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segunda-feira, 1 de agosto de 2022

A Importância do Nível Tático: A Guerra Árabe-Israelense de 1973


Por Lorris Beverelli, The Strategy Bridge, 19 de novembro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 1º de agosto de 2022.

É amplamente aceito que existem três níveis de guerra.[1] Do geral ao local, são os níveis estratégico, operacional e tático. Estratégia é o alinhamento de meios e formas para atingir um fim político. Estratégia é ganhar a guerra. A tática consiste em alcançar localmente a vitória por meio de uma série de ações que, tomadas globalmente, participam direta ou indiretamente da realização da estratégia. As táticas são tipicamente sobre vencer batalhas. Por fim, as operações consistem em conectar a tática à estratégia. Para isso, o nível operacional visa criar campanhas – uma série de ações táticas que perseguem objetivos operacionais específicos – para, em última análise, atingir objetivos estratégicos específicos. O nível operacional é tipicamente sobre ganhar uma série de campanhas para cumprir a estratégia declarada.

Cada nível de guerra é essencial para alcançar o sucesso e todos são igualmente importantes. A Guerra Árabe-Israelense de 1973 fornece uma ilustração de por que o nível tático é essencial. Este artigo primeiro fornecerá elementos para entender o aspecto mais amplo do conflito, antes de demonstrar como a falta de habilidade tática condenou os atacantes.

Contexto estratégico e objetivos

Caminhões militares egípcios cruzam uma ponte colocada sobre o Canal de Suez em 7 de outubro de 1973, durante a Guerra do Yom Kippur/Guerra de Outubro.
(Wikimedia)

Após a Guerra dos Seis Dias de 1967, Israel tomou o Sinai do Egito e as Colinas de Golã da Síria. O líder egípcio Muhammad Anwar el-Sadat queria resolver o conflito egípcio-israelense diplomaticamente, mas falhou. Consequentemente, ele decidiu usar a força.[2] O líder sírio Hafez al-Assad também queria guerra com Israel, em parte para vingar a derrota síria de 1967.[3]

Enquanto al-Assad inicialmente buscava a destruição de Israel, Sadat o persuadiu a concordar com objetivos limitados: a recaptura do Sinai e do Golã, uma solução para o problema dos refugiados e o reconhecimento de uma entidade palestina.[4] O líder egípcio considerou que esses objetivos não representavam uma ameaça aos interesses vitais de Israel e não provocariam uma retaliação nuclear.[5]

Os egípcios projetaram uma ofensiva total para atingir esses objetivos. Eles deveriam surpreender os israelenses, cruzar o Canal de Suez, avançar de 8 a 16 quilômetros no Sinai, e então se entrincheirar. Eles então defenderiam seus ganhos contra os israelenses e os exaurirem com infantaria entrincheirada com equipamento anti-carro, coberto por um abrangente sistema de defesa antiaérea.[6] Para compensar as dificuldades passadas com armas combinadas, iniciativa e improvisação tática, os egípcios roteirizaram toda a operação até o último detalhe. Cada grupo de combate e pelotão tinham ordens roteirizadas a serem seguidas, e as tropas ensaiaram a operação.[7]

Soldado egípcio comemorando depois de atravessar o canal de Suez

Os sírios queriam conquistar as Colinas de Golã em 24 horas e então preparar defesas para enfrentar um contra-ataque. Especificamente, eles queriam alcançar dois avanços na área ao norte de Quneitra e na região centro-sul em ar-Rafid, e explorá-los para entrar na retaguarda israelense.[8] O plano também exigia a estabilização das linhas defensivas ao longo do rio Jordão ou nas encostas ocidentais do Golã, ao capturar de Israel o pequeno número de pontos de entrada no Golã, selando o planalto para evitar um contra-ataque e prendendo os defensores no próprio Golã.[9] Como os egípcios, os sírios roteirizaram sua ofensiva em grande detalhe e aprenderam a operação até que a soubessem de cor.[10]

Os egípcios e os sírios deveriam lançar a ofensiva ao mesmo tempo, em duas frentes diferentes, e pegar os israelenses de surpresa. De fato, a inteligência israelense falhou em antecipar a ameaça. Como resultado, Israel estava amplamente despreparado para uma ofensiva estratégica de duas frentes. Além disso, os atacantes tinham uma vantagem absolutamente esmagadora em números.

Forças em cada frente

Ilustração das tropas de assalto egípcias cruzando o Canal de Suez em 6 de outubro de 1973.

Do lado egípcio, os atacantes tinham 300.000 soldados, mais de 2.400 tanques e 2.300 peças de artilharia, das quais cerca de 200.000, 1.600 e 2.000 soldados, tanques e peças de artilharia, respectivamente, fizeram parte do ataque inicial.[11] Diante deles estavam cerca de 18.000 soldados, 300 tanques e 90 peças de artilharia, com os reforços significativos mais próximos a 24 horas de distância.[12]

Do lado sírio, os atacantes tinham 60.000 soldados, 1.400 tanques, 600 peças de artilharia e, como os egípcios, um grande sistema de defesa antiaérea.[13] Os defensores tinham cerca de 6.000 soldados, 170 tanques e 60 peças de artilharia.[14]

Detalhe do Panorama 6 de Outubro, no Cairo.
Soldados egípcios cruzando o Canal de Suez e destruindo a Linha Bar-Lev usando mangueiras d'água de alta pressão durante a "Guerra do Ramadã".

