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quarta-feira, 24 de agosto de 2022

VÍDEO: Nós marchamos por campos largos, o hino do ROA


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 24 de agosto de 2022.

"Nós marchamos por campos largos"

Hino do Exército Russo de Libertação (ROA), o Exército de Vlasov, com legendas em português.

O Exército Russo de Libertação (em alemão Russische Befreiungsarmee; em russo Русская освободительная армия/ Russkaya osvoboditel'naya armiya, POA/ROA). Conhecido como "O Exército de Vlasov", o ROA era um exército colaboracionista da Wehrmacht composto por russos e minorias étnicas recrutados principalmente nos lotados campos de prisioneiros e de um certo número de Ostarbeiter (literalmente "trabalhadores orientais", mão-de-obra escrava); além de alguns russos brancos emigrados. Esse corpo elevou-se a 50 mil homens.

Uma curiosidade do ROA é a Ordem nº 65 de Vlasov para prevenir a dedovshchina, o trote violento, no Exército de Libertação da Rússia, emitida em 3 de abril de 1945.

Arte militar dos Vlasovtsy,
por 
Jaroslaw Wrobel.

Letra:

Nós marchamos por campos largos,
Ao nascer do sol nos raios da manhã.
Estamos indo lutar contra os bolcheviques,
Pela liberdade da nossa pátria.

Marche para a frente, em fileiras de ferro,
Lute pela Pátria, pelo nosso povo!
Só a fé move montanhas,
Só a coragem pode libertar as cidades!
Só a fé move montanhas,
Só a coragem pode libertar as cidades!

Nós caminhamos ao longo dos fogos fumegantes
Pelas ruínas de sua terra natal,
Venha se juntar a nós no regimento, camarada,
Se você ama seu país como nós.

Marche para a frente, em fileiras de ferro,
Lute pela Pátria, pelo nosso povo!
Só a fé move montanhas,
Só a coragem pode libertar as cidades!
Só a fé move montanhas,
Só a coragem pode libertar as cidades!

Vamos, não temos medo de uma longa jornada,
Não uma guerra terrível.
Acreditamos firmemente em nossa vitória
E o seu, amado país.

Marche para a frente, em fileiras de ferro,
Lute pela Pátria, pelo nosso povo!
Só a fé move montanhas,
Só a coragem pode libertar as cidades!
Só a fé move montanhas,
Só a coragem pode libertar as cidades!

Em cirílico:

Мы идем широкими полями
На восходе утренних лучей.
Мы идем на бой с большевиками
За свободу Родины своей.

Марш вперед, железными рядами
В бой за Родину, за наш народ!
Только вера двигает горами,
Только смелость города берет!
Только вера двигает горами,
Только смелость города берет!

Мы идем вдоль тлеющих пожарищ
По развалинам родной страны,
Приходи и ты к нам в полк, товарищ,
Если любишь Родину, как мы.

Марш вперед, железными рядами
В бой за Родину, за наш народ!
Только вера двигает горами,
Только смелость города берет!
Только вера двигает горами,
Только смелость города берет!

Мы идем, нам дальний путь не страшен,
Не страшна суровая война.
Твердо верим мы в победу нашу
И твою, любимая страна.

Марш вперед, железными рядами
В бой за Родину, за наш народ!
Только вера двигает горами,
Только смелость города берет!
Только вера двигает горами,
Только смелость города берет!

Romanizado:

My idem shirokimi polyami 
Na voskhode utrennikh luchey. 
My idem na boy s bol'shevikami 
Za svobodu Rodiny svoyey.

Marsh vpered, zheleznymi ryadami 
V boy za Rodinu, za nash narod! 
Tol'ko vera dvigayet gorami, 
Tol'ko smelost' goroda beret! 

My idem vdol' tleyushchikh pozharishch 
Po razvalinam rodnoy strany, 
Prikhodi i ty k nam v polk, tovarishch, 
Yesli lyubish' Rodinu, kak my.

Marsh vpered, zheleznymi ryadami 
V boy za Rodinu, za nash narod! 
Tol'ko vera dvigayet gorami, 
Tol'ko smelost' goroda beret! 

My idem, nam dal'niy put' ne strashen, 
Ne strashna surovaya voyna. 
Tverdo verim my v pobedu nashu 
I tvoyu, lyubimaya strana.

Marsh vpered, zheleznymi ryadami 
V boy za Rodinu, za nash narod! 
Tol'ko vera dvigayet gorami, 
Tol'ko smelost' goroda beret!

Bibliografia recomendada:

Hitler's Russian & Cossack Allies 1941-45,
Nigel Thomas PhD e Johnny Shumate.

Leitura recomendada:

terça-feira, 2 de agosto de 2022

Falha de comando: Lloyd Fredendall e a Batalha do Passo de Kasserine


Por Dwight Jon Zimmerman, Defense Media Network, 14 de fevereiro de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 2 de agosto de 2022.

Como o major-general George S. Patton, o major-general Lloyd Fredendall estava “acima do morro” – uma exceção à idade limite que o chefe do Estado-Maior do Exército dos EUA, general George C. Marshall, tinha para comandantes seniores. Como Patton, Fredendall era um excelente treinador de homens. E, como Patton, Fredendall era um homem de quem grandes coisas eram esperadas, com Marshall descrevendo Fredendall como “um dos melhores”. Em 12 de novembro de 1942, o tenente-general Dwight Eisenhower, comandante supremo da Operação Tocha, para quem Fredendall comandou os desembarques da Força-Tarefa Central em Oran, escreveu a Marshall: minhas dúvidas anteriores sobre ele eram completamente infundadas.” Mas em fevereiro de 1943 na Tunísia, a reputação de Fredendall estava em ruínas, descrito pelo historiador Carlo d'Este como "um dos oficiais superiores mais ineptos para manter um alto comando durante a Segunda Guerra Mundial".

“De acordo com Harmon, Fredendall é um covarde físico e moral.”
— Maj. Gen. George S. Patton Jr., trecho do seu diário de 2 de março de 1943.

O que deu errado? A resposta curta é: tudo. O estudo do historiador Steven L. Ossad sobre as ações de Fredendall na Tunísia incluiu uma condenação de cinco pontos:
  • Fredendall “não conseguiu entender sua missão”
  • Ele “violou vários princípios básicos de comando incorporados na doutrina americana”
  • Ele “ignorou o profundo benefício que vem da aparência de bravura pessoal do líder”
  • Ele “esqueceu que o autocontrole é um pré-requisito absoluto para o comando”
  • Finalmente, “um comandante não pode cometer erros táticos fundamentais no campo e esperar sobreviver”.
Fredendall era um francófobo e um anglófobo inadequado para travar uma guerra de coalizão; um micro-gerente que contornava a cadeia de comando – dando ordens até o nível da companhia; um covarde, ele permitia que a animosidade com subordinados afetasse seu julgamento e minasse sua autoridade; e, finalmente, encarando a derrota nos olhos em Kasserine, ele tentou jogar a culpa nos outros.

O major-general Lloyd Fredendall tem a aparência de liderança nesta foto, mas suas falhas de comando durante a Batalha do Passo de Kasserine resultaram em desastre.
(Foto do Exército dos EUA)

A campanha aliada da Tunísia no oeste começou mal. Uma estrutura de comando fragmentada, um corpo francês mal equipado e a inexperiência americana contribuíram para o sucesso alemão no terreno em janeiro de 1943. Eisenhower teve a chance de acertar as coisas e aproveitou a oportunidade. Embora ele tenha consertado a situação de comando fazendo Fredendall e o general francês Alphonse Juin reportarem-se ao tenente-general Kenneth Anderson do Primeiro Exército britânico, ele não ordenou uma concentração das unidades blindadas dispersas da 1ª Divisão Blindada americana. Eisenhower sugeriu que eles fossem usados para realizar ataques no sul. Ele também não tomou providências em relação à má colocação defensiva das unidades, mesmo depois de ser informado de tais preocupações pelos comandantes em briefings na 1ª Divisão Blindada e no quartel-general do Comando de Combate A e nas inspeções das linhas de frente.

Um tanque M3 Lee da 1ª Divisão Blindada dos EUA avançando para apoiar as forças americanas durante a Batalha do Passo de Kasserine.

Homens do 2º Batalhão, 16º Regimento de Infantaria da 1ª Divisão de Infantaria dos EUA marcham pelo Passo de Kasserine e em direção a Kasserine e Farriana, na Tunísia, em 26 de fevereiro de 1943.
Depois que o major-general Ernest N. Harmon estabilizou a frente, o Exército dos EUA avançou.
(Foto do Exército dos EUA)

Enquanto isso, em vez de prestar atenção ao que estava acontecendo em sua frente de batalha, Fredendall concentrou-se na construção de sua sede localizada a pelo menos setenta milhas (alguns relatos afirmam cem milhas) da linha de frente. Um batalhão de engenheiros estava abrindo uma série de túneis nas profundezas da face rochosa de uma ravina para construir um quartel-general à prova de bombas. Chamado Speedy Valley, as tropas se referiam a ele como “o último recurso de Lloyd” e “Shangri-la, a um milhão de milhas do nada”. Ao contrário de Eisenhower, Fredendall nunca visitou a frente, contentando-se em direcionar desdobramentos com base em leituras de mapas. Suas ordens, emitidas pelo rádio, eram uma combinação de gírias e frases obscuras destinadas a confundir qualquer monitor inimigo. Infelizmente, os subordinados ficaram igualmente perplexos. O seguinte foi um exemplo típico:

"Em 14 de fevereiro, três horas após Eisenhower ter inspecionado as posições americanas nas passagens de Faïd e Maizila, forças alemãs, incluindo 140 tanques, atacaram. Na resultante Batalha de Sidi Bou Zid, o genro de Patton, o tenente-coronel John Waters, foi capturado."

“Mova seu comando, ou seja, os meninos ambulantes, armas que fazem pop, a unidade de Baker e a unidade que é o inverso da unidade de Baker e os grandões para M, o qual fica ao norte de onde você está agora, o mais rápido possível. Faça com que seus rapazes se apresentem ao cavalheiro francês cujo nome começa com J em um lugar que começa com D, que fica cinco quadrados à esquerda de M."

Em 14 de fevereiro, três horas após Eisenhower ter inspecionado as posições americanas nas passagens de Faïd e Maizila, forças alemãs, incluindo 140 tanques, atacaram. Na resultante Batalha de Sidi Bou Zid, o genro de Patton, o tenente-coronel John Waters, foi capturado.

Fredendall entrou em colapso, culpando os outros pelo crescente desastre. Em 20 de fevereiro, Eisenhower ordenou que o major-general Ernest Harmon, comandante da 2ª Divisão Blindada, fosse o vice-comandante do corpo de Fredendall. Quando Harmon chegou a Speedy Valley, Fredendall entregou a Harmon uma nota autorizando-o a assumir o comando. Então ele foi para a cama.

Prisioneiros americanos capturados no Passo de Kasserine marchando através de uma aldeia na Tunísia.

Harmon estabilizou a frente, uma situação auxiliada pelo fato de os alemães estarem recuando, embora ele não soubesse disso na época. Ao retornar à sede de Eisenhower, ele disse a Eisenhower que Fredendall “não era bom” e deveria ser demitido. Depois que Harmon rejeitou a oferta de comando do II Corpo, Eisenhower escolheu Patton.

Para manter o moral da frente doméstica alto, Fredendall voltou para as boas-vindas de um herói e uma terceira estrela. Ele passou o resto da guerra em missões de treinamento nos Estados Unidos, aposentando-se em 1946.

Leitura recomendada:

segunda-feira, 30 de maio de 2022

As origens da guerra subversiva, pelo General Alain Gaigneron de Marolles

GCMA na Indochina.
(Crédito: DR)

Pelo General Alain G. de Marolles, Theatrum Bellum, 1º de fevereiro de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de maio de 2022.

Centre Français de Recherche sur le Renseignement (CF2R),
entrevista em 1999 por Fabienne Mercier e Eric Denécé.

Especialista em ação político-militar e guerra subversiva, o General de Marolles (1927-2000) serviu toda a sua carreira em unidades especiais (comandos do Vietnã do Norte, 11º Regimento de Paraquedistas de Choque), tanto na Indochina quanto na Argélia, e no Serviço de Documentação e Contra-Espionagem (SDECE), do qual foi chefe do Serviço de Ação (1974-1979), e depois diretor de inteligência (1979-1981).

Entrevista originalmente publicada na revista Renseignement et opérations spéciales, nº 1, março de 1999, CF2R/L’Harmattan.

