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quinta-feira, 16 de fevereiro de 2023

FOTO: Capacete pickelhaube prateado boliviano

Capacete pickelhaube prateado boliviano.
(Coleção de 
Diethelm König)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 16 de fevereiro de 2023.

O Pickelhaube foi introduzido na Bolívia por causa da missão militar alemã que chegou naquele país em 1911. O Exército boliviano adotou o capacete pontiagudo per se com o Regulamento de Uniformes de 10 de maio de 1912.

O Pickelhaube foi usado também pela Academia Militar à partir de 1912, sendo usado até hoje pelo agora renomeado Colégio Militar “Coronel Gualberto Villaroel” e pela Academia de Polícia da Bolívia (Academia Nacional de Policías, ANAPOL). Da mesma forma, muitas bandas marciais do ensino médio usam esse capacete em suas apresentações.

Guarda Presidencial boliviana durante uma cerimônia na capital La Paz, década de 1930.
Eles estão equipados com os capacetes Pickelhauben, de tradição prussiana, em estilo cuirassier imperial alemão. A Guarda Presidencial era recrutada no "Regimento Colorados 1º de Infanteria".

Os capacetes Pickelhauben da Guarda Presidencial eram patreados em estilo couraceiro imperial alemão. No livro The Chaco War 1932–35: South America’s greatest modern conflict, de Alejandro de Quesada e Phillip Jowett sobre a Guerra do Chaco, a Guarda Presidencial foi ilustrada em uma lâmina do artista Ramiro Bujeiro (o mesmo que ilustrou o livro da FEB) baseada na foto acima. Nessa época, o Exército Boliviano tinha forte influência prussiana e era comandado pelo general alemão Hans Kundt.

Lâmina do Ramiro Bujeiro mostrando um soldado da cavalaria
usando um Pickelhaube prateado.

Descrição da lâmina:

E2: Soldado de cavalaria, Regimiento Avaroa 1° de Caballeria, uniforme de serviço

A característica mais marcante do uniforme usado por este soldado índio do planalto do Altiplano é um capacete Pickelhaube de aço polido, modelo cuirassier alemão imperial, com um distintivo de condor com uma coroa de prata, e os relevos das escamas da jugular de latão fixados por cocar nas cores nacionais. Sua túnica de lã, em tom cinza-de-campanha alemão, tem gola alta; bolsos de chapa no peito, com abas recortadas abotoadas em latão e pregas em caixa; bolsos internos no quadril com aba reta lisa; braguilha a esconder os botões frontais e punhos de cano virados para trás.

As alças lisas são canalizadas na cor verde-maçã da cavalaria, e um numeral regimental de latão “1” é fixado a remendos de colarinho recortados da mesma tonalidade. Ele usa perneiras e botas marrons, mas cintura e cintos de couro branco, o primeiro com uma placa de latão com as armas nacionais em um círculo elevado. Sua arma é o habitual fuzil Mauser Gewehr 98.

As demais cores das utilizadas pelo Exército boliviano eram: estado-maior – escarlate; infantaria – vermelho; artilharia – preto; engenharia – violeta avermelhado; corpo aéreo – azul escuro; corpo de intendência – castanho claro; e corpo médico – violeta acinzentado pálido.

Bibliografia recomendada:

Les Casques Militaires des États d'Amérique Latine:
XIXème au XXème Siècles,
Yves Plasseraud.

Leitura recomendada:

sábado, 24 de outubro de 2020

PERFIL: General Hans Kundt, conselheiro militar alemão na Bolívia

O Tenente-General Hans Kundt.
Ele foi o Comandante-em-Chefe e Ministro da Guerra das forças bolivianas na Guerra do Chaco contra o Paraguai de 1932 a 1935.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 24 de outubro de 2020.

O Tenente-General Hans Kundt foi a principal figura militar da Bolívia durante as duas décadas anteriores à Guerra do ChacoInfelizmente para os bolivianos, ele não foi capaz de utilizar corretamente a superioridade da Bolívia em armamentos, tanques e aviação, preferindo táticas fúteis de ataques frontais contra posições bem defendidas. Após o desastre no Cerco de Campo Vía (1933), ele foi substituído pelo General Enrique Peñaranda.

Carreira inicial no Exército Imperial Alemão

Hans Anton Wilhelm Friedrich Kundt nasceu em 28 de fevereiro de 1869, em Neustrelitz, no Grão-Ducado de Mecklenburg-Strelitz, na então Confederação Alemã do Norte. Vindo de uma família de oficiais militares, Hans Kundt ingressou no 4º Regimento de Infantaria da Turíngia Nº 72 (4. Thüringische Infanterie-Regiment Nr. 72) do Exército Prussiano em 7 de março de 1888. Lá, ele foi nomeado Portepeefähnrich (cadete aspirante a oficial) em 15 de outubro de 1888 e promovido a segundo-tenente em 21 de setembro de 1889. De 1º de outubro de 1893 a 15 de setembro de 1896, ele serviu como ajudante no comando distrital de Naumburg (Saale).

Kundt então estudou na Academia de Guerra (Kriegsakademie) por três anos e, entretanto, foi promovido a Primeiro-Tenente (Premierleutnant) em 20 de maio de 1897, sendo transferido para o Regimento de Infantaria "Vogel von Falckenstein" (7º Westfaliano) Nº 56 - Infanterie-Regiment "Vogel von Falckenstein“ (7. Westfälisches) Nr. 56Depois de ter concluído com sucesso a academia militar, foi designado para o Großen Generalstab (oficialmente Grão-Estado-Maior, o Estado-Maior Geral do Exercito Imperial) por um ano. Esse comando foi então prorrogado por mais um ano, até que finalmente agregou em 22 de março de 1902 com sua promoção a capitão do Estado-Maior do Exército (Hauptmann dem Generalstab der Armee) e foi transferido para servir ao Estado-Maior do XVII Corpo de Exército (Generalstab des XVII. Armee-Korps), com sede em Dantzig.

Seu irmão Jasper Kundt (1872-1940) foi um major-general (Generalmajor) do exército alemão; sua irmã Marie Kundt ocupou o cargo de diretora da Academia de Arte Fotográfica de Lette.

Missão Militar Alemã na Bolívia

Guarda Presidencial boliviana durante uma cerimônia na capital La Paz.
Eles estão equipados com os capacetes Pickelhauben, de tradição prussiana, em estilo cuirassier imperial alemão. A Guarda Presidencial era recrutada no "Regimento Colorados 1º de Infanteria".


Hans Kundt foi enviado à Bolívia em 1908, durante o primeiro governo do presidente Ismael Montes Gamboa, como chefe da missão militar de treinamento alemã; com o posto de major. O efetivo da missão alemã era de 5 oficiais e 13 gruaduados.

Kundt teve um excelente relacionamento com o governo e o Exército bolivianos, adquirindo reputação de grande administrador e instrutor de tropas. Em 1911, durante o governo do presidente Eliodoro Villazón Montaño, Kundt iniciou a reorganização do Exército boliviano segundo o modelo prussiano.

Primeira Guerra Mundial

Retrato com dedicatória do então Oberstleutnant Hans Kundt em 1915.

Em 1914, ele retornou à Alemanha e  tornou-se tenente-coronel (Oberstleutnant) em 19 de agosto de 1914 no comando do Regimento de Infantaria da Reserva Nº 254 (Reserve-Infanterie-Regiments Nr. 254) da Landwehr na Frente Oriental; combatendo na Polônia e na Galícia contra o Exército Imperial Russo. Ele foi chefe do Estado-Maior do X Exército do Corpo de Reserva entre 30 de junho e 29 de novembro de 1915.

