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quinta-feira, 4 de agosto de 2022

Soldados russos mortos na Chechênia, uma visão comum no período

Soldados russos mortos, com o corpo fumegando, em torno de um veículo de transporte blindado destruído durante a primeira guerra chechena.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 4 de agosto de 2022.

Soldados russos mortos ao lado de um blindado destruído em chamas, visão comum durante a Guerra da Chechênia, que ocorreu de 1994 a 1996, e escancarou para o mundo o despreparo da forças russas pós-soviéticas. Os russos foram humilhados diante das câmeras de jornalistas de todo mundo, demonstrando níveis inacreditáveis de incompetência militar e corrupção. Oficiais bêbados, tropas mal armadas e sem treinamento, e massacres sistemáticos praticados contra civis indefesos. O choque das péssimas práticas russas foi ainda amplificado em comparação ao sucesso das tropas americanas, britânicas e francesas na ofensiva relâmpago contra o bem-equipado Iraque em 1991.

Em meio às cidades chechenas completamente arrasadas por bombardeamentos indiscriminados, as tropas russas eram emboscadas diariamente na primeira campanha de ataques filmados para propaganda, com os vídeos sendo reprisados por emissoras de TV ao redor do mundo. As forças armadas russas são famosas por esconderem baixas, e a controvérsia e falta de transparência dos números permanece até hoje, mas agora era basicamente impossível esconder a escala das perdas. 

"Deixe-me falar sobre um caso específico. Eu sabia com certeza que neste dia - era final de fevereiro ou início de março de 1995 - quarenta militares do Grupo Conjunto foram mortos. E eles me trouxeram informações sobre quinze. Eu perguntei: 'Por que você não leva em conta o resto?' Eles hesitaram: 'Bem, você vê, 40 é muito. É melhor distribuirmos essas perdas por alguns dias.' Claro, fiquei indignado com essas manipulações."
- General Anatoly Kulikov, comandante do Grupo Conjunto de Forças Federais russo.

De acordo com o Estado-Maior das Forças Armadas Russas, 3.826 soldados foram mortos, 17.892 ficaram feridos e 1.906 estão desaparecidos em ação. De acordo com o NVO, a publicação oficial semanal militar independente russa, pelo menos 5.362 soldados russos morreram durante a guerra, 52.000 ficaram feridos ou adoeceram e cerca de 3.000 outros permaneceram desaparecidos até 2005. A estimativa do Comitê de Mães de Soldados da Rússia (Союз Комитетов Солдатских Матерей России, Soyuz Komitetov Soldatskikh Materey Rossii), no entanto, colocou o número de militares russos mortos em 14.000, com base em informações de tropas feridas e parentes de soldados. Essa estimativa contando apenas tropas regulares conscritas; ou seja, não incluem os kontraktniki (soldados contratos, profissionais) e as forças especiais, o que exclui números consideráveis de baixas. O Centro de Direitos Humanos "Memorial" (Мемориал, IPA) elaborou uma lista de nomes dos soldados mortos, a qual contém 4.393 nomes.

Em 2009, o número oficial de soldados russos ainda desaparecidos das duas guerras na Chechênia e presumivelmente mortos era de cerca de 700, enquanto cerca de 400 restos mortais dos militares desaparecidos teriam sido recuperados até hoje. Porém, os amontoados de corpos eram filmados e observados por repórteres que não estavam sob a censura de Moscou. Em 1995, o jornalista John Iams, da Associated Press, fez um relato mórbido de pilhas de corpos de jovens soldados russos em geladeiras em um necrotério, sendo transportados secretamente de volta para a Rússia.

Soldados russos na Primeira Guerra da Chechênia (1994-1996).

Centenas de soldados russos mortos se amontoam em necrotério militar

Por John Iams, Associated Press, 11 de fevereiro de 1995.

MOSCOU (AP) - Trens refrigerados transportaram os corpos de centenas de soldados russos mortos na Chechênia para necrotérios militares, onde aguardam identificação e um lugar no número oficial de mortos.

Mais corpos são despejados nos necrotérios todos os dias, alimentando perguntas sobre as verdadeiras dimensões do desastre militar da Rússia na república separatista do Cáucaso.

Corpo carbonizado de um soldado russo.

Patologistas de um único necrotério em Rostov-on-Don, no sudoeste da Rússia, disseram na sexta-feira que lidaram com mais de 1.000 corpos desde que a guerra na Chechênia começou em 11 de dezembro.

Eles também disseram à Associated Press TV que mais de 100 cadáveres de soldados foram trazidos recentemente. A declaração contradiz as afirmações do governo de que os combates na região de maioria muçulmana estão diminuindo.

Pequenas unidades rebeldes ainda estavam lutando contra as forças russas na sexta-feira nos arredores de Grozny, a capital chechena.

Equipes militares estavam vasculhando as ruínas para encontrar mais corpos de soldados e enviá-los para necrotérios como o de Rostov-on-Don, 375 milhas a noroeste da Chechênia.

Fora do necrotério do Hospital Militar Regional da cidade, os cadáveres foram armazenados em prateleiras dentro de nove tendas do exército. Alguns já haviam sido identificados por seus comandantes e os patologistas aguardavam a confirmação de parentes próximos.

Outros corpos foram empilhados em bancos dentro das tendas - as abas abertas para aliviar o fedor da morte - enquanto os soldados patrulhavam o perímetro, tentando evitar que cães vadios comessem os cadáveres.

Corpos de soldados russos aguardando transporte.

Dentro do hospital, mães ansiosas e outros parentes se prepararam para a árdua tarefa de examinar os cadáveres nus dentre os mais de 100 recém-chegados. Funcionários do hospital se recusaram a permitir que repórteres falassem com eles.

Na quinta-feira, o chefe do Estado-Maior do Exército, Mikhail Kolesnikov, disse que havia 1.020 baixas russas confirmadas.

As listas de vítimas do governo não incluem aqueles que permanecem não identificados, e com dois outros necrotérios em operação desde o início da guerra, há dois meses - em Mozdok e Vladikavkaz, na fronteira com a Chechênia - o número de baixas pode aumentar.

Além disso, funcionários do necrotério de Rostov disseram que lidaram apenas com os mortos do exército - e não com baixas entre as forças do Ministério do Interior.

Soldado russo agachado em uma cidade chechena destruída.

O verdadeiro número de mortos na Chechênia pode nunca ser conhecido, mas as estimativas sugerem milhares de baixas, principalmente entre a população civil da república.

Kolesnikov relatou 6.690 mortos entre combatentes chechenos e o que ele chamou de "mercenários".

Na terça-feira, um legislador russo disse que um grupo liderado pelo comissário de direitos humanos do país compilou uma lista de 25.000 civis mortos até agora em Grozny.

O legislador Yuli Rybakov disse que o grupo de direitos humanos coletou os nomes e endereços de refugiados que fugiram do conflito. Os números não puderam ser confirmados de forma independente.

Rybakov acusou o governo de encobrir o verdadeiro número de baixas militares, às vezes enterrando soldados não-identificados em valas comuns. Outros críticos da guerra fizeram acusações semelhantes. O governo as negou consistentemente.

Tropas russas em meio a escombros, uma visão típica na Chechênia.

Leitura recomendada:

A intervenção russa em Ichkeria, 16 de agosto de 2020.

sábado, 18 de junho de 2022

COMENTÁRIO: Por que o Exército Russo é tão fraco?


Por Kamil Galeev, Twitter, 12 de março de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 18 de junho de 2022.

Quando a Rússia invadiu [a Ucrânia], os especialistas pensaram que venceria em 24-72 horas. Duas semanas depois, a guerra ainda continua. Por quê? No papel, a superioridade russa é esmagadora. Embora a Rússia projete uma imagem guerreira, suas forças armadas são fracas e não sabem travar guerras.🧵

Correlação de forças.

Apesar de sua imagem guerreira, impulsionada pela massiva campanha de relações públicas, as forças armadas russas têm quase zero experiência de combate em guerras convencionais contra outros exércitos regulares. Eles foram muito bem sucedidos na supressão de distúrbios civis, é claro, na Hungria 1956, Tchecoslováquia 1968, etc.

Tropas soviéticas em Praga, 1968.

Os russos tiveram menos sucesso em suprimir os movimentos de guerrilha no Afeganistão e na Chechênia. Os guerrilheiros não tinham muito armamento pesado, e não tinham defesa aérea adequada. E, no entanto, os russos sofreram muitas baixas e perderam a Primeira Guerra Chechena, apesar da esmagadora superioridade material.

Corpos e blindados russos calcinados na Chechênia.

Desde a Segunda Guerra Mundial, a Rússia nunca travou uma guerra convencional contra um exército regular. A única exceção foi a Geórgia em 2008. A Rússia invadiu para apoiar os movimentos separatistas na Abkhazia e na Ossétia do Sul e derrotou o pequeno exército georgiano. Foi o mais próximo que a Rússia teve de uma guerra real nos últimos 70 anos.

Coluna militar russa na Geórgia.

Especialistas militares russos individuais lutaram na Coréia, Vietnã, Angola etc. Mas o exército como um todo não o fez. A máquina militar russa, desde o recrutamento até a logística, não foi controlada em uma guerra contra um grande exército regular desde 1945. Essa é a primeira experiência que estamos tendo agora.

Conselheiro soviético em Angola.

Desde 1945, o exército russo lutou contra inimigos, nenhum dos quais tinha um exército regular próprio. Os inimigos da Rússia não tinham estrutura, pouco treinamento e pequeno poder de fogo. Para compensar isso, a Rússia investe pesadamente em propaganda glorificando seus militares. Mas como eles realmente se parecem?


Dezembro de 2021: Autoridades mafiosas impuseram tributo a uma base militar russa, fazendo com que suboficiais e oficiais lhes pagassem em dinheiro. Eles visam especificamente veteranos da Síria que ganharam dinheiro lá. Eles assediam, ameaçam e batem neles. O líder da quadrilha foi preso, mas liberado em alguns meses.


Isso não é uma exceção. Isso é uma regra. Os militares russos são constantemente assediados por criminosos e forçados a pagar dinheiro. Apenas quatro manchetes aleatórias sobre como os mafiosos forçam literalmente qualquer militar, incluindo os que gerenciam os foguetes nucleares, a lhes pagarem tributo. O exército russo é uma presa.


Vamos introduzir algum contexto sociológico. Os criminosos russos tradicionalmente se retratam como a contracultura, os rebeldes. Não nos importamos com a lei oficial (Lei dos Policiais), seguimos apenas a Lei dos Bandidos. Constituímos um Estado paralelo muito superior ao oficial.


