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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2022

Por que a Rússia vai perder esta guerra?

Um fragmento de um tanque russo destruído é visto na beira da estrada nos arredores de Kharkiv em 26 de fevereiro de 2022, após a invasão russa da Ucrânia.

Por Kamil Galeev, Twitter, 27 de fevereiro de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 28 de fevereiro de 2022.

Muito do discurso "realista" é sobre aceitar a vitória de Putin, porque ela é garantida. Mas como sabemos que ela é?

Mapa do avanço russo na Ucrânia.

Argumentarei que os analistas:
  1. Superestimam o exército russo
  2. Subestimam o ucraniano
  3. Entendem mal a estratégia e os objetivos políticos russos🧵

Considere um artigo oportuno sobre o exército russo da Bismarck Analysis. Ele é bom e informativo. Está correto em seu caráter terrestre e centrado na artilharia. Também é correto que o Ministro da Defesa Serdyukov aumentou muito a eficiência do exército em 2007-2012. Mas o artigo ainda é enganoso.

"A Rússia Moderna pode travar e vencer guerras terrestres."

Sim, o ministro Serdyukov realmente reformou o exército. Ele aumentou sua eficiência, lutou com produtores de armamento corruptos e compadres, melhorando os suprimentos do exército. Como resultado, ele se tornou extremamente impopular, fez muitos inimigos poderosos e foi expulso em 2012, perdendo seu poder e status.

Serdyukov e Putin.

Seu sucessor, Shoygu, sabia melhor do que fazer isso. Agora quem é Shoygu? Shoygu é o único ministro russo que trabalhou ininterruptamente no governo desde 1991, desde o início da Federação Russa. Ele trabalhou para todos os presidentes, todos os primeiros-ministros e evitou todos os expurgos.

General-de-Exército Sergey Kuzhugetovich Shoygu, nascido em 21 de maio de 1955.

O que isto significa? Significa que ele é um empreendedor político astuto, ótimo em política da corte, publicidade e imagem. Você sobrevive a cada administração maximizando sua sobrevivência política. E para maximizar você precisa minimizar a animosidade. Então você nunca se opõe a grupos de interesse poderosos.


Serdyukov lutou contra grupos de interesse e foi destruído. Shoygu era mais esperto do que isso. Ele lançou uma campanha de relações públicas apresentando-se como o "salvador" do legado de Serdyukov. O que quer que seu antecessor tenha feito, foi desmantelado. A mídia aplaudiu, as pessoas aplaudiram, os grupos de interesse aplaudiram.

"Resultados do Ano / Política.
O general ainda não é seu exército."

Esse é um problema muito, muito típico. A maximização da eficiência requer implacabilidade ao lidar com elites e grupos de interesse estabelecidos. Enquanto isso, maximizar a política da corte requer ponderar sobre eles e não fazer inimigos. Serdyukov estava maximizando a eficiência, Shoygu - a política da corte.


Houve outra questão. Shoygu é étnico Tuvan. Em um país como a Rússia, o membro minoritário dificilmente pode se tornar o líder supremo. As pessoas não o percebem como russo étnico (veja seu palácio), o que significa que ele não é perigoso para o líder e você pode lhe delegar o exército com segurança.

Palácio do General Shoygu com arquitetura asiática.

Shoygy não apenas expurgou os nomeados de Serdyukov, ponderou para o antigo estabelecimento militar, parou de discutir com os fornecedores do exército sobre o custo e a qualidade do equipamento. Ele também ponderou sobre várias mentiras sobre a grande estratégia russa. Vamos considerar o problema exército vs marinha.

Navios da marinha russa.

O exército versus marinha tem sido um dilema tradicional das potências europeias há séculos. Como regra, você não poderia apoiar tanto um exército de primeira classe quanto uma marinha de primeira classe, você tinha que escolher. Algumas potências ignoraram isso até o seu fim - como a França dos séculos XVII e XVIII. Outros foram mais racionais, como a Prússia.

Desembarque anfíbio britânico.

Nós meio que esquecemos, mas o principado de Brandemburgo do século XVII, centrado em Berlim, tentou jogar como uma "potência marítima global". Eles construíram uma marinha, estabeleceram colônias no Caribe e na África (vermelho). Super caro, super arrogante, super estúpido. Consumiu toneladas de recursos em vão.

Mapa com as colônias de Brandemburgo em vermelho.

No século XVIII eles reconsideraram. Eles venderam suas colônias, desmantelaram a marinha e começaram a maximizar em terra. Eles perceberam corretamente que, se suprimirem sua arrogância e minimizarem a marinha (para zero), eles podem maximizar em terra e construir o exército de primeira classe. O qual então unificaria a Alemanha.

Crescimento de Brandemburgo-Prússia, 1600-1795.