O Coronel Kundt também comandou o 1º Regimento de Granadeiros da Guarda "Kaiser Alexander" (Kaiser Alexander Garde-Grenadier-Regiment Nr. 1) de 3 de janeiro de 1917 a 1º de março de 1918. Promovido a coronel (Oberst) em 2 de abril do mesmo ano, em 3 de janeiro de 1918 assume o comando da 42ª Brigada de Infantaria (42. Infanterie-Brigade)., mantendo-o até 8 de setembro de 1918.

Após a assinatura do armistício, reassumiu o comando do 1º Regimento de Granadeiros da Guarda "Kaiser Alexander" de 20 de janeiro de 1919 até sua dissolução. Ele então passou, em 1º de janeiro de 1920, ao comando do distrito militar de Glogau, na Baixa Silésia, que logo se tornaria Glogóvia, território da Polônia recém-independente.

Em 30 abril do mesmo ano foi realocado para a reserva com o posto de major-general (Generalmajor).

De volta à Bolívia

Em 1921, ele retornou à Bolívia como civil, mas foi imediatamente nomeado Chefe do Estado-Maior do Exército com o posto de Tenente General. Nesta posição, ele deu continuidade à reorganização iniciada em 1911 e se tornou muito popular porque - ao contrário da maior parte do corpo de oficiais bolivianos - cuidava do bem-estar de cada soldado. Em 1923 foi nomeado Ministro da Guerra, iniciando um programa de modernização dos materiais fornecidos ao exército. Esse programa foi executado durante a década de 1920 e estudou-se o plano operacional para a ocupação definitiva do Chaco, área em litígio com o Paraguai.

Ernst Röhm com o uniforme boliviano.

Em 1928, ele alcançou Ernst Röhm, futuro criador do Batalhão de Assalto (Sturmabteilung, SA) do partido nazista, e que então trabalhava como instrutor militar na patente de tenente-coronel na Bolívia.

Hans e sua esposa Gertrude, 1925.

Em meados da década de 1930, Kundt tentou influenciar os oficiais do exército a favorecerem a reeleição do presidente Hernando Siles Reyes e, portanto, quando este foi deposto em um golpe-de-estado, Kundt foi forçado a se exilar: mudou-se então para o Chile e tornou-se instrutor do exército local, também prussiano, estudando o teatro operacional da Patagônia em caso de conflito com a Argentina.

Guerra do Chaco

Em 15 de junho de 1932, tropas bolivianas atacaram o estratégico posto avançado paraguaio de Carlo Antonio Lopez, localizado próximo a uma das principais fontes de água na região do Chaco: um soldado paraguaio foi morto e cinco foram feitos prisioneiros.

A reação paraguaia foi extremamente rápida e levou à reocupação da posição perdida, mas foi o início de uma guerra aberta entre os dois países. No final do ano, a liderança boliviana convocou com urgência Kundt, que chegou do Chile via Lima de trem, sendo acolhido por uma multidão jubilosa; em 5 de dezembro foi nomeado Chefe do Estado-Maior do Exército no lugar do General Filiberto Osorio.

General Kundt, vestindo uniforme boliviano e rodeado de praças, no seu posto de comando no Chaco, 14 de setembro de 1933.

No entanto, apesar da superioridade numérica e da disponibilidade de armamentos modernos, o exército boliviano não conseguiu prevalecer, sendo incapaz de usar sua superioridade a seu favor devido a táticas inadequadas. O uso de ataques frontais contra posições bem defendidas (típicas da Primeira Guerra Mundial), a falta de coordenação entre exército e força aérea, as graves deficiências logísticas e o deficiente serviço de reconhecimento levaram os bolivianos a sofrer inúmeras derrotas, com perdas graves de homens e meios.

A estratégia boliviana baseava-se na indubitável superioridade de recursos econômicos e populacionais (3 para 1) que possuía sobre o Paraguai. Para o estado-maior boliviano, a ocupação do Chaco e o acesso ao rio Paraguai eram mais um problema diplomático do que militar.

"O Tenente-Coronel Ángel Rodríguez acreditava que só havia água suficiente para enviar 5.000 homens, e que apenas unidades do tamanho de uma companhia poderiam manobrar pelos arbustos, enquanto Kundt permanecia firmemente convencido de que 3.000 homens seriam suficientes para tomar Assunção."

- James Dunkerley, Orígenes del poder militar: Bolivia 1879-1935, pg. 207, 1987.

Soldados bolivianos se movendo pelo terreno inclemente do Chaco.

Não se levou em conta a história daquele pequeno país localizado ao sul e a importância que dava à posse do Chaco Boreal. Em 1928, o presidente Daniel Salamanca, para quem o Paraguai era "a mais miserável das repúblicas da América do Sul", disse:

"A Bolívia tem uma história de desastres internacionais que devemos contrapesar com uma guerra vitoriosa [...]. Assim como os homens que pecaram devem ser submetidos à prova de fogo para salvar suas almas [...] países como o nosso, que cometeram erros de política interna e externa, devemos e precisamos nos submeter à prova de fogo, que não pode ser qualquer outra coisa que não o conflito com o Paraguai [...] o único país que podemos atacar com garantias de vitória."

Jorge Antezana Villagrán, La Guerra del Chaco: análisis y crítica sobre la conducción militar, pg. 12-13, 1982.

Comando-em-Chefe das forças bolivianas

Kundt à cavalo durante um exercício na Bolívia.

Devido ao fracasso das operações militares bolivianas nos primeiros três meses de combate, e da popularidade que tinha na Bolívia pela tarefa de estruturação do Exército que havia realizado, o presidente Daniel Salamanca ofereceu-lhe o cargo de Comandante-em-Chefe. Salamanca também achava que com essa medida poderia controlar os rebeldes oficiais do alto comando boliviano e ter um "bode expiatório" no suposto caso de que as coisas não corressem bem. Kundt tinha então 63 anos.

"O Exército Boliviano era obra de Hans Kundt, era o Exército que desfilava em formações perfeitas nos dias de lembrança cívica, era o Exército que realizou manobras no Altiplano, causando inquietude nos governos do Chile e do Peru, e era também o Exército que nunca foi preparado para uma campanha em clima tropical e terreno arborizado."

- Querejazu Calvo, Historia de la Guerra del Chaco, pg. 55, 1990.

Limitado por sua concepção estratégica de ocupar o território do Chaco até chegar ao rio Paraguai e acreditando que poderia levar adiante uma guerra "econômica" sem mobilizar todos os recursos militares que lhe teriam dado uma superioridade avassaladora sobre o Paraguai, Kundt tentou desalojar o Exército Paraguaio de todos os pontos intermediários a esse objetivo estratégico por meio de ataques frontais.

As características do teatro de operações do Chaco, o custo em homens que reduziam suas forças e a ação da camarilha de oficiais bolivianos que sabotavam suas ações de diferentes maneiras, determinaram que depois de 9 meses de ataques Kundt não conseguira destruir o inimigo conforme seu objetivo inicial.

Kundt e oficiais bolivianos,
estes ainda com o uniforme de influência francesa.


Depois das pesadas derrotas nas batalhas de Nanawa e Alihuata, onde Kundt ordenou sangrentos ataques frontais de infantaria a posições fortificadas, o prussiano liderou os bolivianos no desastre da Batalha de Campo Via.

Ocorrida entre 3 e 11 de setembro, o Exército Boliviano lastimou a perda de mais de 9.000 soldados (2.600 mortos e 7.500 feitos prisioneiros), 8.000 fuzis, 536 metralhadoras, 25 morteiros e 20 peças de artilharia, o presidente Daniel Salamanca Urey o destituiu do comando e o substituiu pelo General Enrique Peñaranda del Castillo.

Charge paraguaia representando Hans Kundt e o presidente Salamanca sendo repelidos pelo General Estigarribia, à frente do presidente Eusebio Ayala.
A legenda diz: 

"O Ajudante de Kundt: Um momento, Excelência; o prudente general previu esta emergência..."