Os bandidos dominam as prisões. A propaganda deles está funcionando tão bem que muitos prisioneiros ingênuos realmente vêem os bandidos como rebeldes. Mas então eles começam a duvidar da narrativa. Eles se perguntam, e se os bandidos apenas bancarem os rebeldes, mas na realidade estiverem colaborando ativamente com a administração penitenciária?


Se os prisioneiros se recusarem a trabalhar e tentarem sabotar a produção, os bandidos irão implorar, persuadir, ameaçar e depois forçá-los fisicamente a retomar seu trabalho. Os bandidos podem desenvolver uma argumentação muito longa e complicada, mas com apenas um imperativo - as metas de produção devem ser cumpridas.


Isso está bem refletido na cultura. Considere, Беспредел - um ótimo filme sobre como a cultura institucional russa (formada pela cultura da prisão) funciona na realidade. Um prisioneiro se recusa a trabalhar e avisa a administração. Eles informam os ladrões e é isso que acontece:


E só muito mais tarde os prisioneiros percebem: os bandidos não são um Estado paralelo. Eles são apenas mais um ramo da mesma máquina estatal. Eles são uma oposição controlada que coopera ativamente com as autoridades, fazem o que o Estado manda e nunca cruzam a linha, ou estão condenados.


Bandidos que extorquem os militares, incluindo veteranos da Síria, e pessoal de armas nucleares não é um "acidente". É uma política deliberada do governo para manter os militares profissionais baixos na hierarquia de domínio. O Estado russo propositadamente mantém seus militares nesta posição. É tudo parte de um plano.


Se quiser, você pode investigar mais a fundo o quão assediado, abusado e quão baixo na hierarquia são os militares russos. É claro que a posição mais baixa de todas é ocupada por recrutas conscritos. Existem muitas publicações sobre como os recrutas foram forçados à prostituição gay para ganhar dinheiro para os superiores.


Ok, tudo isso faz parte de um plano. Mas por que eles desenvolveriam tal plano? Bem, os chefões têm medo do exército. Bandidos russos fazem o papel de rebeldes, fazendo parte do aparato estatal. Da mesma forma que a Rússia faz o papel de um regime militar sendo de fato um regime de segurança do Estado.

A segurança do Estado não são os militares. Essa é outra instituição que tem relações muito incômodas com os soldados. Isso é compreensível. A segurança estatal reprimirá facilmente qualquer revolta civil e qualquer guerrilha. Assim, a única força interior que poderia derrubá-los seria o exército.


Você pode ler um relato mais detalhado das relações entre o Estado russo e seu exército aqui. Mas, por enquanto, quero enfatizar, eles estão muito preocupados com a potencial rivalidade do exército e fizeram todos os esforços para evitá-la. Assim castraram o exército.

Uma precaução é fazer uma limpeza após cada conflito militar. Em tempos de paz, o poder dos generais militares é baixo. Eles são limitados por instruções, protocolos, diretrizes, são supervisionados pela segurança estatal e por promotores militares. Mas durante a guerra esse controle quase desaparece.


Quanto mais dura a guerra, menos processual e mais pessoal se torna o poder militar. Logo ninguém se importa com procedimentos. Tudo é feito por ordens orais pessoais. As tropas acostumam-se à obediência inquestionável à palavra de um general. Então você tem que fazer uma limpeza depois de cada guerra.


A segurança do Estado teme uma potencial rivalidade do exército. Então eles introduziram vários mecanismos de controle. Uma é fazer uma limpeza depois de cada guerra matando generais que se tornaram muito influentes entre as tropas. E deixando os menos influentes. Isso é um mecanismo de seleção negativa.

General Alexander Lebed,
um dos mais queridos generais do último período soviético.

O Kremlin promove ativamente pessoal da segurança estatal nas posições do exército. Um monólogo típico de um militar profissional russo:

  1. [Longo discurso patriótico]
  2. Reclamações sobre como ele nunca será promovido, porque todos os cargos são dados para jovens da segurança estatal sem experiência militar.


A terceira camada é o anti-intelectualismo extremo e inacreditável entre os militares promovidos pelo Estado. Se o exército prussiano era o exército mais intelectual da Europa, o russo moderno é o menos. Novamente, não é um acidente. É uma política deliberada para minimizar essa ameaça interna.


Vamos resumir: O Kremlin não está maximizando a eficiência, está minimizando a ameaça. Recrute oficiais de QI tão baixo quanto possível, dê a eles um treinamento muito restrito. Se alguns oficiais são capazes e estão subindo rapidamente, mate-os. Nomear tantos seguranças de Estado quanto possível para o exército de modo a torná-lo mais controlável.

Putin condecorando um operador do FSB.

Para minimizar a ameaça do exército, a segurança estatal dominante ataca o mito do exército. Por que a máfia se atreveria a extorquir oficiais militares? Porque eles sabem que em caso de conflito, o Estado apoiará a máfia. Esses caras estão muito mais altos na hierarquia russa do que os soldados.

Grupo de criminosos.

Isso explica todos esses fenômenos estranhos, como bandidos assediando as bases militares, soldados sendo forçados à prostituição gay, etc. Eu não acho que Putin tenha ordenado isso pessoalmente (embora ele possa). Mas ele destrói propositalmente o mito do exército, para eliminar um rival pelo poder.


As palavras não podem descrever o quão baixo é o exército russo na hierarquia de dominância. Para ter uma ideia, assista a este vídeo de um canal de TV oficial russo. Um oficial pede um minuto de silêncio para "nossos rapazes da operação especial morrendo lá" e veja o que acontece. Exército não tem respeito nenhum.

As conclusões sobre o exército russo centrado na artilharia não estão erradas. Mas eles devem ser considerados no contexto político. Você precisa ser centrado na artilharia, se tiver tropas com baixo moral. Ninguém os respeita, eles também não têm auto-respeito. Eles não suportam a luta de perto.


Se o regime treinasse infantaria capaz de alto moral com oficiais inteligentes, constituiria uma ameaça política mortal. Portanto, manterá a infantaria incapaz de moral baixo, com os oficiais mais burros possíveis e matará os mais brilhantes. A artilharia é uma maneira de lutar de alguma forma com essas tropas.


O regime russo finge ser militar. Mas não é. Seu pensamento, linguagem, métodos são muito de segurança do Estado. Em 24 de fevereiro, Putin iniciou uma operação especial na Ucrânia e em 27 de fevereiro parabenizou as forças russas com o aniversário do "Dia das Forças de Operações Especiais".


Por que 27 de fevereiro? O que aconteceu naquele dia? Em 26 de fevereiro de 2015, Putin ordenou o estabelecimento de um novo feriado, o Dia das Forças de Operações Especiais. A primeira será amanhã, 27 de fevereiro de 2015 - e depois todos os anos. No dia seguinte, 27 de fevereiro de 2015, o líder da oposição Nemtsov foi morto em vista do Kremlin.


Esse é o seu modo de pensar. Matar Nemtsov é uma operação especial. A invasão da Ucrânia é uma operação especial. Parece idiota não é? Na verdade faz sentido. O regime russo é um regime de cosplayers: agentes de segurança do Estado que fingem ser soldados e desejam a glória militar.


Soldados de segurança estatal lançaram uma operação especial e acidentalmente entraram em uma guerra real. Eles estão com medo. Você vê que Shoygu está relatando a Putin "tudo está indo de acordo com o plano". Assista a linguagem corporal de Putin. Ele sabe que não está. Ele próprio não confia no plano.

As suposições iniciais de Putin estavam erradas. Ele lançou a invasão sem esperar resistência. O 5º Departamento do FSB, que trabalhou na Ucrânia, informou a Putin que a Ucrânia é apenas um cosplay e todo mundo vai mudar para o nosso lado no momento em que chegarmos. Por quê? Disseram a Putin tudo o que ele queria ouvir.



Atualmente, o diretor do 5º departamento Sergey Beseda e seu vice estão em prisão domiciliar. Eles são acusados de peculato e "dados de inteligência de baixa qualidade" que ele forneceu. Beseda exagerou enormemente os sentimentos pró-Rússia e mentiu para Putin sobre as perspectivas de invasão.

FIM

domingo, 22 de maio de 2022

Alimentando o Urso: Um olhar mais atento sobre a logística do Exército Russo e o Fato Consumado

Por Alex Vershinin, War on the Rocks, 23 de novembro de 2021.

Tradição Filipe do A. Monteiro, 22 de maio de 2022.

[Este artigo é anterior à invasão russa da Ucrânia.]

O acúmulo militar da Rússia ao longo da fronteira com a Ucrânia claramente chamou a atenção dos formuladores de políticas de Kiev a Washington, D.C. O diretor da CIA, Bill Burns, voou para Moscou para tentar evitar uma crise, enquanto oficiais de inteligência dos EUA estão alertando os aliados da OTAN que uma invasão russa de grandes partes da Ucrânia não pode ser descartada.

A possibilidade de agressão russa contra a Ucrânia teria enormes consequências para a segurança europeia. Talvez ainda mais preocupante seria um ataque russo contra um membro da OTAN. Moscou pode querer minar a segurança nos estados bálticos ou na Polônia, por exemplo, mas o governo russo poderia realizar com sucesso uma invasão em larga escala desses países? Se os jogos de guerra recentes são uma indicação, então a resposta é um retumbante sim – e isso pode ser feito com bastante facilidade. Em um artigo do War on the Rocks de 2016, David A. Shlapak e Michael W. Johnson projetaram que o exército russo tomaria de assalto os estados bálticos em três dias.

A maioria desses jogos de guerra, como o estudo báltico da RAND, concentra-se no fato consumado, um ataque do governo russo destinado a tomar terreno - e depois cavar rapidamente. Isso cria um dilema para a OTAN: lançar um contra-ataque caro e arriscar pesadas baixas e possivelmente uma crise nuclear ou aceitar um fato consumado russo e minar a fé na credibilidade da aliança. Alguns analistas argumentam que essas tomadas são muito mais propensas a serem pequenas em tamanho, limitadas a uma ou duas cidades. Embora esse cenário deva, é claro, ser estudado, a preocupação com a viabilidade de um fato consumado na forma de uma grande invasão ainda permanece.