Claramente, os israelenses estavam em terrível desvantagem numérica, com uma proporção de aproximadamente 1 para 11 no Sinai e de 1 para 10 no Golã, considerando soldados, tanques e peças de artilharia juntos. Apenas no ar eles tinham aproximadamente uma proporção de 1 para 1, mas essa paridade considerava apenas um atacante por vez. Juntando as Forças Aéreas Egípcia e Síria, os israelenses tinham metade das aeronaves de seus adversários.[15]

Execução das ofensivas

Os atacantes lançaram seu ataque de duas frentes em 6 de outubro. A ofensiva egípcia prosseguiu muito melhor do que o esperado. Em 18 horas, 90.000 soldados e 850 tanques cruzaram o Canal de Suez.[16] Após a travessia, os atacantes começaram a consolidar e expandir suas cabeças de ponte.[17] Os egípcios repeliram todos os contra-ataques e, ao final dos dois primeiros dias, os israelenses perderam 200 de seus 300 tanques.[18] No entanto, os egípcios abandonaram suas posições seguras quando sua liderança política decidiu ajudar seu aliado sírio que estava sendo severamente trucidado pelos israelenses. Consequentemente, uma nova ofensiva, desta vez não roteirizada ou ensaiada, foi lançada em 14 de outubro.[19] O ataque foi uma catástrofe, e os israelenses logo contra-atacaram e danificaram severamente as forças egípcias.[20] A luta parou em 28 de outubro, quando Israel concordou com um cessar-fogo em parte devido à pressão internacional.[21] Os egípcios perderam seus ganhos iniciais e foram empurrados de volta para a margem oeste do canal de Suez.

A Guerra de 1973 no Sinai, de 6 a 15 de outubro.
(Departamento de História da USMA/Wikimedia)

Do lado sírio, o ataque foi catastrófico desde o início e obteve poucos ganhos enquanto sofreu enormes baixas. Os tanques israelenses estavam atirando mais rápido e em com melhor precisão, e a destruição de veículos sírios que avançavam levou a um enorme engarrafamento.[22] 
O primeiro dia da batalha foi um fracasso geral para os sírios, embora tenham conseguido penetrar na linha defensiva geral e tomar partes do Golã a poucos quilômetros das passagens do rio Jordão. Eles também capturaram o posto avançado do Monte Hermon.[23] Especificamente, o setor norte do Golã estava segurando, mas o setor sul havia sido penetrado.[24]

Um mapa dos combates nas Colinas de Golã.
(Departamento de História da USMA/Wikimedia)

No segundo dia da batalha, os sírios estavam muito atrasados; eles ainda não haviam descido o planalto e desistiram de tomar as pontes durante a noite.[25] O fracasso em tomar as pontes permitiu que os israelenses continuassem correndo com reservas no Golã.[26] 
No dia seguinte, 8 de outubro, os israelenses reuniram forças suficientes para montar um contra-ataque para empurrar os sírios de volta, e os combates se seguiram.[27] Os israelenses conseguiram empurrar os sírios de volta para a Síria até 14 de outubro.[28] Os beligerantes então aceitaram um cessar-fogo mediado pelas Nações Unidas em 23 de outubro.[29]

Ineficiência tática

Paraquedistas israelenses avançam no deserto do Sinai.
Embora tivessem força superior, os comandantes egípcios não conseguiram coordenar seus esforços.

Os atacantes tinham condições perfeitas para cumprir seus objetivos operacionais. Na verdade, eles desfrutaram de surpresa estratégica, superioridade numérica esmagadora, um ataque simultâneo de duas frentes e o excesso de confiança complacente de seu inimigo. No entanto, eles foram dramaticamente derrotados no campo de batalha. Sua derrota esmagadora pode ser atribuída principalmente à habilidade tática catastrófica.

Os egípcios foram inicialmente bem sucedidos durante a parte roteirizada do conflito, mas mesmo assim os israelenses tinham apenas cerca de 30 reservistas defendendo cada forte da linha Bar Lev, em oposição a cerca de 100 soldados profissionais em tempos de tensão.[30] No final da ofensiva inicial, as dificuldades egípcias começaram a aparecer.[31] Assim que os efeitos da surpresa, superioridade numérica, despreparo israelense e o roteiro desapareceram, a escassez tática dos atacantes começou a aparecer.[32] Durante a ofensiva improvisada para ajudar os sírios, os egípcios foram lentos e rígidos. As unidades atacaram aos poucos, os comandantes do campo de batalha não eram adaptáveis, os assaltos eram apenas frontais sem manobra e havia pouca ou nenhuma integração de armas combinadas.[33] A infantaria mecanizada nunca desmontou, as barragens de artilharia eram ineficazes, os tanques não manobravam e apenas tentavam esmagar frontalmente os israelenses com poder de fogo.[34] Durante a contra-ofensiva israelense que se seguiu, os egípcios falharam em observar adequadamente seus ataques; seus blindados lançaram ataques frontais desajeitados, não conseguiram manobrar e foram incapazes de se adaptar quando pegos pelo flanco ou pela retaguarda.[35] No ar, os egípcios sofreram uma proporção de baixas de cerca de 25 para 1.[36]

Tanques Centurion israelenses nas Colinas de Golã durante a Guerra do Yom Kippur, 1973.
(The Fincher Files)

Os sírios tiveram um desempenho ainda pior e repetidamente se mostraram incapazes de habilidade tática, mesmo quando a ofensiva estava programada. Quando os veículos blindados de dianteiros foram destruídos durante o primeiro assalto, os outros continuaram avançando, recusando-se a parar ou sair das estradas para contornar os veículos destruídos, causando inúmeras colisões que pioraram ainda mais o congestionamento.[37] Os sírios se recusaram a recuar a menos que ordenados pelo comando superior para fazê-lo, mesmo que fosse por mera manobra.[38] Como os egípcios, eles não conseguiram usar a integração de armas combinadas a seu favor.[39] Notavelmente, eles não deram à sua infantaria um papel maior além de meramente acompanhar unidades blindadas, embora fossem em teoria e, em termos de equipamento, perfeitamente capazes de destruir tanques israelenses.[40] Por exemplo, a 43ª Brigada Mecanizada síria, por sua própria iniciativa, tentou tomar os defensores pela retaguarda em torno de Quneitra, mas não conseguiu desdobrar batedores ou flancoguardas adequados. Como resultado, a unidade foi repetidamente emboscada e atacada por apenas sete tanques, enquanto os atacantes colocaram em campo 45, dos quais apenas cinco permaneceram intactos na conclusão do combate. Após este encontro, a unidade síria recuou.[41] No ar, os sírios sofreram baixas em uma proporção de cerca de 1:16.[42]