Em 16 de novembro de 1934, ocorreu a rendição das 1ª e 2ª Divisões de Reserva bolivianas em El Carmen. A consequência imediata foi a retirada de 18.000 homens do exército boliviano do forte Ballivián, localizado ao sul, em direção a Villamontes.

Em 27 de novembro, o presidente Salamanca tentou substituir Peñaranda pelo General Lanza, mas Peñaranda, apoiado pelo Coronel Germán Bush (ex-comandante-em-chefe do Exército Boliviano), cercou a vila onde Salamanca estava localizado e o obrigou a reconfirmá-lo no posto.

Em 30 de novembro de 1934, após a derrota de El Carmen, Salamanca demitiu definitivamente Peñaranda e mais uma vez deu o comando supremo do exército a Kundt; este procedeu à remoção do General Peñaranda del Castillo, e então tentou revitalizar as tropas agora perto do colapso total.

O exército paraguaio surpreendentemente se infiltrou em uma divisão entre duas divisões bolivianas, viajando 70km pelo deserto com o objetivo de capturar os poços do forte Yrendagüé localizado na retaguarda boliviana e deixar três divisões inimigas sem água, no meio do deserto.

Tanque Vickers Mark E. de 6 toneladas boliviano capturado pelos paraguaios. Blindados foram adquiridos por insistência de Kundt mas, apesar de aquisições caras, foram utilizados mal e provaram-se inúteis no terreno do Chaco.

Após a derrota de Yrendagué (5 a 8 de dezembro de 1934), as tropas bolivianas abandonaram definitivamente o Chaco e com a deposição do presidente Salamanca, substituído pelo vice-presidente José Luis Tejada Sorzano, Hans Kundt foi novamente demitido do comando e praticamente colocado em prisão domiciliar em sua casa. Em abril de 1935 o exército paraguaio entrou em território boliviano e, no mês de junho seguinte, foi assinado o tratado de paz que atribuía definitivamente a maior parte do território do Chaco ao Paraguai.

Depois de deixar a Bolívia permanentemente no primeiro trimestre de 1936, Kundt se estabeleceu por um curto período na Alemanha e depois mudou-se para Minusio, na Suíça. Ele morreu em Lugano, em 30 de agosto de 1939; apenas dois dias antes da invasão nazista à Polônia.

Publicações

- Prescripciones para el tiro con cartuchos de guerra, para los cuerpos armados con fusil y carabina, que regirán desde la fecha, Intendencia de Guerra, La Paz, 1923.

- Campaña del Chaco, el general Hans Kundt, comandante en jefe del Ejército en Bolivia, com Raúl Tovar Villa, Editorial Don Bosco, La Paz, 1961.

Avaliação como comandante

Quadro do General Hans Kundt.

Embora demonstrasse excelentes qualidades como administrador e instrutor e se preocupasse com o bem-estar das tropas sob seu comando, ele não se mostrou um bom comandante no campo de batalha. Durante a Primeira Guerra Mundial, Kundt demonstrou uma compreensão medíocre sobre táticas, preferindo ataques frontais na maioria das situações. Apesar do seu conhecimento dos problemas de estado-maior, ele não era um bom estrategista. Kundt também mostrou pouco tato diplomático, intrometendo-se na política interna boliviana e tendo de se exilar no Chile após apostar "no cavalo errado".

Na Guerra do Chaco, ele permaneceu ligado às táticas de massa da Primeira Guerra Mundial, preferindo os ataques frontais sem sentido e sangrentos contra posições inimigas bem protegidas em oposição à guerra de movimento, e em vez de penetrar rapidamente no Chaco com as tropas divididas em colunas móveis, optou por uma ocupação ampla, mas dispersa, do território conquistado.

Kundt também não foi capaz de reagir com flexibilidade às manobras do Exército Paraguaio; este cercou unidade por unidade do exército boliviano e os esmagou.