Enquanto o exército russo definitivamente tem o poder de combate para alcançar esses cenários, a Rússia teria a estrutura de força logística para apoiar essas operações? A resposta curta não está nas linhas do tempo previstas pelos jogos de guerra ocidentais. Em uma ofensiva inicial – dependendo dos combates envolvidos – as forças russas podem atingir os objetivos iniciais, mas a logística exigiria pausas operacionais. Como resultado, uma grande apropriação de terras é irreal como um fato consumado. O exército russo tem o poder de combate para capturar os objetivos previstos em um cenário de fato consumado, mas não tem forças logísticas para fazê-lo em um único avanço sem uma pausa logística para redefinir sua infraestrutura de sustentação. As Forças Aeroespaciais Russas (com uma considerável força de bombardeiros táticos e aeronaves de ataque) e helicópteros de ataque também podem receber apoio de fogo para aliviar o consumo de munição de artilharia.

Os planejadores da OTAN devem desenvolver planos focados em explorar os desafios logísticos russos em vez de tentar resolver a disparidade no poder de combate. Isso envolve atrair o exército russo para o território da OTAN e estender ao máximo as linhas de suprimentos russas, enquanto mira na infraestrutura de logística e transporte, como caminhões, pontes ferroviárias e oleodutos. Comprometer-se com uma batalha decisiva na fronteira jogaria diretamente nas mãos dos russos, permitindo um suprimento mais curto para compensar suas deficiências logísticas.

Ferrovias e Capacidades Logísticas Russas

As forças logísticas do exército russo não são projetadas para uma ofensiva terrestre em larga escala longe de suas ferrovias. Dentro das unidades de manobra, as unidades de sustentação russas são um tamanho menor do que suas contrapartes ocidentais. Apenas brigadas têm capacidade logística equivalente, mas não é uma comparação exata. As formações russas têm apenas três quartos do número de veículos de combate que suas contrapartes americanas, mas quase três vezes mais artilharia. No papel (nem todas as brigadas têm um número completo de batalhões), as brigadas russas têm dois batalhões de artilharia, um batalhão de foguetes e dois batalhões de defesa aérea por brigada, em oposição a um batalhão de artilharia e uma companhia de defesa aérea anexada por brigada americana. Como resultado de batalhões extras de artilharia e defesa aérea, os requisitos logísticos russos são muito maiores do que os americanos.

Formação de manobra

Formação de sustentação americana

Formação de sustentação russa

Batalhão

Companhia

Pelotão

Regimento

Batalhão/Esquadrão

Companhia

Brigada

Batalhão

Batalhão

Divisão

Brigada

Batalhão

Corpo

Brigada

Não há

Exército de Armas Combinadas

Não há

Brigada

Além disso, o exército russo não possui brigadas de sustentação suficientes – ou brigadas de suporte técnico-material, como eles as chamam – para cada um de seus exércitos de armas combinadas. Um olhar sobre o Military Balance, publicado pelo Instituto Internacional de Estudos Estratégicos, mostra 10 brigadas de suporte técnico-material apoiando 11 exércitos de armas combinadas, um exército de tanques e quatro corpos de exército. Os Comandos Ocidental e Sul da Rússia têm três exércitos e três brigadas de suporte técnico-material para apoiá-los. Em operações defensivas, uma brigada russa pode se apoiar diretamente do terminal ferroviário. Um trunfo que os russos têm são suas 10 brigadas ferroviárias, que não têm equivalentes ocidentais. Elas se especializam em segurança, construção e reparo de ferrovias, enquanto o material de rolagem é fornecido por empresas estatais civis.

A razão pela qual a Rússia é única em ter brigadas ferroviárias é que, logisticamente, as forças russas estão ligadas à ferrovia da fábrica ao depósito do exército e ao exército de armas combinadas e, quando possível, ao nível de divisão/brigada. Nenhuma outra nação europeia usa tanto ferrovias quanto o exército russo. Parte do motivo é que a Rússia é tão vasta – mais de 6.000 milhas (9.656km) de uma ponta a outra. O problema é que as ferrovias russas têm uma bitola mais larga do que o resto da Europa. Apenas ex-nações soviéticas e a Finlândia ainda usam o padrão russo – isso inclui os estados bálticos. Existem vários terminais ferroviários antes das capitais do Báltico, mas ainda levará vários dias para chegar e estabelecer as operações do terminal ferroviário. As operações de avanço ferroviário são mais do que apenas o carregamento cruzado de carga do trem para o caminhão. Envolve receber e classificar a carga, reembalar para unidades específicas e armazenar o excesso no chão. Devido à natureza perigosa da carga militar, o solo precisa ser preparado para que a carga possa ser armazenada em ambientes seguros e distribuídos. Esse processo pode levar de um a três dias. O local também precisa estar fora do alcance da artilharia inimiga e protegido de guerrilheiros. Um único obus sortudo ou uma granada propelida por foguete pode resultar em uma grande explosão e ter um efeito desproporcional no ritmo de uma divisão inteira. Isso pressupõe que as pontes principais, como a de Narva, na fronteira russo-estoniana, não sejam destruídas e precisem ser reparadas. A Polônia tem apenas uma linha ferroviária de bitola larga, que vai da região de Cracóvia à Ucrânia e não pode ser usada pelas forças russas, sem antes capturar a Ucrânia. Não há linhas de bitola larga que vão da Bielorrússia a Varsóvia. O tráfego ferroviário que atravessa as fronteiras geralmente pára para carregar carga cruzada ou usa vagões ferroviários ajustáveis e alterna os motores (os quais não podem ser ajustados). Em tempos de guerra, é altamente improvável que o exército russo capture locomotivas de trem ocidentais suficientes para apoiar seu exército, forçando-os a depender de caminhões. Isso significa que a capacidade de sustentação ferroviária do exército russo termina nas fronteiras da antiga União Soviética. Tentar reabastecer o exército russo além da rede ferroviária de bitola russa os forçaria a depender principalmente de sua força de caminhões até que as tropas ferroviárias pudessem reconfigurar/reparar a ferrovia ou construir uma nova.