Destruição na aldeia síria de al-Qunaitra nas Colinas de Golã, após a retirada israelense em 1974.
(Wikimedia)

Vantagem material não é eficiência tática

A Guerra Árabe-Israelense de 1973 é uma ilustração de que a vitória na batalha não depende apenas de números ou equipamentos. O que mais importa é a capacidade de adaptação à situação e implementação efetiva da integração de armas combinadas, iniciativa dos oficiais, doutrina empregada, qualidade do treinamento e familiaridade com o equipamento. Especificamente, esse conflito é uma ilustração do que pode acontecer quando um defensor que implementa o “sistema moderno” está lutando contra atacantes que não o fizeram. De acordo com Stephen Biddle, o sistema moderno é um “complexo estreitamente inter-relacionado de cobertura, ocultação, dispersão, supressão, manobra independente de pequenas unidades e armas combinadas no nível tático, e profundidade, reservas e concentração diferencial no nível operacional de guerra.”[43] Em outras palavras, o sistema moderno é um atributo militar que enfatiza o emprego da força – a doutrina e a tática – que um militar usa, em vez da qualidade do equipamento usado ou dos números em si.[44]

Um militar usando o sistema moderno, consequentemente, prioriza fatores não-materiais, como tática, doutrina, habilidade, moral e liderança sobre elementos materiais para alcançar a vitória na batalha.[45] Em 1973, Israel possuía tal sistema, ao contrário do Egito e da Síria. Por causa disso, o número esmagador de atacantes não foi suficiente para superá-lo. A combinação do sistema moderno e a letalidade das armas modernas mostraram rapidamente que os números não eram suficientes.[46]

Tanques israelenses cruzando o Canal de Suez, contra-invadindo o território do Egito africano, 1973.

Explicando a ineficiência tático do Egito e da Síria

A ineficácia tática dos atacantes em 1973 pode ser explicada por uma escassez crítica de fatores não-materiais essenciais necessários para o desempenho ideal na batalha. O Egito e a Síria provavelmente não conseguiram implementar o sistema moderno, principalmente por causa de fatores culturais e comportamentais inerentes às suas sociedades.[47] O Egito foi inicialmente bem-sucedido porque roteirizou toda a operação, o que impediu que fatores comportamentais negativos desempenhassem um papel na execução da ofensiva. Mas quando os egípcios foram incapazes de usar seu roteiro, eles tiveram que improvisar, o que trouxe esses fatores de volta ao jogo, para o desespero do Egito.[48] A Síria teve que se adaptar desde o início, pois seu plano roteirizado falhou, o que significou que tais fatores impactaram a condução da operação imediatamente, com consequências infames.

Conclusão

A Guerra Árabe-Israelense de 1973 mostra o que pode acontecer quando um atacante, apesar da esmagadora superioridade numérica e das principais vantagens, como surpresa estratégica e uma ofensiva de duas frentes, é incapaz de prevalecer por causa de táticas ruins. Nenhuma decisão operacional ou estratégica da liderança militar para mudar a situação ajudou ou poderia ter ajudado. O Egito e a Síria estavam fadados ao fracasso, desde que seu plano roteirizado fosse seriamente interrompido. Boas táticas poderiam ter mudado a situação, pois os atacantes poderiam ter se adaptado aos eventos no terreno para perseguir seus objetivos operacionais e estratégicos — sensatos e realistas. No entanto, as forças egípcias e sírias demonstraram uma falta crítica de adaptabilidade, integração de armas combinadas, manobras e treinamento abrangente, entre outras coisas. Em outras palavras, uma falta crítica de habilidade tática. Surpresa, números esmagadores e poder de fogo (impreciso) não poderiam compensar essa falha.

Sobre o autor:

Lorris Beverelli é um cidadão francês que possui um Master of Arts em Estudos de Segurança com uma concentração em Operações Militares pela Universidade de Georgetown. As opiniões expressas neste artigo são exclusivas do autor e não representam a política ou posições do governo francês ou das forças armadas.