Portanto, a maximização em terra requer minimizar a ambição naval. A Rússia minimiza sua ambição naval? Não. Ela se sente obrigada a manter o máximo possível do legado naval soviético. Mantenha os navios antigos à tona, construa novos, mantenha e expanda a infraestrutura para a marinha oceânica.

O porta-aviões russo Almirante Kuznetsov.

Aqui está outro dilema. As frotas regionais podem ser efetivamente usadas em guerras terrestres. Por exemplo, a Rússia declarou "manobras da marinha" e depois atacou a Ucrânia pelo mar. Isso é barato e eficaz. Mas manter uma frota regional não parece sexy. É o máximo de eficiência, não o máximo de relações públicas.

Ação naval russa pelo Google Earth.

E a Rússia está maximizando as relações públicas. Putin declarou que a proporção de novos navios deve chegar a 70% até 2027. Velhos navios soviéticos estão se tornando obsoletos, a Rússia está construindo novos. MAS. Os principais estaleiros soviéticos estão localizados na Ucrânia. Então agora a Rússia expande a infraestrutura dos estaleiros para atingir esse objetivo.

"A Rússia precisa de uma marinha poderosa e equilibrada, disse o presidente russo Vladimir Putin no fórum Exército-2021. Segundo o chefe de Estado, até 2027 a participação dos navios modernos deve chegar a 70%. O jornal "Gazeta.RU" apurou quais navios estão sendo construídos para a Marinha e quais reabastecerão sua composição em 2022."

O legado naval soviético é uma maldição das forças armadas russas. A URSS podia pagar frotas oceânicas com grupo de ataque de porta-aviões. A Rússia não pode. Mas abandonar as ambições soviéticas exigiria suprimir sua própria arrogância (impossível). Então eles se esforçam para mantê-la. Logo: eles não podem e não vão maximizar em terra.

O porta-aviões Almirante Kuznetsov no mar.

Como isso se reflete nesta guerra? Primeiro, a força invasora russa é pequena. Tem MUITA artilharia, é claro. Mas não é numerosa o suficiente para vencer. Analistas pró-Rússia comparam seu avanço com a Operação Barbarossa. Mas, ao contrário da Wehrmacht em 1941, os invasores russos têm apenas UM ESCALÃO DE TROPAS!

Ataques russos e localização de tropas em 26 de fevereiro de 2022.

Como é organizada uma Blitzkrieg? Por escalões. O primeiro escalão está avançando o mais rápido possível. Isso significa que muitos defensores serão deixados na sua retaguarda. Mas então vem o segundo escalão, depois o terceiro, etc. Eles acabam com os defensores, ocupam território e controlam as linhas de abastecimento.

Panzers alemães.

Se a Rússia lançasse uma Blitzkrieg ao estilo da Barbarossa, isso aconteceria agora - primeiro, segundo e terceiro escalões. Mas o segundo escalão não veio. Nunca existiu. Por quê? Primeiro, a Rússia não está maximizando em terra e, portanto, não tem tantos recursos e infraestrutura para a guerra terrestre.

Em segundo lugar, lançar vários escalões exigiria uma longa e árdua preparação. Você precisa mobilizá-los, movê-los para as fronteiras, aquartelá-los, mantê-los e abastecê-los. Não é tão fácil. É um trabalho árduo que deveria ter sido feito com bastante antecedência para travar uma Blitzkrieg. E não tinha sido feito.

Por que a Rússia não preparou uma Blitzkrieg adequada? E agora chegamos pela terceira e principal razão. A Blitzkrieg é uma estratégia de guerra. A Blitzkrieg é como você quebra e suprime o inimigo que está realmente lutando. A Rússia não a planejou porque não planejou uma guerra. Planejou uma Operação Especial.

"Putin anunciou o início de uma operação militar na Ucrânia".

Claro, em parte, isso é apenas discurso moderno. Após a Segunda Guerra Mundial, o entendimento tradicional da soberania como o direito legal dos governantes soberanos de travar uma guerra ofensiva morreu. Como resultado, os estados modernos nunca admitem que estão travando guerras. Eles estão fazendo "pacificações", "contraterrorismo", etc.

Considere como todos os Departamentos e Ministérios da Guerra ao redor do mundo foram renomeados para "Defesa" no final da década de 1940. Todo mundo está defendendo, ninguém está atacando. Por que a luta acontece então? Bem, por causa de criminosos - "bandidos", "terroristas", "jihadistas" ou como agora na Ucrânia, "nazistas".

O mundo moderno aboliu a distinção entre o inimigo e o criminoso, uma ideia-chave do Direito Romano. As potências fazem guerras, mas para isso precisam criminalizar e desumanizar seus inimigos. Daí todo o discurso "terrorista". De certa forma, Putin está seguindo o fluxo.