O apoio logístico de caminhões da Rússia, que seria crucial em uma invasão da Europa Oriental, é limitado pelo número de caminhões e pela variedade de operações. É possível calcular até onde os caminhões podem operar usando matemática simples de cerveja. Assumindo que a rede rodoviária existente pode suportar velocidades de 45mph (72km/h), um único caminhão pode fazer três viagens por dia em um alcance de até 45 milhas (72km): Uma hora para carregar, uma hora para dirigir até a unidade suportada, uma hora para descarregar e outra hora para retornar à base. Repetir este ciclo três vezes equivale a 12 horas no total. O resto do dia é dedicado à manutenção do caminhão, refeições, reabastecimento, limpeza de armas e sono. Aumente a distância para 90 milhas e o caminhão poderá fazer duas viagens diárias. A 180 milhas, o mesmo caminhão está reduzido a uma viagem por dia. Essas suposições não funcionarão em terrenos acidentados ou onde houver infraestrutura limitada/danificada. Se um exército tem caminhões suficientes para se sustentar a uma distância de 45 milhas, então a 90 milhas (145km), o rendimento será 33% menor. A 180 milhas (290km), a queda será de 66%. Quanto mais você se afastar dos depósitos de suprimentos, menos suprimentos poderá substituir em um único dia.

O exército russo não tem caminhões suficientes para atender às suas necessidades logísticas a mais de 90 milhas além dos depósitos de suprimentos. Para atingir um alcance de 180 milhas, o exército russo teria que dobrar a alocação de caminhões para 400 caminhões para cada uma das brigadas de suporte técnico de materiais. Para se familiarizar com os requisitos logísticos russos e os recursos de transporte, um ponto de partida útil é o exército russo de armas combinadas. Todos eles têm estruturas de força diferentes, mas no papel, cada exército combinado recebe uma brigada de suporte técnico-material. Cada brigada de apoio técnico-material possui dois batalhões de caminhões com um total de 150 caminhões de carga geral com 50 carretas e 260 caminhões especializados por brigada. O exército russo faz uso pesado de fogo de artilharia de tubo e foguete, e a munição de foguete é muito volumosa. Embora cada exército seja diferente, geralmente há 56 a 90 lançadores de foguetes de lançamento múltiplo em um exército. O reabastecimento de cada lançador ocupa toda a caçamba do caminhão. Se o exército de armas combinadas disparasse um único voleio, seriam necessários de 56 a 90 caminhões apenas para reabastecer a munição do foguete. Isso é cerca de metade de uma força de caminhão de carga seca na brigada de suporte técnico-material apenas para substituir uma saraivada de foguetes. Há também entre seis a nove batalhões de artilharia de tubo, nove batalhões de artilharia de defesa aérea, 12 batalhões mecanizados e de reconhecimento, três a cinco batalhões de tanques, morteiros, mísseis antitanque e munição para armas portáteis – sem mencionar alimentos, engenharia, médicos suprimentos, e assim por diante. Esses requisitos são mais difíceis de estimar, mas os requisitos potenciais de reabastecimento são substanciais. A força do exército russo precisa de muitos caminhões apenas para munição e reabastecimento de carga seca.

Para a sustentação de combustível e água, cada brigada de apoio técnico-material possui um batalhão tático de oleodutos. Eles têm um rendimento menor do que seus equivalentes ocidentais, mas podem ser instalados dentro de três a quatro dias após a ocupação do novo terreno. Até lá, são necessários caminhões de combustível para o reabastecimento operacional. Pode-se argumentar que o exército russo tem alcance para atingir seus objetivos em seu tanque original de combustível, especialmente com tambores de combustível auxiliares que são projetados para transportar. Isso não é totalmente correto. Tanques e veículos blindados queimam combustível ao manobrar em combate ou apenas ociosos enquanto estão estacionários. Esta é a razão pela qual o Exército dos EUA usa “dias de abastecimento” para planejar o consumo de combustível, não o alcance. Se uma operação do exército russo durar de 36 a 72 horas, como estima o estudo da RAND, o exército russo teria que reabastecer pelo menos uma vez antes que os oleodutos táticos sejam estabelecidos para apoiar as operações.

