Por Ronaldo Olive, 07 de junho de 2013 (1984).
Tradução Filipe do A. Monteiro.
Hoje temos mais um artigo de Ronaldo Olive, reimpresso com sua permissão. Isso foi originalmente publicado no Jane's Defence Weekly em 1984, quando o LAPA FA-03 ainda estava mais ou menos em fase de protótipo - os fuzis bullpup* se tornaram mais amplamente aceitos desde então. Infelizmente para o LAPA, o Modelo 03 não foi aceito para uso militar, e nenhuma encomenda estrangeira foi recebida - apenas este único protótipo foi construído. Então, sem mais delongas, leia sobre esse fuzil de combate brasileiro com algumas características interessantes. Obrigado Ronaldo!
- Ian McCollum
*Nota do Tradutor: Bullpup, de inglês intraduzível significa “tudo à retaguarda” por associação.
Fuzil de Assalto LAPA 5.56 mm Atinge a Fase Oficial de Testes.
A aparição de mais um fuzil de assalto de 5,56mm na cena militar pode não atrair muita atenção, a menos que ele tenha a configuração bullpup agora na moda, o que lhe dá uma chance maior de receber mais do que apenas um olhar casual. E se este fuzil incorpora características novas e principalmente úteis, então ele merece um exame completo. É o caso do LAPA FA Modelo 03, recém-chegado à arena dos fuzis de pequeno calibre, que está prestes a iniciar o teste oficial de certificação no Campo de Provas da Marambaia, uma filial do CTEx - Centro Tecnológico do Exército. Recentemente, a Janes Defense Weekly teve a chance de disparar essa nova arma e avaliar suas características gerais.
O FA (Fuzil Automático) Modelo 03 foi projetado pelo LAPA - Laboratório de Projetos de Armamento Automático, uma área de P&D baseada no Rio de Janeiro. Os trabalhos iniciais começaram no final de 1978. Após cerca de um ano, um protótipo de viabilidade técnica foi concluído, e suas características mais promissoras levaram a protótipos adicionais para refinar o projeto. Senões inevitáveis foram gradualmente removidas e a arma brasileira evoluiu para uma realidade confiável e funcional. Após a certificação, deve entrar na produção para atender a demanda local e estrangeira, mas a empresa não especificaria datas. Tampouco se comentariam as abordagens relatadas por países estrangeiros interessados em acordos de produção licenciados, mas considerada a dura concorrência no setor de armas, sua reticência em tornar públicos alguns detalhes é compreensível.
DESCRIÇÃO
O arranjo do fuzil bullpup é o resultado de querer torná-lo o mais compacto possível sem encurtar o cano a um ponto em que a eficiência balística seja degradada. Então, o gatilho é movido para frente e o mecanismo de disparo, junto com o carregador, é encaixado na cavidade da coronha.
O corpo do LAPA FA Modelo 03 é construído em grande parte de plástico de alto impacto, possui contornos particularmente elegantes e é agradável de manusear e transportar. Uma configuração de linha reta bem projetada, de fato, resultou no fuzil ser capaz de ficar equilibrado na soleira da coronha! Isso também determinou a configuração das miras elevadas: a alça de mira, uma abertura com giro de duas posições (200 m e 400 m), está alojada dentro da alça de transporte estilo AR-10, enquanto a massa de mira é uma coluna protegida em cima de uma armação metálica erguida na boca do cano. O raio é (para a configuração bullpup) um generoso 374 mm (14,7 polegadas). A alavanca de manejo, que permanece estacionária quando a arma é disparada, está dentro da alça de transporte e a extremidade superior corre ao longo de uma fenda na parte de baixo da alça, dando-lhe mais rigidez.
