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quarta-feira, 13 de abril de 2022

Não, o tanque não morreu na Ucrânia!

Do site Blablachars, 10 de abril de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 12 de abril de 2022.

As operações realizadas pelo exército russo em território ucraniano trazem diariamente notícias e reportagens que levam a uma "análise" quase imediata por parte dos muitos especialistas convocados pela mídia por ocasião desse conflito que começou em 24 de fevereiro. Muitos desses comentários estão relacionados à (in)utilidade do tanque e ao anúncio de sua morte iminente, depois do adiamento obtido após o conflito de Nagorno Karabagh. Ao contrário das opiniões formuladas, o tanque não está morto na Ucrânia, o conflito atual fornece muitas lições cujas consequências podem influenciar diretamente a evolução do nosso exército. Para confirmar a relevância do uso do tanque nos conflitos modernos, é útil fazer uma leitura cuidadosa da avaliação das destruições sofridas pelas máquinas russas na Ucrânia, antes de fornecer alguns elementos de apreciação sobre o uso da munição anti-carro e conjecturar a origem das deficiências repetidamente mostradas pelas forças russas. Todas essas observações devem alimentar uma reflexão essencial para permitir que o Exército vislumbre as evoluções necessárias para o uso do tanque dentro de uma força blindada mecanizada.

A primeira observação pode ser feita após uma leitura cuidadosa da avaliação da destruição sofrida pelo exército russo. Com efeito, os números disponíveis mostram que outros tipos de unidades também sofreram perdas muito significativas em homens e materiais nesta ofensiva. Atuando na frente do dispositivo russo em apoio às unidades Spetsnaz, as unidades do VDV (Vozdouchno-Dessantnye Voïska) ou tropas aerotransportadas foram sistematicamente atacadas pelo fogo ucraniano. Equipadas com veículos blindados leves sobre rodas e lagartas, as unidades VDV envolvidas nas diversas operações sofreram pesadas baixas, como ilustram os resultados dos combates pela tentativa de conquista do aeroporto de Hostomel, próximo a Kiev. Durante esta operação foram destruídos 65 veículos blindados; os detalhes dessas destruições mostram 33 BMD-2, 5 BMD-4M, 5 BTR-MDM e 22 BTR-D destruídos. Esta avaliação precisa não menciona a destruição sofrida pelos outros veículos que equipam essas unidades, com cerca de vinte MRAP Typhoon e Linza destruídos, cerca de sessenta Tigr e Tigr-M perdidos e mais de vinte LMV Iveco. As perdas humanas ligadas a esta destruição fizeram da Ucrânia o "túmulo dos paraquedistas", segundo os termos da revista Raids em sua última edição dedicada à Ucrânia.

Guerra Total na Ucrânia.

BMD-4  da VDV em Hostomel.

Para se ter uma ideia exata da eficácia das forças ucranianas na luta contra os blindados russos, seria interessante conhecer com mais precisão a origem da destruição que poderia nos informar sobre a natureza dos armamentos utilizados para destruir as máquinas russas. A ausência deste tipo de dados e de quaisquer estatísticas torna, portanto, difícil formular uma opinião definitiva sobre a vulnerabilidade dos tanques cujas razões de perdas não podem ser estimadas corretamente. As estatísticas disponíveis, no entanto, mostram um desequilíbrio significativo entre o número de veículos blindados russos destruídos e o de munição antitanque usada desde o início das operações russas na Ucrânia. A obtenção de uma avaliação exata das perdas registradas pelas forças russas continua sendo difícil devido à importância da comunicação neste conflito. O número apresentado por vários meios de comunicação é de 586 tanques parados, dos quais uma pequena metade foi por tiro, os restantes foram abandonados e/ou capturados. Relativamente aos VCI, o número apresentado refere 447 máquinas fora de serviço, incluindo 284 destruídas. Se somarmos esses dois números, obtemos um total próximo a 500 veículos blindados de combate mecanizados atingidos por um tiro. A proporção de destruições realizadas pelos tanques ucranianos parecendo bastante fraca, tendo sido anunciado poucos combates de tanques, pode-se pensar que a grande maioria das máquinas destruídas foi por disparos de armas antitanque. A utilização massiva destes últimos exige várias reflexões, relacionadas com o seu número, a sua utilização e, em última análise, a sua eficácia.