Sustentar a logística é a parte difícil

Um cenário no Báltico

Existem sérios desafios logísticos com operações de fato consumado em grande escala nos Bálticos. Operações de fato consumado em pequena escala são viáveis com pequenas forças sem um desafio logístico, mas em grande escala são muito mais desafiadoras. O fato consumado exige que as forças russas invadam os estados bálticos e eliminem toda a resistência em menos de 96 horas – antes que a Força-Tarefa de Alta Prontidão da OTAN possa reforçar os defensores. Essa força não impedirá um ataque russo, mas compromete a OTAN em uma guerra terrestre, negando o próprio propósito do fato consumado. A logística é o principal obstáculo na linha do tempo do fato consumado. A ferrovia é de bitola larga e utilizável, mas o cronograma é muito curto para que os terminais capturados voltem a operar. Uma dúzia de mísseis de cruzeiro da OTAN lançados pelo ar e disparados sobre a Alemanha podem destruir as principais pontes ferroviárias em Narva, Pskov e Velikie Lugi, interrompendo o tráfego ferroviário no Báltico por dias até que essas pontes sejam reparadas. Os planejadores logísticos do Comando Ocidental russo precisam planejar um cenário em que os estados bálticos optem por travar uma batalha em sua capital. Historicamente, o combate urbano consome enormes quantidades de munição e leva meses para ser concluído. Durante os dois exemplos mais proeminentes, as batalhas de Grozny nas guerras da Chechênia e a Batalha de Mossul em 2016, os defensores amarraram quatro a 10 vezes seus números por até quatro meses. Em Grozny, os russos disparavam até 4.000 obuses por dia – ou seja, 50 caminhões por dia.


Mesmo em um cenário báltico, os planejadores russos precisam considerar o risco de que a Polônia, que pode reunir quatro divisões, lance um contra-ataque imediato, tentando desequilibrar o exército russo. O exército russo teria grandes forças ligadas aos cercos de Tallinn e Riga enquanto se defenderia de um contra-ataque polonês do sul. O consumo de munição seria enorme. Durante a Guerra Russo-Georgiana de 2008, algumas forças russas gastaram uma carga básica inteira de munição em 12 horas. Assumindo as mesmas taxas, os russos teriam que substituir quantidades substanciais de munição a cada 12 a 24 horas.

Aqui reside o dilema. A opressão das forças locais no Báltico antes da chegada das tropas da OTAN não dá tempo à Rússia para estabelecer terminais ferroviários, forçando a dependência de caminhões. A 130 milhas, eles só podem fazer uma viagem por dia, gerando uma escassez de caminhões. Os planejadores russos poderiam comprometer menos forças de manobra e correr o risco de não sobrecarregar os defensores. Alternativamente, eles poderiam fazer uma pausa logística por dois a três dias e dar aos Estados bálticos tempo para se mobilizar e à Força-Tarefa Conjunta de Alta Prontidão da OTAN tempo para chegar. Enquanto isso, eles estariam sofrendo desgaste de guerrilheiros locais, ataques aéreos da OTAN, falhas de manutenção e munição rondante, como visto na última Guerra do Nagorno-KarabakhDe qualquer forma, o fato consumado falha e o conflito degenera em uma guerra prolongada, que a Rússia provavelmente perderá. A logística russa só pode apoiar um fato consumado em grande escala se as forças da OTAN travarem uma batalha decisiva na fronteira. A maior parte do consumo de suprimentos ocorreria perto dos depósitos russos. As forças aéreas russas podem aliviar a tensão logística com apoio de fogo. O que é incerto é por quanto tempo a força aérea russa forneceria apoio aéreo aproximado em face do poder aéreo da OTAN, dada a capacidade da OTAN de conduzir combates ar-ar com mísseis de longo alcance além do alcance efetivo da defesa aérea russa em Kaliningrado e São Petersburgo. Uma imagem semelhante existe no mar. A combinação de poder aéreo, submarinos a diesel e mísseis anti-navio baseados em terra provavelmente negará o Mar Báltico às frotas de superfície de ambos os lados.

O exército russo tem amplo poder de combate para capturar os Estados bálticos, mas não será um fato consumado rápido, a menos que o governo russo reduza o tamanho do território que deseja tomar. Usando o diagrama 2×2 “Variações do fato consumado” de Van Jackson como uma estrutura conceitual, podemos apreciar plenamente o dilema russo. As forças logísticas só podem apoiar um fato consumado gradual, que não destruirá a unidade da OTAN, dando tempo à OTAN para se mobilizar e selar a tomada de terras. Mesmo que a OTAN opte por não reconquistar o território imediatamente, seus Estados membros provavelmente imporiam sanções econômicas incapacitantes até que a Rússia cedesse. Por outro lado, o fato consumado decisivo, como a conquista de um Estado membro pleno, pode atingir o objetivo de quebrar a unidade da OTAN, mas não pode ser logisticamente apoiado pelo exército russo. Também corre um grande risco de erro de cálculo ao supor que todos os trinta Estados membros devem declarar o Artigo 5 da OTAN. No papel, isso é verdade, mas na prática, apenas os Estados Unidos (para fornecer poder de combate), Alemanha e Polônia (para garantir acesso) têm que honrar o Artigo 5, e a Rússia se veria em um grande conflito que pode escalar além do limiar nuclear.

Um cenário polonês

Os desafios logísticos do exército russo são diferentes no cenário polonês. Há menos restrições de tempo, mas maiores dificuldades devido às distâncias envolvidas e à falta de ferrovias de bitola larga, que terminam na fronteira bielorrussa. A estação ferroviária mais próxima da Polônia é Grodno e Brest, na Bielorrússia. A primeira está localizada a 130 milhas e a segunda a 177 milhas (285km) de Varsóvia. Para um exército que se estende para sustentar 90 milhas, é uma longa linha de suprimentos para apoiar.