Notas:
  1. Por exemplo, vide Lawrence Freedman, Strategy: A History, New York: Oxford University Press, 2013, 72-5, 201-13; Général Michel Yakovleff, Tactique théorique, 3rd edition, Paris: Ed. ECONOMICA, 2016, 35-7; Daniel Sukman, “The Institutional Level of War,” The Strategy Bridge, 2016, https://thestrategybridge.org/the-bridge/2016/5/5/the-institutional-level-of-war.
  2. Kenneth M. Pollack, Arabs at War: Military Effectiveness, 1948-1991, Lincoln: University of Nebraska Press, 2004, 98.
  3. Ibid., 478.
  4. Simon Dunstan, The Yom Kippur War: The Arab-Israeli War of 1973, Oxford: Osprey Publishing, 2007, 17-8.
  5. Ibid., 18.
  6. Pollack, Arabs, 102.
  7. Ibid.
  8. Ibid., 481.
  9. Brig. Gen. (reformado) Dr. Dani Asher, “Halting the Syrian Attack,” in Inside Israel’s Northern Command: The Yom Kippur War on the Syrian Border, editado pelo Brigadier General Dani Asher, FDI (reformado) (Lexington: University Press of Kentucky, 2016), 127; Pollack, Arabs, 481.
  10. Pollack, Arabs, 482.
  11. Ibid., 107.
  12. Ibid., 106-7.
  13. Ibid., 483.
  14. Ibid.
  15. Ibid., 107, 108, 484; Dunstan, The Yom Kippur War, 127.
  16. Pollack, Arabs, 111.
  17. Ibid.
  18. Kenneth M. Pollack, Armies of Sand: The Past, Present, and Future of Arab Military Effectiveness, New York: Oxford University Press, 2019, 134-35.
  19. Pollack, Arabs, 115-16.
  20. Ibid., 116.
  21. Ibid., 123.
  22. Abraham Rabinovich, The Yom Kippur War: The Epic Encounter That Transformed the Middle East, New York: Schocken Books, 2004, 153; James L. Young, Jr., “The Heights of Ineptitude: The Syrian Army’s Assault on the Golan Heights,” The Journal of Military History 74, no. 3 (July 2010), 861; Dunstan, The Yom Kippur War, 150.
  23. Eyal Zisser, “Syria and the October War: The Missed Opportunity,” in The Yom Kippur War: Politics, Legacy, Diplomacy, editado por Asaf Siniver (Oxford: Oxford University Press, 2013), 75.
  24. Asher, “Halting,” 161.
  25. Rabinovich, The Yom Kippur War, 194.
  26. Pollack, Arabs, 489.
  27. Dunstan, The Yom Kippur War, 183.
  28. David Rodman, Israel in the 1973 Yom Kippur War, Eastbourne: Sussex Academic Press, 2017, 47.
  29. Pollack, Arabs, 498.
  30. Ibid., 106.
  31. Pollack, Armies, 136.
  32. Pollack, Arabs, 113-14.
  33. Pollack, Armies, 138.
  34. Pollack, Arabs, 117.
  35. Ibid., 119.
  36. Pollack, Armies, 141.
  37. Pollack, Arabs, 486.
  38. Dunstan, The Yom Kippur War, 164.
  39. Young, “The Heights,” 862.
  40. Para mais detalhes sobre o equipamento anti-carro da infantaria síria, vide ibid., 858.
  41. Pollack, Arabs, 487.
  42. Ibid., 500.
  43. Stephen Biddle, Military Power: Explaining Victory and Defeat in Modern Battle, Princeton: Princeton University Press, 2004, 3.
  44. Ibid., 2.
  45. Ibid., 17.
  46. Ibid., 69.
  47. Para uma argumentação sobre como a cultura impactou negativamente a eficácia militar, vide Kenneth M. Pollack, Armies of Sand: The Past, Present, and Future of Arab Military Effectiveness, New York: Oxford University Press, 2019.
  48. Ibid., 472-75.

segunda-feira, 23 de maio de 2022

"Conselheiros" militares russos treinam novo batalhão sírio

Uma foto tirada durante uma visita guiada com o exército russo mostra soldados de elite sírios participando de uma sessão de instrução com treinadores militares russos em uma base do exército em Yafour, cerca de 30 quilômetros a oeste de Damasco, em 24 de setembro de 2019.
(Maxime POPOV / AFP)

Por Maxime Popov, Times of Israel, 25 de setembro de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 23 de maio de 2022.

Em rara exibição das operações militares de Moscou em um país devastado pela guerra, as tropas do regime exibem novas habilidades com armas, realizam exercícios de limpeza de minas e realizam ataques simulados.

YAFOUR, Síria (AFP) - Usando coletes à prova de balas e joelheiras limpas, combatentes de um novo batalhão do exército sírio mostram as habilidades que aprenderam com os conselheiros militares da Rússia.

Na zona rural a oeste de Damasco, os soldados realizam um ataque simulado, disparam morteiros e foguetes, realizam exercícios de remoção de minas e primeiros socorros. Grandes nuvens de poeira se erguem sobre o campo de treinamento enquanto as tropas camufladas abrem fogo. Ao sol da tarde, os altos escalões dos dois países e dezenas de jornalistas, incluindo uma equipe da AFP convidada de Moscou, estão assistindo.

“Nós sacrificamos nosso sangue por você, Bashar”, os soldados cantam em uníssono, brandindo seus punhos no ar, em louvor ao presidente sírio Bashar Assad.

Uma foto tirada durante uma visita guiada com o exército russo mostra um treinador do exército russo (esquerda) gesticulando durante uma sessão de instrução com soldados de elite sírios, em 24 de setembro de 2019, em uma base do exército em Yafour, cerca de 30 km a oeste de Damasco.
(Maxime POPOV / AFP)

Com o apoio militar da Rússia, as forças de Assad retomaram grande parte da Síria de rebeldes e jihadistas desde 2015 e agora controlam cerca de 60% do país. A Rússia muitas vezes se refere às tropas que desdobrou na Síria como “conselheiros” militares, embora suas forças e aviões de guerra também estejam diretamente envolvidos em batalhas contra jihadistas e outros rebeldes.

Na terça-feira, conselheiros russos apareceram na frente das câmeras, usando máscaras faciais verdes e óculos de sol, em uma rara exibição das operações militares de Moscou na Síria devastada pela guerra.

Com a ajuda de um tradutor de árabe, um conselheiro instruiu as tropas sobre como detectar e desarmar minas, enquanto outro as treinou no tratamento de ferimentos de guerra.

Olhos em Idlib

“O batalhão foi criado em 10 de agosto e começou a treinar no mesmo dia”, disse Omar Mohamed, que comanda essa nova força de elite. “Graças aos conselheiros russos, o nível de preparação dos soldados aumentou e eles sabem usar todos os tipos de armas”, disse à AFP.

Depois de dois meses de treinamento militar individual, os membros da força agora aprenderão a operar em grandes grupos.

Uma foto tirada em 14 de junho de 2019 mostra um homem caminhando entre os escombros de prédios destruídos na cidade de Ihsim, na região de Idlib, na Síria.
(Omar Haj Kadour/AFP)

Os comandantes não descartam a possibilidade de que as tropas possam se deslocar para o último grande reduto da oposição, Idlib, no noroeste. Um acordo que a Rússia e a Turquia, apoiadora dos rebeldes, chegaram no ano passado pretendia evitar um banho de sangue na região controlada pelos jihadistas, mas o bombardeio recomeçou no final de abril.

Desde 31 de agosto, um cessar-fogo separado apoiado pela Rússia foi mantido, apesar de ataques esporádicos. Mas Damasco prometeu repetidamente retomar todo o território sírio, incluindo a região de Idlib.

“Nós depositamos nossas esperanças em uma solução política, mas se não virmos resultados, então recorreremos à opção militar”, disse um comandante a repórteres.

Uma foto tirada durante uma visita guiada com o exército russo mostra soldados de elite sírios participando de uma sessão de instrução com treinadores militares russos, em 24 de setembro de 2019, em uma base do exército em Yafour, cerca de 30 quilômetros a oeste de Damasco.
(Maxime POPOV / AFP)

O General Hassan Hassan, chefe da divisão de administração política do exército sírio, é mais definitivo. “Idlib será libertada em todos os casos”, disse ele. "Vamos nos ver lá em breve", disse ele a repórteres.

O conflito sírio matou mais de 370.000 pessoas e expulsou milhões de suas casas desde que começou com a brutal repressão aos protestos contra o governo em 2011.

Post script: Idlib permanece sob controle dos rebeldes apoiados pela Turquia em 2022.

sábado, 21 de maio de 2022

Monstros do Desespero: os Sturmpanzers do YPG


Por Stijn Mitzer e Joost Oliemans, Oryx Blog, 7 de junho de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 21 de maio de 2022.

Relegado aos anais da história pela maior parte do mundo desde aproximadamente 1918, o YPG, por outro lado, continua sendo um usuário ativo dos chamados Sturmpanzers: plataformas de apoio de infantaria blindada que remetem aos seus homônimos da Segunda Guerra Mundial. De aparência volumosa e monstruosa, esses veículos começaram a simbolizar a resistência do YPG contra as forças do Estado Islâmico e do Exército Sírio Livre que tentaram desalojar o YPG do território que detém no norte da Síria em várias ocasiões. Embora a presença dessas monstruosidades DIY nas fileiras do YPG seja bem reconhecida, poucas tentativas foram feitas para inventariar os tipos de Sturmpanzers em serviço. Portanto, este artigo está muito atrasado.

Comparado a outras grandes facções envolvidas na Guerra Civil Síria, o YPG (Yekîneyên Parastina Gel: Unidades de Proteção Popular, em si a principal facção da aliança das Forças Democráticas Sírias) operou pouco em termos de veículos blindados de combate (AFV). Para compensar a lacuna resultante nas suas capacidades, o YPG tornou-se muito ativo na produção de veículos blindados DIY, geralmente baseados em carregadeiras de esteiras, tratores ou caminhões grandes. A princípio consistindo de estruturas quadradas sobre lagartas – quase parecendo casamatas móveis – o YPG acabaria incorporando vários avanços em seus projetos. Os veículos resultantes, embora limitados em eficácia de inúmeras maneiras, podem realmente ser úteis em determinadas situações.

Sem dúvida, como resultado de uma maior falta de informações sobre as operações de blindados do YPG, pouco se sabe sobre a eficácia de combate dos Sturmpanzers. Embora muitas vezes presente em imagens de propaganda e fotografias tiradas de posições do YPG situadas longe da linha de frente, as imagens dos veículos em ação parecem quase inexistentes. Mesmo o Estado Islâmico (EI), que travou guerra contra as FDS de 2013 a 2017, só conseguiu capturar um exemplar que foi danificado e posteriormente abandonado pelo YPG depois que suas forças foram derrotadas na província de al-Hasakah em 2015.

Origens humildes


Os primeiros Sturmpanzers eram frequentemente baseados em um chassis sobre rodas, para o qual o caminhão basculante provou ser uma base ideal. Embora um chassis sobre rodas possa estar associado a uma diminuição da mobilidade no campo em comparação com suas contrapartes com esteiras, as carregadeiras sobre lagartas nunca foram projetadas com velocidade em mente e, combinadas com a blindagem recém-adicionada, é plausível que alguns dos modelos de esteiras maiores estão limitados a dirigir apenas em superfícies endurecidas. Isso coloca restrições severas em suas capacidades operacionais e dá às plataformas sobre rodas uma vantagem na retenção de alguma capacidade fora da estrada.

A imagem abaixo mostra um caminhão basculante tipicamente modificado, que foi ricamente adornado com uma pintura que consegue pouco além de se destacar do ambiente (a menos que se queira argumentar que instila medo no coração de seus inimigos). No lugar de areia ou resíduos de construção, uma estrutura blindada foi colocada dentro da caixa aberta, abrigando vários soldados de infantaria que podem disparar suas armas pessoais de uma das três janelas de tiro de cada lado. Uma metralhadora pesada DShK de 12,7 mm em uma cúpula blindada foi instalada no topo da cabine, que também foi totalmente coberta com revestimento de metal.