FM: General, qual foi, na sua opinião, o impacto das armas nucleares nas modalidades do confronto Leste-Oeste?

Não foi Yalta que manteve a Europa dividida em duas, apesar das crises e altos e baixos políticos, mas a ameaça atômica, que apareceu em Hiroshima. Foi somente após a vitória do mundo livre e do comunismo sobre o nazismo que o perigo das armas nucleares apareceu. Apesar de não ser mais utilizado, assumiu, com a teoria da dissuasão, um caráter mais político e diplomático do que militar. O conceito de dissuasão permitiu, de fato, conduzir tensões ou crises de acordo com as novas regras da “paz atômica”. A filosofia da guerra, conforme descrita por Clausewitz, não fazia mais sentido entre potências com armas atômicas.

Surgiu assim o fenômeno da “santuarização”. Tornou os territórios nacionais das potências atômicas, santuários e suas aproximações ar-terra e ar-marítimas em glacis invioláveis. Com isso, confirmou-se a estabilidade no hemisfério norte, que pôde assim acelerar seu desenvolvimento sob o abrigo desse novo tabu. Um certo relaxamento nasceu dessa situação, até mesmo um certo entendimento e cooperação entre sistemas sociais e políticos opostos, capitalismo e comunismo.

As lutas ideológicas e políticas entre esses dois blocos, que permaneceram antagônicas, continuaram, se não amplificadas. O mundo encontrava-se num estado de “não-guerra” que não era a paz, mas a continuação de um confronto noutro terreno, o da conquista das mentes. As armas nucleares não favoreceram a paz universal: transformaram a natureza dos conflitos e transferiram os locais de seu desenvolvimento.

FM: Como a estratégia soviética se adaptou a esse novo contexto durante a Guerra Fria?

Forças especiais soviéticas em Angola, 1985.

O extraordinário sucesso da recuperação econômica no mundo ocidental após a guerra não permitiu que a União Soviética lançasse movimentos revolucionários nos países do mundo livre. Na Europa, a ação revolucionária sob influência ou direção comunista foi um fracasso, porque se baseou nas possibilidades de desenvolvimento de crises econômicas e conflitos internos nos países industrializados. Paradoxalmente, o fracasso do sistema socialista dentro do bloco comunista da Europa Oriental levou o Kremlin ao revisionismo. Como resultado, Moscou adotou a política de coexistência pacífica com as democracias ocidentais, ao mesmo tempo em que elaborava uma estratégia para contornar e enfraquecer o Ocidente. Assim, os soviéticos empreenderam um movimento de virada na direção dos países do Terceiro Mundo.

O impulso revolucionário provocado pela descolonização gerou uma corrente ideológica e política de dimensão internacional. Os erros das metrópoles muitas vezes orientaram os movimentos de independência para a luta armada e não para soluções negociadas e esses erros foram explorados pelo mundo comunista. Abriu-se então um conflito entre o Oriente e o Ocidente no Hemisfério Sul. Mas, enquanto o marxismo-leninismo previa o nascimento de situações revolucionárias nas áreas urbanas e operárias, foi paradoxalmente nos países subdesenvolvidos, essencialmente rurais e camponeses, que eles apareceram, imediatamente explorados por Moscou.

Em suma, a estratégia soviética – uma estratégia indireta – foi construída em torno da manutenção da “paz atômica” no Hemisfério Norte e do desenvolvimento da ação revolucionária no Hemisfério Sul. Foi adaptado ao desenvolvimento do impulso insurrecional devido à descolonização, abrindo assim um vasto teatro de operações para guerras limitadas, mas gradualmente estendidas a todo o hemisfério sul. A URSS perseguiu seus objetivos combinando a dissuasão e a arma da revolução internacional, a paz atômica e a guerra revolucionária, constituindo os dois pilares fundamentais de sua estratégia global.

FM: Nesse período, quais eram os modus operandi preferidos dos soviéticos?

Todas as formas possíveis de ação foram empregadas, da agitação indireta à luta armada. Porque a ação revolucionária se desenvolve segundo dois processos distintos, que podem ser combinados, sucessivos ou alternados: ação política e ação armada.

A subversão política vai da luta não violenta à agitação. Pretende condicionar as massas a temas previamente escolhidos, através da propaganda e da ação psicológica, para desenvolver as diferentes motivações de resistência e luta contra os poderes estabelecidos. Nessa atmosfera favorável, o aparato de agitação cria perturbações paralisando o oponente por meio de ações apropriadas (greves, sabotagens, manifestações etc.). Resta apenas ao aparelho oficial do partido revolucionário reivindicar o poder legalmente, se não legitimamente. Esse processo, iniciado por estrategistas soviéticos e pelo próprio Lenin durante a Revolução de Outubro, foi geralmente imaginado em áreas industrializadas e urbanas.

Desfile da vitória do Exército de Libertação do Povo Chinês com blindados capturados do KMT, 1949.

A ação armada busca, por sua vez, a contradição tática e estratégica que o adversário não poderá resolver e que, cada vez mais, ultrapassará o limiar de suas possibilidades. Supõe-se que se concentrar suas forças, perde terreno e se dispersar, perde poder. A ameaça revolucionária armada obriga o adversário a assegurar a proteção das cidades a nível local e das áreas urbanas a nível nacional, obrigando-o assim a estabelecer uma grelha política, administrativa e militar, dentro da qual se criam intervalos onde não se pode manter o controle permanente, tanto a nível regional como ao longo de todo o território do país. A ação armada é geralmente localizada em regiões rurais e subdesenvolvidas. Foi desenvolvido notavelmente por Mao Tsé-Tung, durante a Guerra de Libertação da China, e levou à sua vitória em 1949. Foi esta mesma estratégia que permitiu ao General Giap superar o Corpo Expedicionário Francês durante a Primeira Guerra da Indochina.

A guerra subversiva, cujo objetivo era revolucionário, serviu aos objetivos do Kremlin e se beneficiou do apoio externo psicológico, político, diplomático e até material das potências comunistas e seus satélites progressistas. O apoio assim concedido tornou a rebelião dependente do comunismo internacional. O objetivo perseguido era forçar o inimigo a negociar ou capitular sob a crescente influência da opinião pública e de governos estrangeiros. Foi assim que a França, que havia vencido a parte militar na Argélia, teve que desistir da luta por pressão internacional. Foi em parte o mesmo para os americanos no Vietnã, que foram forçados a abandonar os sul-vietnamitas à sua sorte, sob a influência do resto do mundo e de sua própria população.

FM: Nesse contexto, qual era o papel da inteligência e das operações especiais?


Nesse contexto, os serviços secretos soviéticos foram chamados a desempenhar um papel essencial, tanto em termos de inteligência quanto de ação. Porque para atingir o objetivo de paralisar o adversário sem destruí-lo, por meio da conquista ideológica, eles tinham a tarefa de analisar as situações para determinar aquelas que melhor se prestavam à guerra insurrecional. Coube-lhes, então, treinar, instruir e assessorar no nível político-militar – sem intervir diretamente – os quadros que liderariam a ação, prestando assessoria estratégica e logística.

O nascimento e o desenvolvimento da ação revolucionária dos serviços especiais correspondem cada vez à existência de fatores locais e internacionais favoráveis, que constituem um conjunto de condições necessárias e suficientes:
  • No local, um forte e generalizado sentimento de oposição, senão resistência aos poderes estabelecidos;
  • A existência de um núcleo ativo dirigido e organizado de acordo com os padrões da ação clandestina e capaz de realizar a ação na forma escolhida;
  • Um enfraquecimento do poder estabelecido, após retrocessos que podem ser considerados como presságios de sua queda;
  • Obtenção de sucessos iniciais e a impossibilidade de o adversário poder respondê-los de forma eficaz;
  • Uma situação internacional favorável que permita desenvolver apoios externos que vão desde o apoio moral e diplomático ao apoio material;
  • A existência de um país vizinho capaz de servir de base externa de apoio e “refúgio” em caso de insurreição armada.
Se aceitarmos que a guerra revolucionária é sobretudo a luta dos fracos contra os fortes, dos pobres contra os ricos, da geração em ascensão contra a geração existente, é óbvio que só pode triunfar na medida em que os serviços especiais consigam adaptar a ação a esta realidade fundamental. Para isso, dez princípios básicos devem ser colocados em prática:
  • O uso do engano e todas as formas de ação não convencional sem limitação ou regra;
  • Uma luta predominantemente ideológica, cujas ações visam um objetivo psicológico e político, cujo objetivo é a conquista das mentes e da população e não a do terreno;
  • O estabelecimento de organizações de militantes e simpatizantes engajando as massas em torno de uma causa popular, capazes de conduzir uma luta psicológica, política e militar contra as forças públicas cuja eficácia se limita à manutenção da ordem física;
  • O isolamento dos poderes estabelecidos por meio de ações subversivas tendentes a desenvolver sentimentos de insegurança e culpa no nível de responsáveis intermediários;
  • Uma luta longa e latente, feita de operações descontínuas, de intensidade e formas variáveis, visando desgastar o adversário evitando a destruição de suas próprias forças antes da fase final;
  • Uma ação adaptada às circunstâncias e que vai da luta indireta não violenta à luta armada e direta, adotando todas as formas intermediárias exigidas pelas situações particulares;
  • A organização de inteligência e ligação para estar informado sobre tudo e todos em tempo hábil, para agir com segurança e estar protegido em todos os momentos;
  • Uma intendência que se submeta às regras da logística clandestina que a precede em vez de segui-la, como é normal nas forças convencionais;
  • A implementação de materiais e métodos rústicos cuja eficácia não possa ser contrariada por meios convencionais ou de destruição maciça;
  • A organização de apoio externo e uma zona de refúgio de um país vizinho em caso de desenvolvimento da organização armada.

FM: Quais paradas são possíveis de se oporem à ação revolucionária?

A guerra revolucionária é uma guerra popular, resultado de um ato civil e voluntário, que deve ser baseado no consentimento das massas. É necessário para o sucesso do empreendimento que as motivações que levaram as populações à luta sejam identificadas com o seu reflexo conservacionista. A partir de então, o adversário só pode destruir os rebeldes, mas nunca as causas da rebelião, não tendo suas ações o efeito de extinguir a insurreição, mas, ao contrário, de desenvolvê-la.

A ação mais sábia consiste em minimizar os fatores favoráveis ​​ao nascimento e desenvolvimento desse tipo de ação. É então necessário atacar resolutamente as causas da rebelião, evitando provocar as populações, senão os próprios rebeldes. Quando já é tarde para que esta política seja levada a cabo com sucesso, é indispensável pôr em prática todos os meios susceptíveis de impedir que a rebelião desenvolva um "núcleo ativo" capaz de desencadear a sua ação e de obter êxitos iniciais contra os quais as "forças da ordem" não poderão responder de imediato com eficácia. Caso essas duas condições não possam ser satisfeitas, trata-se de provocar, por meio de uma ação diplomática adequada, a “não interferência” internacional e a “não intervenção” dos países vizinhos. De fato, no caso em que a insurgência se beneficia de apoio externo, o limite da resposta é frequentemente ultrapassado e o fracasso parece inevitável.

FM: Diante dessas ações soviéticas, qual foi a resposta dos Estados Unidos para circunscrever a extensão da subversão no Terceiro Mundo?


A força da ideologia liberal e democrática dos Estados Unidos, o apoio das forças anticomunistas no mundo, a superioridade tecnológica e uma estratégia baseada na dissuasão nuclear formaram as bases da política planetária de Washington diante da ameaça soviética.

Ao contrário dos serviços especiais soviéticos, os serviços americanos tiveram apenas um papel de parada, no âmbito da resposta global idealizada por Washington e que consistiu em conter o impulso soviético até o fracasso do modelo econômico socialista ser significativo o suficiente para desafiar o poder ofensivo de Moscou. Os Estados Unidos queriam manter o estado de não-guerra restaurando o equilíbrio entre as forças nucleares e decidiram se opor a qualquer extensão da subversão. Os americanos também queriam cortar a URSS de fontes estrangeiras de tecnologia, como mostraram com o caso do gasoduto siberiano.

A estratégia da guerra contra-revolucionária levou os Estados Unidos a fortalecer as capacidades de resistência dos países supostamente alvos da subversão. Eles forneceram ajuda econômica e militar. No Oriente Médio, eles optaram por apoiar a Arábia Saudita, os Emirados do Golfo e Israel. Na África, eles estavam ajudando o Egito e o Marrocos. Na América Latina, eles apoiaram sistematicamente todos os governos anticomunistas, qualquer que fosse sua natureza. Na Ásia, eles prestaram assistência a Estados tão diferentes quanto Paquistão, Tailândia, Taiwan e Coreia do Sul.

