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terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Primeira estátua de mercenários russos na África identificada na República Centro-Africana


Por Lukas Andriukaitis, DFRLab, 20 de dezembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de janeiro de 2024.

Fotos recentemente divulgadas confirmam uma nova estátua em homenagem aos mercenários russos no coração de Bangui, capital da República Centro-Africana

Fotos recentemente divulgadas revelam uma nova estátua em homenagem aos mercenários russos em Bangui, na República Centro-Africana (RCA), a mais recente de uma série de estátuas de mercenários previamente identificadas na Europa e no Oriente Médio.

Novas evidências de fonte aberta revelam que as empresas militares privadas russas (PMC) continuam as suas medidas de poder brando nos países onde conduzem operações. Em 28 de novembro de 2021, as primeiras fotos da estátua recém-erguida apareceram no Telegram e em outras plataformas de mídia social. O DFRLab acompanhou a instalação de estátuas russas de PMC durante vários anos, com exemplares anteriores encontrados na Ucrânia, Síria e Rússia. Este é o primeiro modelo de estátua a ser identificado na África e é significativamente mais complexo do que as estátuas anteriores.

O aparecimento da estátua de Bangui não surpreende, uma vez que estas estátuas continuam a aparecer em países onde os mercenários do Grupo Wagner estão presentes, geralmente perto dos locais onde foram documentados conduzindo operações. A nova estátua também surge na sequência de vários novos filmes de ação sobre os mercenários Wagner lutando na África sendo lançados na Rússia.

Intervenção militar, depois inauguração de uma estátua

Os PMC russos foram inicialmente convidados para a República Centro-Africana pelo governo da RCA para ajudar a conter o conflito interno em curso no país, o qual começou em 2012. Desde a assinatura de um acordo com Moscou em 2018, segundo várias estimativas, entre 1.200 e 2.000 soldados Wagner participaram em operações baseadas na RCA. Alguns especialistas sugerem que poderá haver até 3.000 soldados atualmente operando no país, mas o número real permanece desconhecido. O entusiasmo inicial pela intervenção mercenária durou pouco, à medida que começaram a circular relatos de estupros, assassinatos e outros crimes nas zonas rurais do país. A ONU informou anteriormente que “civis, forças de manutenção da paz, jornalistas, trabalhadores humanitários e minorias” foram em numerosas ocasiões “assediados e intimidados violentamente” pelas forças Wagner que operam na RCA.

A nova estátua russa da PMC apareceu pela primeira vez em Bangui em 28 de novembro de 2021. O próprio presidente da RCA, Faustin-Archange Touadéra, revelou a estátua recém-erguida, colocada sobre um tapete vermelho, com uma grande multidão de moradores locais observando a cerimônia. A cobertura da inauguração da estátua apareceu nos meios de comunicação locais, como o Nouvelles d’Afrique, e também foi amplamente coberta pela mídia russa. No entanto, a evidência visual mais convincente da nova estátua apareceu nas redes sociais.

Um dia antes, fotógrafos documentaram a estátua sendo içada por um guindaste.

Fotos distribuídas no dia 27 de novembro capturaram o processo de construção da estátua antes de sua comemoração oficial.

O DFRLab já identificou estátuas do Grupo Wagner que foram erguidas secretamente na Síria, na Ucrânia e na RússiaTodas eram idênticas, mostrando um soldado protegendo uma criança abraçada à perna do soldado. As duas primeiras foram identificadas em março de 2018 em Palmyra, na Síria, e Luhansk, na Ucrânia. A terceira estátua foi identificada em março de 2019 em Krasnodar, na Rússia. Estas estátuas confirmam a presença de atividade mercenária nestes países, uma vez que foram todas erguidas perto de locais onde foram conduzidas operações mercenárias russas significativas. Nestes casos, o Grupo Wagner lutou anteriormente contra o exército ucraniano na região ucraniana de Donbass e contra combatentes do EI em Palmyra, na Síria. Enquanto isso, Krasnodar hospeda o principal campo de treinamento do Grupo Wagner na Rússia.

A estátua do “soldado protetor” em Luhansk.

Fotos da mesma estátua do “soldado protetor” em Palmyra, na Síria.

Em contraste, a recém-inaugurada estátua da RCA é significativamente mais complexa, apresentando quatro soldados e uma mãe segurando dois filhos. A análise visual sugere que os dois soldados que estão na frente da estátua parecem ser mercenários russos, enquanto os dois soldados atrás e ao lado deles são membros das Forças Armadas Centro-Africanas (Forces armées centrafricainesFACA) da RCA. Análise semelhante foi expressa por outros pesquisadores de fonte aberta. Os mercenários russos assemelham-se muito aos soldados apresentados em estátuas na Ucrânia, na Síria e na Rússia, com joelheiras, botas, coletes, armas e equipamento adicional muito semelhantes.

Outra mudança em relação às estátuas anteriores é a forma como os mercenários apresentados na estátua da RCA parecem desempenhar uma função simbólica diferente. São apresentados como conselheiros ou instrutores militares, enquanto as tropas da FACA são retratadas como defensores ativos da mulher e dos seus filhos, que por sua vez representam o povo da República Centro-Africana.

Geolocalização

O DFRLab localizou geograficamente a estátua, já que nenhum dos artigos de notícias publicados ou postagens nas redes sociais forneceu uma localização concreta além de ser na capital, Bangui. As diversas fotos da estátua apresentaram uma visão de quase 360 graus do entorno do local, permitindo tanto a geolocalização quanto uma inspeção mais detalhada da própria estátua.

A principal pista da localização da estátua era uma área de assentos de um estádio, vista no fundo de uma das fotos. A cor verde clara das arquibancadas do estádio ajudou a acelerar o processo, limitando-o à área ao redor do estádio principal de Bangui, o Stade Barthélemy Boganda.

Geolocalização #1: Uma seção de assentos do estádio vista ao fundo (marcada em azul) ajudou a localizar geograficamente a estátua. A fachada do edifício (marcada em verde) na parte oeste do entroncamento confirmou a localização.

Um edifício da Université de Bangui com uma cobertura distinta, visível na parte norte do entroncamento, serviu como detalhe adicional de geolocalização.

Geolocalização #2: Os edifícios universitários (marcados em rosa e verde) atrás das estátuas se assemelhavam muito aos edifícios na parte norte do cruzamento.

Com base nesta análise, é possível confirmar que a estátua recém-erguida está localizada no coração de Bangui, sugerindo a importância e o valor simbólico da cooperação da FACA com os mercenários Wagner.

A localização da nova estátua identificada no centro de Bangui, República Centro-Africana.

Além disso, algumas das fotos publicadas mostram soldados brancos tirando fotos com membros das Forças Armadas Centro-Africanas. Esses indivíduos estão vestidos com um tipo de camuflagem que já foi identificada anteriormente em fotos de soldados Wagner na Líbia.

Fotos de indivíduos semelhantes a conselheiros russos da PMC tiradas ao lado da estátua recém-erguida.

Estátuas semelhantes provavelmente continuarão a aparecer em outros lugares à medida que a presença operacional do Grupo Wagner se expande, servindo como uma presença visual permanente de poder brando. Soldados Wagner foram relatados em Moçambique, na República Democrática do Congo e na Líbia, entre outros países africanos.

Sobre o autor:

Lukas Andriukaitis é diretor associado do Digital Forensic Research Lab (DFRLab).

Post-script: O filme Turista

Monumento do Grupo Wagner em Bangui.

O Grupo Wagner foi imortalizada no filme russo Turista, (Турист, 2021), que se passa na República Centro-Africana. A produção de filmes e outros meios midiáticos é uma nova frente de projeção de poder brando por parte da Rússia. O monumento segue exatamente a estética do filme, incluindo a mulher soldado de boina à direita dos demais soldados e protegendo os civis. Ela é a personagem Katrin, interpretada pela atriz centro-africana Flavie Gertrude Mbayabe.

A soldado Karin é ajudada por um mercenário Wagner no filme Turista, de 2021.

Flavie Gertrude Mbayabe


Trailer do filme Turista

quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Higienizando o Grupo Wagner: novo filme pinta o grupo mercenário russo como salvadores

Mercenário Wagner ajuda uma soldado da RCA em cena do filme Turista, de 2021.

Por Steve Balestrieri, SOFREP, 2 de junho de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 15 de setembro de 2021.

“Os americanos dizem que lutam pela democracia... os russos lutam por justiça.” Esse é o tema de Turista (Турист, 19 de maio de 2021), um filme de propaganda financiado, filmado e estrelado por membros do Grupo Wagner de Yevgeny Prigozhin.

Turista conta a história de um grupo de jovens conselheiros militares russos (mercenários Wagner) enviados à República Centro-Africana (RCA) na véspera das eleições presidenciais. Após uma violenta rebelião, eles defendem os moradores contra grupos de rebeldes assassinos.

O filme não menciona nenhuma das violações dos direitos humanos pelo Grupo Wagner

Tropas russas Wagner na República Centro-Africana atuando como destacamento de segurança presidencial.

Conspicuamente ausente no filme, estava a menção de uma infinidade de acusações de crimes de guerra e abusos dos direitos humanos que foram apontados contra mercenários Wagner desde que chegaram à RCA.

De acordo com um relatório de março de um grupo de especialistas independentes da ONU, os mercenários russos Wagner cometeram abusos aos direitos humanos na RCA enquanto lutavam ao lado de forças governamentais.

As supostas violações incluem execuções sumárias em massa, detenções arbitrárias, tortura durante interrogatórios e o deslocamento forçado da população civil, cerca de 240.000 dos quais fugiram de suas casas por causa dos combates nas últimas semanas. A Radio France Internationale (RFI) publicou uma importante investigação baseada nos documentos da ONU sobre as atividades dos mercenários Wagner na RCA. Os jornalistas relataram que “instrutores militares russos” estavam cometendo execuções extrajudiciais, estupros coletivos e saques.

No entanto, ao longo do filme, os mercenários russos são retratados como gentis e generosos. Simultaneamente, o filme frequentemente critica franceses e outros assessores ocidentais, retratando-os como espalhando instabilidade e caos na região.

“Os americanos dizem que lutam pela democracia... Os russos lutam por justiça”, diz um dos protagonistas do filme, enquanto os inspetores russos se preparam para proteger uma vila local.

Trailer


O diretor do filme, Andrey Shcherbinin - que usa o pseudônimo de Andrey Batov - tentou retratar a benevolência dos mercenários Wagner. Embora Shcherbinin tenha passado apenas alguns dias na RCA, ele retratou o ponto de vista russo.

Em uma entrevista à mídia, Shcherbinin disse que está preocupado com o futuro que aguarda as crianças da África Central. “A natureza não suporta o vácuo. Se não estivermos na RCA, outros estarão. Eu os vi lá. São pessoas absolutamente materialistas, que buscam seus próprios interesses. Eles não se preocupam profundamente com a África ou com essas crianças”, disse Shcherbinin. “Quando a população local vê um homem branco e ouve [ele] falando francês, dá para ver a repulsa em seus rostos. Mas assim que ouvem russo, começam a sorrir, vêm e cumprimentam [você]”, acrescentou.

Filme de propaganda de Prigozhin

De acordo com fontes citadas pelo The Moscow Times, Prigozhin é provavelmente o dinheiro por trás do filme Turista.

“Ninguém mais gostaria de financiar um filme desses”, disse uma fonte da indústria cinematográfica ao The Moscow Times.

O filme foi produzido por um estúdio relativamente desconhecido com sede em São Petersburgo, registrado sob a marca “Paritet Film”. Registros públicos russos mostram que a esposa de Prigozhin, Lyubov Prigozhina, é proprietária de outra empresa que foi anteriormente registrada com o nome de "Paritet" em São Petersburgo.

Uma captura de tela de um vídeo de mídia social parece mostrar membros do Grupo Wagner matando um homem na Síria. Eles são acusados de mais violações na RCA.

O filme foi exibido na televisão russa e para quase 10.000 locais na RCA no Estádio Barthélemy Boganda, localizado na capital da RCA, Bangui. Uma reportagem da mídia de Prigozhin afirmou que 70.000 pessoas se aglomeraram para ver o filme no estádio com capacidade para 50.000.

Muitos membros do elenco do filme estiveram recentemente envolvidos em outros filmes financiados por Prigozhin. Os extras são todos mercenários Wagner. O ator que interpreta o chefe dos assessores russos tem uma forte semelhança com Prigozhin. Outros membros do elenco e da equipe, incluindo dois produtores e o roteirista-chefe, trabalharam para um filme financiado por Prigozhin sobre um de seus principais assessores. E o elenco do filme conduziu extensas entrevistas com a Agência Federal de Notícias (FAN) - um meio de comunicação dirigido por Prigozhin.

Vladimir Petrov, um dos principais atores do filme, disse em uma entrevista à FAN que os atores receberam treinamento e ajuda de “profissionais russos em campo”.

A crescente influência da Rússia na nação africana

Cena do filme Turista.

Os créditos de abertura do filme, que foi filmado em março e abril de 2021 na RCA, dizem que foi inspirado pelos 300 instrutores militares russos servindo no país rico em recursos em apoio ao regime do presidente Faustin-Archange Touadéra, que a Rússia apoiou abertamente desde 2018.

Embora o filme diga que apenas 300 mercenários Wagner estão estacionados na RCA, a maioria dos analistas militares acredita que o Grupo Wagner tem mais de 1.000 homens no país. Além disso, a Sewa Security Services, outra companhia militar privada russa, supostamente hospeda mais 1.000 mercenários. E esses números estão aumentando. A RCA notificou o Conselho de Segurança da ONU que o país deve trazer 600 novos instrutores russos.

A influência russa na RCA cresceu a tal ponto que os mercenários russos fazem parte do destacamento de segurança do presidente e um ex-oficial de inteligência russo, Valery Zakharov, é o conselheiro de segurança nacional do presidente.

Prigozhin teria dito ao meio de comunicação russo Meduza que os mercenários russos na RCA “merecem fama e respeito. Eles são russos e temos orgulho deles”. Alegadamente, este filme de ação foi uma tentativa de Prigozhin de aumentar os esforços de recrutamento do Grupo Wagner, que está tendo problemas em conseguir os melhores recrutas.

Prigozhin, o magnata da restauração conhecido como "Chef de Putin", negou sistematicamente ter qualquer vínculo com o Grupo Wagner. Ele está enfrentando sanções por interferir nas eleições presidenciais dos EUA.

Steve Balestrieri atuou como graduado, sargento e Warrant Officer (sem equivalente no Brasil) das forças especiais antes que ferimentos forçassem sua reforma precoce.

Bibliografia recomendada:

The "Wagner Group":
Africa's Chaos in an Economic Boom.
Intel Africa.

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