A primeira questão que surge continua ligada ao volume de armamentos anti-carro entregues à Ucrânia desde os primeiros dias do conflito. Neste domínio, os números variam de acordo com as fontes mas algumas indicações permitem ter uma ideia bastante precisa do volume de armamento anti-carro entregue. De acordo com a Casa Branca, a Ucrânia recebeu 17.000 armas antitanque de países ocidentais desde o início do conflito, incluindo 2.600 mísseis FGM-148 Javelin cujas entregas à Ucrânia começaram há um ano. A Lockeed Martin, fabricante do Javelin, e o Pentágono anunciaram que os 6.000 exemplares a serem produzidos este ano não devem ser suficientes para reabastecer os estoques do exército americano e satisfazer os pedidos ucranianos, tendo o presidente ucraniano solicitado a entrega de 500 mísseis por dia. Esta situação, bem como o recente anúncio da Casa Branca de ajuda adicional de segurança de 800 milhões de dólares pode ser a razão para o aumento da taxa de produção desejada pela administração americana. Se mantivermos o número de 17.000 armas antitanque e o de 500 veículos (tanques e VCI destruídos), obtemos uma porcentagem de acertos ligeiramente inferior a 3% (2,94% exatamente). A cifra usada não inclui armas antitanque em serviço com o exército ucraniano antes do início do conflito e provavelmente usadas juntamente com armamentos estrangeiros.

Lista de mísseis anti-carro em serviço nas forças terrestres ucranianas.

Este número bastante baixo levanta a questão do uso dessas armas pelas forças ucranianas. Do ponto de vista técnico, os vários armamentos fornecidos requerem um mínimo de treinamento profissional antes do uso. Nesta área, vários meios de comunicação confirmaram a presença de forças estrangeiras clandestinas (SAS, Delta Force, etc.) em território ucraniano. Sua participação ativa em combate não sendo comprovada, essas forças podem estar disponíveis para treinar combatentes ucranianos na implementação desses sistemas de armas bastante complexos e caros. O último orçamento americano menciona um custo de 178.000 dólares para o posto de tiro (CLU, Command Launch Unit) e um míssil Javelin, enquanto um único míssil é estimado pelo Pentágono em 78.000 dólares. No nível tático, o uso total dessas armas não corresponde a nenhuma doutrina. Os puristas podem sentir que as doutrinas não têm mais lugar na guerra, apesar de sua utilidade para aumentar a eficácia das armas por meio do uso consistente. Essa falta de disciplina no emprego pode ser a causa de vários disparos no mesmo alvo ou um exagero de overkill, o que pode explicar o nível de destruição sofrido por determinados veículos. Embora se saiba que os tanques projetados na Rússia são mais vulneráveis ​​do que os ocidentais devido à presença de munição sob a torre, não é certo que um único projétil possa ser a causa dos danos visíveis em alguns tiros. Apesar de sua natureza confidencial e da dificuldade de obter uma visão precisa da causa exata da destruição sofrida pelos veículos blindados russos, é difícil decidir "ex abrupto" sobre o futuro do tanque nos conflitos modernos. O verdadeiro "dilúvio" de munição antitanque sublinha sobretudo a extrema vulnerabilidade dos veículos que carecem de qualquer sistema de proteção ativa eficaz (soft ou hard kill). Como os conflitos anteriores, a guerra na Ucrânia demonstra a importância das munições antitanque, sua proliferação (aqui organizada pelos partidários da Ucrânia) e nos assegura sua presença inevitável em um conflito futuro. Diante dessa ameaça, o tanque continua sendo a máquina mais eficaz para combater essas armas com a ajuda de soluções técnicas eficazes e o uso de táticas apropriadas.

