Pelo Coronel Michel Goya, Revista Politique Étrangère, primavera de 2007.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 22 de julho de 2020.
Em julho-agosto de 2006, apesar do engajamento do equivalente ao exército e da força aérea franceses, os israelenses falharam em derrotar alguns milhares de homens no Líbano, entrincheirados em um retângulo de 45km sobre 25km. Esse é um resultado tático surpreendente e, como tal, provavelmente anunciador de um novo fenômeno. Quinze anos antes, foi o esmagamento do exército de Saddam Hussein pela coalizão liderada pelos EUA que surpreendeu. A Primeira Guerra do Golfo começou uma era de guerras limitadas, dominadas pela alta tecnologia ocidental. O fracasso de Israel no sul do Líbano sem dúvida anuncia o fim desta era.
O revelador libanês
Em 12 de julho de 2006, por razões ainda misteriosas, a milícia do Hezbollah (Partido de Deus) montou um ataque notável de profissionalismo contra um posto militar israelense. O governo de Ehud Olmert reagiu engajando sua aviação em uma guerra à distância de alta tecnologia. Por medo de um novo impasse no sul do Líbano, as forças terrestres são alinhadas na fronteira, mas não a atravessam.
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Artilharia israelense em ação, 2006. |
O Tsahal* então descobre que seus adversários se adaptaram perfeitamente ao fogo aéreo, desenvolvendo uma versão de "baixa tecnologia" de furtividade, combinando redes subterrâneas, fortificações e - acima de tudo - misturando-se com a população. Após uma semana de incursões, a campanha aérea, regulamentada como um mecanismo de relojoaria notável, neutralizou a ameaça de mísseis de longo alcance (reconhecidamente a mais perigosa), mas acabou sendo totalmente impotente para esmagar o Partido de Deus. Apesar (ou por causa) da morte de 2.000 civis libaneses e de 12 bilhões de dólares em danos, a campanha também não conseguiu dobrar o governo em Beirute. Não apenas o governo libanês não se moveu para desarmar o Hezbollah, mas conseguiu convencer organismos internacionais a iniciar um processo de imposição de um cessar-fogo. O governo israelense não podia mais economizar uma operação terrestre na tentativa de eliminar seu adversário. [1]
*Nota do Tradutor: Acrônimo em hebraico para "O Exército de Defesa de Israel" (Tsva ha-Hagana le-Yisra'el), as Forças de Defesa de Israel (IDF/FDI), compondo-se de marinha, exército e aeronáutica. Foi criado oficialmente em 1948.
[1] Sobre a guerra entre Israel e o Hezbollah, consulte o documento do Centre de doctrine d’emploi des forces (Centro de Doutrina para o Emprego de Forças), La guerre de juillet (A guerra de julho).
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Militantes muçulmanos em uniformes pretos durante um desfile. |
Após a ineficiência da campanha aérea, é então a perda de conhecimento (savoir-faire) e a inadequação dos materiais do exército do Tsahal que vêm à tona. O Hezbollah está ligeiramente equipado, mas domina perfeitamente seu arsenal, especialmente anti-carro, em uma luta descentralizada, como os finlandeses contra os soviéticos em 1940. Ele também pratica uma guerra total, tanto pela aceitação de sacrifícios quanto pela estreita integração de todos os aspectos da guerra no coração do povo. Ao contrário, o exército israelense se envolve em uma atmosfera de "zero mortes", e falha. No total, Israel perdeu 120 homens e 6 bilhões de dólares, ou quase 10 milhões de dólares por inimigo morto, e isso, sem conseguir derrotar o Partido de Deus. A esse preço, teria sido taticamente mais eficaz oferecer centenas de milhares de dólares a cada um dos 3.000 combatentes profissionais do Hezbollah em troca do exílio no exterior...