Mas em um nível mais profundo, Putin está absolutamente correto. Sua declaração de "operação especial" na Ucrânia é sincera, porque ele não esperava a guerra. Ele não sabe fazer guerras. Por toda a sua vida ele tem organizado e lançado operações especiais.

Primeiro, como oficial da KGB. Depois, como conselheiro municipal para assuntos externos de São Petersburgo (= venda ilegal de coisas de armazéns soviéticos para o Ocidente). Na década de 1990, ele trabalhou de perto com o mundo do crime e fez isso com sucesso. Aqui você o vê com um ladrão associado, vovô Hassan.


Aliás, é assim que o amigo de Putin, vovô Hassan, está comemorando com seu círculo próximo. Dá uma ideia dos parceiros de negócios e associados de Putin.


Putin trabalhou com empresários violentos acostumados a matar. Mas ele sempre teve a vantagem. Os governos federal e regional eram muito mais fortes do que esses chefes criminosos que eram muito substituíveis. Todos eles tinham dezenas de capangas que queriam tomar seu lugar.

Putin empreendeu operações especiais quando tinha uma posição muito mais forte do que esses criminosos. E ele se acostumou com isso. Mais tarde, Yeltsin o escolheu como sucessor e, nessa capacidade, Putin lançou várias operações especiais para consolidar o poder. Novamente com total apoio dos superiores.

Destroços dos ataques à bomba de apartamentos em Moscou e Volgodonsk em 1999.

Sim, Putin jogou duro mesmo antes de se tornar presidente. Mas era fácil bancar o durão quando ele era apoiado pelo então presidente e por todo o aparato do Kremlin. Poder enorme, sem risco e sem responsabilidade.

Putin apertando a mão do presidente Boris Yeltsin.

Mais tarde, ele iniciou conflitos cada vez que teve que aumentar sua popularidade e imagem de durão: Chechênia, Geórgia e Síria. Mas nenhum desses era uma guerra. Todo conflito era uma operação especial travada:
  1. para objetivos políticos
  2. contra uma força pequena que não tinha a menor chance de vencer contra a Rússia
Putin lutou apenas contra países pequenos. Chechênia - 1 milhão de pessoas, Geórgia - 4. A Síria tinha mais, mas ele lutou contra rebeldes, sem treinamento ou armamentos adequados. Também o discurso "contra-terrorista" permitiu que os russos simplesmente destruíssem cidades inteiras sem consequências.

Civis georgianos em 2008.

Cidade síria em ruínas.

Prédios calcinados e destruídos.

Toda vez que Putin precisava confirmar seu status de alfa, ele devastava algum pequeno país com uma operação especial. Elas não exigiam preparação adequada porque não representavam nenhum risco existencial para a Rússia ou para ele. Tipo, que porra eles vão fazer? Sem risco = sem necessidade de se preocupar.

Putin decidiu repetir esse pequeno truque novamente. Portanto, não houve aquele exército numeroso de invasão, apenas um escalão de avanço, etc. Mas a Ucrânia é muito maior - tem 44 milhões de pessoas. O que Putin estava pensando? Aparentemente, ele esperava zero resistência do exército ucraniano.

Putin anuncia a "operação militar especial" na Ucrânia.

Putin tinha uma boa razão para acreditar nisso. De fato, em 2014, os regulares russos ("ихтамнеты" = "não há nenhum deles lá") destruíram facilmente as forças ucranianas em Debaltsevo e Ilovaysk. Ele viu que o exército ucraniano é fraco e ele pode facilmente desbaratá-los simplesmente enviando regulares russos.

Estrategicamente falando, Putin estragou tudo. Ele derrotou a Ucrânia, infligiu dor e humilhação. Qualquer um com um QI acima da temperatura ambiente sabia que a guerra não acabou e os russos atacariam novamente. Mas - Putin não finalizou a Ucrânia naquela época. Ele pensou que sempre teria uma chance.



O que aconteceu a seguir era bastante previsível. Infligir uma derrota dolorosa, mas não crítica, ao seu inimigo é arriscado. Sim, eles meio que se tornaram mais fracos. Mas o equilíbrio de poder dentro deles mudou. A política da corte que maximiza os grupos de interesse perderam e os novatos que maximizam a eficiência tiveram uma chance.


Fórmula da evolução institucional = susto + não acabe com eles. Napoleão esmagou os prussianos em Jena-Auerstedt, não os eliminou. A Prússia evoluiu. O Comodoro Perry assustou os japoneses em 1853, mas os EUA entraram em espiral na Guerra Civil e os deixaram em paz. O Japão evoluiu.

Alegoria japonesa sobre a chegada da frota americana do Comodoro Matthew Perry em 1853.
O navio é mostrado como um monstro negro.

Nada motiva tanto quanto uma ameaça existencial. Primeiro, os ucranianos admitiram a verdade:

"Serei franco. Hoje não temos exército. Agora podemos montar um grupo de no máximo 5 mil soldados capazes [de 125 no papel]."
- Informou o ministro da Defesa em 2014.

Em 2014, o equipamento ucraniano era horrível. Quase 100% dos veículos e munições eram estoques soviéticos de mais de 25 anos. Além disso, a maioria acabara de expirar. Como os veículos existiam no papel, mas nunca foram verificados ou usados desde 1991, seus radiadores e acumuladores estavam todos podres e irreparáveis.

O coronel do FSB que liderou a insurgência pró-Rússia em 2014 admitiu que isso também criou problemas para ele. Ele queria reabastecer dos armazéns militares ucranianos, mas esse material simplesmente não funcionava. Por exemplo, eles tomaram 28 mísseis antitanque e dispararam todos eles durante a batalha de Nikolaevka. Nenhum funcionou.

A julgar pelas entrevistas com insurgentes que ficaram desapontados ao descobrir que foguetes, bombas e granadas retiradas de armazéns ucranianos eram 99% disfuncionais (claro, eles tinham mais de 25 anos), não é surpreendente que a Ucrânia tenha perdido para a Rússia em 2014. É surpreendente que eles pudessem sequer lutar em absoluto.

Coronel Igor Vsevolodovich Girkin, do FSB, codinome Igor Ivanovich Strelkov, que liderou a invasão do Donbass em 2014.

Girkin/Strelkov com seus homens em cerimônia cristã ortodoxa.

Mesmo as antigas máquinas de rádio soviéticas não funcionavam. Os soldados ucranianos tiveram que se comunicar com SMS e, como a rede era muitas vezes horrível, eles tiveram que jogar seus telefones celulares no ar na esperança de que ele pegasse o sinal de rádio a poucos metros do solo.

É assim que o exército ucraniano parecia naquela época. Não é à toa que foi imediatamente esmagado por regulares russos em Debaltsevo e Ilovaysk, e Putin teve todos os motivos para acreditar que a resistência seria quebrada no momento em que ele lançasse seu exército regular em massa.

Muita coisa mudou. Primeiro, a Ucrânia teve seis rascunhos. Os homens foram convocados e enviados para o Donbass. Em seguida, a maioria desmobilizou e voltou à vida civil. Esse contingente do Donbass era de cerca de 60 mil soldados e rotacionava constantemente. Então agora a Ucrânia tem mais de 400.000 veteranos da guerra do Donbass. Muitos deles estiveram em combate. Assim, a Ucrânia tem um grande número de veteranos com experiência de combate. Provavelmente mais do que a Rússia. Sim, a Rússia tem lutado na Síria. Nunca publicou o tamanho de sua força, mas estima-se que seja de 2 a 3 mil. A maioria dos soldados russos nunca viu guerra.

Além disso, o combate que eles viram é diferente. Soldados russos estão acostumados a lutar apenas quando têm total superioridade. Na Síria, eles simplesmente arrasariam até o chão cidades com bombardeiros. Enquanto isso, os soldados ucranianos lutaram apenas contra inimigos muito mais fortes e bem equipados.

Em termos de equipamento, esta guerra tomou o exército ucraniano parcialmente reabastecido. Ele desenvolveu muitos armamentos inovadores próprios, mas quase nenhum deles foi produzido em larga escala. Na maioria dos casos, os soldados têm apenas alguns protótipos de novos armamentos produzidos na Ucrânia.

A Ucrânia encomendou 48 drones turcos Bayraktar TB2. Isso não é ruim - mais que o dobro do que o Azerbaijão tinha no Karabakh. Mas apenas 12 deles chegaram às tropas até agora. A Ucrânia também está desenvolvendo um novo e mais forte drone Bayraktar Akinci junto com os turcos, mas é tarde demais para esta guerra.

Drone Bayraktar TB2 ucraniano.

No entanto, os ucranianos receberam um número (não publicado) de Javelins produzidos nos Estados Unidos e M141 Bunker Defeat Munition, e LAW MBT produzidos na Suécia e na Grã-Bretanha. Juntamente com o armamento antitanque produzido pela Ucrânia, como "Stugna-P", RK-3 "Corsair" e "Barrier", ajuda a combater os tanques russos.

Soldado ucraniano com um míssil RK-3 Corsair.

As tropas ucranianas não haviam recebido muitos tanques novos quando Putin atacou. Mas eles adquiriram novos veículos blindados, como o Cossack-2 de produção nacional com módulos de combate Aselsan produzidos na Turquia e vários veículos blindados americanos, humvees, etc.


