quarta-feira, 15 de setembro de 2021

Paris ameaça Bamako com retirada militar por causa do acordo com a companhia militar privada russa Wagner


Por Laurent Lagneau, Zone Militaire Opex360, 15 de setembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 15 de setembro de 2021.

Fundada por Dmitri Outkine, um veterano do GRU (inteligência militar russa), com o apoio do empresário Evguéni Prigojine, um amigo próximo do Kremlin, a companhia militar privada (CMP) russa Wagner se estabeleceu na República Centro-Africana em 2018, depois que Moscou obteve autorização do Conselho de Segurança das Nações Unidas para entregar armas às Forças Armadas da África Central (FACa).

Em seguida, a proteção do presidente centro-africano, Faustin-Archange Touadéra, foi confiada a mercenários russos enquanto uma campanha de desinformação contra a França era montada. Além disso, Bangui assinou acordos de cooperação com Moscou.

No entanto, a CMP Wagner, que claramente tem interesse nos recursos minerais do país, faz mais do que treinar soldados das FACa... já que está envolvido na luta contra grupos rebeldes da África Central. Em junho, um relatório das Nações Unidas denunciou os abusos cometidos por estes últimos e seus "instrutores" russos, enquanto, ao mesmo tempo, Jean-Yves Le Drian, o ministro francês das Relações Exteriores denunciava uma "tomada de poder" em Bangui por mercenários russos.

Insígnia não-oficial de caveira do Grupo Wagner.

Este cenário se repetirá no Mali? Em todo caso, é o que sugere a informação da Reuters, confirmada por várias fontes. Assim, Bamako pretende assinar um acordo com a CMP Wagner para formar as Forças Armadas do Mali (FAMa) e para garantir "a proteção de personalidades importantes". Mas tais "serviços" não seriam gratuitos: trata-se de uma remuneração de pouco mais de 9 milhões de euros por mês e de um acesso privilegiado a três jazidas minerais (duas de ouro e uma de magnésio).

“O Mali pretende agora diversificar as suas relações a médio prazo para garantir a segurança do país. Não assinamos nada com [o Grupo] Wagner, mas estamos discutindo com todos”, disse o Ministério da Defesa do Mali, à frente do qual está o Coronel Sadio Camara, que havia completado um estágio na Rússia pouco antes do golpe de Estado de agosto de 2020 , do qual ele foi um dos atores. Mas "até agora nada foi assinado", acrescentou ele, respondendo a um pedido da AFP.

Que a Rússia esteja interessada no Mali, onde, a pedido das autoridades malinenses, a França destacou tropas para combater os grupos jihadistas que aí abundam, no âmbito da Operação Barkhane, alargada a todo o Sahel, não é surpresa. Desde a independência em 1961, Bamako estabeleceu laços estreitos com Moscou... Mas essa relação não sobreviveu à implosão da União Soviética trinta anos depois.

De qualquer forma, a perspectiva de ver mercenários russos desembarcando no Mali não agrada a Paris, que em junho anunciou uma reforma em seu aparato militar no Sahel. De fato, foi isso que Le Drian disse durante uma audiência perante o Comitê de Relações Exteriores da Assembleia Nacional em 14 de setembro.

“É absolutamente irreconciliável com a nossa presença. [...] Uma intervenção de um grupo deste tipo no Mali seria incompatível com a ação dos parceiros sahelianos e internacionais do Mali”, lançou Le Drian. “Eles se distinguiram no passado, particularmente na Síria, na República Centro-Africana, muitos com extorsões, predações, violações de todos os tipos [e] não podem corresponder a nenhuma solução”, lembrou então. Ele insistiu: “Na República Centro-Africana, isso causou uma deterioração da situação de segurança”.

Mercenários Wagner na República Centro-Africana, janeiro de 2021.

No mesmo dia, perante os deputados da Comissão de Defesa, a Ministra das Forças Armadas, Florence Parly, avaliou que "se as autoridades do Mali celebrassem um contrato com a companhia Wagner, seria extremamente preocupante e contraditório, incoerente com tudo o que empreendemos há anos e tudo o que pretendemos realizar em prol dos países do Sahel”.

Em seu discurso de abertura, a ministra lembrou que não havia dúvida de que a França se retiraria militarmente do Sahel.

“Não vamos sair do Sahel. Continuamos a luta contra o terrorismo. Estamos mantendo um sistema militar para continuar a apoiar nossos parceiros do Sahel, enquanto nos adaptamos à evolução da ameaça. A transformação ordenada pelo Presidente da República não é de forma alguma uma saída do Mali, mas uma reconfiguração das nossas forças para torná-las ainda mais operativas e eficazes. Recordo-vos que a instalação final das tropas francesas no Sahel continuará a contar com o compromisso permanente e consistente dos soldados franceses em conjunto com os nossos parceiros. Posso dizer que isso representará um esforço real, consistente e constante para nossos exércitos”, explicou Parly.

De qualquer forma, segundo uma fonte da AFP, a chegada da CMP Wagner ao Mali (fala-se de pelo menos mil mercenários) colocaria em causa o apoio americano às operações francesas, ou mesmo da União Europeia, com o Grupo de Forças Especiais Takuba. “Os Estados Unidos parariam tudo” e “alguns países europeus também poderiam decidir se desligar”, enfatizou.

Bibliografia recomendada:

The "Wagner Group":
Africa's Chaos in an Economic Boom.
Intel Africa.

Leitura recomendada:









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