O economista Schumpeter caracterizou a crise econômica pela queda nos resultados obtidos pelo uso constante de recursos. Por esse critério, o exército israelense, tão bem sucedido no passado, está sem dúvida em uma crise tática. A impotência dos Estados Unidos no Iraque, apesar de dez milhões de dólares gastos por hora por mais de três anos, e a da Organização do Tratado do Atlântico Norte (OTAN) - que representa 80% do orçamento militar mundial - incapaz de impedir o retorno do Talibã ao sul do Afeganistão, sugere que todo o modelo ocidental de guerra está entrando em crise.
A nova guerra de laços
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O Marechal Duque de Villars lidera suas tropas durante a Batalha de Denain, em 1712. Típico exemplo das guerras de laços. |
As raízes do problema atual remontam à corrida americana de alta tecnologia para uso militar na década de 1970. Era então uma questão de confiar nos avanços industriais do momento para desenvolver um arsenal de munição extremamente precisa, possibilitando atingir a profundidade máxima do dispositivo adversário. Esperava-se, assim, que uma ofensiva do Pacto de Varsóvia fosse interrompida na Alemanha Ocidental, atingindo postos de comando, fluxos logísticos ou retardando a chegada de reforços soviéticos. Por extensão, foi possível ir além dos objetivos táticos para imaginar a destruição dos centros econômicos ou do poder político de um país inteiro, o que antes era inconcebível, com eficiência semelhante, apenas pelo uso de armas nucleares táticas.Impulsionados por orçamentos que representavam 3% a 4% do produto interno bruto (PIB), os exércitos ocidentais seguiram esse caminho, apenas para permanecer "interoperáveis" com o aliado americano. Acreditando serem obrigados a participar dessa corrida armamentista de alta tecnologia, os soviéticos se exauriram. [2]
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Soldado russo na Chechênia queimando dinheiro soviético, completamente sem valor, em 1995. |
[2] A escola soviética de pensamento da "revolução técnico-militar", liderada pelo Marechal Ogarkov na década de 1970, foi a primeira a conceituar os efeitos das novas tecnologias sobre a arte da guerra, mas na economia da A União Soviética, à beira da exaustão, foi incapaz de torná-los realidade.
Na estratégia nuclear, falava-se de uma capacidade de "primeiro ataque" quando podia-se devastar um país oponente sem medo de uma resposta atômica. Com o desaparecimento do Pacto de Varsóvia em 1991, os americanos se viram nessa situação de “primeiro ataque”, mas no domínio convencional. Eles podem se dar ao luxo de esmagar qualquer exército do mundo sem medo de reações realmente perigosas, e isto sem sofrer baixas pesadas. A era da dissuasão do fogo clássico sobrepõe-se assim à dissuasão nuclear. A primeira Guerra do Golfo é o revelador desse novo paradigma. O exército iraquiano, às vezes apresentado como o quarto do mundo, é exterminado após um mês de ataques aéreos, depois de apenas 100 horas de guerra terrestre. As perdas da coalizão são pelo menos cem vezes menores que aquelas dos iraquianos. A tese sustentada na década de 1970 de que as novas tecnologias da informação poderiam gerar uma "Revolução nos Assuntos Militares" (Revolution in Military Affairs, RMA) parece encontrar ali uma demonstração marcante.
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Tipo 69-II iraquiano capturado pela Divisão Daguet na Guerra do Golfo (1991). |
Uma nova organização das relações internacionais começou então a se aproximar dos vários "concertos de nações" que se sucederam na Europa após os Tratados da Vestfália (1648) ou o Congresso de Viena (1815). Armado com esse "primeiro ataque", os americanos e seus aliados estão em uma situação de oligopólio militar que lhes permite toda a ousadia política de impor essa "nova ordem mundial". Se o instrumento militar é herdado da Guerra Fria, os objetivos que lhe são dados permanecem, no entanto, limitados: restaurar ou impor a paz em um Estado "falido", conter as ambições de um "malfeitor", "diminuir a violência" interpondo-se entre dois beligerantes, etc.