Embora tenha traçado planos operacionais para a ocupação do Chaco desde os anos 1920, Kundt nunca visitou ou conheceu o território disputado; além disso, ele era micro-gerenciador e sempre relutou em depender de seus subordinados bolivianos, preferindo supervisionar diretamente todas as operações militares em andamento, concentrando o poder de decisão em torno de si.

General Hans Kundt sentado em meio a oficiais bolivianos.

Kundt também era arrogante e, segundo o plano inicial, a guerra deveria se transformar em um avanço triunfal e incontestável das tropas bolivianas em toda a região, por serem superiores em número e meios ao Exército Paraguaio.

Este, treinado e aconselhado por uma missão francesa, liderado pelo brilhante General José Félix Estigarribia, soube utilizar o terreno para manobrar contra o adversário (maior e mais poderoso), além de fornecer uma cadeia logística mais eficiente. Kundt, em contrapartida, teve que recusar reforços várias vezes por não poder alimentá-los, e a vasta maioria das mortes por desidratação durante a guerra foram de soldados bolivianos.

Uma vez iniciada a guerra, a Bolívia não realizou uma mobilização total, pois Kundt considerou que bastava realizar uma guerra barateira e que não alteraria o cotidiano da população. Por essas razões, nenhuma tentativa foi feita para melhorar o abastecimento até a distante frente do Chaco, construindo uma linha ferroviária para Muñoz e a ponte essencial sobre o rio Pilcomayo. As tropas foram transportadas por caminhão e trem até Villazón, de lá por caminhão até Tarija e daí a pé até Villamontes, principal base do Chaco. De lá, os soldados deveriam marchar até 400km em meio à poeira, lama e calor sufocante do Chaco Boreal; boa parte dos soldados bolivianos eram índios do altiplano andino, com um clima totalmente diferente.

O meio de transporte básico era o caminhão, sempre em falta. Para cobrir as seis etapas do trecho Villazón-Muñoz foram necessários 480 caminhões. Como eram concentrados em unidades de abastecimento e principalmente de água, os soldados tiveram que se mobilizar principalmente a pé durante toda a guerra. Os veículos foram limitados por sua vez pelas estradas ruins, todas de terra e as quais as chuvas tornavam intransitáveis.

A ferrovia de 146km do rio Paraguai ao coração do Chaco foi vital para o Exército Paraguaio, especialmente durante a batalha do Boquerón.

Ao final da guerra, Kundt mudou de opinião, e os bolivianos de jogos de guerra deixaram de ser "os melhores soldados do mundo depois dos alemães" para serem claramente insuficientes para uma guerra real. Kundt também insistiu na compra de blindados Vickers e tankettes, mesmo contra a opinião da comissão técnica boliviana que avisou corretamente que seriam inúteis no Chaco.

O alemão era conhecido pela preocupação com o bem-estar de seus soldados, característica rara na tradição militar boliviana, mas desprezava os oficiais e generais bolivianos. O General Kundt nunca teve, nem antes e nem durante a guerra, o apoio incondicional dos oficiais sob seu comando. Eles viam na sua presença a prova patente de sua própria incapacidade e Kundt, a quem lhe sobravam exemplos, não perdia a oportunidade de ressaltá-la. Por isso, com seis meses comandando o Exército Boliviano, ele já pensava em renunciar ao cargo.

Robert Brockmann, autor boliviano que escreveu o livro El general y sus presidentes – Hans Kundt. Ernst Röhm y siete presidentes de Bolivia, 1911-1939 (dezembro de 2007), assim resumiu o general prussiano:

"Em grande medida, Hans Kundt foi o bode expiatório dos erros, ineficácia e desobediência de seus subordinados bolivianos. Kundt foi traído por seus subordinados, especialmente seu mais próximo, David Toro. Isso, porém, não o isenta de seus próprios grandes erros, como ter enviado onda após onda de soldados bolivianos à morte em ataques frontais contra a fortaleza de Nanawa, ou não ter reconhecido a magnitude da ofensiva paraguaia em outubro-dezembro de 1933, que levou ao desastre de Alihuatá-Campo Vía."