Kaliningrado poderia ser considerada como outra opção, mas não é prática, pois não tem acesso ao mar por membros da OTAN. A combinação do poder aéreo da OTAN, forças navais e mísseis anti-navio poloneses baseados em terra tornam improvável o reabastecimento por mar. De acordo com o Military Balance, há um corpo russo com grandes depósitos, mas sem unidades logísticas de apoio para enviar suprimentos. As forças de manobra teriam que puxar esses suprimentos usando formações logísticas orgânicas, um alcance de cerca de 45 milhas (72km). A guarnição ali pode permanecer isolada por muito tempo, mas não pode realizar operações ofensivas terrestres. O exército russo poderá chegar a Varsóvia, mas não poderá capturá-la sem uma pausa logística para parar, reconfigurar/reparar a ferrovia e construir oleodutos táticos e depósitos na linha de frente. Em vez de fazer uma pausa de alguns dias, como no cenário báltico, a pausa no cenário polonês pode levar algumas semanas. Isso dá à OTAN espaço para respirar para construir poder de combate.

A logística também é útil para avaliar um conflito ucraniano, já que as forças russas estão novamente se concentrando na fronteira. A melhor maneira de interpretar a seriedade das intenções russas é rastrear o acúmulo de forças logísticas e depósitos de suprimentos, em vez de contar os grupos táticos do batalhão que se moveram para a fronteira. O tamanho e a escala da preparação logística nos dizem exatamente até onde o exército russo planeja ir.

Reservas Estratégicas Russas

A Rússia poderia reforçar seu Comando Estratégico Conjunto Ocidental (distrito militar ocidental) de outras partes do país para aumentar o poder logístico, mas não muito. Como Michael Kofman apontou, a OTAN tem a capacidade de escalar horizontalmente o conflito, mantendo a maioria dos teatros russos em risco. O Estado-Maior russo não pode ignorar esta ameaça. Como resultado, o Comando Central da Rússia e partes do Comando Oriental são os únicos comandos conjuntos que não enfrentam uma ameaça externa e são capazes de reforçar o Comando Ocidental. No entanto, as forças de sustentação que eles fornecem seriam consumidas pelas forças de combate adicionais que as acompanham. Não há caminhões extras no exército russo que não estejam vinculados ao apoio às forças engajadas.

Um dos pontos fortes do exército russo em uma guerra no Báltico ou na Polônia seria sua capacidade de mobilizar reservistas e caminhões civis. A Rússia ainda tem uma enorme capacidade de mobilização embutida em sua economia nacional, um legado da Segunda Guerra Mundial e da Guerra Fria. No entanto, mobilizar civis para lutar em uma guerra tem grandes custos econômicos e políticos. Para manter a estabilidade política em casa, o povo russo teria que acreditar genuinamente que está defendendo seu país. Eles não vão tolerar que maridos, filhos e pais partam para a guerra por capricho de Putin. A última vez que o governo russo confiou fortemente em recrutas e reservistas foi durante a Primeira Guerra da Chechênia (1994-1996). Dentro de dois meses, um grande movimento anti-guerra apareceu, liderado pelas mães dos soldados.

A Rússia e o fato consumado

O exército russo será pressionado a realizar uma ofensiva terrestre de mais de 90 milhas além das fronteiras da antiga União Soviética sem uma pausa logística. Para a OTAN, isso significa que pode se preocupar menos com uma grande invasão russa dos Estados bálticos ou da Polônia e um foco maior na exploração dos desafios logísticos russos, afastando as forças russas de seus depósitos de suprimentos e visando pontos de estrangulamento na infraestrutura logística russa e força logística em geral. Isso também significa que é mais provável que a Rússia conquiste pequenas partes do território inimigo sob seu alcance logisticamente sustentável de 90 milhas, em vez de uma grande invasão como parte de uma estratégia de fato consumado.

Da perspectiva russa, não parece que eles estejam construindo suas forças logísticas com o fato consumado ou blitzkrieg em toda a Polônia em mente. Em vez disso, o governo russo construiu um exército ideal para sua estratégia de “Defesa Ativa”. O governo russo construiu forças armadas altamente capazes de lutar em território nacional ou perto de sua fronteira e atacar profundamente com fogos de longo alcance. No entanto, eles não são capazes de uma ofensiva terrestre sustentada muito além das ferrovias russas sem uma grande parada logística ou uma mobilização maciça de reservas.

Decifrar as intenções da Rússia agora é cada vez mais difícil. Seu acúmulo militar na fronteira com a Ucrânia pode ser uma preparação para uma invasão ou pode ser mais uma rodada de diplomacia coercitiva. No entanto, pensar nas capacidades de logística militar da Rússia pode dar à OTAN algumas ideias sobre o que Moscou pode estar planejando fazer a seguir – e o que a aliança ocidental pode fazer para proteger seus interesses.

O Tenente-Coronel Alex Vershinin foi comissionado como segundo tenente, arma de blindados, em 2002. Ele tem 10 anos de experiência na linha de frente na Coréia, Iraque e Afeganistão, incluindo quatro turnês de combate. Desde 2014, ele trabalha como oficial de modelagem e simulações no campo de desenvolvimento e experimentação de conceitos para a OTAN e o Exército dos EUA, incluindo uma turnê no Laboratório de Batalha de Sustentação do Exército dos EUA, onde liderou a equipe de cenários de experimentação.