O conceito de um bunker móvel seria continuado com as primeiras versões sobre lagartas do Sturmpanzer. Claramente prestando homenagem (não intencional) ao tanque pesado alemão A7V desdobrado nos campos de batalha da França na Primeira Guerra Mundial, este exemplar em particular estava armado com uma metralhadora KPV de 14,5 mm de disparo frontal, além de armas coletivas usadas pela tripulação que podem ser disparadas das 10(!) janelas de disparo do veículo. Embora estas forneçam quase 360 graus de cobertura do veículo, as armas disparadas delas somente seriam úteis contra inimigos que já se aventuraram no alcance de tiro de RPG do Sturmpanzer. Com sua blindagem leve fornecendo proteção apenas contra fogo de armas portáteis e estilhaços, um RPG quase certamente causaria danos catastróficos ao seu interior, matando seus ocupantes e, assim, parando o Sturmpanzer bruscamente.


Talvez por essa mesma razão, as iterações posteriores quase sempre apresentavam duas torres na frente do Sturmpanzer, que podem girar para fornecer um grau mais amplo de cobertura. O exemplo visto abaixo ilustra bem esses projetos, que parecem estar armados com uma metralhadora pesada KPV de 14,5mm em sua torre esquerda (da nossa perspectiva) e outra de 12,7mm na torre localizada à direita. Além disso, um escudo é colocado no topo da torre esquerda para um tripulante disparar outra arma enquanto permanece em cobertura.


Entrando na batalha como se estivesse em uma era passada, três Sturmpanzers realizam uma "carga" adiante para mais perto do inimigo. O veículo mais próximo da câmera parece ser o mesmo exemplo visto na imagem acima, sugerindo que, apesar das frequentes aparições desses veículos em imagens de propaganda, a produção dessas monstruosidades foi bastante limitada.


Uma fileira de blindados YPG mostra claramente o tamanho gigantesco do tipo maior de Sturmpanzer estacionado na parte traseira. Quase o dobro da altura dos veículos blindados multifuncionais MT-LB estacionados à sua frente, os Sturmpanzers fazem pouco para expandir as capacidades do MT-LB, ou de qualquer outro tipo de AFV. Embora tenha nascido por necessidade, a carreira da maioria dos Sturmpanzers foi surpreendentemente longa, continuando a operar muito depois que veículos de substituição mais adequados, como veículos protegidos contra emboscadas e resistentes a minas (mine-resistant ambush protected vehiclesMRAP), tornaram-se prontamente disponíveis para o YPG/SDF.


Um Sturmpanzer que foi capturado pelo EI perto de Tel Tamir em 2015, que surpreendentemente é a única perda registrada de um desses veículos. Dito isso, sua baixa taxa de perdas também pode ser explicada pelo pequeno número produzido e pelo emprego conservador desses veículos, utilizando-os principalmente em operações de limpeza nos quais havia apoio de infantaria suficiente. Ao contrário da crença popular, os Sturmpanzers nunca foram usados como veículos de rompimento fortemente blindados em batalhas acaloradas com o IS ou o FSA.


A captura do exemplar acima também destaca a fraqueza inerente do projeto: sua baixa mobilidade. Com uma velocidade que provavelmente está bem abaixo de 10 km/h e principalmente limitada a se mover em estradas pavimentadas, qualquer Sturmpanzer que se encontre sob fogo inimigo concentrado teria problemas para fazer uma retirada bem-sucedida, especialmente quando precisa movimentar-se para trás fora do perigo. Em tais situações, abandonar o veículo por completo pode acabar sendo a melhor opção, para a qual a grande porta traseira e as escotilhas de escape na(s) lateral(is) oferecem amplas oportunidades.


Um subconjunto de Sturmpanzers manteve sua lâmina dozer para uso como veículos de engenharia fortemente blindados (AEV), limpando escombros e outras obstruções para permitir que as forças amigas continuassem seu avanço. Aliás, a lâmina dozer também atua como uma camada adicional de blindagem ao enfrentar o inimigo pela frente. Embora este exemplar estivesse desarmado (no entanto, ele vem equipado com duas janelas de tiro em cada lado), outros apresentavam uma torre de metralhadora para afastar possíveis ataques de retardatários inimigos.


Um desses Sturmpanzer AEV foi atingido por uma munição improvisada lançada de um drone quadricóptero do EI em Raqqa em agosto de 2017, resultando em danos desconhecidos à superestrutura blindada. Curiosamente, este exemplar foi erroneamente identificado como um veículo de combate de infantaria BMP (IFV) pelo departamento de mídia do EI responsável pela divulgação da foto.



Além dos projetos maiores, o YPG construiu vários exemplares menores que, após várias iterações de projeto, acabariam como os Sturmpanzers mais capazes construídos. Esta afirmação tem pouca relevância para o primeiro exemplar da série, que embora agora equipado com um sistema de câmeras para melhor consciência situacional, tem seu armamento duplo instalado em uma posição fixa na frente. Isso significa que o veículo teria que mover suas esteiras para se alinhar com o alvo, provavelmente resultando em ser extremamente impreciso e pesado. Outra característica curiosa deste exemplar é uma caixa fixa contendo quatro lançadores de foguetes não-guiados presos ao lado esquerdo do veículo.



Para o benefício do YPG, esse conceito evoluiu rapidamente para um projeto significativamente mais útil, desta vez apresentando uma torre armada com uma metralhadora pesada Tipo 54 de 12,7mm (uma versão chinesa do onipresente DShK soviético) e um total de sete janelas de tiro. Por outro lado, o pequeno tamanho do veículo e a proximidade dos operadores com o motor potencialmente o tornam um pesadelo para operar no clima quente e seco da Síria. Observe também a pequena porta na parte traseira direita do veículo, um dos dois pontos pelos quais a tripulação pode entrar e sair do veículo.



O Soendil.