Para manter os regimes que lhes eram favoráveis, os Estados Unidos empreenderam uma ação econômica cuja consequência, senão o objetivo, foi criar sociedades de tipo ocidental próximas às suas, especialmente nas capitais e grandes cidades que constituíam centros urbanos que constituíam zonas urbanas cada vez mais populosas, em detrimento das regiões agrárias. Essa política deu origem a elites cada vez mais americanizadas. Estes naturalmente exerciam o poder econômico e político mantendo-se na órbita dos Estados Unidos e o exército era necessário para defender a existência de seus regimes. A formação de quadros militares, o intercâmbio técnico e o fornecimento de equipamentos tornaram essas forças dependentes dos Estados Unidos e as mantiveram sob sua influência. É claro que esses exércitos constituíam o instrumento privilegiado de combate à ameaça revolucionária.

FM: Os episódios de enfrentamento dessas estratégias permitem estabelecer uma periodização da Guerra Fria?

Tropas do Viet Minh fincam sua bandeira sobre o quartel-general francês capturado em Dien Bien Phu (imagem do filmógrafo soviético Roman Karmen).

Na verdade, existem três períodos. Este conflito começou na Indochina durante a tentativa de reconquista da antiga colônia pelos franceses. Esta primeira fase terminou com a derrota de Dien Bien Phu, que se tornou um fracasso do mundo livre e uma vitória do mundo comunista. Essa situação era ainda mais significativa, e seu alcance ainda maior, pois os comunistas haviam acabado de tomar a China em 1949 e haviam mantido os americanos sob controle na Coréia. Seu sucesso na Ásia assumiu, portanto, a dimensão de uma vitória na escala de um continente.

Em 1955, a conferência de Bandung permitirá concretizar o nascimento de um Terceiro Mundo resultante do desaparecimento dos impérios francês e inglês. Os erros das potências coloniais contribuíram para opor o movimento “não-alinhado” contra eles e dar-lhe uma orientação desfavorável ao mundo livre como um todo. Essa situação deu ao Kremlin a oportunidade de aproveitar essa alavanca notável. Essa escolha permitiu que os soviéticos aparecessem como apoiadores das lutas dos pobres contra os ricos. Moscou também se posicionou com as jovens elites intelectuais e políticas rejeitando a tutela das gerações existentes que se acomodaram ao colonialismo. Além disso, os soviéticos aproveitaram habilmente a nova situação para beneficiar-se de um preconceito favorável na consciência universal atingida pela legitimidade dos combates travados e pelo caráter irreversível do movimento pela emancipação dos povos de cor. Por outro lado, o mundo livre encontrava-se no “lado errado”, que foi usado e desenvolvido psicológica e politicamente para lhe dar uma “má consciência”. A evolução desta situação perturbou fundamentalmente os dados políticos e diplomáticos do problema, bem como a situação mundial, provocando uma grande viragem nas relações internacionais. Então, gradualmente, a força neutralista desapareceu atrás do Leste-Oeste cara a cara. Este período é caracterizado pela segunda vez pelo fracasso do mundo livre, com a expedição de Suez, a proclamação da independência da Argélia e o desenvolvimento de conflitos entre Israel e os países árabes. Acima de tudo, terminará com a grande derrota dos americanos. A retirada do Vietnã em 1973, após um combate massivo, e depois a queda de Saigon em 1975, após uma guerra de dez anos, provaram ser derrotas ainda maiores do que a dos franceses em 1954. Este desastre, chegando ao mesmo tempo que o escândalo de Watergate, marcou a retirada americana das relações internacionais, o recuo estratégico de Washington e o desejo de não mais bancar o "policial mundial".

Comandos navais franceses no Porto Said, no Egito, posando com um retrato do presidente Gamal Abdel Nasser, 1956.

A terceira fase deste confronto entre Oriente e Ocidente coincidiu substancialmente com a adesão de Leonid Brezhnev. Começou em 1975 com o fim da Segunda Guerra da Indochina. A URSS considerou que a estrada estava agora aberta para intervenções mais diretas, até então estritamente proibidas. Aproveitando ao máximo essa situação, aproveitando-se da dissuasão nuclear, Moscou tirou um pouco a máscara, conduzindo descaradamente uma guerra de movimento no Terceiro Mundo. Aproveitando os acontecimentos em Portugal em 1975, os soviéticos intervieram em Angola e Moçambique para apoderar-se dos despojos coloniais de Lisboa. Desta vez, não hesitaram em engajar uma força expedicionária cubana para forçar o destino com mais segurança e tornar a nova situação irreversível. A instalação de uma potência favorável em Luanda e Maputo permitiu-lhes simultaneamente assegurar uma base alargada na direção da África Central e Austral, bem como do Atlântico Sul e do Oceano Índico. Assim como lhes oferecia a oportunidade de exercer controle sobre matérias-primas estratégicas essenciais para o desenvolvimento da indústria ocidental. A infiltração no Zaire e a desestabilização deste país, a pedra angular essencial da África Central, tornaram-se possíveis; mas fracassou graças às ações da França em 1977 e 1978. O engajamento militar dos soviéticos na Etiópia em 1977 deu-lhes a possibilidade de soprar um peão dos ocidentais e se estabelecer em uma zona estratégica de primordial importância em contato com o Oceano Índico e o Mar Vermelho. O estabelecimento de uma base no sul do Iêmen foi outro trunfo para tirar os aliados árabes do Ocidente pela retaguarda e ameaçar suas comunicações com as fontes de energia localizadas na região. A URSS procurou assim claramente contornar a Europa através da África. Finalmente Moscou, que não conseguiu conquistar o Afeganistão através da guerra revolucionária, apesar da organização de três sucessivos golpes de estado (1973, 1978, 1979) - que não despertaram nenhuma reação do Ocidente - decidiu montar uma operação militar para tomar o país. E multiplicaram-se os exemplos de uma estratégia soviética cada vez mais direta.

No entanto, os sucessos alcançados por essas intervenções têm sido gradualmente limitados. O relativo abandono da estratégia indireta trouxe gradualmente à luz uma nova situação que se assemelha a uma espécie de impasse. A entrada dos soviéticos na África a partir de 1975 chamou a atenção, mas, na realidade, Moscou não alcançou os resultados esperados. Porque apesar de um erro de avaliação por parte dos Estados Unidos da estratégia soviética na África, o Ocidente conseguiu reverter a situação a seu favor. Com a era Brejnev, após a vitória do Vietnã, Moscou viu o processo do qual ele era o instigador se voltar contra ele. Na década de 1970, os ocidentais alcançaram o domínio estratégico – e não mais apenas tático – das técnicas revolucionárias soviéticas em Angola, no Chifre Oriental da África e no Afeganistão.

ED: Durante os conflitos em que esteve envolvida nesse período, como a França se organizou para lidar com o fenômeno da guerra revolucionária?

Durante a Guerra da Indochina, o Exército Francês utilizou unidades especiais ao lado de suas forças convencionais, a fim de poder montar operações não-clássicas com mais facilidade. Por outro lado, a ação clandestina estava quase ausente. O Alto Comando na Indochina organizou as suas próprias forças especiais recorrendo à experiência de quadros de unidades deste tipo existentes na França continental, nomeadamente o 11º de Choque. Este último, herdeiro do ramo operacional do BCRA, era então o braço armado dos serviços especiais e dependia para o emprego do Serviço de Ação (Service Action).

Comandos navais franceses e vietnamitas na costa norte de Anam, na Indochina, 1953.

As forças especiais da Indochina incluíam dois ramos distintos:
  • O GCMA (grupo de comandos aerotransportados mistos) cuja missão é supervisionar os maquis, constituído na maior parte por populações minoritárias que operam na zona do Vietminh.
  • Os comandos, especialmente os do Vietnã do Norte, cuja missão era inteligência para os chamados comandos de "intervalo", e ataques profundos em zonas inimigas para os comandos de choque e os comandos de desembarque.
O GCMA alcançou resultados de importância estratégica ao imobilizar grandes forças do Vietminh. Estimou-se no final da guerra que esses maquis ainda neutralizavam uma a duas divisões vietnamitas, enquanto ele só tinha um quadro de algumas dezenas de oficiais e suboficiais. Ao mesmo tempo, os comandos de choque e os comandos de desembarque conseguiram criar insegurança nas áreas controladas pela organização político-militar do adversário, obtendo também resultados táticos e psicológicos significativos.

Durante a guerra da Argélia, um grupo de marcha da 11ª Meia-Brigada de Paraquedistas de Choque foi colocado à disposição do Comandante-em-Chefe e o Serviço de Ação foi engajado na luta contra a logística externa da FLN. A recuperação, pelo 11º de Choque, de 4.000 combatentes de origem messalista (MNA), dentro de uma rebelião de 24.000 homens armados, foi o melhor exemplo de uma operação político-militar realizada por forças especiais. A infraestrutura de uma organização político-militar de 30.000 simpatizantes em torno desses 4.000 combatentes que controlam 80.000 km² no centro da Argélia, cortando o aparato da FLN em dois, contribuiu para polarizar a maior parte das forças regulares da FLN, liberando as forças de intervenção francesas e colocando-as em posição de liderar a luta para fechar as fronteiras da Tunísia e do Marrocos. Este resultado indireto de importância estratégica no nível militar poderia, sem dúvida, ter sido explorado politicamente se esse episódio tivesse ocorrido em outro momento que não o final da Quarta República. A revista "Historia", em edição do início do ano, fez uma interessante análise dessa operação que geralmente é pouco comentada. Ao mesmo tempo, o Serviço de Ação, ao permitir a captura e destruição de um grande arsenal - o dobro do recuperado pelo exército no terreno - obteve um resultado crucial.

No entanto, devido às consequências dos eventos ligados ao fim da guerra da Argélia (golpe dos generais, OEA), o 11º BPC foi dissolvido em 1963 e o Serviço de Ação foi gradualmente suspenso, mantendo apenas as atividades de instrução.

Insígnia do Régiment Parachutiste de Choc (11e RPC).

A década de 1970 viu a ressurreição da "Ação" não-convencional francesa, que então atingiu seu verdadeiro auge. Com efeito, a década de 1970 foi um período particularmente favorável à continuação da guerra por outros meios, no quadro da confrontação bipolar Leste-Oeste através de intermediários. O Serviço de Ação se tornará então o meio capaz de estender a ação política, psicológica, diplomática e militar para além dos limites impostos a outros aparatos governamentais convencionais. Será organizado de acordo com uma nova doutrina adaptada a esta situação e incluirá:
  • uma central do Serviço de Ação, com pessoal e direção, capaz de projetar e conduzir operações complexas nas diversas áreas acima elencadas;
  • um aparelho clandestino capaz de realizar ações invisíveis graças às suas infraestruturas secretas, que nunca existiram antes;
  • uma força especial conjunta (unidades paraquedistas, recursos aéreos e marítimos) cuja missão é realizar ações de comandos não-clássicas e operações político-militares indiretas.
Judiciosamente usada pelos governos da época, em benefício de serviços especiais para ação invisível, bem como para exércitos para operações militares, o Serviço de Ação desempenhou um papel predominante no confronto Leste-Oeste na África e no Oriente Médio, muitas vezes contribuindo decisivamente para os fracassos da União Soviética em um momento em que os Estados Unidos foram neutralizados pela derrota do Vietnã, Watergate e o fracasso em libertar reféns americanos no Irã.

ED: Uma certa confusão parece existir em termos de doutrina de guerra especial e ação clandestina. General, você que comandou o Serviço de Ação e suas unidades especializadas, como caracterizaria essas diferentes áreas e suas diferenças? Como estão organizados nos diferentes países que os utilizam?


A Ação em questão aqui é uma ação não-convencional, ou seja, um modo de intervenção que nada tem a ver com o quadro clássico. É, de fato, a extensão da ação política, diplomática, psicológica ou militar para além das fronteiras e dos modos usuais de ação. É o campo de ação do invisível e do indireto através da ação dos intermediários. A ação não-convencional consiste em duas partes:
  • A ação invisível, domínio do aparelho clandestino;
  • A ação especial, paramilitar ou político-militar, domínio das forças especiais.
O aparelho clandestino atua sozinho ou em benefício das forças especiais, a montante ou a jusante, para a preparação e extensão das operações. As forças especiais só podem ser eficazes se contarem com o apoio desse indispensável aparato clandestino. Cada um dos dois componentes da Ação - aparato clandestino e forças especiais - deve ter seus próprios meios de inteligência, segurança e contra-inteligência. A especificidade da ação especial e, portanto, de contar com apoio clandestino ou político-militar, o que as forças militares convencionais não fazem.