Finalmente, a Ucrânia criou um novo tipo de tropas - as tropas de defesa territorial, cujo número é estimado em 60.000. É uma cópia do tipo das tropas polacas. São civis que recebem treinamento militar e podem ser mobilizados em um dia para lutar apenas em sua própria cidade e região.

Por quê? Bem, isso é bastante óbvio. Se a Rússia fizesse uma Blitzkrieg adequada com vários escalões de ataque, a Ucrânia perderia de qualquer maneira. Mas a Rússia não fez. E os ucranianos apostaram que não fariam. Primeiro - é caro e difícil para um regime de segurança de Estado o qual não está maximizando em terra.

Soldados ucranianos.

Segundo, Putin esperava que o exército ucraniano fugisse ou se rendesse no primeiro dia. Como a maioria dos observadores estrangeiros esperava. Agora, é claro, eles estão mudando a narrativa, mas se você olhar para as postagens deles alguns dias atrás, eles não acreditavam que os ucranianos fariam qualquer resistência real.

Então Putin atacou com apenas um escalão. As tropas avançaram deixando muitos regulares e convocados ucranianos não-destruídos para trás. Em uma Blitzkrieg adequada, um segundo e um terceiro escalões teriam chegado para finalizar os defensores ucranianos. Mas eles não o fizeram. Esses escalões adicionais não existiam.


O que imediatamente criou o problema de abastecimento e reabastecimento. O primeiro escalão avançou. Ele precisa de um suprimento de munição, combustível e bem, de pessoas. Mas esses comboios de suprimentos estão sendo atacados pelos regulares e pelas tropas de defesa territorial deixadas para trás; sendo atacados por esses poucos drones Bayraktars que a Ucrânia conseguiu.

E supostamente pela milícia para quem o governo acabou de distribuir armas. Essas pessoas seriam incapazes de enfrentar as colunas russas, mas podem atacar comboios. Considere que a Ucrânia tem muitos veteranos com experiência de combate entre civis.

Strelkov, que liderou a insurgência pró-Rússia em 2014, confirma essa versão em seu telegrama. As colunas de suprimentos estão sendo destruídas porque não há um segundo escalão.

Postagem do Coronel Girkin/Strelkov.

Putin está aparentemente preocupado. No vídeo de 25 de fevereiro, ele pediu aos militares ucranianos que fizessem um golpe de estado. Ele não precisaria disso se seu plano funcionasse em primeiro lugar.

"'Tome o poder em suas mãos'.
Putin dirigiu-se aos militares ucranianos."

O que isto significa? O plano de Putin não funcionou. Porque ele não planejou a guerra. Ele nunca lutou em uma guerra e não tem ideia de como combatê-las. Ele sempre fez Operações Especiais e esta também é uma Operação Especial. Eles deveriam ter fugido ou se entregado, mas continuam lutando.

A derrota nesta operação infligirá enormes consequências para Putin e seu regime. É improvável que sobrevivam a esta derrota. Enquanto isso, é improvável que Putin ganhe pelos mesmos métodos.

Não é que o moral russo esteja baixo, mas sim que depende de quão difícil é a guerra. A maioria das tropas russas ficaria entusiasmada ou não se importaria com umas pequenas férias no exterior com diversão e aventuras. Lutar uma guerra dura e longa com possibilidade real de morte é outra história.

O moral das tropas russas é amplamente superestimado. De acordo com estudos sociológicos, a principal motivação para se alistar é geralmente conseguir um apartamento. Geralmente são jovens de origem desprivilegiada, sem perspectivas reais de vida. Essa é uma chance de obter uma habitação do Estado. Agora, se você estiver morto, não poderá obter uma habitação. Talvez aqueles que já estão na Ucrânia tenham pouca escolha, mas o próprio fato de que a resistência continua, a guerra é sangrenta e as baixas são reais desmotivaria enormemente aqueles que estão em casa. Não espere entusiasmo do lado russo "para ir lá".

O que Putin pode fazer?

  1. Começar a destruir a infraestrutura (concluído)
  2. Bloquear cidades (concluído)
  3. Simplesmente nivelar cidades com bombardeiros e artilharia como na Chechênia ou na Síria (pode ser)

Os dois primeiros infligiriam uma catástrofe humanitária e, como ele espera, quebrariam a vontade.

A terceira é mais problemática. Ao contrário da Chechênia ou da Síria, onde você poderia facilmente justificar o genocídio aberto com "combater os jihadistas", o que é um jogo justo na "guerra ao terror", aqui seria mais difícil e, na verdade, poderia atrair a resposta da OTAN. Ainda assim, não posso excluir isso.