Uma segunda iteração (chamada Soendil) foi claramente construída em torno do mesmo projeto, mas com uma torre de topo aberto (que, embora forneça menos proteção ao atirador, aumenta muito sua consciência situacional) e outras pequenas diferenças. Este veículo em particular também é um dos poucos Sturmpanzers a serem vistos em ação, fornecendo vigilância e fogo supressivo durante as batalhas de rua quando as FDS começaram a limpar o norte da Síria da presença do Estado Islâmico em 2016.



Ainda outra versão do mesmo projeto apresenta uma torre maior que lembra um pouco a do VBTP 323 norte-coreano. No entanto, sua origem real é menos exótica, já que torres de aparência semelhante já foram vistas em blindados DIY anteriores produzidos pelo YPG. As novas torres agora portam duas metralhadoras em vez de uma, que podem ser trocadas dependendo dos requisitos operacionais ou das armas disponíveis. No caso da segunda imagem, esta consiste em uma metralhadora pesada KPV de 14,5mm e uma metralhadora de apoio geral PK de 7,62mm, enquanto no veículo da terceira imagem são montadas duas KPV.

Transporte blindado sobre lagartas 323 norte-coreano.




O projeto final do Sturmpanzer também é o que mais se aproxima de um AFV completo. Equipado com a torre de um veículo de combate de infantaria BMP-1 e uma metralhadora pesada frontal W85 de 12,7mm montada em uma bola, é bem blindado e fortemente armado, mantendo alguma consciência situacional. A blindagem da gaiola foi adicionada para reduzir a eficácia das ogivas de carga oca, tentando assim proteger contra mais do que apenas armas portáteis e estilhaços, mas o espaçamento próximo ao casco significa que é improvável que seja eficaz. Seu poder de fogo e mobilidade superiores em relação aos projetos anteriores significam que ele pode realmente ter algum valor como veículo de apoio de fogo, mostrando claramente os benefícios de anos de melhorias incrementais no projeto.


Nascidos de puro desespero, os Sturmpanzers do YPG permaneceram por muito mais tempo do que se pensava inicialmente nas condições incrivelmente duras do conflito sem fim na Síria, mesmo quando melhores alternativas na forma de MRAP entregues pelos EUA se tornaram prontamente disponíveis. Talvez a razão de sua resistência esteja em pouco mais do que seu valor de propaganda ou a necessidade de manter os engenheiros do YPG trabalhando, mas na ausência de dados confiáveis, este autor opta por acreditar que é o puro espírito de resiliência que mantém os Sturmpanzers do YPG vivos e em ação.

Bibliografia recomendada:

Kurdish Armour Against ISIS:
YPG/SDF tanks, technicals and AFVs in the Syrian Civil War, 2014–19.
Ed Nash e Alaric Searle.

Leitura recomendada:

Uma teoria econômica da guerra: o exemplo sírio além da religião e da etnia


Por Hippolyte Boucher, The Tseconomist, 5 de dezembro de 2018.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 21 de maio de 2022.

Quando olhamos para o Oriente Médio hoje, pensamos diretamente em conflitos inter-religiosos, inter-étnicos e politicamente motivados desencadeados por algum evento. Tomemos, por exemplo, a guerra civil síria e as primeiras manifestações da primavera árabe lá, que aconteceram na cidade de Daraa.


Isso levanta a questão: podemos criar uma teoria geral da guerra que funcione para todos os conflitos, em vez de pensar na guerra como uma série de circunstâncias individuais? Por um lado, o jornalismo tende a apresentar a guerra como uma única linha do tempo dentro de um contexto, implicando que existem relações causais diretas entre os eventos. Por outro lado, historiadores e cientistas políticos apresentaram diferentes teorias unificadoras da guerra: poderia ser parte de um processo de barganha entre Estados ou facções dentro de um Estado (modelo de "Barganha", James D. Fearon); guerras podem ocorrer simplesmente porque ninguém pode detê-las (teoria da “Anarquia”, Kenneth Waltz); outros pesquisadores apresentam as guerras como eventos únicos que não podem realmente ser teorizados e dependem da cultura dos beligerantes (Why Wars Happen, Jeremy Black). Este é realmente um refinamento claro da abordagem do jornalista.

Recentemente, tem havido uma tendência interessante entre os teóricos da guerra e da guerra civil de usar funções de utilidade, colaborando cada vez mais com economistas para criar micromodelos estilizados. Eles usam problemas de utilidade esperada, informação e comprometimento, como seleção adversa, risco moral e teoria da barganha. Essa abordagem é muito elegante, mas também é bastante difícil de testar. Como devemos, como jovens economistas, teorizar a guerra? Podemos validar essa teoria usando o conflito sírio?

O objetivo de um belicista

Síria: composição étnica.

Tomando uma perspectiva de economia de guerra moderna, deve ser que o iniciador de uma guerra tenha um interesse econômico, político ou social em iniciá-la, e que o outro protagonista se beneficie de revidar. Ambos também devem recompensar seus apoiadores, ou pelo menos poupá-los de uma perda muito alta. Na realidade, as guerras não são apenas extremamente caras em termos de vida humana e liquidez, mas também em termos de infraestrutura, capital humano, comércio e reputação internacional. No entanto, as guerras ainda acontecem.

A partir do relatório do Banco Mundial de 2017, The toll of war, the economic and social consequences of the conflict in Syria, World Bank (O preço da guerra, as consequências econômicas e sociais do conflito na Síria, Banco Mundial), sobre as consequências do conflito sírio, sabemos que um terço do total de edifícios residenciais da Síria foi destruído, que metade da sua população foi deslocada e que cerca de 450.000 pessoas foram mortas. Mais importante ainda, o PIB nominal da Síria contraiu 61% desde 2011.


