Mostrando postagens com marcador Lorris Beverelli. Mostrar todas as postagens
Mostrando postagens com marcador Lorris Beverelli. Mostrar todas as postagens

quinta-feira, 17 de março de 2022

A Importância do Nível Estratégico: a Alemanha na Segunda Guerra Mundial


Por Lorris Beverelli, The Strategy Bridge, 7 de abril de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 17 de março de 2022.

Introdução

É amplamente aceito que existem três níveis de guerra. Do geral ao local, são os níveis estratégico, operacional e tático. Estratégia, definida de forma simples, é o alinhamento de meios e formas para atingir um fim político. Estratégia é obter sucesso na guerra por meio de uma teoria de vitória claramente definida. Cada nível de guerra é essencial para obter esse sucesso e todos são igualmente importantes.

A Alemanha na Segunda Guerra Mundial ilustra por que o nível estratégico é essencial. Este artigo detalhará alguns dos erros estratégicos que a Alemanha cometeu durante o conflito para ilustrar como a falta de uma boa estratégia contribuiu decisivamente para a ruína do Terceiro Reich.

Ideologia e estratégia, ou ideologia acima da estratégia

A ideologia pode impactar fortemente a estratégia. Embora a ideologia não seja necessariamente prejudicial à estratégia em si mesma, ela pode levar a decisões e situações perigosas. De fato, a ideologia deve ser equilibrada com avaliações objetivas e racionais sobre a própria situação e forças, juntamente com as do adversário – estratégica, operacional e taticamente – para não prejudicar a arte estratégica. O Terceiro Reich não conseguiu alcançar esse equilíbrio.

Indiscutivelmente, a principal falha da estratégia alemã na Segunda Guerra Mundial foi que ela se baseou fortemente na ideologia e negligenciou elementos objetivos que poderiam ter ajudado a avaliar melhor a situação geral. De fato, a ideologia atormentava a estratégia na medida em que os alemães buscavam atingir objetivos extremamente difíceis e que o processo decisório era fortemente afetado por ela.

Abert Speer e Adolph Hitler.
(Ullstein Bild/Getty)

O pensamento estratégico alemão nesse conflito, encarnado principalmente por Adolf Hitler, levou a uma estratégia de apocalipse na qual a Alemanha era guiada pelo nazismo e travada em uma luta mortal com seus inimigos – em particular a União Soviética. A guerra não era mais uma ferramenta política tradicional; como retransmite Michael Geyer: “A guerra nacional-socialista estabeleceu e manteve a ordem em uma expansão ilimitada da violência... A estratégia não era mais instrumental, mas era ideológica em sua direção e oportunista em seus métodos.”[1]

Por causa de sua ideologia, a Alemanha travou o que Geyer chamou de guerra apocalíptica. Seus objetivos eram extremos e não o produto de qualquer tipo de análise objetiva.[2] Em vez disso, a estratégia da Alemanha resultou parcialmente de uma ideologia que favorece uma visão do mundo influenciada pela competição racial.[3] A estratégia para atingir tais objetivos tendia a basear-se mais na inspiração do que no cálculo geopolítico.[4] De fato, as conquistas do Terceiro Reich foram em parte baseadas em uma construção, chamada “necessidade histórica de luta por território e recursos entre diferentes raças e culturas”.

As políticas de Hitler, consequentemente, não foram guiadas por nenhum tipo de método sólido ou princípio de estratégia.[6] Em vez disso, eles foram afligidos pelo “racialismo auto-iludido”. A Barbarossa – a invasão da União Soviética em 22 de junho de 1941 – foi parcialmente o produto de considerações estratégicas clássicas, mas de acordo com Richard Overy “sua lógica [estava] em última análise, na luta eterna entre civilização e barbárie, cultura e primitivismo, [então] expressas respectivamente pelo nacional-socialismo e pelo bolchevismo.”[9]

General Heinz Guderian, um dos mais proeminentes praticantes da “Blitzkrieg”, em Bouillon, Bélgica, durante as ofensivas alemãs na Europa Ocidental em 12 de maio de 1940.
(Das Bundesarchiv/Wikimedia)

O período que melhor ilustra como a ideologia nazista perverteu sua estratégia pode ser 1944-1945. Embora a derrota alemã fosse provavelmente previsível em 1944 e quase certa em 1945, o Terceiro Reich “se apegou ao seu conceito original de guerra apocalíptica”.[10] Em vez de se render para preservar o povo alemão, Hitler preferiu continuar lutando. Essa decisão fez ainda menos sentido estratégico, pois já em janeiro de 1942 ele havia declarado que se o povo alemão não pudesse vencer a guerra, então ela deveria desaparecer.[11] Em 19 de março de 1945, ainda obstinadamente recusando-se a admitir a derrota, ele emitiu sua “Ordem Nero” para destruir qualquer coisa que pudesse ser usada pelo inimigo.[12] De acordo com Albert Speer, Hitler então não se importava mais com o futuro do povo alemão; eles perderam e mostraram sua inferioridade ao inimigo.[13]

Isso mostra que o Reich não pensava como um governo tradicional preocupado principalmente com a preservação ou sobrevivência de seu país ou regime. Muito pelo contrário, Hitler considerou que a derrota alemã seria redentora e purificadora.[14]

Deixar de escolher o caminho certo para atender aos fins procurados

Destruir as forças armadas inimigas não garante a vitória

Outro problema de dogmatismo é como as forças armadas alemãs buscaram predominantemente destruir seus inimigos no campo de batalha, mas a liderança alemã foi incapaz de transformar vitórias táticas e destreza operacional em sucesso estratégico. Já em 1937-1938, o Chefe do Estado-Maior General Ludwig Beck repetidamente criticou os oficiais mais jovens por simplesmente maximizarem o uso de armas, e reclamou de sua aparente falta de integração das operações dentro de uma estratégia maior.[15]

General Ludwig Beck.
(German Federal Archives/Wikimedia)

De fato, o modo de guerra alemão na Segunda Guerra Mundial era semelhante ao usado no conflito anterior, que incluía o conceito de Gesamtschlacht (batalha total ou completa). Herdado de Alfred von Schlieffen antes de 1914, o Gesamtschlacht procurou combinar vários campos de batalha e engajamentos em uma operação integral para criar uma batalha final e decisiva.[16] Os alemães consideravam a guerra como uma sequência estratégica única de aniquilação (Vernichtungsstrategie, estratégia de aniquilação) compreendendo três fases: mobilização, desdobramento e Gesamtschlacht.[17] Este processo visava criar um envelopamento do inimigo antes de destruí-lo ou fazê-lo render-se, e fazê-lo para cada inimigo da Alemanha até que a vitória fosse alcançada.[18]

Consequentemente, a manobra estratégica dependia de resultados táticos. Portanto, se a Alemanha não obtivesse a vitória pela mera destruição do poder militar do inimigo, a única opção estratégica seria então ficar na defensiva, porque os alemães não podiam ou não conceberiam nada diferente.[19]

Naturalmente, a Alemanha ainda poderia obter sucessos estratégicos, na Europa em 1939, 1940 e 1941, antes da invasão da União Soviética, por exemplo. Mas esses sucessos foram possíveis em parte porque os alemães não só foram capazes de usar seu método preferido - destruir grandes partes das forças armadas inimigas - mas também porque tinham a capacidade de ocupar países inteiros. No entanto, quando esses dois elementos eram difíceis de realizar, o modo de guerra alemão tinha dificuldades em transformar sucessos táticos em efeito estratégico.

As lutas contra o Reino Unido e os Estados Unidos, mas principalmente contra a União Soviética, demonstram isso. De fato, Blitzkrieg e Gesamtschlacht não eram boas maneiras de derrotar inimigos que gozavam de vantagens geográficas impedindo a ocupação total – nestes casos, uma ilha, o Oceano Atlântico e imensa profundidade estratégica – e que tinham a vontade de continuar lutando apesar das derrotas iniciais e até esmagadoras.[20]

A falha em reconhecer que essa estrutura não era necessariamente apropriada contra o Reino Unido, os Estados Unidos e a União Soviética foi um erro estratégico. Os estrategistas alemães não conseguiram conceber uma maneira de derrotar seus inimigos a não ser derrotando grandes partes de suas forças armadas e ocupando todo o país se eles se recusassem a se render. Os alemães falharam em reconhecer que o mero acúmulo de sucessos táticos e destreza operacional não necessariamente se traduziria em efeito estratégico.[21]

A doutrina deve ser adaptada ao ambiente

O segundo elemento desse erro estratégico é que o Reich usou suas forças armadas da mesma maneira, independentemente do ambiente em que lutou. Em certo sentido, a Alemanha cometeu o mesmo erro de Napoleão: confiou em uma doutrina e meios que funcionavam melhor em teatros muito menores, com bons recursos logísticos, boas redes rodoviárias e clima temperado. A mera mudança de escala entre os teatros europeus ocidentais e orientais teve um impacto significativo na condução das operações e deveria ter afetado o planejamento estratégico alemão antes do início da Barbarossa.[22]

Tropas alemãs lutando na “rasputitsa” russa, março de 1942.
(Das Bundesarchiv/Wikimedia)

De fato, a vastidão da União Soviética por si só significava que as formas operacionais alemãs não podiam necessariamente ser adaptadas. Em 1939 e 1940, havia aproximadamente 400 quilômetros da fronteira alemã até Varsóvia e 300 quilômetros da fronteira alemã até Paris. Em 1941, havia cerca de 1.000 quilômetros da fronteira polonesa controlada pelos alemães até Moscou; a distância mais que dobrou ou triplicou, em comparação com as campanhas polonesas e francesas.

Inadequações operacionais, erros estratégicos

Embora esses elementos denotem erros que se manifestaram no nível operacional da guerra, eles revelam um grave erro estratégico subjacente. A Alemanha não conseguiu perceber que sua doutrina operacional não estava necessariamente adaptada para atingir seus objetivos estratégicos e não conseguiu adaptá-la ao contexto. Nesse sentido, o caminho não foi adaptado ao fim, e a estratégia consiste em encontrar os meios e formas adequados para cumprir os fins.

Não aprender com a história

Uma falha estratégica de longa data é a incapacidade de aprender com os erros do passado. No final, a Alemanha cometeu erros semelhantes aos que cometeu na França em 1918, acreditando que o mero acúmulo de vitórias táticas garantiria o sucesso estratégico.[23] Tal pensamento realmente funcionou no início da guerra, quando os inimigos da Alemanha não tinham a iniciativa, seu território era pequeno o suficiente para ser totalmente ocupado, eles ainda não haviam mobilizado totalmente sua indústria e quando as táticas alemãs eram esmagadoramente melhores que as deles.