Como os territórios nacionais das potências ocidentais não estão mais ameaçados de invasão, as ações militares agora são realizadas de longe, através de projeções de força. Essas expedições combinam a ação do arsenal de ataque à distância com o estoicismo das forças terrestres que não são manobradas, mas que são colocadas na zona de ação para ocupar o solo após os fogos (Kosovo) ou, grande novidade, mesmo antes dos fogos, em um estado intermediário entre a paz e a guerra (Bósnia). Não falamos mais de guerras, mas de operações, e a noção de combate está se tornando quase obsoleta.
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Soldado francês cobre uma mulher no famoso "Sniper Alley" em Sarajevo. |
Essa forma de empregar forças terrestres exige a presença de soldados de um tipo específico para poder servir equipamentos de alta tecnologia e, acima de tudo, imersos em ambientes físicos e humanos muito diferentes, a curtíssimo prazo, muito rapidamente e de uma maneira repetitiva. Eles não são solicitados ou raramente matam, muito menos morrem, mas devem ser pacientes, estoicos, disciplinados e, às vezes, designar alvos aos fogos aéreos. Todas essas características impõe a escolha de tropas profissionais.
Objetivos limitados, exércitos profissionais, evasão de combates, preocupação em evitar perdas: a época lembra o Iluminismo, pouco antes da Revolução Francesa reintroduzir a noção de guerra total e varrer os soldados das "guerras de laços".
O retorno da guerra total
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Operadores delta durante a Operação Anaconda (2001). |
Os ataques de 11 de setembro de 2001 e a "Guerra Global ao Terror" (que desde então se tornou "Guerra Longa") que eles desencadearam acabaram com a ilusão dessa nova Era do Iluminismo. Os Estados Unidos reintroduziram objetivos muito mais ambiciosos do que restaurar a paz ou ajudar uma população martirizada. Agora é uma questão de estabelecer a democracia em países muito distantes dela.
Para atingir esses objetivos, os Estados Unidos mantiveram a ferramenta da Guerra Fria e o espírito de guerra limitada. No Afeganistão, em 2001, a queda do Talibã foi alcançada sem a intervenção do Exército dos EUA, pela única ação combinada de fogo aéreo e forças especiais. Mais delicada, a invasão do Iraque, de março a abril de 2003, demonstrou mais uma vez as capacidades das armas modernas multiplicadas pela chegada de novas tecnologias da informação. Dessa vez, atuando simultaneamente com uma intensa campanha aérea, foram suficientes 19 dias a quatro divisões americanas e uma britânica para tomar Bagdá partindo do Kuwait. Este resultado espetacular foi obtido ao preço da morte de 148 soldados americanos e 23 britânicos.
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Fuzileiros americanos, do 1º Regimento de Fuzileiros Navais, escoltam prisioneiros-de-guerra iraquianos em 21 de março de 2003. |
Mas, ao introduzir objetivos globais, os americanos também criaram novos adversários. Em abril de 2003, Bagdá foi tomada em dois dias, já que aqueles que estavam prontos para morrer por Saddam Hussein eram raros. Um ano depois, são necessários meses e um envio maciço de forças para derrotar os poucos milhares de rebeldes mal-equipados entrincheirados em Fallujah. Obviamente, os adversários dos americanos mudaram, não por seus equipamentos, mas por sua visão da guerra. Para os rebeldes xiitas iraquianos, afegãos, palestinos e libaneses, a guerra é total; eles empregam, portanto, meios "totais", como o combate-suicida. Esses adversários são chamados assimétricos porque praticam métodos radicalmente diferentes daqueles dos exércitos ocidentais, mas a principal diferença não está nos métodos: ela é acima de tudo moral.