Portanto, meu prognóstico é: se a luta continuar e a vitória não for alcançada, a capacidade e a vontade de lutar da Rússia desaparecerão rapidamente. Putin não tem escolha, mas muitos de seus subordinados têm.

Mesmo no caso da Rússia não perder tecnicamente e alguma fonte de armistício/acordo for alcançada, a Ucrânia já ganhou. Por quê? Muitos descrevem esse conflito como cinético. Besteira. Os conflitos ou interações humanas não são cinéticos. Eles são mitológicos e governados por mitos.

Soldado russo queimando dinheiro soviético, completamente sem valor, na Chechênia, 1995.

O dinheiro é um mito. Ele existe apenas porque acreditamos que sim. O poder é um mito. Nação é um mito. As instituições são puramente mitológicas. Considere a história do incêndio de Moscou em 1572. Ivan, o Terrível, dividiu seu país em Zemschina (terra) e Oprichnina (desmontada).

A Oprichnina estava sob seu domínio pessoal. Os Oprichniks - suas forças - lançaram campanhas de terror contra a Zemschina. Eles massacraram casas nobres inteiras, massacraram cidades, mataram um grande número de plebeus sem resistência. Por quê? Eles eram fortes e corajosos? Não, por causa do mito.

O povo russo existia dentro de um mito da monarquia ortodoxa. Claro que haveria indivíduos que iriam contra o czar ortodoxo. Mas era impossível organizar uma resistência contra ele. Assim, a resistência seria individual e facilmente esmagada pelas forças Oprichnik organizadas.

Os Oprichniks se tornaram muito corajosos e durões, porque a mitologia do povo russo proibiu 99% deles de resistir a essas forças de segurança. Então, com o tempo, eles decidiram que são muito bons. Em 1572, quando o Khan da Crimeia atacou Moscou, as forças Oprichnik foram enfrentá-lo. Cineticamente falando, eles tinham uma superioridade esmagadora. Armas, canhões, armaduras ou armamentos muito mais pesados. Sua defesa e poder de fogo eram muito mais fortes. Mas eles foram desbaratados em um único dia simplesmente por flechas. Porque eram acostumados a lutar contra pessoas cujo mito proibia resistir a eles.

Dentro da mitologia moscovita, os Oprichniks eram semideuses invencíveis e intocáveis, como mãos do czar ortodoxo, que é meio que um Deus vivo. Mas ao enfrentar o inimigo estrangeiro eles deixaram este espaço mitológico e entraram em um novo espaço onde são apenas pessoas e podem levar flecha na caraEles não estavam acostumados a levar flechas na cara. A própria percepção de que eles não são semideuses, mas mortais, os chocou. Eles fugiram largando suas armaduras, armas e canhões. Moscou foi incendiada apesar de ter total superioridade "cinética" e tecnológica.

Então, o poder é mitológico. A segurança estatal russa são deuses dentro de seu próprio espaço mitológico, onde representam o Estado divino. Mas o que eles descobriram é que os ucranianos deixaram esse espaço mitológico. Assim, a segurança estatal russa não tem poder lá. Eles são apenas mortais.

E, finalmente, o próprio fato da resistência contra um inimigo tão superior fortalece muito a mitologia ucraniana. É uma enorme construção de mitos que estamos testemunhando. O próprio fenômeno da guerra é inconcebível sem levar em conta a dimensão mitológica.

Considere Veneza. Quando Napoleão chegou, eles se renderam sem um tiro. Muito inteligente, salvou vidas, salvou a cidade. Acabou de matar o mito de Veneza. As pessoas viviam, mas a República morria. O mito nunca foi restaurado e é improvável que seja restaurado novamente.

Os teóricos da guerra da época passada o entendiam. Clausewitz apontou que é importante não apenas se você perdeu a independência, mas como você a perdeu. Se você se submeteu sem lutar, você salvou vidas - mas você matou seus mitos. Você será digerido pelo conquistador, mas se você perdeu após a luta brutal e sangrenta, seu mito está vivo. A memória da última batalha viverá através dos tempos. Ela moldará o espaço mitológico em que seus descendentes vivem e eles tentarão restaurar a independência na primeira oportunidade. Fim do tópico.


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

O futuro que a Rússia nos promete, de Olavo de Carvalho


Por Olavo de Carvalho, Brasil Sem Medo, 24 de Fevereiro de 2022.

Em artigo de 2011, o professor Olavo de Carvalho explica os planos da Rússia e as estratégias que serão usadas por Putin.

Um mês após a morte do grande filósofo e professor Olavo de Carvalho, o jornal Brasil Sem Medo (BSM) publica texto de sua autoria que mostra que ele sempre tinha razão. Dessa vez, sobre a situação da Rússia. Leia a íntegra abaixo:

O futuro que a Rússia nos promete

Olavo de Carvalho
Diário do Comércio, 23 de maio de 2011

O prof. Alexandre Duguin, à testa da elite intelectual russa que hoje molda a política internacional do governo Putin, diz que o grande plano da sua nação é restaurar o sentido hierárquico dos valores espirituais que a modernidade soterrou. Para pessoas de mentalidade religiosa, chocadas com a vulgaridade brutal da vida moderna, a proposta pode soar bem atraente. Só que a realização da idéia passa por duas etapas. Primeiro é preciso destruir o Ocidente, pai de todos os males, mediante uma guerra mundial, fatalmente mais devastadora que as duas anteriores. Depois será instaurado o Império Mundial Eurasiano sob a liderança da Santa Mãe Rússia.

Carrasco mostra para a multidão a cabeça do executado na guilhotina.

Quanto ao primeiro tópico: a “salvação pela destruição” é um dos chavões mais constantes do discurso revolucionário. A Revolução Francesa prometeu salvar a França pela destruição do Antigo Regime: trouxe-a de queda em queda até à condição de potência de segunda classe. A Revolução Mexicana prometeu salvar o México pela destruição da Igreja Católica: transformou-o num fornecedor de drogas para o mundo e de miseráveis para a assistência social americana. A Revolução Russa prometeu salvar a Rússia pela destruição do capitalismo: transformou-a num cemitério. A Revolução Chinesa prometeu salvar a China pela destruição da cultura burguesa: transformou-a num matadouro. A Revolução Cubana prometeu salvar Cuba pela destruição dos usurpadores imperialistas: transformou-a numa prisão de mendigos. Os positivistas brasileiros prometeram salvar o Brasil mediante a destruição da monarquia: acabaram com a única democracia que havia no continente e jogaram o país numa sucessão de golpes e ditaduras que só acabou em 1988 para dar lugar a uma ditadura modernizada com outro nome.

"Proclamação da República", 1893,
óleo sobre tela de Benedito Calixto (1853 - 1927).
Acervo da Pinacoteca Municipal de São Paulo.

Agora o prof. Duguin promete salvar o mundo pela destruição do Ocidente. Sinceramente, prefiro não saber o que vem depois. A mentalidade revolucionária, com suas promessas auto-adiáveis, tão prontas a se transformar nas suas contrárias com a cara mais inocente do mundo, é o maior flagelo que já se abateu sobre a humanidade. Suas vítimas, de 1789 até hoje, não estão abaixo de trezentos milhões de pessoas – mais que todas as epidemias, catástrofes naturais e guerras entre nações mataram desde o início dos tempos. A essência do seu discurso, como creio já ter demonstrado, é a inversão do sentido do tempo: inventar um futuro e reinterpretar à luz dele, como se fosse premissa certa e arquiprovada, o presente e o passado. Inverter o processo normal do conhecimento, passando a entender o conhecido pelo desconhecido, o certo pelo duvidoso, o categórico pelo hipotético. É a falsificação estrutural, sistemática, obsediante, hipnótica. O prof. Duguin propõe o Império Eurasiano e reconstrói toda a história do mundo como se fosse a longa preparação para o advento dessa coisa linda. É um revolucionário como outro qualquer. Apenas, imensamente mais pretensioso.

Quanto ao Império Mundial Eurasiano, com um pólo oriental sustentado nos países islâmicos, no Japão e na China, e um pólo ocidental no eixo Paris-Berlim-Moscou, não é de maneira alguma uma idéia nova. Stalin acalentou esse projeto e fez tudo o que podia para realizá-lo, só fracassando porque não conseguiu, em tempo, criar uma frota marítima com as dimensões requeridas para realizá-lo. Ele errou no timing: dizia que os EUA não passariam dos anos 80. Quem não passou foi a URSS.

Como o prof. Duguin adorna o projeto com o apelo aos valores espirituais e religiosos, em lugar do internacionalismo proletário que legitimava as ambições de Stálin, parece lógico admitir que a nova versão do projeto imperial russo é algo como um stalinismo de direita.

O então primeiro-ministro russo, Vladimir Putin, aperta a mão de operadores spetsnaz do Grupo Alpha da FSB durante uma visita a Gudermes, na Chechênia, em 2011.

Mas a coisa mais óbvia no governo russo é que seus ocupantes são os mesmos que dominavam o país no tempo do comunismo. Substancialmente, é o pessoal da KGB (ou FSB, que a mudança periódica de nomes jamais mudou a natureza dessa instituição). Pior ainda, é a KGB com poder brutalmente ampliado: de um lado, se no regime comunista havia um agente da polícia secreta para cada 400 cidadãos, hoje há um para cada 200, caracterizando a Rússia, inconfundivelmente, como Estado policial; de outro, o rateio das propriedades estatais entre agentes e colaboradores da polícia política, que se transformaram da noite para o dia em “oligarcas” sem perder seus vínculos de submissão à KGB, concede a esta entidade o privilégio de atuar no Ocidente, sob camadas e camadas de disfarces, com uma liberdade de movimentos que seria impensável no tempo de Stalin ou de Kruschev.