Bibliografia recomendada:

The Chaco War 1932-1935:
Fighting in Green Hell,
Antonio Luis Sapienza e José Luis Martínez Peláez.

The Chaco War 1932-35:
South America's greatest modern conflict,
Alejando de Quesada com Phillip Jowett e Ramiro Bujeiro.

El general e sus presidentes,
Robert Brockmann.

Leitura recomendada:

quinta-feira, 22 de outubro de 2020

PERFIL: General Germán Busch Becerra - Herói do Chaco e presidente da Bolívia (1937-1939)

Tenente-General Germán Busch Becerra.
(Colorização de Krisgabwooshed)

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 22 de outubro de 2020.

O General Germán Busch Becerra é uma figura reverenciada na Bolívia. Herói da Guerra do Chaco de 1932-1935, participou da derrubada de todos os seus 3 antecessores (Hernando Siles Reyes, Daniel Salamanca Urey e José David Toro Ruilova) antes de se tornar presidente em 1937. Ele tentou democratizar e promulgar reformas sociais e econômicas massivas na Bolívia, mas se cansou do "jogo político". Descrito como "errático", provavelmente por causa de PTSD não-diagnosticado (síndrome de estresse pós-traumático), ele se declarou ditador em 24 de abril de 1939, anulando assim a própria ordem política que ele havia criado meticulosamente, aparentemente "cometendo suicídio" 4 meses depois, em 23 de agosto de 1939.

Retrato original em preto-e-branco.

Em 1922, aos 18 anos, Germán ingressou no Colégio Militar do Exército na capital La Paz, onde alcançou o posto de Segundo Tenente de Cavalaria em 1927, e se tornou ajudante de ordens do Estado-Maior Geral. Em 1931 foi promovido a 1º Tenente e condecorado com a Ordem do Condor dos Andes (La Orden del Cóndor de los Andes) por sua expedição às missões de San Ignacio de Zamucos no Chaco.

Em setembro de 1932, a Guerra do Chaco estourou entre a Bolívia e o Paraguai, onde ele participou do primeiro confronto na Batalha do Boquerón. Nas primeiras etapas da Guerra do Chaco, ele salvou uma divisão inteira da destruição certa durante a Batalha de Gondra, bem como 900 homens do seu próprio regimento de cavalaria, lutando a pé, o qual ele dirigiu para fora do bolsão de Campo Vía. Ele seria promovido a capitão por sua bravura em várias ações após a Batalha do Boquerón.

Como major, participou e executou o grosso da ação no polêmico golpe-de-estado que derrubou o presidente constitucional Daniel Salamanca em 27 de novembro de 1934, em plena guerra e a apenas doze quilômetros da linha de frente. A razão disso foi a constante confrontação de chefes do Alto Comando boliviano com Salamanca sobre a condução da guerra e a emissão de nomeações e promoções militares. Quando o presidente Salamanca decidiu viajar pessoalmente ao teatro de operações para demitir o General Enrique Peñaranda e substituí-lo, os principais líderes do exército boliviano ordenaram que os canhões fossem apontados contra o chalé da casa de Staudt onde o presidente estava hospedado. O Major Busch, por ordem do Coronel David Toro, cercou a residência e forçou a renúncia de Salamanca.

Soldados bolivianos se movendo pelo terreno inclemente do Chaco.

Busch conspirou novamente em 1936, desta vez derrubando o sucessor de Salamanca e ex-vice-presidente, José Luis Tejada. Tejada era desprezado pelos líderes militares bolivianos que o viam como parte das velhas elites políticas que irresponsavelmente os levaram à guerra e então não os equiparam adequadamente para vencê-la. A incapacidade do presidente de controlar os problemas econômicos que afetavam o país foi causa suficiente para que jovens oficiais como Busch o derrubassem. Germán Busch serviu como presidente interino por três dias entre 17 de maio e 20 de maio de 1936 antes de nomear seu amigo e camarada de alto escalão, David Toro, que era o chefe de estado-maior de Tejada, como presidente de fato.

Toro presidiu um experimento reformista chamado Socialismo Militar (defendido por Busch) por pouco mais de um ano. Logo, porém, o governo Toro conquistou o descontentamento da população indígena e do exército. O próprio Busch se sentia insatisfeito com o pragmatismo e compromissos políticos aparentemente intermináveis de Toro que para ele pareciam não levar a lugar nenhum. Em 13 de julho de 1937, Busch liderou um movimento político com o apoio de militares e apoiado pelos cidadãos, conseguindo a renúncia de Toro e instalando-se no Palácio Quemado. Busch assumiu a presidência aos 33 anos, o segundo presidente mais jovem da Bolívia, depois de Antonio José de Sucre.

Embora Busch fosse um herói nacional, suas inclinações políticas eram desconhecidas da população em geral. A esquerda e a direita presumiram que ele voltaria do socialismo militar de Toro ao estabelecimento político tradicional que a Bolívia tinha visto antes da Guerra do Chaco, um sentimento que o próprio Busch pouco fez para esclarecer. Embora mostrando uma tendência para o conservadorismo econômico, politicamente seu regime começou a adotar elementos mais radicais da administração de Toro.

Em junho de 1938, o governo Busch anunciou a imigração aberta para a Bolívia em uma reversão repentina da política governamental anterior; permitindo a imigração irrestrita de judeus, tornando a Bolívia o primeiro país a fazê-lo, mas que foi contra as fortes simpatias nacional-socialistas e pró-alemãs do exército.

Diante do escândalo da imigração, insatisfeito com os resultados produzidos por suas poucas reformas e com pouco apoio da esquerda fragmentada, Busch decidiu que uma nova direção era necessária. Para espanto da nação, Busch, cansado do "jogo político" e, totalmente destituído da arte do compromisso, declarou-se ditador a partir de 24 de abril de 1939, anulando a própria ordem política que havia meticulosamente criado. A Constituição de 1938, embora ainda em vigor, seria agora aplicada por meio de decreto executivo com a suspensão do congresso. Ele também criou o Banco Nacional da Bolívia e o Banco Mineiro da Bolívia.

Capa do jornal La Razón de 24 de agosto de 1939.

No entanto, nas últimas semanas de sua vida, a pressão da mídia contra seu governo tornou-se mais severa. Os ataques contra sua liderança incluíam alegações de “que ele era jovem e inexperiente para governar” e “que não tinha cultura nem conhecimento”. Como medida da natureza vulcânica e imprevisível de Busch e da aversão à imprensa, ele certa vez fez com que Alcides Arguedas - um respeitado diplomata, político e escritor boliviano - fosse levado a seu escritório, onde Germán o agrediu fisicamente com um tapa por uma coluna crítica ao seu regime. Na época, Arguedas tinha 60 anos e Busch 35.

Os ataques contra ele foram agravados pelas poderosas elites e barões do estanho que iniciaram uma cruzada contra Germán Busch, depois que ele lançou o decreto de 7 de junho de 1939 com o rótulo “Que a Bolívia se aproveite das suas riquezas”, que ordenava a entrega de 100% da moeda dos mineiros ao Estado.

Sua estranha morte foi muito discutida em sua época e ainda é hoje. Um dos seus biógrafos, o autor Marco Lora Callejas, afirma:

"Busch acordou na madrugada de 23 de agosto de 1939 com uma bala calibre 32 na cabeça, na mesa de trabalho de sua casa em Miraflores. A análise forense da autópsia realizada tardiamente em seu corpo e a investigação negligente para esclarecer sua morte polêmica, que foi marcada por omissões e irregularidades, apenas sustentam a tese do assassinato".

- Marco Lora Callejas, Germán Busch el Centauro del Chaco: La legendaria vida y obscura muerte del héroe boliviano, 2018.

Bibliografia recomendada:

The Chaco War 1932-35.
Alejandro de Quesada e Philip Jowett, e Ramiro Bujeiro.

Leitura recomendada: