesheer) nunca atingiu mais de 5% da base e talvez metade disso entre o corpo de oficiais. Isso foi, em grande parte, devido à repressão implacável dos nazistas pelo governo Schuschnigg de 1934-1938. As evidências que examinei em Viena mostram com bastante clareza que o exército teria lutado e que quaisquer traidores descobertos teriam sido eliminados rapidamente. Isso poderia ter diminuído a eficácia do BH? A melhor resposta é “talvez”; mas, dada a natureza das forças armadas e as questões mais amplas de defesa nacional, duvido que a Nationalsozialistische Soldatenring tivesse valido muito no caso do Estado austríaco montar uma defesa militar contra uma invasão alemã nazista.

Referências:
  • Daniela C. Angetter, “Kommentar: Wehrfähigkeit - Wehrwilligkeit in Österreich 1938”, em Truppendienst 302 (2/2008), URL.
  • Ernst Hanisch, Nationalsozialistische Herrschaft in der Provinz: Salzburg im Dritten Reich, Salzburg 1983.
  • Alexander N. Lassner, “The Invasion of Austria in March 1938: Blitzkrieg or Pfusch?”, em Günter Bischof / Anton Pelinka / Günter Stiefel (eds.), The Marshall Plan in Austria (Contemporary Austrian Studies, vol. 8), New Brunswick et al. 2000, p. 447-486, extrato citado da p. 463.
Os austríacos na Wehrmacht


Bibliografia recomendada:

German Infantryman: The German soldier 1939-45 (all models).
Operations Manual: An insight into the uniform, equipment, weaponry and lifestyle of the German Second World War soldier.

Leitura recomendada:



A Medalha da Carne congelada, 26 de dezembro de 2020.


GALERIA: Panzergrenadiers modernos26 de junho de 2021.

Confissões de um estrategista fracassado - Parte 2: Resolva problemas através de problemas


Pelo Coronel Jobie Turner, War Room, 5 de fevereiro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de junho de 2021.

"Devemos antecipar a implicação de novas tecnologias no campo de batalha, definir rigorosamente os problemas militares previstos em conflitos futuros e promover uma cultura de experimentação e de riscos calculados."
- Resumo da Estratégia de Defesa Nacional 2018.

A primeira parte desta série (no link) descreveu lições tiradas de uma tentativa mal-sucedida de escrever uma estratégia de serviço, terminando com a sugestão deprimente de que o processo de produção de documentos estratégicos pode ser inerentemente autodestrutivo. Mesmo dentro de um único serviço, existem muitos pontos de vista e interesses diversos a serem superados. Assim, ficamos com a escolha desagradável entre um mínimo denominador comum sem valor ou uma substância condenada à resistência imediata e reflexiva de algum segmento da instituição.

Em vez de sucumbir à inércia burocrática, ou pior, ao que no livro Comando Supremo, Eliot Cohen chamou de “niilismo estratégico”, as Forças Armadas deveriam se concentrar menos na estratégia e mais nos problemas. Merriam-Webster define um problema como “uma fonte de perplexidade, angústia ou irritação” ou “uma intrincada questão não resolvida”. Embora o Departamento de Defesa não tenha uma definição oficial de problema, ou o termo mais preciso - problema militar -, uma definição genérica adaptada ao contexto de um serviço militar será suficiente: “Uma intrincada questão não resolvida que trata do nível operacional ou tático da guerra".

Supreme Command: Soldiers, statesmen, and leadership in wartime.
Eliot A. Cohen.

Por que os problemas funcionam?

Uma lição do projeto de estratégia de serviço fracassado foi o poder e a atração de analogias históricas. Exemplos de sucessos anteriores repercutiram em quase todos os públicos: parceiros conjuntos, colegas da equipe e líderes seniores. Essas analogias eram atraentes porque forneciam exemplos claros de como o serviço já superou problemas significativos, como competição de grande poder, polarização política e orçamentos incertos.

Os exemplos mais óbvios e bem documentados relativos ao trabalho da equipe de redação de estratégia vieram do período Entre-Guerras, no qual as grandes potências tentaram resolver os problemas da guerra de trincheiras que dominou a Primeira Guerra Mundial - seja projetando uma força aérea construída em torno do bombardeio estratégico , desenvolvendo os conceitos de guerra de tanques ou reformando sistemas de pessoal. No centro da discussão estava a inovação, uma palavra da moda no léxico atual do Departamento de Defesa.

Por muitos anos, as fontes de inovação militar foram enquadradas pelas teorias conflitantes de Barry Posen e Stephen Rosen. O primeiro argumenta que a inovação militar deve ser forçada de fora, enquanto o último sustenta que a motivação interna e a competição são fundamentais. Adições importantes ao debate Posen-Rosen são os trabalhos de David Johnson, que forneceu uma mistura de exemplos positivos e negativos retirados do Exército dos EUA, e Williamson Murray, que usou a Luftwaffe alemã para demonstrar como não construir e usar uma força aérea.

Estratégia para a Derrota: A Luftwaffe 1933-1945.
Williamson Murray (PDF no link).

Outros trabalhos enfocando os anos entre a Primeira e a Segunda Guerras Mundiais fornecem outros grandes exemplos de como a organização resolveu ou sucumbiu a problemas militares. Oficiais mais jovens, especialmente os graduados de educação militar profissional avançada, são bem versados nessa extensa literatura. Os oficiais superiores, naturalmente, acham atraentes quaisquer sugestões de como construir as bases para forças armadas fortes sem grandes orçamentos. A equipe de redação da estratégia freqüentemente ouvia a citação (provavelmente apócrifa, mas ainda assim útil) de Winston Churchill: “Cavalheiros, ficamos sem dinheiro. Agora temos que pensar.” Independentemente da audiência, havia uma sensação definitiva de que, durante o período Entre-Guerras, o foco na solução de problemas militares havia sido um componente crítico de qualquer sucesso alcançado.

Enquanto a Primeira Guerra Mundial e o período Entre-Guerras forneceram casos interessantes para falar sobre inovação, o caso da Batalha Aeroterrestre (AirLand Battle) da era pós-Vietnã gerou mais discussão. Como a Batalha Aeroterrestre foi desenvolvida e executada em memória mais recente, ela forneceu um exemplo imediato de como orientar a Força Aérea para conflitos futuros. No cerne da Batalha AirLand estava o problema de enfrentar a força superior de outra grande potência: a ameaça avassaladora das formações blindadas soviéticas na Europa. A Batalha Aeroterrestre resolveu o problema oferecendo uma solução conjunta envolvendo a Força Aérea e o Exército.

Blindados americanos no deserto ocidental iraquiano, 1991.

Embora a força combinada resultante não tenha lutado na Europa, ela derrotou o Iraque de forma esmagadora na Primeira Guerra do Golfo. Embora exagerados na imprensa, os efeitos combinados de armas de precisão, tecnologias de posicionamento global e instalações avançadas de comando e controle sobrecarregaram as forças militares iraquianas. Esse trabalho também foi fruto de esforços de inovação no Pentágono, resumidos pelo Coronel John Boyd. Assim, por meio da atenção concentrada na solução de problemas, a Força Aérea e o Exército forneceram capacidades operacionais e de dissuasão que permitiram à força combinada ter sucesso na batalha. Como a Estratégia de Defesa Nacional de 2018 busca reorientar as Forças para os desafios da competição de grandes potências, a Batalha Aeroterrestre oferece um exemplo do mesmo.

Tudo sobre o problema

Coluna blindada soviética durante o exercício Zapad 81, 1981.

Em retrospecto, a chave para o desenvolvimento da Batalha Aeroterrestre foi o foco fornecido por um problema militar. O que é particularmente saliente para as discussões atuais é a maneira que a Batalha Aeroterrestre seguiu os fracassos de esforços anteriores no final dos anos 1970 para equiparar a vantagem soviética com uma resposta simétrica de adicionar mais unidades blindadas aliadas. Essas soluções anteriores não conseguiram superar as vantagens numéricas e geográficas dos soviéticos. Em vez disso, o Exército teve que reconhecer que precisava dos fogos de longo alcance da Força Aérea e a Força Aérea teve que reconhecer que suas redes de comando e controle deveriam ser mais ágeis e combinadas.

O trabalho da Força Aérea para resolver esse problema dentro da estrutura da Batalha Aeroterrestre - os estudos das “31 Iniciativas” - construiu uma base de entendimento para ambas as forças. Ao destilar o problema às partes componentes de como combater a massa blindada soviética na Europa Ocidental, as 31 Iniciativas prepararam o cenário para anos de debate, trabalho e construção da força que poderia resolver esse problema. Para a Força Aérea, essas soluções doutrinárias, procedimentais e técnicas aproveitaram o potencial dos aviões F-16, F-15 e A-10, bem como os sistemas de informação de apoio, o sistema de posicionamento global e as comunicações por satélite. O resultado foi a formidável força aérea que sustentou as operações militares americanas no Iraque, Afeganistão, Kosovo e Líbia.

Tentar remodelar ou refazer um serviço de uma forma que perturbe ou contorne a política nacional levará a grandes dificuldades políticas.

As vantagens dos problemas militares

Uma abordagem de estratégia baseada em problemas oferece várias vantagens. Em primeiro lugar, os problemas militares devidamente definidos forçam uma organização a decidir o que é importante no futuro ambiente de combate. Na ausência de um problema claro para resolver, o ambiente futuro pode se tornar difícil de manejar. Por sua vez, isso pode levar a decisões confusas sobre orçamentos e sistemas de armas. Por exemplo, o atual Ambiente de Operação Conjunta 2035, publicado pelo Estado-Maior Conjunto, contém 24 “Missões de Forças Conjuntas em Evolução” separadas.

Mesmo a Estratégia de Defesa Nacional extraordinariamente clara e concisa identifica oito áreas de capacidade-chave que requerem atenção das Forças. Com dezenas desses imperativos para escolher, tentar priorizar um orçamento de serviço com base nessas prioridades amplas e às vezes conflitantes torna-se um campo minado. Ou, para os cínicos, a profusão de prioridades permite que o processo de desenvolvimento de um orçamento se transforme em uma justificativa de "buzzword bingo" ("bingo dos clichês") das capacidades desejadas de inteligência artificial a hipersônica, tudo encaixado em qualquer categoria conveniente como "consertos".

Um problema militar bem pensado restringe essa divagação intelectual, mantendo a Força concentrada no que é importante. Com um problema claro, é mais fácil decidir como o serviço se orienta: qual o tamanho do serviço a ser recrutado? Que armas comprar? Qual pesquisa tecnológica seguir? Em suma, os problemas militares mantêm a organização alicerçada na realidade, evitando que a inércia burocrática sobrecarregue uma Força.

Em segundo lugar, embora as aspirações sejam importantes, elas devem ser apoiadas por objetivos mais concretos e específicos para ganhar o apoio público e do Congresso na forma de orçamentos. A Batalha Aeroterrestre facilitou a articulação do problema e garantiu aos legisladores que o Exército e a Força Aérea tivessem uma solução coerente.

Disparo de um míssil de cruzeiro Tomahawk.

Terceiro, os problemas militares forçam as soluções tecnológicas a desempenhar um papel de apoio. Está bem documentado que os militares americanos têm um caso de amor com a tecnologia e, como Colin Gray observa em Weapons Don't Make War (Armas não fazem guerra), “Armamento não é igual a estratégia”. As tecnologias da moda governarão o dia se puderem dominar a discussão. Quando o problema vem primeiro, entretanto, a tecnologia pode vir em segundo lugar. Com o tempo, mesmo uma solução tecnológica que inicialmente resolva o problema pode se tornar obsoleta ou ser combatida pelo adversário. Em tais casos, um problema militar serve como uma rubrica útil para avaliar o progresso ou retrocessos.

Em quarto lugar, a solução de problemas militares aproveita o talento que já está no estado-maior e sua recente experiência operacional. Ao focar em um problema, os oficiais que serviram no nível tático podem trazer suas experiências e perspectivas recentes para o planejamento e programação do orçamento. Por exemplo, no Estado-Maior da Aeronáutica há centenas de coronéis com experiência operacional recente nos níveis de força-tarefa combinada, grupo, ala e esquadrão. Com um problema claramente definido, as adições provenientes de guerras recentes são muito mais fáceis de capturar ou, quando necessário, descartar. Pedir a uma equipe que resolva um problema é a melhor maneira de obter informações recentes e emergentes.

Uma palavra de cautela

Paraquedistas da 82ª Divisão Aerotransportada embarcando para o Iraque em resposta à crise na embaixada dos EUA em Bagdá, 1º de janeiro de 2020.

Para todos os benefícios de usar uma abordagem baseada em problemas para a elaboração de uma estratégia de Força, algum cuidado é necessário. Enquanto o processo envolvido no Processo de Planejamento Conjunto define problemas operacionais para solução imediata, o problema militar no nível da força militar não é um plano a ser combatido. Linhas de esforços, fases e outras ferramentas para planejar uma batalha ou operação podem não ser necessariamente a melhor maneira de abordar a estratégia institucional. Uma força organiza, treina e equipa uma futura força para a luta, mas não luta a si mesma. Como tal, o problema militar terá de ser suficientemente específico, ao mesmo tempo que também amplo o suficiente para permitir a flexibilidade do estado-maior para buscar soluções diferentes, desde o treinamento de pessoal até a aquisição de plataformas.

Em termos leigos, o problema militar deve estar em algum lugar entre o tático "tome aquela colina" e o estratégico "defenda os Estados Unidos da América". No contexto de uma estratégia de força, esse nível de guerra é importante. Conforme mencionado no primeiro artigo desta série, as estratégias de nível superior estabelecidas pelo sistema político já definem muito do que uma força deve fazer. Tentar remodelar ou refazer um serviço de uma forma que perturbe ou contorne a política nacional levará a grandes dificuldades políticas. Uma Força deve se concentrar nos problemas que suas forças podem enfrentar no futuro campo de batalha.

O que é difícil em identificar esses tipos de problemas é sua finalidade. Definir um problema militar é escolher uma direção e direcionar o serviço para esse fim. Assim, certos conceitos, capacidades e sistemas de armas resolverão melhor o problema, enquanto outros sairão perdendo. Paradoxalmente, esse é o poder de resolver problemas. Os problemas forçam um caminho, uma escolha e uma concentração de recursos para um objetivo. É muito mais difícil para o comportamento burocrático ou mesmo limitações políticas enfrentar um problema crítico. Podemos falar de estratégia na profissão de armas: são os problemas que exigem ação.

Sobre o autor:

Coronel Jobie Turner, Ph.D., é um colaborador do WAR ROOM e comandante do 314º Grupo de Operações (314th Operations Group).

314º Grupo de Operações.

Bibliografia recomendada:

Introdução à Estratégia.
André Beaufre.

Leitura recomendada:





FOTO: Combatente xiita iraquiano

Um combatente muçulmano xiita das Saraya al-Salam (Companhias de Paz) na linha de frente de Jurf al-Sakhr ao sul de Bagdá em 18 de agosto de 2014. (AFP)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 30 de junho de 2021.

As Companhias de Paz (árabe: سرايا السلام, Sarāyā as-Salām), frequentemente mal traduzidas como Brigadas de Paz na mídia americana, são um grupo armado iraquiano ligado à comunidade xiita do Iraque. Eles são um renascimento de 2014 do Exército Mahdi (جيش المهدي Jaysh al-Mahdī) que foi criado pelo clérigo xiita iraquiano Muqtada al-Sadr em junho de 2003 e dissolvido em 2008. Apoiadas pelo Irã, as Companhias de Paz foram recriadas em 2014.

O Exército Mahdi alcançou proeminência internacional em 4 de abril de 2004, quando liderou o primeiro grande confronto armado da comunidade xiita contra as forças dos Estados Unidos e seus aliados no Iraque. O confronto tratou-se de um levante que se seguiu à proibição do jornal de al-Sadr e sua subsequente tentativa de prisão, que durou até uma trégua em 6 de junho. A trégua foi seguida por medidas para desmantelar o grupo e transformar o movimento de al-Sadr em um partido político para participar nas eleições de 2005; Muqtada al-Sadr ordenou que os combatentes do Exército Mahdi cessassem as hostilidades, a menos que fossem atacados primeiro. A trégua foi quebrada em agosto de 2004 após ações provocativas do Exército Mahdi, com novas hostilidades surgindo. O grupo foi dissolvido em 2008, após uma repressão das forças de segurança iraquianas.

No auge, a popularidade do Exército Mahdi era forte o suficiente para influenciar o governo local, a polícia e a cooperação com os sunitas iraquianos e seus apoiadores. O grupo era popular entre as forças policiais iraquianas; além de ser acusado de operar esquadrões da morte. Suas batalhas mais notáveis nesse período foram a Batalha de Karbala em 2007 e o Cerco de Basrah em 2008. Um dos seus membros mais célebres é Abu Azrael, "O Anjo da Morte".

Moqtada al-Sadr (centro) ao lado do clérigo Ali Khamenei e do General Qassem Soleimani, Teerã, 2019.

As Companhias de Paz estavam armadas com uma variedade de armas leves, incluindo dispositivos explosivos improvisados (improvised explosive devicesIEDs). Muitos dos IEDs usados durante os ataques às Forças de Segurança e Forças de Coalizão do Iraque usaram sensores infravermelhos como gatilhos, uma técnica amplamente usada pelo IRA na Irlanda do Norte no início a meados da década de 1990.

O grupo foi re-mobilizado em 2014 para lutar contra o Estado Islâmico do Iraque e do Levante (ISIS) e ainda estava ativo em 2016; participando na recaptura de Jurf al-Sakhr (Operação Ashura, 24–26 de outubro de 2014) e na Segunda Batalha de Tikrit (2 de março a 17 de abril de 2015).

Bibliografia recomendada:

Estado Islâmico:
Desvendando o exército do terror.
Michael Weiss e Hassan Hassan.

Leitura recomendada:

PERFIL: Abu Azrael, "O Anjo da Morte", 18 de fevereiro de 2020.




GALERIA: Os fuzis AK-74M da Síria, 29 de agosto de 2020.


terça-feira, 29 de junho de 2021

GALERIA: Treinamento de salto do SAS francês na Inglaterra

Paraquedista do SAS francês, equipado com um pára-quedas e capacetes britânicos, aguarda para embarcar num avião Dakota, abril de 1945. No plano de fundo, a torre de salto.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 29 de junho de 2021.

Sessão de fotos de treinamento paraquedista dos franceses do SAS (Special Air Service, Serviço Aéreo Especial) designados French Squadron, na Inglaterra, tiradas pelos fotógrafos Gasquet e Collin para a SCA/Air - ECPAD na base da RAF em Ringway, em abril de 1945.

Reportagem Les fantassins du ciel, 1945


O início: Grupos de Infantaria do Ar

A primeira força paraquedistas francesa foi criada quando franceses se formaram na Academia Aeroterreste Soviética em 1935. Em 12 de setembro de 1935, foi criado um Centro de Treinamento Paraquedista (Centre d'Instruction Parachutiste), localizado em Avignon-Pujaut, comandado pelo Capitão Geille, formado paraquedista e instrutor na URSS, e reconhecido como o criador das tropas paraquedistas francesas.

Este centro de instrução gerou duas unidades paraquedistas, o Groupe d'Infanterie de l'Air 601 (GIA 601) e o Groupe d'Infanterie de l'Air 602 (GIA 602), com pouco mais de 200 homens, dedicados a sabotagens na retaguarda inimiga, com o primeiro brevê paraquedista francês e como parte da aeronáutica (como eram também os paraquedistas soviéticos e alemães). Os dois grupos lutaram em 1940 como infantaria de elite, servindo primeiro como tropas de infiltração na terra de ninguém e depois como proteção de QGs da Armée de l'Air quando os panzers cortaram o país. Degredados para a Argélia, e dissolvidos pouco depois em 25 de agosto de 1940, a França Livre de Charles de Gaulle exilada na Grã-Bretanha iniciou sua epopéia sem unidades paraquedistas.

Paraquedista do French Squadron na base da RAF em Ringway, abril de 1945.

Paraquedistas da França Livre

Em 25 de junho de 1940, o Capitão Georges Bergé - um veterano não-brevetado do GIA 602 - andou até o QG improvisado do General de Gaulle em St. Stephen House, em Londres, e sugeriu a criação de unidades paraquedistas. Infelizmente para Bergé, ele não pôde recrutar das poucas forças vindas da campanha da Noruega, e teve de procurar voluntários entre os fugitivos recém-chegados à Inglaterra, os sobreviventes feridos de Dunquerque deixando os hospitais, jovens escoteiros que mentiram a idade etc. Depois da seleção e exame médico, o núcleo de voluntários se elevou a 25: 2 oficiais, 4 graduados e 19 cabos e soldados. 

Em 15 de setembro de 1940 foi criada a Compagnie d'Infanterie de l'Air (Companhia de Infantaria do Ar, CIA), e depois de dois meses de treinamento, foram enviados para Wrothan onde são admitidos no Central Landing Establishment da RAF em Ringway, em 20 de novembro de 1940. Os 25 voluntários franceses foram brevetados no natal junto com seus companheiros britânicos que formaram o 11th Special Air Service Battalion, a primeira unidade paraquedista do Reino Unido. Essa unidade forneceu um pelotão (X Troop, 38 homens) para a fracassada incursão de Tragino, em 10 de fevereiro de 1940.

Após o salto, o paraquedista francês está no processo de desinflar o velame para recuperar o pára-quedas. Ele está usando o capacete de treinamento britânico Sorbo e o pára-quedas X-type Mk I (15A/475)

A CIA estava sob o comando do BCRA (Bureau Central de Renseignements et d'Action, Departamento Central de Inteligência e de Ação - o serviço secreto da França Livre). Em 5 de janeiro de 1941, por meio de um acordo obtido pelo Capitão-de-Corveta Henri Honoré d'Estienne d'Orves, chefe do 2e Bureau (como os franceses designam a inteligência) do Estado-Maior Geral da França Livre, 10 paraquedistas franceses foram escolhidos para um curso de sabotagem e coleta de informações na Estação 17 - um centro de formação de agentes britânicos - para operações clandestinas na França européia.

O retorno à França era um ato perigoso: o próprio d'Estienne d'Orves, codinome Châteauvieux (nome de um dos seus ancestrais), montou uma rede de espionagem em Paris de 6 a 19 de janeiro de 1941 (parte da Operação Nemrod), sendo capturado pela Gestapo em 22 de janeiro. Torturado e interrogado, Châteauvieux foi fuzilado em 29 de agosto de 1941 junto com seus companheiros Maurice Barlier e Jan Doornik, tornando-se o "primeiro mártir da França Livre". A rede criada, porém, sobreviveu e operou até a libertação de Paris em agosto de 1944.

Durante salto de treinamento, o instrutor do Esquadrão Francês do SAS lembra aos recrutas das várias verificações a serem realizadas durante a descida.

As primeiras operações: Savanna e Joséphine B

O Capitão Bergé selecionou 4 homens do curso na Estação 17 para a Operação Savanna (ou Savannah), com o objetivo de assassinar pilotos alemães do Kampfgeschwader 100, cuja missão era marcar alvos para os bombardeios noturnos à Grã-Bretanha e que estavam baseados no campo de pouso de Meucon, na França. O golpe-de-mão visava emboscar o ônibus que trazia os pilotos do alojamento para a base.

Equipe de execução:
  • Capitaine Georges Bergé,
  • Sous-lieutenant Petit-Laurent,
  • Sergent Forman,
  • Sergent Joël Le Tac,
  • Caporal Renault.
Na enluarada noite de 15 de março de 1941, os cinco paraquedistas fizeram um salto cego cega à meia-noite, aterrissando cerca de 13km a leste da cidade de Vannes (onde a tripulação alemã se alojava) e a oito quilômetros do alvo. No dia seguinte, descobriram que os pilotos não mais viajavam de ônibus entre Vannes e Meucon, mas viajavam de carro de maneira improvisada. Portanto, a missão foi abortada. A equipe se dispersou pela França, cada um se dirigindo para um lugar (Finistère, Landes et Paris) com a intenção de averiguar as possibilidades de lançamentos de pára-quedas e de montar uma rede de recolhimento de pára-quedas. Bergé também também criou uma rede clandestina na França, em ligação com o SOE, com o Sargento Joël Le Tac ficando para trás como agente de ligação.

Dentro de um falso avião seguindo o modelo C-47 Dakota, paraquedistas do "French Squadron" do SAS aprendem a posição correta à porta antes de saltar.

Durante este tempo, o Tenente Weill, segundo em comando da companhia, supervisiona e instrui com o resto da 1ª seção, em Camberley e depois em Ringway, uma 2ª seção que é brevetada em 21 de fevereiro. Apesar dos protestos unânimes, a companhia é transferida em 10 de abril de 1941 para o controle das forças terrestres. Passará a se chamar 1re compagnie parachutiste (1ª Companhia Paraquedista). Em 1º de maio, ela era composta por 9 oficiais, 19 graduados e 70 cabos e soldados e reagrupou-se no dia 15 em Exbury, em New Forest. Um ano depois, o Tenente Weill, lançado de pára-quedas na França, será preso e se suicidará.

Por ocasião de uma inspeção da base, os paraquedistas franceses foram parabenizados por Winston Churchill. No dia anterior, "Joséphine B", a segunda missão à França, foi lançada na região de Bordéus na noite de 11 para 12 de 1941. O Subtenente (Sous-lieutenantForman e seus 2 comandos devem explodir a estação de energia Pessac que abastece a base de submarinos de Bordeaux. Depois de restabelecer o contato com o Sargento Le Tac, que permaneceu em Paris após a missão "Savannah", eles cumpriram a missão com sucesso graças à ajuda de elementos da Resistência local.

A estação de transformadores em Pessac, perto de Bordéus, há muito era reconhecida pela SOE como um alvo de particular interesse, mas difícil de alcançar por via aérea. O plano era lançar uma equipe de sabotadores por pára-quedas; eles deveriam invadir a estação transformadora, anexar bombas e incendiários com temporizadores. As bombas destruiriam os transformadores e os incendiários acenderam o óleo de resfriamento do transformador para completar a destruição.

Última inspeção pelo monitor do Esquadrão Francês do SAS antes do salto de treinamento.

Uma equipe de seis voluntários poloneses foi treinada e equipada. Eles partiram da base da RAF em Tangmere; mas uma falha técnica liberou seus dois contêineres de equipamento sobre o baixo Loire e eles tiveram que retornar. A aeronave bateu ao pousar, matando parte da tripulação e ferindo gravemente todos os soldados.

A SOE então se voltou para sua seção francesa livre. O Sargento J. Forman - veterano da Savannah -, o Subtenente Raymond Cabard e o Subtenente André Varnier (também conhecido como Jacques Leblanc) foram informados da operação. A equipe de sabotagem foi enviada à Estação XVII da SOE para treinamento em sabotagem industrial ministrada por Cecil Vandepeer Clarke.

A equipe de sabotagem foi lançada de pára-quedas na França na noite de 11/12 de maio; a noite era lua cheia. Eles esconderam seu contêiner de equipamento e reconheceram seu alvo. Eles ficaram consternados ao descobrir um fio de alta tensão logo dentro do topo da parede perimetral de 2,7m de altura e o som de pessoas se movendo lá dentro. Eles também não conseguiram obter bicicletas com as quais planejavam fazer uma escapada silenciosa. Desanimados, eles desistiram e foram para Paris. Lá a equipe encontrou com o sargento Joël Le Tac, que havia sido forçado a desistir da Operação Savannah e se recusou a desistir dessa operação, viajando com a equipe de volta a Bordéus.

 Embarque dos paraquedistas no C-47 Dakota para o salto de treinamento.

À noite, apreenderam um caminhão para subir até Pessac; o caminhão quebrou, então eles recorreram às bicicletas. Eles rapidamente encontraram seus explosivos onde os haviam escondido na primeira noite: em samambaias a cem metros da estação do transformador. Varner verificou rapidamente que os detonadores ainda funcionariam, apesar da umidade.

Na noite de 7/8 de junho de 1941, Forman escalou a parede do perímetro e saltou para o pátio, evitando cuidadosamente qualquer contato com o cabo de alta tensão. Em seguida, ele abriu a porta para seus companheiros, que trouxeram todo o seu equipamento. Em menos de meia hora, explosivos plásticos contidos em caixas e ligados a bombas incendiárias magnéticas foram colocados em cada um dos oito transformadores principais. Os quatro homens fugiram, pedalando com toda a força, enquanto as explosões soavam e as chamas se erguiam no horizonte. Holofotes vasculharam o céu em busca de bombardeiros.

A base de submarinos italiana em Bordéus foi prejudicada por semanas além de uma variedade de outros problemas para os ocupantes italianos e alemães.

A bordo de um avião C-47 "Dakota", cantam os pára-quedistas franceses do Esquadrão Francês do SAS. A tira de abertura automática (Sangle d'Ouverture Automatique, SOA) já vem presa a um cabo que irá acionar automaticamente a abertura do pára-quedas durante o salto.

Auxiliados pela rede de coleta de informações montada pelo Capitão Bergé, os 4 homens retornaram à Inglaterra em julho via Espanha. A equipe de sabotagem foi para a Espanha em um ritmo vagaroso; eles gastaram um quarto de milhão de francos (cerca de £ 1.400 em 1941 aproximadamente o equivalente a £ 70.000 em 2020) durante um período de dois meses e "...deixaram um rastro de vidro quebrado, e também de corações, atrás deles".

Cabard foi preso pouco antes de cruzarem os Pirineus. Os outros três voltaram para a Inglaterra em agosto. Cabard mais tarde escapou e voltou para a SOE em novembro. O General de Gaulle nomeou Joël Letac, que sobreviveu a muitas outras façanhas, Compagnon de la Libération (Companheiro da Libertação), a mais alta honra da Resistência.

O raide teve resultados estratégicos: seis dos oito transformadores foram destruídos. Presumiu-se que os explosivos em dois dos transformadores deviam ter escorregado - estavam todos muito molhados. O trabalho na base de submarinos de Bordeaux e em várias fábricas foi suspenso por semanas. Os trens totalmente elétricos do sudoeste da França tiveram que ser retirados e substituídos por locomotivas a vapor.

À porta de um avião C-47 "Dakota", um pára-quedista francês do Esquadrão Francês do SAS (Special Air Service) está pronto para o salto. A seus pés, a bolsa (chamada gaine) que contém seu equipamento.

Todo o óleo sobressalente do transformador na França foi necessário para efetuar os reparos, que não foram concluídos durante um ano inteiro. A comuna de Pessac foi multada em um milhão de francos, 250 moradores locais foram presos e um toque de recolher foi imposto das 21:30h às 5:00h. Doze soldados alemães foram fuzilados por falharem em proteger a estação contra os sabotadores.

A notícia do ataque chegou à Grã-Bretanha em 19 de junho. Hugh Dalton, então ministro da Guerra Econômica, passou a notícia a Churchill em 25 de junho, escrevendo:

"Podemos, portanto, considerar como praticamente certo que três [sic] homens, lançados de um avião, conseguiram destruir um importante alvo industrial... Isso sugere fortemente que muitos alvos industriais, especialmente se cobrirem apenas um pequena área, são atacadas de forma mais eficaz por métodos da SOE do que por bombardeio aéreo."

Este foi o primeiro sucesso operacional da SOE na França ocupada e melhorou consideravelmente a posição da organização.

Oriente Médio e África do Norte

Um paraquedista francês do Esquadrão Francês do SAS aguarda para embarcar em uma aeronave C-47 "Dakota" para o salto de treinamento.

A experiência adquirida permite orientar a instrução de forma mais eficaz. A companhia foi então dividida em duas seções: a primeira, composta por elementos aptos à luta clandestina na França; a segunda, mais numerosa, constituída por elementos reservados à ação direta e aos golpes-de-mão. A primeira seção, com 6 oficiais e 20 praças, foi destacada para a estação 36 e ficou responsável pelo treinamento de agentes do 2e Bureau que saltarão na França ocupada. A segunda seção, a 1ª Companhia Paraquedista comandada pelo Capitão Bergé, e contando 2 oficiais, 1 médico-auxiliar, 3 graduados e 50 cabos e soldados, embarcam no porto de Glasgow em direção ao Levante (Síria e Líbano), em 21 de julho de 1941.

Após desembarcarem em Suez e tomarem o rumo de Beirute, no Líbano, então mandato francês. Em 25 de setembro de 1941, por decisão do General de Larminat, comandante das Forças Francesas do Oriente Médio, a 1ª Companhia Paraquedista foi redesignada Pelotão Paraquedista do Levante e passou para o comando da força aérea. No fim do mês, a unidade foi transferida para Damasco, aquartelando-se provisoriamente na caserna dos Spahis, e depois na base aérea de Mezzé. Em 15 de outubro, por decisão do próprio General de Gaulle, a unidade recebeu o título de 1er Compagnie de Chasseurs Parachutistes (1ª Companhia de Caçadores Paraquedistas).

Durante esse período de transição, a instrução dos operadores manteve-se ativa com aulas de direção em todos os tipos de veículos como meios de fortuna, montagem e desmontagem de todos os armamentos de infantaria e artilharia, combate individual e ação de pequenas unidades isoladas. O salto, porém, não era mais possível pela falta de aviões e equipamentos especiais. Novamente, o Capitão Bergé pede auxílio aos britânicos e, depois de repetidos pedidos, consegue que a companhia vá para o Combined Training Centre, que estava sendo montado em Kabret, entre os rios do Grande Lago Amer, no Egito.

Em 31 de dezembro de 1941, a tropa toma rumo ao Egito, chegando em 2 de janeiro de 1942. Em Kabret, embora permanecendo administrativamente nas Forças Aéreas Francesas Livres (Forces aériennes françaises libres, FAFL) do Oriente Médio, a companhia foi incorporada ao Destacamento L do Service Aéreo Especial (Special Air Service, SAS) como "French SAS Squadron". A chegada da companhia francesa foi bem-vinda pois o Major David Stirling tinha falta de recrutas para a sua nova unidade e a incorporação de soldados altamente treinados foi um presente. Isso aconteceu na época que o SAS não era uma prioridade e não contava com o apoio do exército britânico, tendo que "adquirir" homens e material como pudesse. O próprio Stirling interveio pessoalmente com o General de Gaulle, pedindo que a unidade paraquedista estacionada na Síria fosse incorporada ao SAS.

Agora no SAS de Stirling, os franceses passaram a operar no sistema de operações especiais da África: operações profundas na retaguarda do inimigo por pequenas equipes autônomas de 5 homens, agrupando-se no último minuto e se dispersando pelo deserto após a destruição do objetivo. Esse modelo requereria audácia e dependeria da mobilidade e da surpresa. A audácia repousando na qualidade dos indivíduos e no seu alto nível de treinamento; nesse quesito, o "Major Fantasma" estava mais que satisfeito com o "fanatismo" dos seus franceses, sedentos por uma revanche o mais rápido possível.

Um operador do Esquadrão Francês costura a insígnia da Divisão Paraquedista Britânica na manga do seu uniforme. O Pégaso, o cavalo com asas da mitologia grega, simboliza o combatente aeroterrestre.

A surpresa e a liberdade de movimento são facilitados pelas características do Deserto Ocidental: imensidão do deserto, fragilidade das linhas de comunicação ítalo-alemãs estendidas ao longo do litoral, presença de tribos nômades etc. O SAS francês enfim se uniu a outros "exércitos privados" no Deserto Ocidental:
  • O Grupo de Longa Distância do Deserto (Long Range Desert Group, LRDG), criado pelo Major Ralph Alger Bagnold em julho de 1940, e especializado na busca de inteligência em profundidade. Seu símbolo era um escorpião dourado dentro de um círculo. Os italianos os apelidaram de "Patrulha Fantasma" (Pattuglia Fantasma).
  • O Grupo de Interrogação Especial (Special Interrogation Group, SIG), composto por judeus-alemães da Palestina.
  • Serviço de Bote Especial (Special Boat Service, SBS), a versão naval do SAS, guarnecido principalmente por reais fuzileiros navais, era responsável por sabotagens a navios e golpes de mão anfíbios.
  • O Exército Privado de Popski (Popski's Private Army, PPA), oficialmente Esquadrão de Demolição nº 1, foi criado em 10 de dezembro de 1942 pelo Major Vladimir Peniakoff "Popski", sendo especializado em demolição e sabotagem com auxílio da resistência líbia. Foi o último exército privado a ser criado no África. O famoso ator Christopher Lee, agente da Divisão de Pesquisa de Informação (Information Research Division, IRD) do MI6, foi oficial de ligação incorporado à unidade.
Inicialmente, o SAS realizaria suas operações com inserção por pára-quedas e retornaria à pé ou seria resgatado pelo mar. Devido a problemas com esse sistema, incluindo o próprio Stirling sofrendo ferimentos graves durante um salto, o SAS passou a ser evacuado pelo LRDG, o que deu à força do escorpião o apelido de "Serviço de Táxi do Deserto Líbio" (Libyan Desert Taxi Service). À partir de maio de 1942, o Major Fantasma obteve caminhões Chevrolet e Ford, além de jipes Willys, o que lhe concedeu grande autonomia operacional.

Os efetivos da companhia do SAS francês foram aumentados por novos chasseurs vindos do Levante, e o treinamento do  prossegue em ritmo frenético de janeiro a março de 1942: saltos de pára-quedas, sabotagem e manuseio de armamento italiano e alemão. Em uma época onde a adaga comando e o brevê SAS eram entregues após destruir um avião inimigo ou participar de um raide, o coroamento do treino foi um ataque simulado bem sucedido ao aeródromo de Heliópolis (atual base aérea de Almaza), ao norte do Cairo no delta do Nilo, celebrado por todos menos o comandante do aeródromo... que não foi avisado da simulação. A operação em prol do "Comboio de Malta" seria o batismo de fogo do SAS francês na África.

A ilha de Malta estava isolada por um bloqueio e sofrendo bombardeios constantes dos italianos e alemães, mas resistia impávida como uma adaga na garganta das linhas de suprimento do Eixo no Mediterrâneo. Stirling foi chamado ao quartel-general britânico no Cairo, e informado que as reservas da ilha estão se esgotando e são necessários suprimentos. Um grande esforço de re-suprimento seria organizado em junho de 1942 pela Royal Navy - dois comboios simultâneos deixariam Gibraltar e Alexandria em direção a Malta. O Major Fantasma foi encarregado de aleijar a aviação do Eixo na África do norte e em Creta. Stirling decide por uma incursão na noite de 12 para 13 de junho contra oito alvos inimigos - seis dos quais seriam atacados pelo SAS francês, incluindo o raide em Creta.

Os ataques custaram ao SAS francês  14 operadores - metade do efetivo empregado, incluindo a captura do Major Bergé - mas permitiu que a ilha de Malta recebesse 17 mil toneladas de carga, representando dois meses de suprimento. Apesar das perdas, a operação foi um sucesso em relação ao seu custo-benefício:
  • Cerca de 21 bombardeiros Stuka destruídos em Heraklion, além de 4 caminhões e um depósito de combustível;
  • Um bombardeiro incendiado em Martuba;
  • Seis aeronaves destruídas com granadas e bombas incendiárias pelo Aspirante André Zirnheld, o que lhe valeu suas asas SAS, conhecidas então como "Asas Egípcias";
  • Cerca de 20 bombardeiros em Barce, com a explosão do depósito de bombas, tornando o aeródromo de Barce inoperante por um ano.
Outras operações ocorreram, com números crescentes de aviões inimigos destruídos. Na lendária incursão do Aeródromo de Sidi-Haneish (Haggag el-Qasaba para os alemães), ocorrida na noite de 26 para 27 de junho de 1942, com proveito da lua cheia, 18 jipes do SAS britânico (3 deles operados pelo SAS francês) avançaram contra a base em uma formação em "V" e destruíram 37 aeronaves (bombardeiros de mergulho Junkers Ju 87 Stuka, transportes Ju 52 e caças Messerschmitt Bf 109) pela perda de um único homem do SAS (John Robson, 21 anos) e um ferido. O ataque foi uma novidade, pois ao invés de infltrar o aeródromo à pé, como era costumeiro, Stirling fez uso do primeiro lote de jipes para um ataque frontal com 68 metralhadoras Vickers K de avião disparando munição traçante que incendiou e explodiu os aviões carregados de bombas e combustível.

Após a incursão, a força de ataque se dispersou em grupos de 3 a 5 jipes guiados pelo LRDG e, durante a manhã do dia 27, se mantiveram escondidos da aviação alemã que os procurava freneticamente. O plano era chegar a Bir el-Quseir, o que todos fizeram menos o jipe dos aspirantes Zirnheld e François Martin que sofre uma pane. Por volta das 7:30h, o jipe foi avistado por bombardeiros Stuka que iniciaram ataques rasantes. Zirnheld é ferido duas vezes, no ombro e no abdômen, na segunda passagem. Após dispararem toda a sua munição, os Stukas recuam e Martin corre com o jipe para o ponto de encontro, mas Zirnheld morre devido aos ferimentos treze horas depois - elevando as baixas para 2 mortos.

Incursão do Aeródromo de Sidi-Haneish


Mais missões se sucederam e, em dezembro de 1942, o SAS francês criou uma 2ª Companhia de Infantaria do Ar (2e CIA), combinando veteranos e novos operadores no que o Major Stirling chamava de "seu" French Squadron.

Após os desembarques da Operação Torch a dinâmica da guerra na África mudou completamente. A entrada dos Estados Unidos, apesar de pouco decisiva no campo de batalha, levou à reorganização do Armée d'Afrique com suprimento de material americano. O 1º Regimento de Caçadores Paraquedistas, formado por dois batalhões e organizado e armado dentro do sistema americano formou uma unidade de infantaria paraquedista convencional. Outras unidades comando foram formadas no período, servindo na Córsega e na Itália, e que serão mais tarde reunidos em uma única  unidade - a Meia-Brigada de Choque.

Sobrevivendo às operações de combate na Tunísia (inclusive com a captura do próprio Stirling), as companhias SAS francesas foram elevadas a a batalhões e depois a regimentos - o 2º Regimento de Caçadores Paraquedistas (3 SAS) e o 3º Regimento de Caçadores Paraquedistas (4 SAS). Esses dois regimentos se destacariam na campanha da Normandia e no avanço pela França e Holanda (especialmente na ponte de Amherst, em abril de 1945).

O Legado do SAS Francês

Tenente do SAS francês com as asas francesas e britânicas em Ringway, em abril de 1945.

Na época da campanha da Normandia, o SAS fora elevado a brigada (Brigada SAS) sob o comando do General de Brigada Roddy Mac Leod e formada por 5 regimentos:
  • 1º SAS, Tenente-Coronel Robert "Paddy" Mayne (britânico);
  • 2º SAS, Tenente-Coronel Brian Franks (britânico);
  • 3º SAS (3e BIA), Capitão Pierre Château-Jobert "Conan" (francês);
  • 4º SAS (4e BIA), Major Pierre-Louis Bourgoin "Le Manchot" (francês);
  • 5º SAS, Capitão Blondeel (belga).
Cada regimento e batalhão compreende 40 sticks (grupos de 10 homens), com um total de 450 homens (incluindo comandos de planadores). Os dois batalhões SAS franceses tiveram a missão de isolar a península da Bretanha, na Normandia, isolando 85 mil alemães.

O 4 SAS salta na Bretanha na noite de 4 para 5 de junho, arma 10 mil guerrilheiros das Forças Francesas do Interior (Forces Françaises de l'Interieur, FFI) e impede o movimento dos reforços alemães do Coëtquidan; incluindo elementos paraquedistas do II. Fallschirm-Korps do General Alfred Schlemm. Os paras SAS enfrentaram tropas hiwis do 261º Esquadrão de Cavalaria ucraniana e do 708º Ost Bataillon georgiano do Exército de Vlasov guiados pela Milícia francesa em uma campanha de terror contra a população bretã, pilhando e massacrando para acuar a população. Em dado momento, a desorganização causada pelo SAS foi tal que, pretendendo capturar o Major Pierre-Louis Bourgoin "Le Manchot" ("O Maneta", pois perdera o braço direito na Tunísia), o Serviço de Segurança alemão (Sicherheitsdienst, SD) começou a prender todos os manetas da Bretanha. Militares SAS capturados, mesmo protegidos pelo uso de uniformes segundo a Convenção de Genebra, eram fuzilados na hora. Uma fazenda nos arredores de Tredion foi incendiada em represália por abrigar paraquedistas SAS feridos. Os franceses também não tomavam prisioneiros.

Na segunda fase da operação, o 2 SAS e o 3 SAS saltam em apoio. Em agosto toda a Bretanha havia sido libertada, com os alemães mantendo apenas os pontos-fortes de Saint-Malo e Lorient. O regimento SAS realizou junção com a 4ª Divisão Blindada americana (4th Armored Division, 4th AD) que veio da praia de Utah em 11 de julho. Os paras foram então usados em missões de esclarecimento para a 4th AD com o Jeep Squadron (um esquadrão de jipes no estilo africano), além de golpes de mão contra as defesas de Lorient e Saint-Malo.

"A hora da glória: em 11 de novembro de 1944, os paraquedistas SAS do 2º RCP desceram os Champs-Élysées, equipados e armados no estilo inglês. À sua frente, o Major Bourgoin, o famoso maneta [manchot]."

O 4 SAS se reorganiza em Vannes para três semanas de descanso e recompletamento. Apenas 180 operadores SAS estão entre as fileiras, tendo perdido mais de 1/3 dos seus efetivos em dois meses de ação; 23 dos 45 oficiais e 175 homens mortos ou desaparecidos. O 4 SAS é renomeado 2º Regimento de Caçadores Paraquedistas (2e RCP). Em 2 de agosto de 1944, o General de Gaulle cita o 2e RCP na Ordem da Nação (l'Ordre de la Nation) e lhe atribui a Cruz da Libertação (Croix de la Libération). O rei George da Inglaterra presenteia o SAS francês com boinas vermelhas-bordô, "amarante" em francês e usadas até hoje.

Capas do livro "Le batallion du ciel" de Joseph Kessel.

Os feitos do SAS francês na Bretanha foram imortalizados no filme Le Bataillon du ciel, um filme francês em duas partes, dirigido por Alexandre Esway, lançado em março de 1947 e depois em abril do mesmo ano. O filme é baseado no livro de mesmo nome de Joseph Kessel e relata os feitos de armas dos paraquedistas da França Livre na libertação da Normandia. O filme foi traduzido no Brasil como Nosso sacrifício, nossa glória (IMDb), e é a história ficcional do Coronel Pierre-Louis Bourgoin (interpretado por Henri Nassiet como o Coronel Bouvier), do Capitão Pierre Marienne (interpretado por Pierre Blanchar como o Capitão Ferane) e do 4 SAS (futuro 2e RCP).

Com 8,6 milhões de entradas acumuladas para suas duas partes, Le Bataillon du ciel foi, na época, o filme mais visto na França desde La Grande Illusion (12 milhões de ingressos em 1937). Em 2020, ele ainda estava na 41ª posição no ranking dos maiores sucessos de bilheteria na França.

Pierre Blanchard como o Capitão Ferane.

  • 1ª época: Eles não são anjos (Ce ne sont pas des anges, lançado em 5 de março de 1947). É a crônica da formação no campo de treinamento na Inglaterra, de um batalhão de paraquedistas SAS (Special Air Service) da França Livre em preparação à invasão aliada da França.
  • 2ª época: Solo da França (Terre de France, lançado em 16 de abril de 1947). O batalhão já formado, é lançado de pára-quedas sobre a Bretanha na véspera do desembarque de 6 de junho de 1944, sabotou as instalações do exército alemão com a ajuda dos guerrilheiros bretões, para impedi que os reforços alemães se movam e reforcem as posições alemãs na Normandia enquanto os Aliados estão lutando nas praias.

Cartazes das duas épocas.

Até 1952, os três filmes que geraram mais ingressos nos cinemas franceses eram filmes de guerra: além de Le bataillon du ciel (8,6 milhões de ingressos em março e abril de 1947), havia A Grande Ilusão (La grande illusion12 milhões de ingressos em junho de 1937) que trata da Primeira Guerra Mundial e estrelando Jean Gabin, e Por quem os sinos dobram (Pour qui sonne le glas, com 8,3 milhões de ingressos em junho de 1947), que evoca a guerra civil na Espanha; estrelando Gary Cooper e Ingrid Bergman.

Henri Nassiet e Pierre Blanchar.

Os dois filmes estão atualmente disponíveis no Youtube em sua totalidade:

Le bataillon du ciel - époque 1 - Ce ne sont pas des anges


Le bataillon du ciel - époque 2 - Terre de France


Qui Ose Gagne, de Henry Corta, e Parachutiste au 3e S.A.S. de Philippe Akar.

A Segunda Guerra Mundial não foi o fim do SAS francês. Antes mesmo das bombas atômicas forçarem o Japão a se render, o movimento comunista de Ho Chi Minh, o Viet Minh - de ideologia marxista-leninista - iniciou o movimento de independência da França. Após manobras e contra-manobras políticas e militares, o Viet Minh e a França estavam em guerra aberta já em 1946. O General Leclerc, libertador de Paris e Estrasburgo, então governador da Indochina, exige tropas para a região e pede especificamente por uma força de paraquedistas; a Meia-Brigada SAS é enviada para a Indochina e entra em combate durante as operações de retomada do Tonquim. No extremo norte da Ásia, veteranos do SAS também serviram na Coréia como parte do Batalhão Francês da ONU.

Além das operações de combate na Indochina, a Meia-Brigada SAS monta uma escola de salto e começa a treinar paraquedistas paras as demais formações paraquedistas francesas; além disso, o SAS forma paraquedistas autóctones, servindo inicialmente como intérpretes e depois formando unidades indochinesas inteiras. O SAS também abre uma escola de guerra na selva (École de brousse des terres Rouges). Inicialmente sob comando do Coronel de Bollardière, a Meia-Brigada SAS passa para o comando do Coronel Chateau-Jobert. Este veterano do 3 SAS na Bretanha também saltaria com o 2e RCP em Suez em 1956.

Stick Action Spéciale (SAS), 1er RIPMa


O atual herdeiro das tradições SAS é o 1er Régiment de Parachutistes d'Infanterie de Marine (1er R.P.I.Ma), com o título SAS significando Stick Action Spéciale (Esquadra de Ação Especial). Entre as missões mais recentes do 1er RIPMa estão:
  • A derrubada do ditador Jean-Bédel Bokassa (Operação Barracuda, 1979),
  • Captura do "Rei dos Mercenários" Bob Denard nas Comores (Operação Azalée, 1995),
  • Manutenção da paz no Líbano (anos 80),
  • Guerra do Golfo (1991),
  • Afeganistão,
  • Costa do Marfim e Mali.
Recentemente um livro sobre o SAS no Afeganistão foi publicado, Task Force 32: SAS en Afghanistan. O livro foi lançado em 2014 com muita popularidade na Europa.

O livro Task Force 32: SAS en Afghanistan, escrito pelo operador SAS Calvin Gautier do 1er RPIMa.

Post-script: o autor com paraquedistas SAS

SAS belga e legionário.

Veterano da Argélia com o 1er REP e de Katanga como mercenário.

SAS francês do 1er RIPMa.

Ele porta na boina o símbolo do SAS com a divisa "Qui Ose Gagne".

Bibliografia recomendada:

French Airborne Troops Wings and Insignia: From the origins to the present day.
Histoire & Collections.

Histoire des Parachutistes Français: La guerre para de 1939 à 1979.
Henri Le Mire.

Leitura recomendada:



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