A Segunda Guerra Mundial na Europa.
(Wikimedia)

O segundo grande fracasso diz respeito às coalizões. A Alemanha perdeu a Primeira Guerra Mundial, em parte, porque enfrentou uma aliança forte, bem coordenada e eficaz, apoiada por maiores recursos agregados e uma base industrial mais eficiente com maior mão-de-obra.[24] O Terceiro Reich perdeu a Segunda Guerra Mundial, em grande parte, porque se recusou a reconhecer exatamente o mesmo. De fato, em vez de ficar em guerra apenas com o Reino Unido e tentar manter o status quo ou acabar com ele antes de prosseguir com sua expansão, a Alemanha, em apenas seis meses, declarou guerra a dois Estados, ambos com indústrias poderosas, populações maiores e uma razão plausível para alinhar em causa comum. Apesar dessas considerações estratégicas, a União Soviética tinha uma imensa profundidade estratégica enquanto os Estados Unidos tinham o Oceano Atlântico, colocando ambos efetivamente fora do alcance alemão sob o princípio do Gesamtschlacht.

A falta de boas estratégias industriais e econômicas

Os principais líderes da aliança contra as potências do Eixo na Conferência de Teerã, 28 de novembro de 1943. Da esquerda para a direita: Joseph Stalin, Franklin D. Roosevelt, Winston Churchill.
(U.S. Signal Corps/Wikimedia)

Finalmente, outro erro estratégico diz respeito à indústria e economia alemãs. A Alemanha não conseguiu criar estratégias industriais e econômicas eficazes para apoiar suas ambições militares. Esse erro encontra parcialmente sua origem na estrutura política construída por Hitler. Seu poder repousava em equilíbrios complexos e alianças políticas frágeis entre dignitários nazistas, líderes militares e círculos empresariais.[25] Dessa forma, Hitler conseguiu consolidar seu poder, mas ao preço de um atrito considerável.[26] Consequentemente, os dignitários alemães estavam trabalhando independentemente uns dos outros sem ter uma visão geral da situação geral, que só Hitler tinha.[27] Portanto, o setor civil estava fragmentado, o que dificultou a mobilização e coordenação da indústria.[28]

Tal fragmentação foi ilustrada pelo fato de que vários líderes nazistas estavam administrando impérios industriais.[29] Por exemplo, Heinrich Himmler, o chefe da Schutzstaffel (SS), criou sua própria economia SS e se opôs a um processo centralizado de tomada de decisão econômica e industrial.[30] Por causa de tais tensões e do fato de que o Estado nazista impedia a existência de qualquer tipo de contra-poder, os esforços daqueles que tentaram organizar melhor o esforço de guerra alemão, como Albert Speer, foram impedidos.[31] Essa fragmentação piorou o distúrbio e as ineficiências pré-existentes.[32]

O Ministro de Armamentos e Produção de Guerra Albert Speer (à direita, usando uma braçadeira nazista) e o Marechal de Campo e Inspetor Geral do Ar Erhard Milch (no meio) observam a demonstração de um novo tipo de munição, outubro de 1943.
(Das Bundesarchiv/Wikimedia)

Outros problemas também existiam. Por exemplo, os esforços de pesquisa e desenvolvimento tecnológico foram desorganizados e não foram priorizados com base na necessidade ou natureza do projeto.[33] Isso se deveu em parte à doutrina militar alemã, que buscava batalhas decisivas e planejava alcançar a vitória combinando habilidade tática e desempenho de armas. Consequentemente, os alemães tendiam a procurar desempenho absoluto em armas, em vez de um desempenho que fosse bom o suficiente para a tarefa que deveriam realizar.[34] Tal método, combinado com a falta de mão-de-obra qualificada, longos períodos de produção e, em particular, falta de matérias-primas, revelou-se ineficaz e contraproducente.[35]

Consequentemente, a Alemanha não foi capaz de conceber estratégias industriais e econômicas adequadas. Isso teve um impacto necessário e negativo na condução da guerra, especialmente porque os inimigos do Reich possuíam economias relativamente mais eficientes e indústrias mobilizadas.[36]

Na guerra, uma boa estratégia é uma necessidade constante

A Alemanha na Segunda Guerra Mundial ensina que uma boa estratégia é essencial para vencer guerras. O Reich ignorou vários princípios de estratégia que levaram à sua ruína. Tais princípios são simples e talvez até óbvios, mas esquecê-los ou ignorá-los como a Alemanha fez pode ter consequências desastrosas.

A Alemanha ignorou o fato de que a política e a estratégia quase sempre devem ser “um pouco flexíveis e adaptáveis às mudanças nas circunstâncias do contexto”. Como Colin S. Gray afirma, “políticas e estratégias suficientemente boas devem sempre ser ‘trabalho em andamento’, pelo menos em algum grau modesto.”[37] De fato, a Alemanha não conseguiu se adaptar, principalmente quando enfrentou a União Soviética. Ignorou o princípio Clausewitziano de que a guerra é, por essência, dialética; o inimigo tem uma palavra a dizer sobre o assunto, e enquanto eles se recusam a admitir a derrota, mesmo que pareça inevitável, é improvável que as vitórias táticas se traduzam por si só em sucesso estratégico.[38] Por causa de sua estratégia ideológica e apocalíptica, o Terceiro Reich recusou-se a reconsiderar seus objetivos estratégicos e os meios utilizados para atingir os fins almejados. Isso ficou evidente em relação à União Soviética, quando a Alemanha deveria ter percebido que sua arte operacional não seria capaz de atingir seus fins estratégicos. Nesse sentido, a estratégia alemã era inflexível.

Às vezes, a Alemanha também escolheu o caminho errado para alcançar os fins desejados. De fato, a estratégia requer prestar “a máxima atenção... à viabilidade material das operações escolhidas”.[39] O Terceiro Reich frequentemente falhou em fazê-lo. Além disso, a Alemanha não sabia como se adaptar para alcançar vitórias estratégicas se sua principal forma de fazê-lo – destruir o poder militar inimigo via aniquilação – se mostrasse inadequada ou impossível. Além disso, a excelência tática e a destreza operacional devem ser direcionadas por meio de uma estratégia realista. O que importa em última análise são as consequências políticas das batalhas forjadas pela arte operacional, em vez de seu resultado material e tático imediato.[40]

Soldados da FEB posando com prisioneiros alemães.
(Fundo Agência Nacional/Wikimedia)

Este estudo de caso mostra que a estratégia também deve observar a história e aprender com ela. Como mostrado, o Terceiro Reich falhou em fazê-lo. Além disso, este caso ilustra que a estratégia não é apenas estratégia militar. Deve incluir várias outras ferramentas – economia e diplomacia no mínimo – para maximizar as chances de alcançar o(s) objetivo(s) político(s) desejado(s). Além disso, essas ferramentas se reforçam mutuamente. A Alemanha sobre-privilegiou a estratégia militar e negligenciou as estratégias industrial e econômica.

A Alemanha na Segunda Guerra Mundial mostra que uma estratégia orientadora com uma teoria clara de vitória emoldurada por objetivos políticos realistas é uma necessidade constante e inegociável na guerra. Independentemente do caráter da guerra, a estratégia sempre será essencial para alcançar o resultado desejado. Hoje em dia, a falta de uma boa estratégia pode refletir a imagem das democracias ocidentais que falham em alcançar objetivos significativos em conflitos não-convencionais no exterior. No entanto, não se deve esquecer que isso também se aplica a conflitos convencionais entre Estados que operam exércitos inteiros, incluindo guerras totais. A estratégia de contagem de corpos falhou no Vietnã, mas também falhou na frente oriental alemã na Segunda Guerra Mundial.

Conclusão

O Terceiro Reich era excelente em táticas e provavelmente, do ponto de vista operacional, era pelo menos adequado em geral. Afinal, a Alemanha obteve vitórias impressionantes na Polônia, Dinamarca, Noruega, Bélgica, Holanda, Luxemburgo, França, Iugoslávia e Grécia. Nesses casos, a arte operacional alemã conseguiu alcançar efeitos estratégicos. Os ambientes e contextos locais foram bons para sua preferência pela aniquilação.

No entanto, quando a principal via operacional não era adequada para atender aos seus fins estratégicos – ou seja, quando os contextos geográficos e industriais não permitiam a destruição ou ocupação total e seus inimigos resolvidos e capazes de continuar lutando apesar das derrotas iniciais – a Alemanha atolou e foi incapaz de inovar. Reconhecendo os pontos fortes e fracos de sua própria preferência estratégica, a escolha por variantes de certas formas de arte operacional pertence ao domínio estratégico. A estratégia alemã deveria ter levado isso em consideração e perceber que, quando o contexto local estivesse certo, a Blitzkrieg poderia valer a pena; mas se não fosse, alcançar objetivos estratégicos poderia ser muito mais difícil com a adesão obstinada aos mesmos.

Ao olhar para os diferentes níveis de guerra alemães, o que mais condenou a Alemanha foi sua estratégia inspirada na ideologia, apocalíptica e irrealista. A estratégia falha do Terceiro Reich o levou a declarar guerra tanto à União Soviética quanto aos Estados Unidos; deixar de reconhecer que suas formas operacionais não foram necessariamente adequadas para atingir seus fins estratégicos; teimosamente se recusa a capitular quando a derrota era mais provável; e prefere a destruição total à derrota limitada.

Sobre o autor:

Lorris Beverelli é um cidadão francês que possui um Master of Arts em Estudos de Segurança com concentração em Operações Militares pela Universidade de Georgetown.

Notas
  1. Michael Geyer, “German Strategy in the Age of Machine Warfare, 1914-1945,” in Makers of Modern Strategy: from Machiavelli to the Nuclear Age, ed. Peter Paret (Princeton: Princeton University Press, 1986), 583-84.
  2. Ibid., 573.
  3. Ibid., 582.
  4. Ibid., 583.
  5. Richard Overy, The Origins of the Second World War, Fourth edition, Abingdon, New York: Routledge, 2017, 40.
  6. Geyer, “German Strategy in the Age of Machine Warfare, 1914-1945,” 583.
  7. Overy, The Origins, 94.
  8. Geyer, “German Strategy in the Age of Machine Warfare, 1914-1945,” 575.
  9. Overy, The Origins, 41, 88; Peter Longerich, Hitler, trans. Tilman Chazal, Caroline Lee, Caroline Lelong e Valentine Morizot, trans. ed. Raymond Clarinard, Éditions Héloïse d’Ormesson, 2017, 701, 721 (traduzido em inglês sob o título Hitler: A Biography e publicado pela Oxford University Press em 2019).
  10. Geyer, “German Strategy in the Age of Machine Warfare, 1914-1945,” 574.
  11. Andrew Roberts, Leadership in War: Essential Lessons from Those Who Made History, New York: Viking, 2019, 89.
  12. Longerich, Hitler, 750; Claude Quétel, La Seconde Guerre mondiale, Paris: Perrin, 2015, 237.
  13. Longerich, Hitler, 750.
  14. Richard Overy, Why the Allies Won, New York: W.W. Norton & Company, 1996, 315; Longerich, Hitler, 945-46.
  15. Geyer, “German Strategy in the Age of Machine Warfare, 1914-1945,” 571, 572.
  16. Benoist Bihan, “L’Allemagne a perdu la guerre à cause d’Hitler,” in Les mythes de la Seconde Guerre mondiale, ed. Jean Lopez e Olivier Wieviorka (Paris: Perrin, 2015), 385; Geyer, “German Strategy in the Age of Machine Warfare, 1914-1945,” 532.
  17. Bihan, “L’Allemagne,” 385. Para saber mais sobre tais conceitos, veja, por exemplo, Michael Geyer, “German Strategy in the Age of Machine Warfare, 1914-1945,” in Makers of Modern Strategy: from Machiavelli to the Nuclear Age, ed. Peter Paret (Princeton: Princeton University Press, 1986); Terence Zuber, Inventing the Schlieffen Plan: German War Planning 1871-1914, Oxford: Oxford University Press, 2002. 
  18. Ibid.
  19. Ibid., 386.
  20. Observe que o termo “blitzkrieg” é usado aqui para fins de simplicidade e clareza. Esta palavra é mais um termo construído para designar a maneira geral como os alemães estavam atacando na Segunda Guerra Mundial, em vez de uma doutrina oficial bem definida. Por exemplo, ver Karl-Heinz Frieser, trans. ed. John T. Greenwood, The Blitzkrieg Legend: The 1940 Campaign in the West, Annapolis: Naval Institute Press, 2005.
  21. Geyer, “German Strategy in the Age of Machine Warfare, 1914-1945,” 591.
  22. Martin Motte, Georges-Henri Soutou, Jérôme de Lespinois e Olivier Zajec, La mesure de la force : Traité de stratégie de l’École de guerre, Paris: Éditions Tallandier, 2018, 256-57.
  23. Geyer, “German Strategy,” 591.
  24. Ver por exemplo, William Philpott, War of Attrition: Fighting the First World War, New York: The Overlook Press, 2014; Michel Goya, Les vainqueurs : Comment la France a gagné la Grande Guerre, Paris: Éditions Tallandier, 2018.
  25. Bihan, “L’Allemagne,” 381. Para uma ilustração de tais relacionamentos, veja Jean Lopez (editor), Nicolas Aubin, Vincent Bernard, Nicolas Guillerat, Infographie de la Seconde Guerre mondiale, Paris: Perrin, 2018, 44 (traduzido em inglês sob o título World War II Infographics e publicado pela Thames & Hudson em 2019).
  26. Jean Lopez (editor), Nicolas Aubin, Vincent Bernard, Nicolas Guillerat, Infographie de la Seconde Guerre mondiale, Paris: Perrin, 2018, 44.
  27. Ibid.
  28. Bihan, “L’Allemagne,” 381.
  29. Benoist Bihan compara esta estrutura a fidelidades medievais, daí a palavra “lords” aqui.
  30. Quétel, La Seconde Guerre mondiale, 237.
  31. Ibid.; Bihan, “L’Allemagne,” 384.
  32. Bihan, “L’Allemagne,” 382.
  33. Ibid.
  34. Ibid., 383.
  35. Ibid., 384.
  36. Ibid., 382.
  37. Colin S. Gray, Strategy and Politics, New York: Routledge, 2016, 64.
  38. Motte, Soutou, de Lespinois e Zajec, La mesure, 74.
  39. Gray, Strategy and Politics, 65.
  40. Ibid., 70.

domingo, 16 de janeiro de 2022

Entre a autonomia estratégica e o poder limitado: o paradoxo francês


Por Lorris Beverelli, The Strategy Bridge, 25 de junho de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 15 de janeiro de 2022.

O governo francês muitas vezes gosta de enfatizar um conceito chamado “autonomia estratégica”. De fato, por mais de duas décadas, a França procurou e reivindicou ser uma potência internacional autônoma no mundo pós-Guerra Fria.[1] A grande dependência da energia nuclear como principal fonte de energia é uma ilustração dessa política: a França busca ser autossuficiente e não depender de recursos estrangeiros para abastecer o país. Essa afirmação de autonomia também é vista no âmbito militar. Dois dos principais documentos de política de defesa do governo francês, a Revisão Estratégica de Defesa e Segurança Nacional de 2017 e a atual Lei de Planejamento Militar (abrangendo o período 2019-2025), enfatizam a importância da autonomia estratégica.[2] No entanto, há um grande problema: o instrumento militar francês já não permite que o Estado seja completamente autônomo. Este artigo irá expor as principais deficiências da política de defesa francesa e seu instrumento militar de poder antes de oferecer algumas recomendações.

TRÊS QUESTÕES PRINCIPAIS


Orçamento de Defesa

O fim da Guerra Fria é o principal impulsionador dessa mudança no foco militar francês. Em 1997, o governo francês mudou o modelo de suas forças armadas do recrutamento obrigatório para um tipo exclusivamente voluntário, expedicionário.[3] Antes desta data, as Forças Armadas francesas tinham um componente maior encarregado da defesa da França continental, enquanto um componente menor, do tipo expedicionário, estava encarregado de realizar missões no exterior.[4] Após esta data, a França decidiu desenvolver uma força mais compacta porém melhor equipada, em que todas as unidades tenham capacidade para intervir no exterior.[5] A lógica era compensar a mudança de quantidade com qualidade, tanto no treinamento quanto no equipamento.[6] No entanto, na ausência de uma ameaça direta, e mesmo antes do fim da Guerra Fria, o governo reduziu gradualmente seu orçamento de defesa: entre 1982 e 2015, ele foi cortado quase pela metade.[7] Recentemente, o governo francês aumentou o orçamento de defesa para lidar melhor com as novas (e renovadas) ameaças regionais e globais. Com a implementação da última Lei de Planejamento Militar, os gastos com defesa devem atingir 2% do produto interno bruto (PIB) francês até 2025.[8]

Um soldado caminha entre veículos blindados franceses no Campo Militar de Mourmelon, no nordeste da França. (AFP)

Por causa dos repetidos cortes orçamentários, as forças restantes não receberam mais dinheiro e meios para realizar suas tarefas. Essa falta de recursos é problemática, pois os cortes orçamentários podem se traduzir em riscos estratégicos, operacionais e táticos. Por exemplo, a falta de recursos pode afetar a manutenção de equipamentos, e apenas cerca de metade dos sistemas de armas franceses não-desdobrados em operações estavam funcionais em 2015. Consequentemente, a qualidade do treinamento experimentado pelos militares franceses é necessariamente reduzida, o que pode afetar sua eficiência, segurança e moral.[9] Além disso, quando uma operação é planejada, os planejadores franceses devem restringir os meios que desejam usar com base em uma lógica orçamentária estrita.[10] Como resultado, os oficiais destacados são deixados para operar com recursos limitados.[11] Outra consequência é que os soldados franceses tendem a confiar mais no combate corpo-a-corpo para destruir o inimigo, em parte porque essas táticas são mais baratas do que confiar no poder de fogo.[12] As opções táticas são, portanto, raramente baseadas nas necessidades no terreno; em vez disso, elas são derivadas de restrições materiais.[13]

Números de tropas


As Forças Armadas francesas agora têm relativamente poucas tropas. Por exemplo, o exército francês passou de cerca de 350.000 soldados em 1984 para 200.000 em 1998.[14] Em 2017, tinha cerca de 114.500 soldados, embora tenha havido um ligeiro aumento de 2.000 soldados em relação a 2016.[15] Especificamente, a força de combate operacional do Exército é composta por apenas 77.000 soldados e, como outro exemplo, deve possuir apenas 225 tanques pesados até 2025.[16]

Esse número relativamente baixo de tropas e material constitui uma deficiência óbvia para um Estado com ambições globais, território e interesses para proteger na Europa, África, Oriente Médio e Ásia-Oceania.[17] Números baixos, combinados com cortes orçamentários duradouros, resultaram nas Forças Armadas francesas tornando-se uma força projetada para vencer guerras curtas e obter sucesso tático.[18] A França não tem o pessoal necessário para ser um ator decisivo em um grande conflito convencional, uma contradição direta com o sacrossanto princípio francês de autonomia estratégica. Em uma coalizão, a França provavelmente teria apenas efeito e influência estratégica limitados.[19] A França confia demais na dissuasão nuclear para garantir sua segurança e proteger seus interesses para enfrentar ameaças convencionais. Embora o poder nuclear seja absolutamente um elemento-chave de qualquer política de defesa para os Estados que podem pagar por ele, os conflitos ainda são muito mais propensos a envolver o envio de forças regulares do que depender exclusivamente de armas nucleares, se é que o fazem.

Foto aérea do Forte Madama, no Níger, em novembro de 2014.
(Thomas Goisque/Wikimedia)

A experiência recente deveria ter ensinado melhor a França: ela tem um alto nível de engajamento militar, com três grandes operações em andamento (Sentinelle em solo francês, Barkhane no Sahel e Chammal no Iraque e na Síria). 
Em 2016, esse envolvimento intenso e contínuo provou ser problemático, pois a França encerrou sua operação não-prioritária Sangaris na República Centro-Africana, porque a pressão sobre as Forças Armadas francesas era muito desgastante para sustentar.[20] Além disso, especialistas militares franceses apontaram regularmente que o nível de engajamento da França constitui uma enorme pressão sobre a força. Consequentemente, a falta de recursos e pessoal por parte dos franceses resultou em um impacto direto e estratégico em sua postura operacional recente.

Limitações estruturais do modelo militar francês


Outro problema, este de natureza estrutural, é o próprio modelo militar francês. O modelo atual – uma pequena força expedicionária profissional que pode ter que depender pelo menos parcialmente de parcerias com outros Estados – pode ser relevante para operações de ponte nas quais forças militares são usadas para estabilizar uma situação até que outras forças, tipicamente de uma organização internacional como as Nações Unidas, sejam capazes de assumir.[21] A própria Resenha Estratégica enfatiza a importância da cooperação e das parcerias.[22] Este modelo tem três limitações principais. Primeiro, é sempre difícil transformar o sucesso tático em efeito estratégico. Em segundo lugar, as forças internacionais não são necessariamente eficientes.[23] Terceiro, e mais importante, tal modelo não apóia o conceito francês de autonomia estratégica.

De fato, o modelo atual é excessivamente dependente de parcerias e fatores políticos não necessariamente nas mãos do governo francês. Tal conceito pode ser adequado para operações policiais onde os objetivos políticos são meramente deter um grupo armado não-estatal – como foi o caso da Serval – ou executar operações de baixa intensidade. No entanto, é improvável que este modelo consiga uma vitória decisiva contra uma força convencional. Por exemplo, a França confiou em uma organização regional africana, o G5 Sahel, para assumir o controle da área. No entanto, o G5 Sahel tem sido incapaz de realizar operações no terreno sozinho, e levou três anos para que uma força conjunta africana fosse criada.[24] Consequentemente, a França está presa no Sahel há quase cinco anos. A Operação Barkhane ainda pode mostrar algum sucesso, mas mesmo que alcance sucesso total, é inerentemente projetada para durar muito tempo e não tem uma estratégia de saída clara e direta além de delegar a missão a uma organização regional. Consequentemente, a estratégia de saída francesa depende de fatores políticos e materiais que a França não controla.

Além disso, tal estratégia pode ser impedida por outras questões, como a eficácia militar da força que está assumindo, ou os meios materiais, notadamente o financiamento, que essa organização possui. Tal estratégia de saída pode, no final, acabar sendo apenas uma estratégia e apenas um adiamento para encontrar uma solução real e duradoura para a situação.

Soldados franceses e malianos em 2016.
(Wikimedia)

RECOMENDAÇÕES DE POLÍTICA

Se o governo francês pretende tornar-se estrategicamente autônomo novamente, deve implementar um conjunto de medidas relativamente simples, mas necessárias.

Números

Primeiro, o governo francês deve aumentar o número de militares, principalmente em seu exército. Esse aumento é essencial para atingir o objetivo acalentado de autonomia estratégica, aliviar a pressão atual sobre as forças armadas, preparar-se para enfrentar ameaças convencionais e reforçar a dissuasão convencional.[25] É ainda mais importante porque as forças adversárias potenciais não só têm uma vantagem em quantidade, mas também cada vez mais uma vantagem qualitativa.[26] Consequentemente, a França não pode contar com treinamento e equipamentos superiores, e com a flexibilidade e criatividade de seus líderes militares, para compensar a falta de números.[27] Conflitos recentes demonstraram que os números e o poder de fogo ainda são relevantes.[28] Além disso, compensar números baixos pela tecnologia tem limitações.

De fato, trocar números por tecnologia é um conceito errôneo, que pode ser relevante no nível tático, mas não necessariamente nas esferas operacional e estratégica. A massa crítica continua importante. A enorme expansão dos espaços de combate modernos, que podem se estender por todo o planeta, conferem uma importância particular aos números. De fato, para cobrir eficientemente todos os espaços de engajamento e fazê-lo em tempo hábil, é essencial ter um número suficiente de soldados e material disponível.[29] Para um Estado como a França, com ambições globais e uma exigência teórica potencial de desdobrar forças simultaneamente em diferentes continentes, os números não devem ser um luxo. Os números devem ser um requisito.

Reserva

Reservistas do 3e RMAT em exercício de combate urbano.

Atualmente, as forças de reserva francesas não podem reforçar decisivamente o núcleo do Exército. De fato, conforme projetado atualmente, eles são construídos para reforçar unidades permanentes com indivíduos ou pequenos grupos. As reservas não podem ser usadas para formar brigadas inteiras ou mesmo batalhões equipados com material pesado, sendo os estoques atuais insuficientes para equipar totalmente todas as unidades ativas.[30] Reviver a reserva e devolver-lhe as verdadeiras capacidades deve ser uma das principais prioridades da liderança de defesa francesa. Essas medidas aliviariam a pressão sobre as forças armadas e constituiriam um verdadeiro mecanismo de reforço para apoiar as tropas desdobradas no exterior ou em território nacional. A França precisa agir de forma decisiva em relação à sua reserva para reforçar efetivamente suas capacidades de defesa, enfrentar ameaças estratégicas e responder a surpresas estratégicas.

Repensando o modelo militar francês

O atual modelo militar francês simplesmente não corresponde ao objetivo de autonomia estratégica ou ao alto nível de engajamento, tanto na teoria quanto na prática, das Forças Armadas francesas. Para garantir autonomia, maximizar a defesa do território francês e sua vizinhança e cumprir um alto nível de engajamento, a França poderia retornar ao seu modelo tradicional. Uma única força maior poderia ser dedicada à defesa do território francês e seus arredores imediatos contra ameaças convencionais, principalmente na Europa, com uma segunda força expedicionária, muito menor, especializada na defesa dos interesses e territórios franceses no exterior por meio de operações limitadas. Tal modelo desapareceu em grande parte por causa do fim da Guerra Fria. No entanto, um desafio real seria reproduzir tal modelo sem re-decretar o alistamento obrigatório, o que é muito provavelmente irreal tanto do ponto de vista político quanto fiscal. De qualquer forma, com o ressurgimento das ameaças convencionais, o restabelecimento do modelo militar tradicional francês, com soluções adaptadas para evitar o alistamento de conscrição, deve ser, no mínimo, considerado pela liderança política e pela nação francesa como um todo.

Alternativamente, um novo modelo poderia ser estabelecido. Por exemplo, a França poderia manter seu pequeno núcleo de tropas profissionais para realizar as principais tarefas de combate e constituir a ponta de lança da força em caso de conflito convencional e intervenções no exterior, enquanto uma reserva maior poderia realizar tarefas secundárias e ocupar terreno. Outra solução potencial poderia ser a adição gradual, mas frequente, de mais pessoal às forças armadas por meio de campanhas agressivas de recrutamento. Até o final de 2016, a França havia adicionado 11.000 soldados à força de combate operacional do Exército.[31] O governo francês poderia tentar aumentar o número das forças armadas com acréscimos semelhantes e mais frequentes. Também poderia permitir que as Forças Armadas francesas ganhassem mais poder de combate sem sobrecarregar excessivamente a infraestrutura militar atual e permitir que os militares absorvessem gradualmente os novos recrutas.

Orçamento de Defesa

Legionários da 2ª companhia do 3e REI (3º Regimento Estrangeiro de Infantaria) com o míssil AAe Mistral durante o lançamento do foguete Ariane 5 em Kourou, na Guiana Francesa, em 17 de novembro de 2016.

Embora a França tenha feito um esforço recente para interromper os cortes orçamentários e aumentar seus gastos com defesa, deve continuar aumentando o orçamento de defesa no futuro e garantir que atinja e mantenha pelo menos 2% do PIB. Além disso, se a OTAN considera que os Estados membros não fortemente envolvidos no exterior e que não possuem armas nucleares devem gastar 2% de seu PIB em defesa, parece razoável que a França precise gastar mais, considerando suas ambições globais e seu arsenal.[32]

CONCLUSÃO


Se a França realmente deseja permanecer um ator global, uma potência militar credível e estrategicamente autônoma, ela precisa empreender esforços consideráveis para melhorar a condição atual de suas forças armadas. A França fez progressos nesse sentido, mas ainda precisa fazer mais. Aumentar a massa das forças armadas e do orçamento de defesa, e repensar o papel da reserva e o modelo militar atual, são os elementos em que o governo francês deve se concentrar. Naturalmente, o Estado francês também pode ter que se concentrar em elementos econômicos e industriais ao mesmo tempo, pois o poder militar viável e sustentável necessariamente vem com uma economia e indústria fortes.

Se, por outro lado, a França finalmente chegar a um acordo com seu status de potência internacional média, melhorias limitadas podem ser suficientes. No entanto, nesse caso, a França teria que aceitar o fato de que, no caso de um grande conflito convencional, ela provavelmente teria um impacto estratégico limitado, que ela tem autonomia estratégica limitada e que ela não é mais uma potência internacional forte.

Sobre o autor:

Lorris Beverelli é um cidadão francês que possui um Master of Arts em Estudos de Segurança com uma concentração em Operações Militares pela Universidade de Georgetown. As opiniões expressas neste artigo são exclusivas do autor e não representam a política ou posições do governo francês ou das forças armadas.

Notas:
  1. Frédéric Mauro, “Strategic Autonomy under the Spotlight: The New Holy Grail of European Defence”, 2018/1, 4, PDF.
  2. República Francesa, “Defence and National Security Strategic Review”, 2017, §1.2., PDF; “LOI n° 2018-607 du 13 juillet 2018 relative à la programmation militaire pour les années 2019 à 2025 et portant diverses dispositions intéressant la défense (1)", Legifrance, acessado em 10 de junho de 2019, Artigo 65, §1.2.1., https://www.legifrance.gouv.fr/affichTexte.do?cidTexte=JORFTEXT000037192797&dateTexte=20190610.
  3. Rémy Hémez, “The French Army at a Crossroads”, Parâmetros 47, nº 1 (Primavera de 2017): 103.
  4. Michael Shurkin, “France’s War in Mali: Lessons for an Expeditionary Army”, RAND Corporation, 2014, 40, PDF.
  5. Ibid.
  6. Joseph Henrotin, “La défense française durant le prochain quinquennat: Quels défis?”, DSI, nº 128 (março-abril de 2017), 31.
  7. General Vincent Desportes, La dernière bataille de France: Lettre aux Français qui croient encore être défendus (Paris: Editions Gallimard, 2015), 1. Les lois de déprogrammation militaire ou le mensonge français – La baisse inexorable des moyens financiers, Kobo.
  8. “LOI n° 2018-607”, Artigo 2.
  9. Desportes, La dernière bataille, 1. Les lois de déprogrammation militaire ou le mensonge français – Des paradoxes qui mettent en danger nos soldats.
  10. Ibid.
  11. Shurkin, “France’s War”, 42.
  12. Ibid.
  13. Desportes, La dernière bataille, 1. Les lois de déprogrammation militaire ou le mensonge français – Des paradoxes qui mettent en danger nos soldats.
  14. Ibid., 1. Les lois de déprogrammation militaire ou le mensonge français.
  15. Ministério da Defesa francês, “Números-chave da Defesa de 2018”, 2018, 16, PDF.
  16. CES Lionel Guy, CDT Alexandre Montagna, “Un nouveau modèle pour l’Armée de Terre”, TIM, nº 276 (julho-agosto de 2016), 3.
  17. República Francesa, “Strategic Review”, §§166, 167, 168.
  18. Desportes, La dernière bataille, 1. Les lois de déprogrammation militaire ou le mensonge français – Des paradoxes qui mettent en danger nos soldats.
  19. Ibid., 9. A un pas du gouffre : plus de guerres, moins de moyens ? – Quelles conséquences stratégiques?
  20. Hémez, “The French Army”, 110.
  21. Ibid.
  22. República Francesa, “Strategic Review”, §5.2.
  23. Hémez, “The French Army”, 110.
  24. Centro Africano para Estudos Estratégicos, “A Review of Major Regional Security Efforts in the Sahel”, 4 de março de 2019, https://africacenter.org/spotlight/review-regional-security-efforts-sahel/.
  25. Hémez, “The French Army", 111.
  26. Henrotin, “La défense française”, 31.
  27. Rémy Hémez, Aline Leboeuf, “Retours sur Sangaris: Entre stabilisation et protection des civils”, Focus stratégique, nº 67 (abril de 2016), 30, PDF.
  28. Henrotin, “La défense française”, 34.
  29. Benoist Bihan, “Masse critique”, La plume et le sabre, 31 de março de 2013, http://www.laplumelesabre.com/2013/03/31/masse-critique/.
  30. Michel Goya, “La «descente en masse»”, DSI, nº 131 (setembro-outubro de 2017), 62.
  31. Hémez, “The French Army", 104.
  32. General Vincent Desportes, “Un désastre militaire”, Conflits, nº 13 (abril-maio-junho de 2017), 49.