MUNIÇÃO
Atualmente, a arma é calibrada para o cartucho M193 de 5,56 x 45 mm tipo comum, o cano de 490 mm (19,3 polegadas) tendo um raiamento de seis raias com um passo de uma volta em 305 mm (1:12 polegada). Exemplos de produção, como esperado, também terão os canos adaptados para a nova munição SS109 da OTAN. Um quebra-chama é montado no cano e um acessório para baioneta é fornecido. A alimentação no protótipo é feita por carregadores metálicos tipo cofre de 20 ou 30 tiros do tipo do M-16, mas as armas de produção são suscetíveis de usarem carregadores de plástico curvos de 20, 30 ou 40 tiros. O carregador é inserido de baixo para cima dentro do alojamento da coronha, e o retém na parte traseira é pressionado para frente para liberar o carregador. A janela de ejeção, que pode ser ajustada facilmente para atiradores destros ou canhotos, é equipada com uma cobertura de mola que se abre quando a arma é engatilhada ou disparada.
MECANISMO DE DISPARO
As inovações reais são aquelas encontradas no mecanismo de disparo. No lugar dos arranjos de segurança mais convencionais aplicados, o FA Modelo 03 tem uma configuração de ação dupla para o cão, mantendo-o pronto para uso imediato, e ao mesmo tempo protegido contra disparos acidentais. Uma única alavanca, no lado esquerdo da coronha entre o alojamento do carregador e a soleira, é ajustada para um dos três modos de disparo (“30” para automático; “3” para rajada controlada de 3 tiros; “1” para fogo semi-automático) e os dois modos de ação (“SA” para ação única [single action] e “DA” para ação dupla [double action]).
Após ou antes de armar e alimentar as armas, o que é feito puxando a alavanca de manejo cerca de 110 mm (4,3 polegadas) para trás e liberando-a, o atirador ajusta a alavanca seletora de tiro em uma das três posições de tiro. Caso disparado imediatamente, o fuzil será ajustado para ação única, exibindo assim um gatilho mais curto e mais leve. Depois de disparar alguns tiros, ou se nenhum uso imediato for previsto, a alavanca pode ser movida para a marca “DA” e retornada a uma das três posições de tiro. Isso derrubará o cão, permitindo que a arma seja transportada com total segurança, com uma bala carregada na câmara e pronta para a ação: tudo o que é necessário é puxar o gatilho (que terá uma tração mais longa e mais pesada) para disparar o fuzil. Se for necessária mais precisão para o primeiro disparo, o atirador pode mover a alavanca para a marca "SA" e voltar para a posição de tiro escolhida, o que fará com que a arma dispare o primeira tiro em ação simples. A operação é por gás, a partir de uma janela localizada a cerca de 160 mm (6,3 polegadas) da boca do cano, que aciona um conjunto de pistão/haste ortodoxo. O trancamento da culatra é conseguido pelos ressaltos do ferrolho rotativo.
A desmontagem de primeiro escalão para limpeza de rotina é relativamente simples e não requer ferramentas. Depois de retirar o carregador e verificar se a arma está descarregada, o retém da soleira é removido lateralmente para a direita, o que permite que a soleira junto com a mola de recuperadora e seu alojamento sejam puxados para fora da coronha. O retém de desmontagem, na lateral da empunhadura da pistola, é então removido da arma lateralmente para a direita, separando o corpo em duas metades. A metade inferior, que inclui o alojamento do carregador, a empunhadura da pistola e o guarda-mão, alojam o mecanismo de disparo, que fica totalmente exposto para limpeza normal, não sendo necessária a desmontagem adicional desse grupo. Com a alavanca de manejo puxada para a posição traseira, a tampa plástica superior pode ser removida, expondo o cano/conjunto do ferrolho. A tampa da caixa da culatra tubular de metal é desparafusada, e isso permite que o ferrolho e o conjunto do ferrolho deslize para fora. A haste de gases e o pistão podem então ser removidos. Um procedimento invertido é usado para remontar a arma.
Acima: LAPA FA Modelo 03 com bandoleira.
IMPRESSÕES DO TIRO
Fuzis Bullpup não são facilmente encontrados, especialmente no Brasil, então essa foi uma primeira experiência prática. Apesar da preparação psicológica, a primeira impressão é de uma arma do tipo “Guerra nas Estrelas”, mesmo que as linhas do FA Modelo 03 sejam conservadoras se comparadas com, digamos, o Steyr AUG. Depois de manusear por alguns minutos, porém, e me acostumar com a localização incomum do carregador, sua compactação pôde ser apreciada: apenas 735 mm (28,9 polegadas) de comprimento, e com superfícies muito lisas, é “agradável” de manusear e transportar, o que é especialmente importante para longas marchas, quando o fuzil é transportado pela bandoleira em seu corpo. O retém frontal da bandoleira gira livremente em torno do cano, e acoplado a um retém traseiro de duas posições (por cima/por baixo da coronha), permite que o fuzil seja carregado em várias posições.
Acima: Ronaldo Olive com o LAPA FA Modelo 03.
DISPARANDO DO OMBRO
Sem o seu carregador, o protótipo do fuzil de assalto LAPA pesa 3,2 kg (7,0 libras), embora as armas de produção devam pesar 2,8 kg (6,2 libras). Para o disparo de ombro mirado, as miras estão em uma posição confortável para o olho. A alça de mira com mola gira facilmente para a posição de 200 m ou 400 m, sendo ao mesmo tempo rígida o suficiente para não ser deslocada acidentalmente. É ajustável para resistência ao vento, enquanto a massa de mira com torre protegida pode ser ajustada para elevação. A abertura de visão da alça de mira é um pouco pequena demais para a rápida aquisição do alvo, mas isso deve ser corrigido em armas de produção, segundo o LAPA.
Acima: Miras do LAPA FA Modelo 03.
A posição da alavanca de manejo, na parte superior da arma, a torna ambidestra, mas como ela precisa ser puxada com um ou dois dedos, a tração parece mais pesada quando comparada a uma alça que pode ser segurada com o apoio do polegar. Isso é mais do que compensado, no entanto, pela alça permanecendo fora do caminho em todos os momentos.
O estande de testes foi fisicamente limitada a cerca de 50m, portanto a precisão de longa distância estava fora de questão. Disparado do ombro, o fuzil é confortável e proporciona um bom descanso para a bochecha do atirador na coronha. Embora a culatra esteja mais próxima da orelha do que nos fuzis convencionais, não há aumento perceptível no nível de ruído, embora as medidas instrumentadas possam provar o contrário. A configuração em linha reta do fuzil, com o eixo do cano estendendo-se diretamente ao ombro junto com o recuo muito baixo inerente à munição de 5,56mm, mantém o FA Modelo 03 estável em fogo semiautomático. Nesse modo, de pé, ajoelhado e deitado, a arma era manuseada bem.
Acima: O autor disparando LAPA FA Modelo 03.
Rajadas controladas de 3 tiros foram disparadas tanto do ombro quanto do quadril, as armas sempre permanecendo muito estáveis. O gatilho deve ser mantido puxado pela duração da rajada. Nessa configuração, se apenas um ou dois tiros forem disparados, o mecanismo será reiniciado automaticamente para estar pronto para disparar mais três vezes quando o gatilho for puxado novamente.
FOGO AUTOMÁTICO
Uma grande quantidade de fogo automático (cerca de 700 tiros/ minuto) foi realizado, com a arma na altura do quadril, estilo de assalto. Mais uma vez, a controlabilidade era excelente, e a extrema compacidade do desenho, fazendo com que o fuzil tivesse apenas 60mm (2,4 polegadas) a mais do que a maioria das submetralhadoras de coronha, seria um bônus definitivo no combate aproximado. O fogo instintivo em engajamentos com múltiplos alvos, por exemplo, é muito facilitado pelo fato da empunhadura da pistola estar localizada quase na metade do comprimento da arma, permitindo movimentos mais rápidos do cano em alvos diferentes. Disparos com uma mão, com e sem o apoio da bandoleira, mostram o seu notável equilíbrio e com uma ligeira pressão entre o braço e o corpo, o fuzil é mantido estável mesmo em fogo automático.
Nas fotografias, a janela de ejeção pode parecer muito próxima do braço para conforto, no entanto, na prática, os cartuchos usados ejetam bem acima e para frente, nem mesmo o calor dos gases é sentido por um braço desprotegido, portanto a segurança não é comprometida.
FICHA TÉCNICA
Calibre: 5,56 mm.
Raiamento: Seis Raias, 1:12’’ volta.
Peso total (vazio): 3,2 kg (7,0 polegadas).
Comprimento total: 735 mm (28,9 polegadas).
Comprimento do cano: 490 mm (19,3 polegadas).
Miras: Alça de mira de abertura com giro dual (200 m e 400 m), torre frontal.
Raio da Mira: 374 mm (14,7 polegadas).
Capacidade do carregador: 20 ou 30 tiros (carregadores STANAG).
Cadência de tiro: 700 tiros/ minuto.
Como são as possibilidades da vida.
ResponderExcluirEsta matéria acima foi uma das primeiras que li sobre fuzis, lá nos idos dos anos 80.
E posso afirmar que a forma e profundidade de conhecimento e informações técnicas que o Mestre Olive passa é perfeito e isso me fez enveredar pelo caminho, me levando a tentar seguir seus passos escrevendo algumas matérias sobre fuzis.
Infelizmente para este projeto, muita conspiração empresarial pesou contra, fazendo que o mesmo levasse muito tempo de "maturação" e praticamente nunca sendo aprovado para uso pelo Exército, não por problemas do projeto e sim, por motivos que já foram relatados.
Como um lobby pesado da Colt Firearms, detentora na época de ações da CBC e fornecedora das munições para o EB.
Perdeu-se uma gigantesca oportunidade de inserir na seio da tropa um moderno fuzil nacional, algo não atingido até hoje.
Bom da Claudio! O Ronaldo Olive é uma das minhas referências no que tange a fonte de informação sobre armas de fogo. Desde a década de 80, leio material dele, seja nas antigas revistas Magnum, seja em revistas estrangeiras. Tenho o livro dele sobre fuzis e submetralhadoras, que é bastante abrangente na variedade de modelos apresentados. Sem duvida um dos maiores nomes brasileiros dentro da imprensa especializada em armas de fogo.
ResponderExcluirCarlos, você não tem canal no YouTube?
ResponderExcluirCarlos, que tal uma matéria sobre o fuzil ARX100, fuzil comprado a Beretta pela PM SP?
ResponderExcluirRONALDO OLIVE:
ResponderExcluir9 de junho de 2013
Fuzil bullpup LAPA: a história final
Há muito tempo, Nelmo Suzano, o projetista do fuzil, me disse que logo depois de ter sido enviado ao Campo de Provas da Marambaia do Exército Brasileiro, no Rio de Janeiro, para o programa oficial de certificação que o liberaria para produção em série (não era, de fato, uma avaliação do Exército para possível uso), ele recebeu relatórios de que três problemas de extração de cartuchos haviam ocorrido em cerca de 500 disparos. Como ele e várias outras pessoas, inclusive eu, já haviam disparado milhares de tiros com a arma praticamente sem problemas, ele ficou surpreso e se dirigiu ao centro de testes para recuperar o fuzil e as 5.500 munições restantes das 6.000 munições totais da CBC, adquiridas para os testes. Um exame detalhado da arma não mostrou problemas, tanto internos quanto externos, então o Nelmo voltou sua atenção para a munição.
Os cartuchos envolvidos nos incidentes apresentaram o que ele chamou de "protuberâncias de sobrepressão". Após examinar uma medição de cada uma das munições não-disparadas, ele descobriu que 64% delas apresentavam discrepâncias de tamanho ou formato que levariam a variações inaceitáveis de folga quando carregadas e disparadas. Mais ainda, foram encontradas algumas balas com a espoleta montada para trás (!) e algumas tinham a bala fora de alinhamento com o cartucho. O Nelmo então levou as munições com defeito para a fábrica da CBC e mostrou-as a um executivo da empresa, que não poderia dar explicações satisfatórias além de dizer que as “cabeças rolariam”… No caso, o fuzil não foi devolvido ao Campo de Provas da Marambaia, outros associados da empresa LAPA desistiram de sua participação financeira no programa e Nelmo foi deixado em paz. Naquela época, ele havia recebido um pedido das forças armadas da Malásia que desejavam que oito armas fossem enviadas imediatamente para um programa de avaliação que levaria à produção local do fuzil bullpup brasileiro. Ele não podia ter as armas prontas a curto prazo, então a coisa toda não prosseguiu. Recorde-se que, mais tarde, o Steyr AUG foi adotado pela Malásia e produzido lá sob licença ...
Revoltante.
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