Suponhamos que os agentes ou facções que participam da guerra sejam racionais. Então, para que uma guerra comece, deve ser que um dos protagonistas espere pelo menos algum benefício a longo prazo dela. Essa suposição de racionalidade é muito plausível porque começar uma guerra não é uma decisão de um homem só, mesmo nos regimes mais despóticos. Aqui, o importante é que as expectativas dos agentes que entram na guerra são positivas, mas também se baseiam apenas nas informações de que dispõem. Esta informação obviamente não é perfeita e muitas vezes é muito otimista. Isso explica por que países e facções iniciam guerras que não podem vencer, ou guerras que os deixam em pior situação a longo prazo.

Tomemos, por exemplo, a invasão do Kuwait por Saddam Hussein em agosto de 1990 e a conseqüente operação Tempestade do Deserto em janeiro de 1991: depois de dois conflitos com o Irã, as finanças do Iraque estavam esgotadas, então Saddam decidiu invadir o Kuwait para reivindicar suas vastas reservas de petróleo e levantar o ânimo dos iraquianos para proteger seu regime. Ele subestimou completamente a probabilidade de uma intervenção apoiada pelas Nações Unidas contra ele. A invasão destruiu a reputação do Iraque e levou a enormes perdas militares. É considerada a principal razão pela qual Saddam perdeu o poder nos anos seguintes, o que acabou levando à sua eliminação em 2003.

Os fatores por trás do conflito: recursos, informação e queixas


As facções se envolvem em uma guerra porque, com base em suas informações atuais, podem obter algo a longo prazo. O tamanho do exército e o poder de fogo são fatores importantes que entram em jogo nessas decisões. Se uma facção não tem como derrotar outra, ela pode não se rebelar, iniciar uma insurgência ou um conflito de baixa intensidade. Este é o caso do Talibã no Afeganistão, do ISIS na Síria e no Iraque, agora que seu exército permanente foi mais ou menos derrotado. Quanto aos outros fatores, há grandes diferenças de opinião entre os economistas de guerra. Paul Collier é famoso por defender um modelo de ganância em oposição a um modelo de queixa. Ele argumenta que, em última análise, qualquer grupo que se envolva em guerras é motivado por duas variáveis econômicas principais, sendo a primeira a presença de recursos naturais em uma região específica: esses recursos são vitais e ao mesmo tempo indivisíveis, pois apenas um grupo pode controlá-los. A segunda é a marginalização econômica, ou mais precisamente, perdas econômicas percebidas e falta de oportunidades.

Novamente, tomemos a Síria como exemplo. As cidades dominadas pelos alauítas, que estão principalmente na parte ocidental do país, desenvolveram-se consideravelmente em comparação com o leste, apesar de muitos campos de petróleo e depósitos de gás estarem localizados lá. Outra grande questão é a água: o Tigre e o Eufrates nascem na Turquia e são vitais para as áreas menos desenvolvidas da Síria, localizadas a jusante. Isso também é verdade para o Iraque, que fica ainda mais a jusante. A montante, no entanto, é controlada pela Turquia e pelo regime de Assad, que construiu barragens e bombeou a maior parte da água para si. Por último, mas não menos importante, a população da Síria passou de 3 milhões em 1950 para 22,5 milhões em 2011, com seus jovens (com menos de 25 anos) representando 56% de sua população total. Um terço dos jovens sírios em idade ativa está desempregado, e esse número é ainda maior para os altamente qualificados. Deste ponto de vista, o conflito sírio não parece ser causado por diferenças ideológicas ou ódio racial e religioso entre curdos e árabes, ou sunitas e alauítas, mas principalmente pela extrema marginalização econômica e desigualdade entre as regiões dominadas pelos alauítas e o resto, e entre os velhos e os jovens.


A teoria de Collier é muito útil e foi testada com sucesso usando a insurgência do Talibã desde 2001 ou a guerra civil do Sri Lanka de 1983 a 2009. No entanto, essa teoria pode ser muito simples. David Keen, um de seus oponentes mais ferrenhos, acredita que para modelar um conflito, líderes e apoiadores devem ter utilidades diferentes e que a ganância e as queixas podem ser combinadas e se alimentarem mutuamente. Ele pega o caso da segunda guerra civil do Sudão (1983-2005) e argumenta que os líderes do Norte provocaram o ressentimento e o ódio das milícias árabes para que cometessem crimes no Sul e, no final, o despovoassem. Essas exações ocorreram precisamente na atual fronteira entre o Norte e o Sul do Sudão, onde estão localizados todos os campos de petróleo do Sudão. Assim, os interesses dos líderes eram tanto ideológicos quanto práticos, demonstrados por atacar o Sul cristão e pagão e controlar importantes recursos naturais, respectivamente. Quanto às milícias, elas fizeram mais do que compartilhar a ideologia de seus líderes. É por isso que eles foram capazes de cometer atrocidades que a privação econômica nunca poderia desculpar. Da mesma forma, o uso sistemático de estupro e tortura por milícias islâmicas (sunitas e xiitas) no conflito iraquiano-sírio não pode ser motivado apenas pela ganância.

Apesar de ser um campo jovem, a economia de guerra, assim como a economia política ou de identidade, está se mostrando muito útil porque suas teorias podem ser testadas. É tão útil que outras ciências sociais estão copiando seus métodos e modelos. Esta não é apenas uma tendência: em todos os tipos de ciências sociais, a economia está desempenhando um papel cada vez mais importante. Na minha opinião, está se tornando a ciência social quantitativa padrão porque coloca tanta ênfase no lado empírico quanto na teoria, e porque as teorias são testadas. Não é mais aceito em economia “falar por falar” e projetar uma boa teoria sem “testar na prática” provando ou refutando seriamente com a ajuda de dados.

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