Por Martin K.A. Morgan, American Rifleman, 6 de fevereiro de 2017.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 11 de fevereiro de 2020.
A narrativa popularizada sobre a metralhadora leve francesa Chauchat é aquela que apresenta o fuzil automático* como um fracasso absoluto. Detratores tendem a enfatizar mão de obra precária, carregadores delicados e também repetem regularmente a generalização mais ampla possível de todas - que o Chauchat estava propenso a travar. As origens dessa mitologia são um tópico bem coberto no livro Honor Bound: Chauchat Machine Rifle de Yves Buffetaut e Gerard Demaison, bem como no artigo de Tom Laemlein de 2012 That "Damned, Jammed Chauchat".
*Nota do Tradutor: A classificação do fuzil-metralhador Chauchat como fuzil automático foi apenas o primeiro dos erros de adoção dos americanos, e um que ainda permaneceria assombrando as forças americanas com o Browning Automatic Rifle (Fuzil Automático Browning), um arcaismo desse período que não explicava propriamente a missão de emprego destes dois equipamentos.
Apesar de sua reputação, o "Fusil Mitrailleur Modéle 1915 CSRG" serviu efetivamente em combate com as forças armadas francesas calibrado no cartucho Lebel 8x50R, as forças belgas em 7,65x53mm e as forças armadas polonesas em Mauser 7,92x57mm. Foi quando o Chauchat foi redesenhado para as forças armadas dos EUA em .30-'06 Sprg. como o modelo 1918, que os problemas reais foram encontrados. Essa modificação do projeto existente exigia um carregador diferente, um retém do carregador modificado e um guarda-mão realocado. Ele manteve o sistema operacional de recolhimento de longo curso do original, que foi amplamente baseado no projeto patenteado por John Browning para o fuzil Remington Modelo 8 de carregamento automático. Mas as câmaras no Chauchat Modelo 1918 .30 não foram alargadas o suficiente, e as armas sofreram falhas como resultado. No entanto, a Força Expedicionária Americana fez uso extensivo dos CSRG do Modelo 1915 em 8mm Lebel durante a Primeira Guerra Mundial. De fato, três soldados do Exército dos EUA ganharam a Medalha de Honra durante a Ofensiva Meuse-Argonne usando o Chauchat - Soldado Frank J. Bart, da Companhia C, 9º Regimento de Infantaria, 2ª Divisão de Infantaria, Soldado Thomas C. Neibaur, da Companhia M, 167º Regimento de Infantaria, 42ª Divisão de Infantaria, e Soldado Nels T. Wold da Companhia I, 138º Regimento de Infantaria, 35ª Divisão de Infantaria. Você pode ler as citações abaixo.
Por ter sido produzido em maior número do que qualquer outra arma automática durante a Primeira Guerra Mundial, os Chauchat permaneceram em abundância durante os anos que se seguiram a 1918. Eventualmente, as forças militares de 11 países o usaram - incluindo a Alemanha nazista. Quando o Terceiro Reich invadiu a Polônia, em 1939, a Bélgica e a França, em 1940, e a Grécia, em 1941, milhares de metralhadoras leves Chauchat utilizáveis foram capturadas e colocadas em serviço. O modelo 1915 francês em 8mm Lebel foi designado LeMG.156(f), o modelo 1915 belga em 7,65mm foi designado LeMG.126(b). Exemplares gregos, iugoslavos e poloneses foram igualmente designados pelos alemães.
Tropas alemãs da SS armadas com um fuzil-metralhador francês Fusil Mitrailleur Modéle 1915 CSRG Chauchat capturado em 8x50R Lebel. |
Após o seu serviço militar, o Chauchat passou para uma segunda carreira como arma de fogo colecionável nos Estados Unidos. Milhares de Chauchats entraram no país em frenesi no final da década de 1950 como DEWATs - troféus de guerra desativados - muitos dos quais foram posteriormente reativados e adicionados ao registro da Lei Nacional de Armas de Fogo. Quase nenhuma dessas armas registradas/transferíveis são do modelo 1918 em .30-06, mas sim do modelo 1915 produzido pela SIDARME em 8mm Lebel. Um deles fez uma aparição recente no set durante as filmagens para a próxima temporada do American Rifleman TV. Observando o centenário da intervenção dos EUA na Primeira Guerra Mundial, o programa transmitirá uma série de episódios com as armas que lutaram nas trincheiras da Frente Ocidental, e o Chauchat é definitivamente uma arma que não deve ser esquecida. Apesar de sua reputação, a arma que tínhamos no set naquele dia funcionava surpreendentemente bem com a munição Prvi Partizan 200-gr. FMJ BT 8x50R. O Chauchat de fato teve incidentes de tiro, mas em uma reviravolta inesperada, menos que a metralhadora Lewis .30 que estava no set ao mesmo tempo. O municiamento do carregador é uma operação delicada com o Chauchat porque os cartuchos devem estar perfeitamente alinhados para que a arma seja alimentada com segurança. Considerando que os carregadores Chauchat foram originalmente concebidos como itens descartáveis, é surpreendente que ainda funcionem 100 anos depois. Como pode ser visto no vídeo, uma seqüência de cartuchos expelidos caindo perto da culatra durante a ejeção foi seguida por um stovepipe* aos um minuto e doze segundos. Esse tipo de parada ocorreu algumas vezes durante o dia, mas após alguns ajustes a ejeção fraca foi resolvida simplesmente apertando o bouchon d'appui (tampa de apoio da caixa da culatra) e o conjunto bague d'appui (anel de apoio) da arma. Feito isso e os carregadores municiados corretamente, esse Chauchat funcionou de maneira confiável.
*NT: Falha de extração quando o cartucho é prensado na janela ejetora da câmara no meio do movimento de avanço do ferrolho, ficando preso.
Apesar de ter servido efetivamente durante duas Guerras Mundiais e cinco outros conflitos, o Chauchat continua sendo uma arma de fogo militar profundamente incompreendida. Frequentemente, ocupa o primeiro lugar em quase todas as listas das "piores armas de todos os tempos" da Internet, mas criticá-la dessa maneira é não entendê-la fundamentalmente. Referir-se ao Chauchat como "a pior arma de todos os tempos" seria o mesmo que referir-se ao Ford Modelo T como o pior carro de todos os tempos ou ao Wright 1903 Flyer como o pior avião de todos os tempos. Quando o Chauchat foi introduzido em 1915, não havia nada parecido no mundo. Dessa forma, ocupa um lugar único e importante na história das armas portáteis. Numa época em que o Fuzil Automático Browning ainda não estava em produção* em grande escala e a metralhadora Lewis era muito mais cara e quase 10 libras (4,5kg) mais pesada, o Chauchat forneceu uma metralhadora leve que poderia avançar no campo de batalha com um escalão de ataque. Seu projeto inspirou-se em uma patente de John Browning e estava em produção em larga escala numa época em que nada mais era. Embora possa ser fácil criticar o Chauchat aqui no século XXI, há 100 anos, durante o século XX, as exigências da necessidade de guerra tornaram-no a arma certa no lugar certo e na hora certa. Ainda há vozes apontando suas deficiências, embora, depois de mais de um século, a arma ainda possa entregar um bom dia de serviço. Essa foi certamente a nossa experiência no set do American Rifleman TV.
*NT: O BAR não existia sequer como projeto em 1915, nascendo justamente da experiência do Chauchat e iniciando estudos apenas em 1917. A produção começou em fevereiro de 1918. O BAR viu apenas menos de dois meses de combate na França com meros 9 mil FMs BAR produzidos até 11 de novembro de 1918 - data do armistício. Em comparação, foram produzidos 262.300 Chauchats de 1916 a 1918, mesmo sob forte pressão em cima da indústria francesa de tempo de guerra.
Um exemplar raro da metralhadora leve Fusil Mitrailleur Modéle 1918 CSRG Chauchat calibre .30. (Cortesia da fotografia da James D. Julia Auctioneers) |
Medalhas de Honra com o Chauchat
Soldado Frank J. Bart
Companhia C, 9º Regimento de Infantaria, 2ª Divisão de Infantaria.
Frank J. Bart. |
O Soldado Bart, de serviço como corredor da companhia, quando o avanço foi detido por tiros de metralhadora, pegou voluntariamente um fuzil automático, correu à frente da linha e silenciou um ninho de metralhadora hostil, matando os atiradores alemães. O avanço continuou e, quando foi novamente detido pouco depois por outro ninho de metralhadora, esse corajoso soldado repetiu sua ousada façanha colocando a segunda metralhadora fora de ação.
Soldado Thomas C. Neibaur
Companhia M, 167º Regimento de Infantaria, 42ª Divisão de Infantaria.
Thomas C. Neibaur. |
Na tarde de 16 de outubro de 1918, quando o Côte-de-Châtillon havia acabado de ser conquistado após uma dura luta e o cume daquele forte baluarte no Kriemhilde Stellung estava sendo organizado, o Soldado Neibaur foi enviado em patrulha com seu grupo de combate de fuzil automático para bater tiros amarrados sobre ninhos de metralhadora inimigos. Ao subir a crista, ele montou o fuzil automático e foi diretamente ferido nas duas pernas pelo fogo por uma metralhadora hostil em seu flanco. A onda de avanço das tropas inimigas, contra-atacando, tinha quase atingido a crista e, embora praticamente isolado e cercado, o restante de seu destacamento sendo morto ou ferido, esse galante soldado manteve seu fuzil automático em operação para tal efeito que por conta dos seus próprios esforços e pelo fogo da linha de atiradores da sua companhia, a pelo menos 100 jardas em sua retaguarda, o ataque foi controlado. A onda inimiga sendo parada e aferrada, quatro dos inimigos atacaram Soldado Neibaur em combate aproximado. Estes ele matou. Ele então se moveu sozinho entre o inimigo deitado no chão ao seu redor, no meio do fogo de suas próprias linhas, e com frieza e galanteria capturou 11 prisioneiros na ponto de sua pistola e, embora dolorosamente ferido, os trouxe de volta para nossa linhas.
Soldado Nels T. Wold
Companhia I, 138º Regimento de Infantaria, 35ª Divisão de Infantaria.
Nels T. Wold. |
Ele prestou um serviço mais galante ao ajudar o avanço de sua companhia, que havia sido detido por ninhos de metralhadoras, avançando com um outro soldado e silenciando as armas, trazendo consigo, ao retornar, 11 prisioneiros. Mais tarde, no mesmo dia, ele pulou de uma trincheira e resgatou um camarada que estava prestes a ser baleado por um oficial alemão, matando-o durante a façanha. Suas ações foram totalmente voluntárias e foi ao tentar assaltar um quinto ninho de metralhadoras que ele foi morto. O avanço da sua companhia deveu-se principalmente à sua grande coragem e dedicação ao dever.
Túmulo de Nels T. Wold. |
Bibliografia recomendada:
Honour Bound: The Chauchat Machine Rifle. Gérard Demaison e Yves Buffetaut. |
Leitura recomendada:
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