As ações especiais podem ser de dois tipos:
  • Direta: intervenção no apoio e na relação com os serviços especiais (ex. Entebbe e Kolwezi);
  • Indireta: são, então, conduzidas em conjunto com as forças político-militares indígenas, de acordo com regras específicas de intervenção.
Com efeito, a assistência a um movimento amigo, que consiste em aconselhamento, instrução e logística, nunca dá lugar à supervisão (acompanhamento de combate). Todos os países seguem esta regra. Se um destacamento operacional com um volume de trinta a quarenta especialistas, for capaz de suportar um movimento de cerca de 3.000 a 4.000 partisans efetivos, numa população de um milhão de habitantes, ele nunca sairá da sua retaguarda, isto é, do país vizinho o teatro de operações que serve de santuário para ele aconselhar, instruir e organizar a logística do movimento que está apoiando. Neste tipo de missão, as fronteiras nunca são atravessadas pelos homens das forças especiais. A única situação em que uma missão de fiscalização de combate pode ser confiada a uma força especial é a intervenção em benefício de um Estado soberano que visa uma insurreição, ou seja, quando se trata de uma contraguerrilha.

Legionários com um oficial nigerino no Forte de Madama, no Níger.

A natureza de suas missões exige que os homens das forças especiais tenham uma verdadeira cultura política. Na medida em que tenham que trabalhar com civis e militares, devem ter um forte senso político e um bom conhecimento de línguas e culturas estrangeiras, além de geopolítica. Além disso, as forças especiais devem obrigatoriamente ser compostas por quadros (oficiais e suboficiais), pois uma vez em campo, os homens operam em pequenas equipes e devem demonstrar grande capacidade de iniciativa. Eles devem, portanto, ter um potencial intelectual e mental adaptado à sua missão, porque os eventos nunca evoluem no terreno como se imaginava. É preciso saber reagir, decidir e se adaptar.

Em termos de organização do Serviço de Ação no sentido que a entendemos aqui, há duas possibilidades, cada uma com vantagens e desvantagens:
  • A primeira corresponde à concepção que prevaleceu ao longo da década de 1970 na França e ainda parece prevalecer na Grã-Bretanha e em Israel. Oferece uma organização onde a complementaridade entre o aparelho clandestino e as forças especiais é assegurada organicamente por uma central do Serviço de Ação. Esta escolha tem a vantagem de garantir a consistência global e evitar a multiplicação de recursos. Por outro lado, esta solução tem a desvantagem de criar uma rivalidade entre o aparelho não convencional e as forças regulares, alguns até parecem ver nela uma falta de transparência perigosa para a democracia;
  • A segunda é a que vigora nos Estados Unidos e que foi adotada há alguns anos na França. Confia o aparelho clandestino aos serviços especiais e as forças especiais aos exércitos. Essa fórmula tem a vantagem de oferecer mais transparência, mas essa separação de tarefas traz desvantagens na prática. Com efeito, os exércitos e os serviços secretos, incumbidos cada um de uma parte das tarefas horizontalmente integradas, tendem a reconstituir para seu uso um sistema completo, naturalmente menos eficaz. Os fracassos dos americanos durante o desembarque na Baía dos Porcos ou a tentativa de libertar os reféns no Irã podem ser parcialmente explicados por esse defeito estrutural.
General Alain Gaigneron de Marolles

Bibliografia recomendada:

A história secreta das
FORÇAS ESPECIAIS.
Éric Denécé.

Vídeo recomendada:

Yuri Bezmenov - Teoria da Subversão

sexta-feira, 25 de março de 2022

FOTO: A Filha do General

Formandos de um curso de oficiais da Força de Defesa de Israel, 1º de agosto de 1957.
A primeira à direita é Yael Dayan, filha do General Moshe Dayan.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 25 de março de 2022.

Yael Dayan nasceu em Nahalal, atual Israel, durante a era do Mandato Britânico da Palestina em 12 de fevereiro de 1939. Ela era filha do famoso general israelense Moshe Dayan e neta do sionista Shmuel Dayan, ambos pais fundadores do Estado de Israel.

Yael está portando um fuzil Mauser durante a cerimônia, armamento típico da Força de Defesa de Israel de 1948 até a padronização com o FAL nos início dos anos 50, relegando o fuzil a funções cerimoniais. Os israelenses conseguiram muitos fuzis Mauser da FN Herstal, o blog tratou desse assunto aqui.

Na Guerra dos Seis Dias (1967), a Tenente Yael Dayan serviu na unidade de comunicação social do estado-maior da divisão de Arik Sharon e escreveu um diário da sua guerra no Sinai contra os egípcios. Ela publicou cinco romances, bem como uma biografia de seu pai chamada My Father, His Daughter (Meu Pai, Sua Filha). Ela escreveu um livro de memórias da Guerra dos Seis Dias chamado Israel Journal: June 1967 (Diário de Israel: junho de 1967), também intitulado como A Soldier's Diary e traduzido no Brasil como "Diário de um Soldado".

Yael Dayan ao lado do seu pai Moshe Dayan nos dias que antecederam a ofensiva do Sinai, 1967.
O General Moshe Dayan era então o Ministro da Defesa.

Embora ela mesma não tenha entrado em combate, pois esta não era a sua função, ela esteve próxima da ação e observou as operações de perto, ao lado dos militares que comandavam as ações. De particular importância foi a tomada da fortaleza de Umm Qatef em Abu Agheila, a noz dura que ancorava o sistema de defesa egípcio. O exército de Nasser então passou à debandada em pânico em direção ao Canal de Suez, uma catástrofe militar para o Cairo. A tão a
lardeada "Força Shazly", que deveria ter atuado como reserva estratégica, deu as costas e fugiu para o Egito africano ao invés de contra-atacar o rompimento em Umm Qatef-Abu Agheila.

Os egípcios tinham 80 tanques T-34 defendendo a fortificação, e tanques Sherman e Centurion espalhados pelo Sinai. Havia também os pesados tanques IS-3, que eram impermeáveis na blindagem frontal. O Egito ainda possuía os então novíssimos T-55, muito mais modernos que os tanques israelenses. Ainda assim, a manobra e violência da ação dos israelenses nocauteou os árabes. O exército egípcio no Sinai esfacelou-se, com grandes números de soldados zanzando pelo deserto e sendo feitos prisioneiros pelos israelenses. Yael descreve a situação em Nakhl, no centro do deserto do Sinai:

"Nakhl é uma região esquecida por Deus, não obstante possuir abundância de água. Vocês precisavam provar a água! É malcheirosa, enjoativamente adocicada e oleosa. Arik e Dov conheciam Nakhl de trás pra frente pois tinham estado lá na última guerra [1956]. Poucas casas, um acampamento militar, uma colina ou duas em volta, e a estrada para o Passo de Mitla e o Canal que ali faz uma esquina em ângulo reto. Na vez passada, tomáramos a localidade em poucos minutos, antes de avançar para Mitla.

[...]

De súbito, fomos informados pelo rádio de que a Fôrça Aérea ia dar-nos apoio. Paramos o jipe na ladeira e galgamos a parte lateral da colina. Pudemos, então, divisar seis tanques Centuriões egípcios na estrada. Pareciam maciços e bem protegidos, em meio aos demais veículos. Seria tolice expormo-nos, em carros de meia esteira ou jipes, aos canhões dos pesados Centuriões.

[...]

A Fôrça Aérea surgiu no céu azul. Quatro Super Mystères voaram baixo, despejando bombas incendiárias sôbre os tanques [egípcios]. Estávamos todos muito nervosos, com exceção de Dov que, com a maior calma, ficou de pé e filmou tôda a cena, com uma câmera Canon 8 mm. 'Como nas manobras', comentou alguém.

Os aviões mergulharam duas ou três vêzes. Esperei que nos reconhecessem. Seus ataques eram por demais precisos para nos arriscarmos a não ser identificados. Achávamo-nos bem próximos aos alvos. No seu quarto círculo, acenaram Shalon para nós, pendendo as asas. Poucos dias depois, encontrei-me com um dos pilotos - Arik, meu colega de classe em Nahalal. 'Eu sabia que um dia nós dois iríamos trabalhar juntos', disse-me. Quando êles se afastaram pelo nordeste, embarcamos no jipe e dirigimo-nos a tôda velocidade para a estrada abaixo. Aproximamo-nos arriscadamente dos tanques que se incendiavam. Munições explodiam em tôdas as direções.

[...]

De repente, escutamos tiroteio atrás de nós. Alguns dos nossos soldados começaram a trocar disparos de armas de fogo portáteis com soldados egípcios escondidos num arbusto a poucas jardas de distância. Devemos ter tido sorte, pois apenas dez minutos antes passáramos por êsses mesmos arbustos, erguendo uma nuvem protetora de poeira à nossa volta. Arik optou por permitir que seguíssemos a infantaria blindada em sua operação de limpeza até Nakhl. Veículos de meia esteira, jipes russos, tanques incendiavam-se e vomitavam fumaça para onde quer que se olhasse. Viam-se canhões e transportes de tropas blindadas atirados em tôdas as direções e posições. Centenas de soldados egípcios avançavam precipitadamente em direção a Nakhl. Posteriormente, revelaram-nos que imaginavam achar-se em área ainda sob seu domínio. Nossos soldados conclamavam-nos a se renderem. Alguns o fizeram. Outros responderam com um disparo ou uma saraivada - ou fugiram. À minha frente, vi um jovem soldado de um dos nossos veículos de meia esteira matar um egípcio, depois correr para trás do carro blindado e vomitar, logo em seguida refazendo-se e indo juntar-se à sua divisão.

Eu agarrava com firmeza uma metralhadora portátil Uzi. Dov estava ao volante, Katz atrás da metralhadora dianteira e Itzik apontava um canhão automático. Nenhum de nós chegou a disparar. Outros se encarregavam disso, e nos limitamos à observação. Cadáveres estiravam-se pelo caminho, e saltávamos do carro para retirar-lhes as armas. Os adversários de tocaia nos arbustos foram mortos. Grupos de soldados inimigos fugiam nas mais diversas direções. Alguns escaparam. No entanto, não pude afastar o pensamento de que isso era mais uma caçada que um combate. Eu não ia atirar. Os homens nos jipes achavam-se armados e, se fôssemos alvejados diretamente, êles responderiam ao tiroteio. Todavia, minha minha arma permanecia carregada e engatilhada. Meus óculos contra o vento de nada valiam e meus olhos doíam. Além da canícula do meio-dia, havia o calor irradiado pelos veículos em chamas, um inferno em miniatura, odioso e medonho.

Chegamos a Nakhl à tardinha. Ali encontramos mais destruição, destruição total, como sòmente sucede um embate de tanques contra tanques. Era o Vale da Morte do Exército egípcio. Cêrca de cento e cinqüenta tanques foram contados no percursos de Temed a Nakhl. Ninguém contou os veículos, a artilharia pesada, os canhões anti-aéreos leves, os tratores pesados que rebocavam os canhões, os caminhões de munições, todos êles em posições insólitas ou formando pilhas, de modo que muitaas vêzes os destroços assumiam semelhança bizarra com peças de escultura moderna."

- Yael Dayan, Diário de um soldado, pg. 131, 132, 133-135, 1967 (trad. 1970).

Post-script: Suspense militar

O título deste artigo é uma homenagem ao filme A Filha do General (The General's Daughter, 1999), um filme de investigação militar onde o investigador Paul Brenner (John Travolta) ao lado de sua parceira Sara Sunhill (Madeleine Stowe) investigam a misteriosa morte da oficial de guerra psicológica Capitã Elisabeth Campbell (Leslie Stefanson), filha do comandante da base: o General Joe Campbell (James Cromwell).

Outros personagens marcantes sendo o Coronel Bob Moore (James Woods), o oficial comandante e mentor da Capitã Elisabeth Campbell, e o Coronel George Fowler (Clarence Williams III), o leal segundo em comando do General Campbell. Além da investigação e da discussão sobre mulheres no exército em uma época onde este era um conceito novo, o filme ainda apresenta a estética esverdeada dos antigos uniformes BDU americanos.

Recomendação do Warfare.


A Filha do General ainda gerou um filme de suspense e investigações militares, Violação de Conduta (Basic, 2003), dessa vez com John Travolta contracenando com a futura rainha Hipólita, Connie Nielsen, como a investigadora Capitão Júlia Osborne e com o titã Samuel L. Jackson interpretando o implacável Sargento Nathan West.

Leitura recomendada: