sábado, 21 de maio de 2022

Uma teoria econômica da guerra: o exemplo sírio além da religião e da etnia


Por Hippolyte Boucher, The Tseconomist, 5 de dezembro de 2018.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 21 de maio de 2022.

Quando olhamos para o Oriente Médio hoje, pensamos diretamente em conflitos inter-religiosos, inter-étnicos e politicamente motivados desencadeados por algum evento. Tomemos, por exemplo, a guerra civil síria e as primeiras manifestações da primavera árabe lá, que aconteceram na cidade de Daraa.


Isso levanta a questão: podemos criar uma teoria geral da guerra que funcione para todos os conflitos, em vez de pensar na guerra como uma série de circunstâncias individuais? Por um lado, o jornalismo tende a apresentar a guerra como uma única linha do tempo dentro de um contexto, implicando que existem relações causais diretas entre os eventos. Por outro lado, historiadores e cientistas políticos apresentaram diferentes teorias unificadoras da guerra: poderia ser parte de um processo de barganha entre Estados ou facções dentro de um Estado (modelo de "Barganha", James D. Fearon); guerras podem ocorrer simplesmente porque ninguém pode detê-las (teoria da “Anarquia”, Kenneth Waltz); outros pesquisadores apresentam as guerras como eventos únicos que não podem realmente ser teorizados e dependem da cultura dos beligerantes (Why Wars Happen, Jeremy Black). Este é realmente um refinamento claro da abordagem do jornalista.

Recentemente, tem havido uma tendência interessante entre os teóricos da guerra e da guerra civil de usar funções de utilidade, colaborando cada vez mais com economistas para criar micromodelos estilizados. Eles usam problemas de utilidade esperada, informação e comprometimento, como seleção adversa, risco moral e teoria da barganha. Essa abordagem é muito elegante, mas também é bastante difícil de testar. Como devemos, como jovens economistas, teorizar a guerra? Podemos validar essa teoria usando o conflito sírio?

O objetivo de um belicista

Síria: composição étnica.

Tomando uma perspectiva de economia de guerra moderna, deve ser que o iniciador de uma guerra tenha um interesse econômico, político ou social em iniciá-la, e que o outro protagonista se beneficie de revidar. Ambos também devem recompensar seus apoiadores, ou pelo menos poupá-los de uma perda muito alta. Na realidade, as guerras não são apenas extremamente caras em termos de vida humana e liquidez, mas também em termos de infraestrutura, capital humano, comércio e reputação internacional. No entanto, as guerras ainda acontecem.

A partir do relatório do Banco Mundial de 2017, The toll of war, the economic and social consequences of the conflict in Syria, World Bank (O preço da guerra, as consequências econômicas e sociais do conflito na Síria, Banco Mundial), sobre as consequências do conflito sírio, sabemos que um terço do total de edifícios residenciais da Síria foi destruído, que metade da sua população foi deslocada e que cerca de 450.000 pessoas foram mortas. Mais importante ainda, o PIB nominal da Síria contraiu 61% desde 2011.


Suponhamos que os agentes ou facções que participam da guerra sejam racionais. Então, para que uma guerra comece, deve ser que um dos protagonistas espere pelo menos algum benefício a longo prazo dela. Essa suposição de racionalidade é muito plausível porque começar uma guerra não é uma decisão de um homem só, mesmo nos regimes mais despóticos. Aqui, o importante é que as expectativas dos agentes que entram na guerra são positivas, mas também se baseiam apenas nas informações de que dispõem. Esta informação obviamente não é perfeita e muitas vezes é muito otimista. Isso explica por que países e facções iniciam guerras que não podem vencer, ou guerras que os deixam em pior situação a longo prazo.

Tomemos, por exemplo, a invasão do Kuwait por Saddam Hussein em agosto de 1990 e a conseqüente operação Tempestade do Deserto em janeiro de 1991: depois de dois conflitos com o Irã, as finanças do Iraque estavam esgotadas, então Saddam decidiu invadir o Kuwait para reivindicar suas vastas reservas de petróleo e levantar o ânimo dos iraquianos para proteger seu regime. Ele subestimou completamente a probabilidade de uma intervenção apoiada pelas Nações Unidas contra ele. A invasão destruiu a reputação do Iraque e levou a enormes perdas militares. É considerada a principal razão pela qual Saddam perdeu o poder nos anos seguintes, o que acabou levando à sua eliminação em 2003.

Os fatores por trás do conflito: recursos, informação e queixas


As facções se envolvem em uma guerra porque, com base em suas informações atuais, podem obter algo a longo prazo. O tamanho do exército e o poder de fogo são fatores importantes que entram em jogo nessas decisões. Se uma facção não tem como derrotar outra, ela pode não se rebelar, iniciar uma insurgência ou um conflito de baixa intensidade. Este é o caso do Talibã no Afeganistão, do ISIS na Síria e no Iraque, agora que seu exército permanente foi mais ou menos derrotado. Quanto aos outros fatores, há grandes diferenças de opinião entre os economistas de guerra. Paul Collier é famoso por defender um modelo de ganância em oposição a um modelo de queixa. Ele argumenta que, em última análise, qualquer grupo que se envolva em guerras é motivado por duas variáveis econômicas principais, sendo a primeira a presença de recursos naturais em uma região específica: esses recursos são vitais e ao mesmo tempo indivisíveis, pois apenas um grupo pode controlá-los. A segunda é a marginalização econômica, ou mais precisamente, perdas econômicas percebidas e falta de oportunidades.

Novamente, tomemos a Síria como exemplo. As cidades dominadas pelos alauítas, que estão principalmente na parte ocidental do país, desenvolveram-se consideravelmente em comparação com o leste, apesar de muitos campos de petróleo e depósitos de gás estarem localizados lá. Outra grande questão é a água: o Tigre e o Eufrates nascem na Turquia e são vitais para as áreas menos desenvolvidas da Síria, localizadas a jusante. Isso também é verdade para o Iraque, que fica ainda mais a jusante. A montante, no entanto, é controlada pela Turquia e pelo regime de Assad, que construiu barragens e bombeou a maior parte da água para si. Por último, mas não menos importante, a população da Síria passou de 3 milhões em 1950 para 22,5 milhões em 2011, com seus jovens (com menos de 25 anos) representando 56% de sua população total. Um terço dos jovens sírios em idade ativa está desempregado, e esse número é ainda maior para os altamente qualificados. Deste ponto de vista, o conflito sírio não parece ser causado por diferenças ideológicas ou ódio racial e religioso entre curdos e árabes, ou sunitas e alauítas, mas principalmente pela extrema marginalização econômica e desigualdade entre as regiões dominadas pelos alauítas e o resto, e entre os velhos e os jovens.


A teoria de Collier é muito útil e foi testada com sucesso usando a insurgência do Talibã desde 2001 ou a guerra civil do Sri Lanka de 1983 a 2009. No entanto, essa teoria pode ser muito simples. David Keen, um de seus oponentes mais ferrenhos, acredita que para modelar um conflito, líderes e apoiadores devem ter utilidades diferentes e que a ganância e as queixas podem ser combinadas e se alimentarem mutuamente. Ele pega o caso da segunda guerra civil do Sudão (1983-2005) e argumenta que os líderes do Norte provocaram o ressentimento e o ódio das milícias árabes para que cometessem crimes no Sul e, no final, o despovoassem. Essas exações ocorreram precisamente na atual fronteira entre o Norte e o Sul do Sudão, onde estão localizados todos os campos de petróleo do Sudão. Assim, os interesses dos líderes eram tanto ideológicos quanto práticos, demonstrados por atacar o Sul cristão e pagão e controlar importantes recursos naturais, respectivamente. Quanto às milícias, elas fizeram mais do que compartilhar a ideologia de seus líderes. É por isso que eles foram capazes de cometer atrocidades que a privação econômica nunca poderia desculpar. Da mesma forma, o uso sistemático de estupro e tortura por milícias islâmicas (sunitas e xiitas) no conflito iraquiano-sírio não pode ser motivado apenas pela ganância.

Apesar de ser um campo jovem, a economia de guerra, assim como a economia política ou de identidade, está se mostrando muito útil porque suas teorias podem ser testadas. É tão útil que outras ciências sociais estão copiando seus métodos e modelos. Esta não é apenas uma tendência: em todos os tipos de ciências sociais, a economia está desempenhando um papel cada vez mais importante. Na minha opinião, está se tornando a ciência social quantitativa padrão porque coloca tanta ênfase no lado empírico quanto na teoria, e porque as teorias são testadas. Não é mais aceito em economia “falar por falar” e projetar uma boa teoria sem “testar na prática” provando ou refutando seriamente com a ajuda de dados.

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