Mais sério: esses adversários não estão apenas prontos para morrer, mas estão lutando cada vez melhor. O caso Hezbollati ou dos rebeldes afegãos foi mencionado em 2006, mas poderia descrever o exército Mahdi do aiatolá Moqtada al-Sadr. Ao integrar perfeitamente todos os aspectos políticos, midiáticos, sociais e militares de sua ação, este último ainda existe, apesar dos golpes que sofreu em 2004. Inclusive ele se permitiu o luxo, com seus combatentes, geralmente adolescentes mal-equipados, de humilhar o contingente espanhol, de repelir duas vezes um batalhão de elite italiano e depois derrotar a política britânica em Basra. Moqtada al-Sadr, um dos piores inimigos dos americanos, podia circular livremente no Iraque. [3]
[3] Sobre a guerra de guerrilha no Iraque, consulte "Les armées du chaos" (Exércitos do Caos) e a Edição Especial da revista Doctrine (Doutrina), "La guerre après la guerre" (A Guerra Após a Guerra), do Centro de Doutrina para o Emprego de Forças.
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Combatentes do exército Mahdi desfilando abertamente por ruas iraquianas em 2014. |
O exército Mahdi perdeu milhares de homens em combate, mas pôde contar com os bairros xiitas mais miseráveis do Iraque, e como os guerrilheiros sunitas, com uma "base de recrutamento" de um milhão de homens em idade suficiente para portar armas. Estes são, para usar as palavras do conde de Guibert em sua Tese Geral de Tática (Essai général de tactique [4]), "nações em armas" enfrentando "exércitos de príncipes". Os primeiros unicamente, segundo Guibert, são capazes de ir além do quadro de guerras limitadas.
[4] Publicado anonimamente em 1770 na Holanda, este trabalho foi re-editado sob o nome do autor em 1772: J. de Guibert, "Essai général de tactique" (Tese Geral de Tática) precedido por um "Discours sur l’état actuel de la politique et de la science militaire en Europe" (Discurso sobre o estado atual da política e da ciência militar na Europa), com o plano de um trabalho intitulado: La France politique et militaire (A França política e militar), Londres, Les Libraires associés, 1772 (nota do editor).
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Fuzileiros navais americanos da Força-Tarefa Tarawa revistam um CLAnf destruído atrás de pedaços humanos e outros ítens pessoais na cidade iraquiana de Nasiriyah, em 29 de março de 2003. |
A luta desses movimentos é facilitada pela dificuldade desses "exércitos de príncipes" de se adaptarem. Os últimos estão descobrindo que não são tão convincentes quanto pensavam. Eles descobrem também que são fraturados.
A fratura tática
Uma hora de vôo de um caça-bombardeiro moderno custa várias dezenas de milhares de dólares (50.000 para um Rafale [5]), e os projéteis que carregam representam várias dezenas de milhares. [6] Na guerra do verão de 2006, os israelenses realizaram mais de 10.000 missões de caças-bombardeiros, 9.000 missões de outros tipos (drones, transporte etc) e lançaram cerca de 10.000 bombas e 7.000 mísseis. A campanha aérea, portanto, custou no total entre um e dois bilhões de dólares. A fatura poderia ter sido ainda mais pesada se o Hezbollah tivesse um arsenal antiaéreo eficaz. [7] Em uma situação semelhante àquela de outubro de 1973 (114 aviões destruídos e 236 danificados em 19 dias de combate [8]). e na taxa atual de 100 a 150 milhões de dólares por caça-bombardeiro, apenas as perdas aéreas teriam custado a Israel 1% do PIB por dia de guerra.
[5] Os valores para o custo do equipamento francês são retirados do relatório nº 27 da Comissão de Defesa Nacional e das Forças Armadas e do relatório à Assembléia Nacional nº 385.
[6] Cada uma das 2.000 sortidas aéreas francesas sobre a Sérvia e o Kosovo em 1999 custou uma média de 51.000 dólares, mas apenas 420 missões realizaram um tiro efetivo. Os 718 projéteis lançados (a maioria dos quais eram bombas lisas não-guiadas menos onerosas) custaram 60 milhões de dólares. Relatório de informação nº 1775, apresentado pela Comissão de Finanças, Economia Geral e Planejamento, sobre o custo da participação da França nas operações para solucionar a crise no Kosovo.
[7] As perdas aéreas na guerra Israel-Hezbollah são limitadas a uma aeronave F-16 I, três helicópteros de ataque Apache e um helicóptero de transporte.
[8] P. Razoux, La Guerre israélo-arabe d’octobre 1973, Paris, Economica, 1999.
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Coluna de carros de combate Leclerc no sul do Líbano. |
Os armamentos terrestres não são deixados de fora, em outra escala, já que um helicóptero de ataque de última geração custa 25 milhões de dólares e um carro de combate como o Leclerc chega a 20 milhões de dólares. Como cada nova geração de equipamentos é duas a oito vezes mais cara que a anterior [9], e como os orçamentos militares estão em declínio relativo há mais de quinze anos, certas tensões são inevitáveis.
[9] O custo de um caça Rafale é aproximadamente o dobro daquele do Mirage 2000D (colocado em serviço em 1993), o quádruplo daquele das primeiras versões do Mirage 2000 (1984) e pelo menos seis vezes aquele do Mirage F1 (1974, ainda presente no ordem de batalha). O custo de um tanque Leclerc é cerca de três vezes aquele de um AMX-30. O Veículo Blindado de Combate de Infantaria (véhicule blindé de combat d’infanterie, VBCI), que entrará em serviço em 2008, custa pelo menos seis vezes mais do que o AMX-10P que substituirá. A proporção é aproximadamente a mesma entre o helicóptero Tiger, na versão anti-tanque, e seu antecessor, ou entre o futuro helicóptero de transporte NH90 e o Puma. Esses números vêm de várias fontes, incluindo o site http://www.obsarm.org; relatórios à Assembléia Nacional n° 385 e 1775, disponíveis em http://www.assemblee-nationale.fr.
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F-22 Raptor da Lockheed Martin. |
Sendo todas as outras coisas iguais, a primeira consequência desse aumento de custos é a redução das frotas disponíveis. O número de tanques no exército francês cai de 2.150 em 1976 para 400 atualmente. Em 1977, levando essa lógica ao limite, Norman R. Augustine, presidente da Lockheed-Martin, estimou que em 2050 todo o orçamento do Pentágono só poderia comprar um único avião. Este seria atribuído três dias por semana à Força Aérea, três dias à Marinha e o sétimo ao Corpo de Fuzileiros Navais...
Mas as coisas não são iguais em outros lugares. Os custos crescentes esgotariam os recursos de certos equipamentos em detrimento de recursos considerados secundários. No verão de 2006, os israelenses lamentaram amargamente não ter renovado seus veículos de combate de infantaria datados da década de 1970, e se tornaram muito vulneráveis às modernas armas anti-carro do Hezbollah. Os reservistas, por sua vez, descobriram que estavam menos bem equipados individualmente do que os milicianos que enfrentavam.
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Treinamento de baioneta do Exército Britânico. |
O empobrecimento não é apenas material, é também humano. Os efetivos dos exércitos ocidentais diminuíram constantemente desde o início dos anos 1990, e não apenas como resultado da profissionalização que de repente torna os soldados escassos e caros. Os efetivos do Exército dos EUA (profissionalizado desde 1973) diminuíram em um terço entre 1991 e 2001. Nos encontramos assim, em proporção à população, com menos combatentes americanos no Iraque do que policiais nas ruas de Nova York e um contingente da coalizão no Afeganistão quatro vezes menor em número que aquele dos soviéticos na década de 1980.
Mas um exército não é uma simples justaposição de homens e de materiais, ele é também um "portfólio de habilidades". No entanto, o savoir-faire que não pode ser mantido por meio de treinamento sustentado e realista, ou por meio da ação, murcha. Ao reduzir o treinamento de combate de alta intensidade por falta de recursos financeiros ou de tempo (também uma conseqüência de fracos efetivos em alta demanda), introduzimos um primeiro empobrecimento de competências. Ao reservar o combate a uma elite de forças especiais ou recursos de tiro à distância, ambos considerados mais seguros, esse empobrecimento é acentuado, impedindo a experiência de compensar a falta de treinamento.
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Fuzileiros navais do Brasil e do México durante o exercício UNITAS Anfíbio 2015. |
Após a guerra de julho, um general israelense observou amargamente que o custo de apenas um dos 250 aviões F-16 da força aérea israelense era igual ao orçamento anual de treinamento dos 300.000 reservistas do país, os quais, por economia, viram o seu período anual de mobilização e treinamento passando de 30 para 14 dias. Ele também notou que o exército da ativo não sabia mais fazer nada além de operações de guarda, controle de multidões e guarnição de postos de controle. As ações ofensivas nos territórios ocupados foram quase inteiramente realizadas por caças, helicópteros e comandos. Ao longo dos anos, sob o efeito desses vários fenômenos, o exército israelense se dividiu em três: um exército de guerra à distância centrado em torno da força aérea e das forças especiais; um exército terrestre da ativo que perdeu algumas das suas habilidades e cujo equipamento não foi completamente renovado; e um exército de reserva completamente negligenciado.
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Soldados britânicos e iraquianos se preparam para destruir granadas de artilharia abandonados para que não possam ser transformados em artefatos explosivos improvisados. |
A conjunção desse fracionamento, os custos crescentes dos equipamentos modernos, sem um aumento proporcional de eficiência, a adaptação dos adversários e a assimetria moral das guerras atuais, levam à queda nos rendimentos, sinônimo de crise, identificada por Schumpeter. O caso da Organização Conjunta para Derrota de IED (Joint IED Defeat Organization, JIEDDO) é emblemático dessa queda de eficiência. A JIEDDO é a organização americana responsável pela luta no Iraque contra dispositivos explosivos improvisados (Improvised Explosive Devices, IED). Em 2004, seu orçamento era de 100 milhões de dólares. Em 2005, subiu para 1,2 bilhão de dólares, depois para 3,4 bilhões em 2006. A luta contra os IED tornou-se, assim, um dos programas públicos mais importantes da história dos Estados Unidos, juntamente com o projeto Manhattan para fabricar a arma atômica, ou o projeto Apollo para conquistar a Lua. Tudo isso para combater a ameaça de dispositivos caseiros feitos de obuses, foguetes ou bombas de avião, cargas explosivas e de um meio de acionamento, ou seja, alguns milhares de dólares, tudo incluído. Apesar da enormidade das quantias gastas, o número de ataques por IED aumentou de 10 por dia no início de 2004 para 40 em 2006. Os estoques de obuses (granadas de artilharia) no Iraque podem permitir que ataques de IED continuem por quase 250 anos, enquanto 800 soldados americanos já foram mortos por este recurso.
Algumas lições para a França
A França foge desse fenômeno com uma nova exceção? Durante uma longa tendência, e sem voltar à era napoleônica, só podemos observar o declínio do nosso "peso militar relativo", em consonância com a evolução do nosso peso demográfico e econômico. Alguns franceses ainda se lembram de ouvir que seu exército era o melhor do mundo. Outros, mais numerosos, lembram que apenas 50 anos atrás, fomos capazes de engajar duas divisões em uma vasta operação anfíbia e aerotransportada no litoral egípcio, enquanto travávamos uma guerra na Argélia e assegurávamos uma forte presença no seio da OTAN. Seríamos no máximo capazes de lançar um batalhão por via aérea e desembarcar um outro na costa.
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Paras franceses do 2e RPC (Régiment de Parachutistes Coloniaux), que saltaram no Porto Said, inspecionam um fuzil capturado dos egípcios, 1956. |
Sem dúvida, a queda nos rendimentos também nos atinge igualmente, e talvez mais do que outros. Em um orçamento de defesa que passou de 3% do PIB em 1980 para 1,9% atualmente, a manutenção de grandes programas fornecidos pela indústria nacional (26 bilhões de euros para o programa Rafale, 7,7 bilhões para o porta-aviões Charles de Gaulle, 7 bilhões para o projeto de helicóptero franco-alemão Tigre, 5,7 bilhões para o tanque Leclerc) empobreceu mecanicamente o ambiente desses locais emblemáticos. Os veículos de transporte, como o avião Transall ou o helicóptero Puma, estão muito gastos depois de quase 40 anos de serviço. As frotas de combate e transporte dos regimentos do Exército estão apenas pela metade. O resto está em manutenção.
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Transall C-160 lançando paraquedistas. |
O empobrecimento é, também, humano; quantitativamente, uma vez que quase todas as companhias e esquadrões da França têm escassez de pessoal, mas também, sem dúvida, qualitativamente. Nossos soldados estão se saindo notavelmente bem em suas missões atuais, mas e se nossas forças estivessem envolvidas em combates de alta intensidade e em larga escala? Exceto durante a primeira Guerra do Golfo, não enfrentamos o problema seriamente. E, novamente, neste caso, exceto por nossos aviões Jaguar que sofreram muito em seu primeiro emprego, a oposição era muito fraca. Portanto, achamos difícil avaliar a nós mesmos.
Algumas pistas podem nos ajudar a ver com mais clareza. Em novembro de 2004, para esmagar 3.000 rebeldes entrincheirados em Fallujah, uma cidade do tamanho de Montpellier, os americanos reuniram o equivalente a um terço do corpo de batalha aeroterrestre do exército francês. Deve-se lembrar que eles também tiveram a experiência de um primeiro cerco da cidade em abril, e anos de treinamento intensivo em combate urbano e em cooperação inter-armas e inter-exércitos. De maneira mais ampla, o Corpo de Fuzileiros Navais americano, o equivalente ao nosso Exército e Força Aérea, mobilizou cerca de 30.000 homens na província de Al-Anbar, oeste do Iraque, desde 2004, sem conseguir pacificá-la. Mais de 700 fuzileiros já tombaram lá. Vimos que, para enfrentar o Hezbollah (cerca de 10.000 homens), o exército israelense havia enviado oito brigadas e 400 tanques, ou seja, mais ou menos a nossa ordem de batalha terrestre e o equivalente a nossa força aérea, perto de suas bases, sem conseguir vencer. Diante de um inimigo altamente motivado, bem adaptado ao fogo moderno e no terreno, agora só podemos esperar derrotar uma milícia de alguns milhares de homens.
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Fuzileiros navais americanos de baionetas caladas lutando de casa-em-casa em Fallujah, 2004. |
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Exército vermelho chinês durante manobras conjuntas com a Mongólia e a Rússia. |
Não podemos ignorar esses debates na França. O custo de uma avião Rafale é equivalente ao de um regimento de infantaria (equipamentos e salários do pessoal incluídos na vida útil de uma aeronave). Entre os 300 Rafale (ou os dois outros modelos de caça de que dispomos) e os 20 regimentos de infantaria existentes, é óbvio que, a curto prazo, serão os últimos que serão os mais utilizados. Eles já estão fornecendo a maior parte dos nove grupos táticos que atualmente nós engajamos em operações (Líbano, Afeganistão, Costa do Marfim, Kosovo, Plano Vigipirate) e os outros oito que mantemos fora da metrópole, próximos a áreas de crise. Eles também fornecem a esmagadora maioria das perdas que tivemos em operações nos últimos 20 anos, [10] enquanto nenhum homem foi perdido em combate aéreo, combate naval ou combate tanque contra tanque.
[10] Ou seja, cerca de 200 mortos e 1.000 feridos por atos hostis.
Uma lei econômica antiga considera que, quando o custo de um dos dois fatores de produção, capital ou trabalho, aumenta, torna-se preferível investir no outro. Como o "capital", isto é, a alta tecnologia, fica muito caro, torna-se lógico investir em "trabalho", isto é, nas pessoas. Além disso, trata-se de um simples problema de eficiência. A guerra agora ocorre quase exclusivamente entre as populações; Nesse contexto, o melhor sistema de armas, capaz de atirar com precisão sem causar "danos colaterais", de dialogar, de fornecer assistência humanitária, de buscar inteligência etc, permanece o combatente terrestre. O Exército dos EUA não se enganou, que agora considera que sua principal fonte de eficácia reside mais nos sargentos-chefes de grupos de infantaria do que na guerra centrada em informações (network centric warfare, NCW). Desde 2003, a infantaria americana aumentou sua força em 10% a cada ano.
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Homens do 13e RDP correm para os helicópteros durante a Guerra da Argélia. |
No entanto, não é um efeito pêndulo do retorno ao exército da Guerra da Argélia, mas sim de conceber um modelo equilibrado. Mesmo ao investir em mão-de-obra, os soldados profissionais são "trabalhadores qualificados" que permanecerão escassos e caros. Para serem eficazes, eles devem estar equipados com equipamentos eficientes. Para isso, não é preciso necessariamente jóias tecnológicas, mas de veículos aéreos ou terrestres cada vez mais numerosos e mais adaptados. De longe, a aeronave mais eficiente atualmente no Iraque e no Afeganistão é o avião de ataque AC-130, uma aeronave de transporte convertida em uma fortaleza voadora repleta de canhões disparando de janelas e dotada de eletrônicos de última geração. Por um quinto do custo do programa de caças F-22, os americanos estão construindo sete brigadas de 3.000 homens montados em veículos Stryker. Essas unidades combinam equipamentos comprovados (o Stryker é derivado de um veículo existente), muito mais homens do que as brigadas anteriores (a torre do Stryker é deliberadamente reduzida para poder embarcar mais soldados de infantaria) e alta tecnologia, graças ao instrumentos de digitalização que equipam todos os veículos. [11]
[11] Os instrumentos de digitalização combinam geolocalização e transmissão de dados.
Para alguns, no entanto, privilegiar o "trabalho" sobre o "capital" apresenta o risco de perder certas habilidades industriais estratégicas, que podem estar extremamente ausentes no futuro mais distante. Em resumo, a menos que o orçamento seja aumentado, é uma questão de escolher entre uma certa vulnerabilidade no curto prazo e uma outra, possível, no longo prazo. Não fazer escolha alguma é condenar-se à impotência em todas as frentes.
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Michel Goya, tenente-coronel e editor do Centro de Doutrina de Emprego de Forças (Exército), é responsável por fornecer feedback das operações francesas e estrangeiras na região da Ásia/Oriente Médio. Ele é o autor de La Chair et l'Acier (Paris, Tallandier, 2004), que se concentra no processo de evolução tática do exército francês durante a Primeira Guerra Mundial. Este livro foi traduzido como A Invenção da Guerra Moderna pela Bibliex. Goya também foi o autor do livro Sous le Feu: La mort comme hypothèse de travail (traduzido no Brasil como Sob Fogo: A morte como hipótese de trabalho). |
Bibliografia recomendada:
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Concrete Hell: Urban warfare from Stalingrad to Iraq. |
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Por um Exército Profissional. |
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Sous le Feu: La mort comme hypothèse de travail. |
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Operation Phantom Fury: The assault and capture of Fallujah, Iraq. |
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The Operators. |
Leitura recomendada: