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quinta-feira, 2 de setembro de 2021

Por que o Afeganistão não foi um fracasso da autonomia estratégica europeia

Forças alemãs perto do Campo Marmal durante uma patrulha fora de Mazar-e-Sharif, Afeganistão, em novembro de 2009.
(Resolute Support Media)

Por Ulrike FrankeEuropean Council on Foreign Relations, 2 de setembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 2 de setembro de 2021.

Torcendo as mãos sobre o suposto fracasso da Europa em tomar a frente no Afeganistão ignora o fato de que os europeus estavam lá principalmente para apoiar os EUA.

A guerra no Afeganistão acabou - pelo menos para as forças armadas ocidentais. Esta semana, as últimas tropas americanas retiraram-se e os soldados europeus partiram com elas. Na Europa, a retirada caótica e as imagens horripilantes de pessoas agarradas a aeronaves que partem geraram muita inquietação e discussões renovadas sobre as capacidades militares europeias.

A principal motivação da Europa para enviar soldados ao Afeganistão foi apoiar os EUA após o 11 de setembro.

Eu seria a primeira a lamentar o estado da defesa e das capacidades militares europeias. Argumentei que os europeus, e especialmente os alemães, não deveriam deixar a peteca cair nos esforços de defesa da UE. Alertei que os esforços europeus de defesa comum podem apresentar problemas, dada a política de neutralidade militar de vários Estados europeus. Acredito que os europeus deveriam investir mais em sua defesa e serem capazes de fazer mais sem os Estados Unidos, embora permanecendo parceiros próximos dos EUA e membros confiáveis da OTAN. A Europa não teria sido capaz de continuar a operação no Afeganistão sem os EUA e não teria sido capaz de manter a segurança do aeroporto de Cabul no curto espaço de tempo disponível. Portanto, se a operação no Afeganistão levar europeus a defenderem capacidades militares europeias mais fortes, sou totalmente a favor.

No entanto, a discussão atual que ocorre na Europa está equivocada. Apesar de suas deficiências, a operação e a retirada do Afeganistão não colocam em questão as capacidades militares europeias. Nem representam um fracasso do objetivo da União Europeia de “autonomia estratégica”.

Os comentaristas sugerem que, quando os Estados Unidos decidiram deixar o Afeganistão, a Europa ficou parada, temerosa e impotente. A retirada, segundo o argumento, coloca em risco a credibilidade da Europa. Até mesmo um estimado colega meu afirmou nestas páginas que o Afeganistão era um caso de teste para a autonomia estratégica europeia.

Um helicóptero Cougar espanhol sobrevoa um VBL do 2e REI da Legião Estrangeira Francesa no Afeganistão, 2005.

Mas isso erra o ponto. O problema da Europa no Afeganistão não era de capacidades. Os europeus podem não ter tido as capacidades - mas não tinham vontade de ficar no Afeganistão por mais tempo do que os EUA. A razão pela qual os europeus não continuaram a missão no Afeganistão sem os EUA, e a razão pela qual eles não garantiram o aeroporto sem os americanos, é que eles não queriam, porque não fazia sentido para eles.

Ao longo dos anos, nós, assim como muitos comentaristas americanos, parecemos ter esquecido o fato essencial de que a principal motivação da Europa para enviar soldados ao Afeganistão era apoiar os EUA após o 11 de setembro. Era para responder ao pedido de ajuda de um aliado da OTAN, na sequência da (primeira e única até agora) invocação da cláusula de defesa mútua da OTAN, o Artigo 5. Sim, também havia preocupações sobre potenciais ataques na Europa. E, especialmente em países como a Alemanha, os esforços no Afeganistão foram superados por preocupações com os direitos das mulheres, questões humanitárias e esperanças de construção de uma nação. Para muitos, esses fatores foram fundamentais. Outros podem tê-los usado como pretexto, já que a perfuração de poços e a construção de escolas femininas tendem a ser mais fáceis de vender aos eleitorados europeus.

Mas, independentemente da importância dessas motivações adicionais, a Europa não teria entrado no Afeganistão sem os Estados Unidos e sem os Estados Unidos pedindo-lhes que o fizessem. Isso não significa que declarações como os comentários do então ministro da defesa alemão Peter Struck em 2002 de que "a segurança da Alemanha está sendo defendida no Hindukush" estivessem erradas. Fazia sentido, estrategicamente e do ponto de vista da segurança, apoiar nosso aliado mais importante, cujo guarda-chuva (nuclear) nos mantém seguros há décadas.

Tudo isso, portanto, significa muito pouca razão para os europeus ficarem se os americanos partissem. Alguns europeus, especialmente no Reino Unido, argumentaram o contrário (embora a maioria dessas vozes fosse a favor da continuidade da operação liderada pelos Estados Unidos). Mas em nenhum momento, em nenhum lugar da Europa, houve uma maioria para agir sozinho. Os europeus poderiam ter continuado a missão sem os EUA? Provavelmente não em qualquer sentido significativo. Eles poderiam ter protegido o aeroporto sem as tropas dos EUA? Só com tempo suficiente para se prepararem, o que não era uma opção. Portanto, vamos discutir quais são as capacidades de segurança e defesa que ainda faltam na Europa e abordá-las. Mas não vamos fingir que o Afeganistão testou seriamente essas capacidades, já que não queríamos usá-las em primeiro lugar.

A Dra. Ulrike Franke é pesquisadora sênior de política do Conselho Europeu de Relações Exteriores (ECFR). Ela lidera a iniciativa de Tecnologia e Energia Europeia do ECFR. Suas áreas de foco incluem segurança e defesa alemãs e europeias, o futuro da guerra e o impacto de novas tecnologias, como drones e inteligência artificial, na geopolítica e na guerra.

Bibliografia recomendada:

O Choque de Civilizações
e a Recomposição da Ordem Mundial.
Samuel P. Huntington.

Leitura recomendada: