General de Saint-Chamas já como um 4 estrelas. Na época da entrevista, ele era 2 estrelas. |
Por Jean-Dominique Merchet, jornalista do Marianne, 28 de abril de 2012.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 28 de julho de 2012.
Uma entrevista com o general de Saint-Chamas, comandante da Legião Estrangeira, na ocasião das cerimônias do Camerone.
Essa segunda-feira 30 de abril, a Legião Estrangeira celebra o Camerone, sua festa tradicional que comemora o sacrifício de seus homens, em um combate no México em 1863. As cerimônias do Camerone serão, neste ano, uma homenagem particular à Batalha de Bir Hakeim, que completa seu 70º aniversário. Durante a cerimônia, na “maison-mère” de Aubagne, a mão do capitão Danjou será carregada por Hubert Germain, 91 anos, companheiro da Libertação, ex-ministro e veterano da 13ª DBLE – o último oficial da Legião vivo a ter participado deste combate da França Livre.
Durante a cerimônia, o padre Yannick Lallemand, capelão da Legião, será promovido ao posto de Comendador da Legião de Honra. O “Padre” é uma figura dos paras e da Legião. Presente em Beirute por ocasião do atentado contra o Drakkar (1983), ele é atualmente muito ativo em ajudar os feridos. Enfim, o chefe de estado-maior dos exércitos, o almirante Edouard Guillaud será feito “caporal d’honneur” da Legião Estrangeira, uma distinção excepcional.
Na ocasião do Camerone, quisemos rever a Legião atual, com o “Père Légion”, apelido tradicional do general comandante da Legião Estrangeira (COM.LE), Christophe de Saint-Chamas. Este oficial comandou em especial o 1º REC e fez uma estadia de 13 meses no Afeganistão antes de chegar à Aubagne.
Como vai a Legião?
Muito bem! Seu recrutamento é excelente. A Legião atrai e, além, é a França que atrai homens provenientes de 150 países. Nós somos um vetor de influência nacional.
De onde eles vêm?
De todos os lugares. Na última seção de 50 homens que nós tivemos de integrar, havia cerca de trinta nacionalidades. Historicamente, o recrutamento está ligado às crises políticas: havia os russos brancos, os republicanos espanhóis, os alemães pós-guerra, o Leste da Europa após a queda do muro... Hoje, cerca de um quarto do nosso recrutamento se efetua sempre na Europa distante, à Leste. Mas nós temos doravante muitos asiáticos (cerca de 10%). Eles vêm até nós através da China ou da Mongólia. Nossa preocupação é de manter um equilíbrio de modo a que o amálgama possa ocorrer.
A internet se tornou um instrumento essencial: nosso site de recrutamento existe em quinze línguas. Mas nós não recrutamos fora do território metropolitano: é necessário que o candidate venha até nós por seus próprios meios, isso constitui uma primeira prova de sua motivação ao engajamento.
E os franceses?
Os “gauleses” – os franceses – não representam mais que 10% à 15% de nosso recrutamento. O total de francófonos, entre 20 e 25%. É uma situação diferente daquela que nós conhecíamos há vinte ou trinta anos, quando a metade do recrutamento era francófona. Nós não podemos mais praticar a “binomage” para a aprendizagem do francês (um francófono e um não-francófono), mas nós usamos a “quadrinomage”.
Quantos homens vocês recrutam por ano?
Nosso biorritmo é de cerca de 1000. Nós temos conseguido mais no decorrer desses últimos anos – até 1400. Nós estamos abaixo esse ano, cerca de 800. Deve ser dito que nosso efetivo global decresceu, em 600 postos em três anos. Nossos efetivos são, atualmente, de 7334, dos quais 7000 servem à título estrangeiro: esses são todos os legionários e graduados, mesmo que a Legião também conte com alguns graduados do exército, apelidados de “quadros brancos”, para os postos de especialistas.
Qual é a sua taxa de seleção?
Um em cada oito, podemos dizer que temos como escolher. Isso mostra que o nível geral é bem elevado: 13,5/20. Temos que acabar com uma mitologia: nós não recrutamos criminosos que se fariam esquecer ao se engajar na Legião! Certamente, nossos homens são frequentemente feridos na vida, que vêm a nós atrás de um recomeço com a vontade de mudar. O ministro da Defesa confia ao general COM.LE a responsabilidade do pessoal servindo à título estrangeiro.
Havia sempre muitos desertores na Legião. E quanto a 2012?
Vamos primeiros examinar a noção de desertor. Eles são estrangeiros, e eles podem ter vontade de ir pra casa, não é porque será melhor, eles estão com saudades de casa ou por um capricho que vem à cabeça. O que podemos falar com certeza, é a taxa de atrito: ela é de 22% durante os seis primeiros meses e de 10% nos seis meses seguintes. Isso significa que um engajado entre três (32%) nos deixa durante o primeiro ano. Conservar em nossas fileiras os legionários que fizeram a corajosa escolha de se engajar continua a ser um objetivo permanente para nós.
Eles se engajam sempre sob uma identidade falsa?
De novo um mito! Não existe anonimato na Legião. Existem duas situações enquadradas pela lei: “a identidade presumida real” e a “identidade declarada”. 80% dos engajados preferem a primeira solução – eles se engajam sob o próprio nome. Mas devemos ter cuidado: a identidade presumida real não significa necessariamente a identidade real. O engajado pode chegar com documentos que parecem verdadeiros, mas que são falsos. Nós devemos verificar em seus países de origem e isso pode levar vários meses.
O “estatuto estrangeiro” limita seus direitos civis, por exemplo, para a abertura de uma conta bancária. Como funciona?
Na França, para permitir a abertura de uma conta bancária, o banqueiro deve se certificar da identidade do seu cliente. Nesse contexto, a Legião veio a estabelecer uma nova parceria com o Crédit Agricole Alpes-Provence, que permite ao legionário sob identidade declarada possuir uma conta bancária e um cartão de débito.
Houve alguns incidentes infelizes no seio de suas unidades, sobre tratamentos degradantes. O que o senhor faz para evita-los?
Primeiro, devemos ser humildes e não penso que isso não possa acontecer novamente. É um combate permanente sobre o estilo de comando para todas as unidades do exército. Eu faço um esforço particular sobre os jovens tenentes: vocês não devem ser “mitos”? Procuro oficiais capazes de sentirem rapidamente que os legionários que abandonaram tudo têm grandes expectativas de seus superiores – e em particular que eles criem vínculos, respeito recíproco e confiança. Que as coisas fiquem claras: a Legião não está acima da lei! Não existe imunidade própria à Legião que nos permita ignorar leis e regulamentos. E eu não estou lá para encobrir erros de comando.
A Legião protege os legionários do seu próprio passado. Ou mais precisamente contra o passado que eles nos declararam no engajamento. Se o legionário se engaja dizendo que ele é procurado em seu país por um roubo de carro, é uma coisa. Mas se nós ficamos sabendo depois que ele também é procurado pela morte de cinco pessoas em sua cidade, é outra. E nós o entregaremos à Justiça.
Ainda não há mulheres na Legião?
Sim, existem alguns oficiais e graduados femininos – e as coisas vão muito bem. Mas o recrutamento estrangeiro não é aberto às mulheres. A formação básica exige muita intimidade. No primeiro mês, os homens vivem juntos em uma fazenda do 4º Regimento Estrangeiro. Essa pedagogia garante uma amálgama rápida e uma integração de todas as culturas.
A presença de mulheres provocaria tensões e ciúmes entre os legionários em um ambiente muito frágil. E a principal dificuldade virá da diferença de cultura e de abordagem, de um país a outro, com relação à mulher.
Todos os legionários se tornam franceses ao final do seu engajamento?
Eles devem primeiro expressar o interesse e esse não é sempre o caso. Alguns voltam para casa e não desejam permanecer na França. Cada legionário é livre para escolher. Em média, existem de 200 à 250 naturalizações por ano. Se levarmos em conta que 1000 homens se engajam a cada ano e que um terço se vai durante o primeiro ano, isso significa que um legionário em três se tornará francês. Desde 1999, existe uma lei, adotada por unanimidade, que permite aos feridos em operação e que desejam ter acesso total à nacionalidade francesa. Este é o princípio de adquirir a nacionalidade francesa “Par le sang versé” ("Pelo sangue vertido").
- Jean-Dominique Merchet é especialista em questões militares pelo Instituto de Altos Estudos de Defesa Nacional (Institut des Hautes Études de Défense Nationale – IHEDN).
Bibliografia recomendada:
Legião Estrangeira: Um brasileiro em suas fileiras. Luís Bouchardet. |
Tempos de Inquietude e de Sonho. Raul Soares da Silveira. |
A Legião Estrangeira. Douglas Boyd. |
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