terça-feira, 25 de janeiro de 2022

Lições do fracasso da promoção da democracia na Venezuela

Por Elliott Abrams, Council on Foreign Relations, 5 de novembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 25 de janeiro de 2022.

Por que o esforço dos EUA para promover a democracia na Venezuela falhou? As lições aprendidas devem informar os esforços de promoção da democracia em todo o mundo.

De janeiro de 2019 até o fim do governo Trump, os Estados Unidos impuseram sanções generalizadas à economia venezuelana e conduziram uma vasta campanha diplomática contra o regime de Maduro. Muitos elementos dessa política foram mantidos pelo governo Biden. No entanto, a política não conseguiu desalojar Maduro ou melhorar a situação dos direitos humanos na Venezuela, muito menos devolver o país à democracia.

T-72V do Exército Bolivariano desfilando com uma bandeira de Hugo Chávez.

Por que falhou? As respostas podem esclarecer não apenas a Venezuela, mas também as condições e políticas em outros lugares. Aqui estão dez respostas breves que ajudam a explicar o fracasso da política e que os formuladores de políticas e os defensores dos direitos humanos devem ter em mente ao abordar outros países e regimes.

1) O apoio externo pode permitir que até mesmo um regime fraco ou impopular sobreviva. Os Estados Unidos alcançaram um sucesso considerável ao reforçar os esforços para acabar com o regime militar na América Latina na década de 1980, mas esses regimes tiveram muito pouco apoio externo. O regime de Maduro recebeu assistência de inteligência de Cuba, Rússia, China e Irã, apoio diplomático de outras autocracias, bem como de algumas democracias do Hemisfério Ocidental, e obteve empréstimos maciços da Rússia e da China. Assim, o regime não se sente isolado e o impacto tanto das críticas internacionais quanto das sanções econômicas é enfraquecido.

2) As amplas sanções econômicas que não afetam diretamente as elites dominantes não mudarão sua conduta. Os Estados Unidos impuseram amplas sanções às exportações venezuelanas, mas os governantes venezuelanos ainda podiam circular livremente pela América Latina e Europa – e também movimentar seu dinheiro livremente. Em muitos casos, suas famílias viviam no exterior em esplendor com os ganhos ilícitos. As sanções devem atingir diretamente os oficiais civis e militares que dirigem o regime para ter o máximo impacto.

3) A população em geral deve ver claramente como se beneficiará da mudança política. A oposição venezuelana nunca foi capaz de mostrar aos cidadãos que a remoção do regime levaria a uma maior prosperidade para o país. Pesquisas mostraram que os eleitores culparam o regime muito mais do que as sanções dos EUA pelo colapso econômico do país, mas isso não significa que eles acreditavam que a oposição poderia trazer dias melhores. Aqui os Estados Unidos e outras democracias apoiantes falharam. Os Departamentos de Estado e do Tesouro dos EUA tinham planos econômicos detalhados que dariam dinheiro a todas as famílias venezuelanas e impulsionariam a economia. Os planos nunca foram divulgados – uma oportunidade perdida de reforçar a culpa do regime pela extrema pobreza do país.

4) Os líderes do regime devem encontrar uma saída pela qual possam sobreviver, ou rejeitarão a mudança. Os líderes do regime devem sentir dor agora, por meio de sanções econômicas e proibições de viagens, mas devem encontrar alguma maneira de sobreviver após a mudança de regime. Se eles sentirem que a mudança significa longas penas de prisão e penúria, eles lutarão até a morte para resistir. Na Venezuela, nem os Estados Unidos nem a oposição falaram de maneira suficientemente convincente sobre anistias ou formas de justiça transicional que permitiriam aos funcionários do regime vislumbrar um futuro para si mesmos na Venezuela pós-Maduro.

5) Os líderes militares devem ver um futuro tanto para si mesmos quanto para sua instituição. Apesar de alguns esforços tanto dos Estados Unidos quanto da oposição venezuelana, os militares nunca foram persuadidos de que em um período pós-Maduro teriam um papel importante, protegido e honrado. Por terem as armas, os líderes militares podem prolongar ou encurtar o período de um regime no poder e podem pressionar por linhas duras ou compromissos em qualquer negociação. Na Venezuela, como em muitos outros casos, a nação precisa de militares capazes quando retornar à democracia, e os planos para manter o papel nacional da instituição devem ser muito claros.

Soldados venezuelanos com fuzis russos AK-103.

6) As nações democráticas devem estar unidas em sua abordagem, ou o regime usará as divisões para enfraquecer a oposição. Embora tenha havido uma cooperação considerável entre as democracias que apoiam a oposição venezuelana, em momentos-chave a falta de coesão ajudou o regime. O Alto Representante da UE trabalhou, por vezes, com objetivos opostos aos Estados Unidos, seguindo um caminho diferente e trabalhando com líderes da oposição que não faziam parte do principal grupo da oposição. Todas essas diferenças são uma benção para o regime, permitindo que ele divida ainda mais a oposição e crie confusão.

7) Os Estados Unidos e outras democracias foram incapazes de protegerem os líderes democráticos na Venezuela. Os líderes da oposição enfrentaram espancamentos, exílio e prisão. As nações que apoiam o retorno à democracia não fizeram o suficiente para protegê-los e suas famílias. Em alguns casos, as famílias dos presos políticos precisavam de apoio financeiro enquanto eles estavam presos, e os presos precisavam de uma pressão internacional muito mais concentrada para garantir sua libertação. Em outros casos, ativistas da oposição precisavam de vistos para escapar da prisão e da Venezuela. Esses homens e mulheres estavam na linha de frente, e nenhum movimento democrático pode ter sucesso se eles não conseguirem manter a luta. Muito mais deve ser feito, em dezenas de países autoritários, para ajudá-los.

8) Os Estados Unidos e outras democracias devem apoiar as negociações com o regime se a oposição democrática as desejar. Na Venezuela, em 2019, diferenças internas no governo Trump significaram que ficamos de lado (e criticamos intermitentemente) as negociações lideradas pela Noruega. Isso enfraqueceu a oportunidade da oposição de usar as negociações para seus próprios objetivos, incluindo acordos parciais que poderiam ter libertado presos políticos ou permitido o retorno de alguns exilados. Quando suspender as sanções econômicas dos EUA é um objetivo do regime, uma falha americana em participar ou de alguma forma apoiar as negociações prejudica a oposição – porque reduz o incentivo do regime para negociar compromissos reais.

9) O apoio sério à oposição deve incluir apoio financeiro, mas a oposição fica enfraquecida em caso de se tornar uma burocracia e for menos dependente de obter apoio público. Em um caso como o da Venezuela, o regime domina a economia e a esfera pública, e privar os partidos da oposição, ONGs e grupos da sociedade civil de dinheiro é um objetivo fundamental do regime. Os Estados Unidos e outras democracias devem ajudá-los a sobreviver, por meio de programas de apoio à democracia que muitos países agora mantêm. Mas há o perigo de que se tornem dependentes de apoio externo em vez de construir um maior apoio interno, e o perigo de que as organizações de oposição se burocratizem quando deveriam ser forças políticas ágeis dedicadas a conquistar o apoio do público. Os defensores externos da democracia devem trabalhar duro para manter um equilíbrio adequado.

10) Ameaças de ação militar podem desestabilizar os partidários do regime, mas também podem enfraquecer a oposição. Os Estados Unidos disseram repetidamente que “todas as opções estão na mesa” com relação à ação militar contra o regime de Maduro, e em princípio estavam. A repetição da ameaça pretendia desestabilizar os partidários do regime e fazê-los pensar duas vezes se o regime sobreviveria. As referências às intervenções dos EUA no Panamá e em Granada pretendiam mostrar que a democracia prevaleceria e o regime seria, no final, derrubado de uma forma ou de outra. Mas tais declarações também podem dar falsas esperanças aos cidadãos de que eles não precisam lutar contra o regime porque um final deus ex machina resolverá os problemas do país. Se não houver intenção de usar a força militar, as ameaças nunca devem ser feitas.

Mesmo que os Estados Unidos tivessem se saído melhor em todos esses aspectos, o regime de Maduro poderia ter se agarrado ao poder com sucesso. Em sua essência, o regime não é uma ditadura militar, mas um empreendimento criminoso, cujas elites estão intimamente ligadas ao tráfico de drogas e outras atividades ilícitas. Esses líderes do regime temem que qualquer mudança política signifique que eles terão que pagar por seus crimes e resistirão. Mas as chances de sucesso na restauração da democracia certamente serão maiores em qualquer lugar se essas lições forem mantidas em mente.

Esta publicação faz parte do Projeto Diamonstein-Spielvogel sobre o futuro da democracia.

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