Ideologicamente, o eurasismo é diferente do comunismo. Mas ideologia, como definia o próprio Karl Marx, é apenas um “vestido de idéias” a encobrir um esquema de poder. O esquema de poder na Rússia trocou de vestido, mas continua o mesmo – com as mesmas pessoas nos mesmos lugares, exercendo as mesmas funções, com as mesmas ambições totalitárias de sempre.

O Império Eurasiano promete-nos uma guerra mundial e, como resultado dela, uma ditadura global. Alguns de seus adeptos chegam a chamá-lo “o Império do Fim”, uma evocação claramente apocalíptica. Só esquecem de observar que o último império antes do Juízo Final não será outra coisa senão o Império do Anticristo.


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sexta-feira, 15 de outubro de 2021

A Política Soviética em relação à Alemanha do Pós-Guerra


Por Dima Vorobiev, Quora, 4 de agosto de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 15 de outubro de 2021.

A União Soviética queria manter a Alemanha dividida? Pelo contrário, a União Soviética queria uma Alemanha unida.

Muitas tentativas:
  • O Bloqueio de Berlim de 1948-1949 foi iniciado por Stalin em uma tentativa de forçar as potências ocidentais a revogarem sua decisão de unir unilateralmente suas três zonas de ocupação e introduzir o marco alemão. A URSS insistiu em um acordo que incluía toda a Alemanha, incluindo a zona soviética.
  • Em 3 de novembro de 1950, a URSS convocou as potências ocidentais para convocar uma conferência para a futura unificação da Alemanha. A Alemanha Ocidental veio com um pré-requisito de eleições livres na Alemanha Oriental - e, portanto, acabou com a ideia.
  • Em 10 de março de 1952, Stalin emitiu sua “Nota de Março” com uma proposta de reunificação da Alemanha, sem condições sobre política econômica. O chanceler Adenauer se opôs à medida por considerá-la uma tentativa de última hora de impedir a formação da Comunidade Européia de Defesa.
  • Nas semanas seguintes à morte de Stalin em março-abril de 1953, o novo governante soviético Beria testou a reação ocidental à sua sugestão de unificação alemã em termos ocidentais, em troca de uma reparação de guerra adicional de 10 bilhões de dólares. A prisão de Beria em junho de 1953 pôs fim a esse desenvolvimento.
  • O apoio de Gorbachev à reunificação alemã ajudou a persuadir o Ocidente contra a resistência da Grã-Bretanha e da França em 1990.
Por quê?

Zonas de ocupação de 1948 a 1949.

A razão para as iniciativas soviéticas foi a estratégia de “frente popular” testada por Stalin na Espanha antes da 2ª Guerra Mundial e implementada com sucesso na parte ocupada da Europa Oriental após a guerra. Consistia em inserir comunistas e agentes secretos de influência soviética nos órgãos conjuntos do governo em todos os níveis. A partir dessa posição, usando uma ampla gama de medidas ativas e apoio direto da URSS, os comunistas então expulsariam seus aliados e imporiam a “democracia do povo”.

Em nossos dias, um modelo semelhante também está por trás da ideia de Putin de "federalização" da Ucrânia. Putin se recusa a reconhecer a vontade da população das áreas insurgentes no Leste da Ucrânia, que querem se tornar parte da Rússia da mesma forma que a Crimeia foi anexada. Ele quer forçar o território de volta à Ucrânia em seus termos. O Leste da Ucrânia deve obter poder de veto nas decisões do país, como a admissão à OTAN e à UE, e funcionar como um agente institucionalizado da influência da Rússia na Ucrânia.

Abaixo, residentes de Berlim Oriental atiram pedras nos tanques soviéticos enviados para reprimir um levante contra o regime comunista em junho de 1953. A agitação foi usada por Khrushchev e seus aliados para acusar Beria de preparar uma "rendição" da Alemanha Oriental às potências ocidentais. Alguns stalinistas até acusaram o próprio Beria de provocar o levante por meio de seus agentes na liderança comunista em Berlim.

Revolta alemã-oriental de 1953.

Sobre o autor:

Dima Vorobiev é um ex-executivo de propaganda soviético.

Bibliografia recomendada:

The Berlin Wall:
A world divided, 1961-1989.
Frederick Taylor.

Leitura recomendada:

VÍDEO: Alemanha Ano Zero19 de maio de 2020.