Neste último domínio, as forças russas surpreenderam pela ausência quase permanente de qualquer plano tático, até os escalões mais baixos. Pode-se citar entre os erros mais visíveis, o caráter estático de determinados tanques, a adoção de dispositivos lineares, a ausência de medidas de salvaguarda quando em movimento e estacionário ou mesmo o isolamento de tanques em ações na área urbana. A relevância do emprego de blindados pesados ​​no teatro ucraniano só pode ser apreciada depois de levar em conta o aspecto essencial do combate blindado, ou seja, a tripulação. Neste ponto, é óbvio que o exército russo sofre com tripulações certamente mal treinadas e sobretudo pouco ou não treinadas. Seja qual for o nível tecnológico do tanque servido, a tripulação permanece no centro da ação e da implementação dos sistemas do veículo. A falta de cooperação em armas combinadas e mais particularmente a ausência de meios adequados (infantaria, engenheiros) nas operações em áreas urbanas revela a falta de eficiência do comando russo na criação de articulações adaptadas. Essa falta de “criatividade tática” pode ser explicada pelas dificuldades encontradas no campo do C4I, atrapalhando a divulgação da informação, a avaliação da situação pelos gestores táticos e sua capacidade de reação. É óbvio que essas falhas táticas prejudicam a eficiência geral do tanque, tendo o efeito de colocá-lo na maioria das vezes em uma situação de extrema vulnerabilidade. O fator humano que permanece no centro do combate blindado está aqui na origem do fracasso das formações blindadas russas na Ucrânia. O exército russo, que se pensava ser treinado e experiente em combate moderno, engajou máquinas servidas por tripulações apresentando deficiências muito significativas em termos de formação e treinamento, dentro de sistemas inexistentes ou inconsistentes. A falta de treinamento e motivação das tripulações russas também é atestada pelo número de máquinas abandonadas durante os combates. Todas essas falhas de origem humana causaram logicamente perdas significativas nas fileiras das formações blindadas russas e sublinharam a importância de ter tripulações treinadas e treinadas para enfrentar situações de combate.

Coluna de blindados russa emboscada.

Os diversos elementos mencionados nas linhas anteriores não devem ser considerados sob o prisma único do conflito atual, mas devem ser colocados em perspectiva para servir de lição e base para a organização dos exércitos modernos. A destruição de unidades paraquedistas equipadas com veículos blindados leves deve nos fazer pensar na relevância de equipar as forças com esse tipo de equipamento leve, cuja probabilidade de sobrevivência acaba sendo bastante pequena. O desejo americano de equipar as forças de reação com um poderoso meio de combate como o MPF (Mobile Protected Fire) parece ser uma solução coerente, o que também se reflete no interesse de muitos países pelos tanques leves. Este tipo de máquina, neste caso o SDM1-Sprut, não foi desdobrado na Ucrânia, provavelmente devido ao baixo número de máquinas em serviço. O equipamento de nossas brigadas leves baseadas no Serval e Jaguar pode precisar ser reconsiderado em vista das perdas sofridas pelas unidades aerotransportadas russas durante as primeiras horas de combate.

A proliferação de munição antitanque, mísseis e foguetes nos lembra mais uma vez da absoluta necessidade de um exército moderno ter meios de proteção para seus veículos blindados. Neste domínio, a França encontra-se numa situação delicada, depois de ter sido precursora nos anos 2010. Ainda há tempo para considerar a integração de um sistema de proteção ativa no Leclerc, pelo menos do tipo soft kill. O kit de vigilância perimetral Antares 360° equipado com detector a laser e acoplado a dois lançadores Galix contendo cada um quatro munições aumentaria a proteção do tanque enquanto aguarda-se a chegada do futuro sistema Prometeus. Parece ilusório pensar que o Leclerc poderá prescindir de tal sistema pelos quinze anos que nos separam da chegada do MGCS. O custo do recurso massivo e quase sistemático às várias armas antitanque deve também refletir-se na posse de sistemas muito eficientes mas muito dispendiosos, privando-nos da possibilidade de ter um número suficiente desses armamentos. Esta reflexão foi já iniciada na semana passada pelo CEO da MBDA durante a apresentação dos resultados anuais da empresa produtora do MMP, cujo custo unitário ronda os 250 mil euros.

No campo do treinamento, as deficiências do exército russo são gritantes e devem nos encorajar a refletir sobre o treinamento de nossas tripulações para torná-lo mais eficiente e eficaz. O primeiro fator que impactou fortemente as atividades de treinamento foi a implementação da PEGP (Política de Emprego e Gestão de Frotas) que teve como consequência imediata a retirada dos tanques dos regimentos e a desresponsabilização das tripulações, em agrupá-los nas diferentes parques criados para a ocasião. Quando conhecemos a ligação quase visceral dos tripulantes à sua máquina, o cuidado na realização das operações de manutenção e o conhecimento da máquina que estas permitem adquirir, parece óbvio que esta política contribuiu largamente para minar os alicerces das unidades blindadas. Essa medida permanente foi acompanhada de decisões pontuais que também levaram à redução do treinamento de nossas unidades, como a redução em um terço do volume de horas de treinamento entre 2019 e 2020, de 20.000 horas para 13.000 horas. No domínio do tiro, ainda que se ressalte a qualidade das ferramentas de simulação à disposição das tripulações, importa referir que um atirador não dispara nenhuma munição real durante o seu ciclo de formação no seu equipamento de pessoal, tendo que se contentar com munição de manejo que não contém ogiva. Essa prática financeiramente vantajosa equivale a privar as tripulações da possibilidade de disparar nas distâncias máximas de engajamento e de não dominar o uso das várias munições disponíveis. A estes vários fatores já desfavoráveis, convém acrescentar quanto ao resto do exército, as múltiplas restrições afastando por períodos mais ou menos longos as tripulações dos seus equipamentos de efetivos.

Se a falta de infantaria blindada mecanizada ao lado dos tanques russos que operam na Ucrânia se deve a fatores econômicos, para o exército francês a ausência de qualquer veículo de combate de infantaria sobre lagartas é de origem estrutural, consequência de escolhas sobre as quais o Blablachars já discutiu. As lições do conflito ucraniano devem alimentar rapidamente uma reflexão objetiva sobre a aquisição de veículos de combate sobre lagartas que dariam ao Exército uma real capacidade blindada mecanizada podendo enfrentar pelo menos adversários equivalentes. Sobre este último ponto, é provável que os retrocessos do exército russo na Ucrânia estejam ligados a erros de avaliação sobre o nível e a qualidade do adversário. Para muitos observadores, a análise russa teria sido influenciada negativamente pelos longos anos de conflitos assimétricos e sucesso contra inimigos menos poderosamente armadosA observação dos vários combates realizados pelo exército russo desde a queda do muro de Berlim mostra que este conseguiu afastar-se das exigências de uma operação de "alta intensidade" num teatro europeu. As intervenções na Chechênia, Geórgia e Crimeia, todas limitadas no tempo e realizadas em um espaço geograficamente definido, não permitiram modificar esse estado de espírito para realizar uma análise objetiva do inimigo.

O conflito ucraniano oferece aos exércitos ocidentais uma oportunidade "gratuita" de aprender lições concretas no campo do combate blindado. Erros e falhas russos destacam a falta de domínio de muitas habilidades individuais e coletivas essenciaisAs lições táticas, técnicas e humanas devem provocar reflexão, alimentar um verdadeiro debate sobre o combate blindado mecanizado e os meios de realizá-lo. O conflito ucraniano deve tirar o Exército da lógica de uma força expedicionária baseada unicamente na projeção de forças leves ou médias. Em relação ao tanque, seja ele chamado de monstro, dinossauro, caixão ou antediluviano, ele ainda permanece no centro da batalha terrestre. A recente transferência de tanques para a Ucrânia pela República Tcheca demonstra a importância para os dois beligerantes desta máquina nas operações em andamento. A reorientação das operações russas no leste da Ucrânia pode ser uma oportunidade para rever os tanques russos em ação nas formações de brigada ou divisão empregadas em operações que podem ser caracterizadas pelo emprego maciço de artilharia e o uso dessas formações blindadas em ações maciças destinadas a criar rupturas ou tomada de objetivos em áreas urbanas.

Ao contrário de muitas opiniões, o tanque não morreu na Ucrânia! Os compromissos futuros continuarão a consagrar o único veículo de combate terrestre que combina poder de fogo, mobilidade e proteção, cujo sucesso continuará a depender do seu emprego por uma equipe bem formada e treinada.

terça-feira, 5 de abril de 2022

SITREP: Atualização sobre as operações na Ucrânia, 5 de abril de 2022

Pelo Ten-Cel Michel Goya, La Voie de l'Épée, 5 de abril de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 5 de abril de 2022.

Situação Geral

As forças russas se retiraram rapidamente de todo o norte da Ucrânia, exceto, sem dúvida temporariamente, por uma faixa de terra ao norte de Sumy. Eles mantêm o terreno tanto quanto possível no sudoeste e, especialmente, fazem um esforço no norte de Donbass com a esperança de tomar Severodonetsk e Sloviansk.

Situações particulares

Norte

Retirada geral das forças russas. A manobra foi bastante bem organizada pelo Estado-Maior russo no Norte, mas à custa de perdas substanciais.

Sudoeste

Manutenção de posições por forças russas reduzidas. A 20ª Divisão Motorizada em posição à frente de Kherson teria sofrido particularmente. Na pior das hipóteses, as forças russas poderiam recuar para a linha do Dnieper e defender a ponte de Kherson.

Donbass

Situação confusa em Mariupol: transmissão de imagens de 200 soldados ucranianos se tornando prisioneiros. No entanto, as forças russas, também muito reduzidas, parecem estar a marcar o passo. Se a captura da cidade ainda parece próxima, é provável que a 150ª DM não possa ser reengajada mais tarde. Pior ainda, é possível que seja necessário recorrer às raras reservas russas, em detrimento do Norte-Donbass, para reforçá-la e tomar Mariupol o mais rápido possível.

Sempre esforço do 2º Corpo de Exército LNR em Popasna e Rubizhne e da 3ª DM russa em Severdonetsk. Preparativos para um ataque do 20º Exército a Sloviansk, cujos habitantes foram convidados a sair pelas autoridades ucranianas.

As operações no centro do Donbass, em frente a Donetsk e na fronteira sul, também foram interrompidas. É no entanto deste lado que as perspectivas são as mais interessantes para os russos e para o 1º CE DNR mas obviamente carecem de recursos.

Perspectivas

A Batalha do Donbass é sem dúvida agora a batalha decisiva da guerra. É improvável que o lado russo considere um cessar-fogo antes do final de abril e de contestar o resultado da batalha.

Se as duas províncias do Donbass, incluindo Mariupol, forem conquistadas, os russos poderão se declarar vencedores para 9 de maio, mesmo que seja uma vitória sem dúvida muito menor do que o previsto.

Caso contrário, isto é, se eles acharem impossível tomar o Donbass, talvez eles considerem um "cessar-fogo tático" para congelar a situação enquanto reconstituem suas forças para uma ofensiva subsequente em grande escala.

As possibilidades de manobra ucraniana são limitadas, mas reais, com várias brigadas liberadas das operações no Norte e no Oeste, onde a ameaça de uma ofensiva da Bielorrússia não parece mais relevante. Eles podem estar envolvidos no Sudoeste, mas não podem ir além do Dnieper. Acima de tudo, eles podem fortalecer a frente do Donbass e dificultar ainda mais a possibilidade de uma vitória russa nesta região antes do final do mês.

Notas

O número de destruição do Oryx (necessariamente menor que a realidade) indica um aumento significativo no número de perdas russas em veículos de combate (+ 230 tanques e veículos de infantaria blindados em uma semana, ou seja, + 50%). Isto é explicado pela descoberta de naufrágios nas áreas libertadas, mas também pelas perdas significativas sofridas no Donbass. Ao mesmo tempo, existem apenas 22 tanques e veículos blindados ucranianos listados.

A Rússia parece ter perdido o equivalente a cerca de trinta grupos táticos interarmas (GTIA) de 120 engajados e um potencial máximo de cerca de 140.

O GTIA russo é caracterizado por uma artilharia forte com geralmente três baterias de obuseiros/LRM e uma boa capacidade de choque com uma companhia de 10 carros de combate. Ele também possui um componente antiaéreo móvel, que é bastante ineficaz contra os drones. Por outro lado, é muito fraco na infantaria com no máximo 36 grupos de combate de dez homens, mas muitas vezes 24 que são bastante medíocres. Também tem muito pouca autonomia logística. Em resumo, o GTIA russo, complexo de gerenciar, combate com obuses a resistência que encontrou, mas por um tempo limitado antes de ser substituído ou reabastecido. Não é muito adequado lutar em uma localidade um tanto extensa.

Essa estrutura parece inadequada e já estamos vendo a formação de unidades mais fáceis de comandar baseadas apenas em companhias de combate aproximado, enquanto por outro lado estão reformando grupos de artilharia a partir de baterias recuperadas.

Fala-se de uma "mobilização mascarada" russa destinada a engajar 60.000 militares ativos, por exemplo, os quadros de escolas militares e novos voluntários na Ucrânia. Esses engajamentos individuais destinados a preencher as lacunas e não a constituir novas forças dão uma indicação do nível muito alto de perdas. A companhia Wagner agora aceita todo mundo.

Tendo em conta a tonelagem enviada para a Rússia por soldados russos que regressam do norte da Ucrânia através do posto bielorrusso, é possível que a já tensa logística seja ainda mais tensa pela extensão dos saques.

terça-feira, 29 de março de 2022

FOTO: Pôster ucraniano com as regras de manuseio de armas

Pôster ucraniano explicando manuseio de armamento com atrizes "à vontade".

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 29 de março de 2022.

Com o objetivo de acelerar a curva de aprendizado dos voluntários ucranianos, um pôster com atrizes pornográficas segurando armas em várias poses foi distribuído pelo exército ucraniano.

"Regras simples
    1. Sempre trate uma arma como se ela estivesse carregada.
    2. Nunca aponte uma arma para onde você não vai atirar.
    3. Não coloque o dedo no gatilho até que esteja pronto para atirar.
    4. Controle o espaço na frente e atrás do alvo.
    5. Certifique-se de atirar no inimigo, ou atirar apenas sob as ordens do comandante.
Regras para abrir fogo."

O pôster mirando "homens de cultura" é uma ideia criativa para captar a atenção dos soldados. É sempre interessante como andam de mãos dadas os homens das armas e estas mulheres "do lar", lembrando do artigo da revista Soldado da Fortuna na Playboy e da vez que uma soldado da Força Aérea americana foi playmate em três Playboys diferentes. Um outro exemplo famoso é calendário da Hot Shots, onde as modelos fazem ensaios com temática militar.

Esta não é a primeira vez que manuais são ilustrados de forma parecida para garantir que sejam lidos pela tropa. Na Segunda Guerra Mundial, o Exército alemão emitiu manuais com desenhos de pin-ups seminuas para tropas da Panzerwaffe em meio às instruções de cuidado com os blindados.

Lições sobre cuidados com o motor do tanque Tigre alemão.
Uma pin-up se refresca em um banho de ducha.

Ainda falando sobre pin-ups, os ucranianos também capitanearam um reavivamento das pin-ups militares após a invasão da Criméia em 2014 e início da "guerra híbrida" contra Moscou.


Homens de cultura, estes ucranianos...

Leitura recomendada:

segunda-feira, 28 de março de 2022

A visão de um ex-fuzileiro naval americano na Ucrânia

Um soldado ucraniano diante de uma canhão de artilharia autopropulsada russa destruída após uma batalha na cidade de Trostyanets, na região de Sumy.

Por Elliot Ackerman, The Times, 27 de março de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 28 de março de 2022.

Tecnologia e táticas só podem levá-lo até certo ponto na batalha. Os combatentes ucranianos obtêm sua maior vantagem da motivação superior, escreve Elliot Ackerman.

Algumas noites atrás, em Lviv, entrei no elevador do meu hotel depois do jantar, quando um homem vestido como um mochileiro enfiou a mão na porta que se fechava. Ele perguntou se eu era americano e como eu disse que era, notei sua lã. Tinha uma águia, um globo e uma âncora em relevo no peito esquerdo. "Você é um fuzileiro naval?" Perguntei. Ele disse que sim, e eu disse a ele que também servira nos fuzileiros navais.

Ele se apresentou (ele pediu que eu não usasse o nome dele, então vou chamá-lo de Jed) e perguntou se eu sabia onde ele poderia tomar uma xícara de chá. Ele tinha, depois de uma viagem de dez horas, acabado de chegar de Kiev.

Enquanto Jed estava sentado à minha frente no restaurante vazio do hotel, ele explicou que desde que chegou à Ucrânia no final de fevereiro, ele estava lutando como voluntário junto com uma dúzia de outros estrangeiros fora de Kiev. As últimas três semanas o marcaram. Quando perguntei como ele estava, ele disse que o combate foi mais intenso do que qualquer coisa que ele presenciou no Afeganistão. Ele começou a discutir os aspectos técnicos do que tinha visto, explicando em detalhes granulares como os militares ucranianos em inferioridade numérica e de armamentos haviam lutado contra os russos até um impasse.

Trincheiras na região de Donetsk têm sido usadas para afastar os rebeldes.

Primeiro, ele falou sobre armas anti-blindagem, particularmente a Javelin de fabricação americana e a NLAW de fabricação britânica. O último mês de combates havia demonstrado que o equilíbrio da letalidade havia se deslocado dos blindados para as armas anti-blindagem. Mesmo os sistemas de blindagem mais avançados, como o tanque de batalha principal russo da série T-90, mostraram-se vulneráveis, com suas couraças carbonizadas espalhadas pelas estradas ucranianas.

Quando mencionei a Jed que havia lutado em Fallujah em 2004, ele disse que as táticas que o Corpo de Fuzileiros Navais usaram para tomar aquela cidade nunca funcionariam hoje na Ucrânia. Em Fallujah, nossa infantaria trabalhou em estreita coordenação com nosso principal tanque, o M1A2 Abrams. Em várias ocasiões, observei nossos tanques receberem golpes diretos de granadas propelidas por foguetes (tipicamente RPG-7 de geração mais antiga) sem sequer gaguejar em seu progresso. Hoje, um ucraniano defendendo Kiev ou qualquer outra cidade, armado com um Javelin ou um NLAW, destruiria um tanque similarmente capaz.

Se o dispendioso tanque de batalha principal é a plataforma arquetípica de um exército (como é o caso da Rússia e da OTAN), então a plataforma arquetípica de uma marinha (particularmente a marinha americana) é o navio capital ultra-custo, como um porta-aviões. Assim como as modernas armas antitanque mudaram a maré para o exército ucraniano em menor número, a última geração de mísseis antinavio (tanto em terra quanto no mar) poderia no futuro – digamos, em um lugar como o Mar da China Meridional ou no Estreito de Ormuz - vire a maré para uma marinha aparentemente superada. Desde 24 de fevereiro, os militares ucranianos demonstraram de forma convincente a superioridade de um método de guerra centrado em antiplataforma. Ou, como disse Jed: “No Afeganistão, eu costumava sentir inveja daqueles tanquistas, abotoados em toda aquela blindagem. Não mais."

Isso levou Jed ao segundo assunto que ele queria discutir: táticas e doutrina russas. Ele disse que passou grande parte das últimas semanas nas trincheiras a noroeste de Kiev. "Os russos não têm imaginação", disse ele. “Eles bombardeiam nossas posições, atacam em grandes formações e, quando seus ataques falham, fazem tudo de novo. Enquanto isso, os ucranianos fariam incursões nas linhas russas em pequenos grupos noite após noite, desgastando-os.” A observação de Jed ecoou uma conversa que tive no dia anterior com Andriy Zagorodnyuk. Após a invasão russa do Donbas em 2014, Zagorodnyuk supervisionou uma série de reformas nas forças armadas ucranianas que agora estão dando frutos, entre elas mudanças na doutrina militar da Ucrânia; então, de 2019 a 2020, ele atuou como ministro da defesa.

Um soldado ucraniano guarnece um veículo blindado nos subúrbios de Kiev.

A doutrina russa se baseia no comando e controle centralizado, enquanto o comando e controle no estilo de missão - como o nome sugere - depende da iniciativa individual de cada soldado, do soldado ao general, não apenas para entender a missão, mas também para usar sua iniciativa para se adaptar às exigências de um campo de batalha caótico e em constante mudança para cumprir essa missão. Embora as forças armadas russas tenham se modernizado sob Vladimir Putin, nunca adotaram a estrutura de comando e controle descentralizada no estilo de missão que é a marca registrada das forças armadas da OTAN e que os ucranianos adotaram desde então.

“Os russos não capacitam seus soldados”, explicou Zagorodnyuk. “Eles dizem a seus soldados para irem do Ponto A ao Ponto B, e somente quando chegarem ao Ponto B eles serão informados para onde ir em seguida, e os soldados juniores raramente são informados do motivo pelo qual estão realizando qualquer tarefa. Esse comando e controle centralizados podem funcionar, mas somente quando os eventos ocorrerem conforme o planejado. Quando o plano não se sustenta, seu método centralizado entra em colapso. Ninguém pode se adaptar, e você acaba tendo coisas como engarrafamentos de 40 milhas fora de Kiev.”

Durante um ataque noturno fracassado em sua trincheira, Jed disse que um grupo de soldados russos se perdeu na floresta próxima. “Eventualmente, eles começaram a chamar gritando”, disse ele. “Eu não pude evitar; eu me senti mal. Eles não tinham ideia de para onde ir.” Quando perguntei o que aconteceu com eles, ele retornou um olhar sombrio.

Em vez de contar essa parte da história, ele descreveu a vantagem que os ucranianos desfrutam na tecnologia de visão noturna. Quando eu disse a ele que tinha ouvido que os ucranianos não tinham muitos óculos de visão noturna, ele disse que era verdade e que eles precisavam de mais. “Mas nós temos Javelins. Todo mundo está falando sobre os Javelins como uma arma antitanque, mas as pessoas esquecem que os Javelins também têm uma CLU.”

Os mísseis Javelin fornecidos pelo Reino Unido, retratados em um exercício de treinamento, foram inestimáveis.

A CLU, ou unidade de comando de lançamento, é uma óptica térmica de alta capacidade que pode operar independentemente do sistema de mísseis. No Iraque e no Afeganistão, muitas vezes carregávamos pelo menos um Javelin em missões, não porque esperávamos encontrar qualquer tanque da Al-Qaeda, mas porque o CLU era uma ferramenta tão eficaz. Nós o usávamos para vigiar os cruzamentos de estradas e nos certificar de que ninguém estava colocando IEDs. O Javelin tem um alcance superior a uma milha, e o CLU é eficaz a essa distância e além.

Perguntei a Jed em que distâncias eles estavam enfrentando os russos. “Normalmente, os ucranianos esperariam e os emboscariam bem perto.” Quando perguntei o quão perto, ele respondeu: “Às vezes assustadoramente perto”. Ele descreveu um ucraniano, um soldado que ele e alguns outros falantes de inglês haviam apelidado de “Maníaco” por causa dos riscos que ele corria ao engajar blindados russos.

Napoleão, que lutou muitas batalhas nesta parte do mundo, observou que “o moral está para o físico como três está para um”. Eu estava pensando nessa máxima quando Jed e eu terminamos nosso chá. Na Ucrânia – pelo menos neste primeiro capítulo da guerra – as palavras de Napoleão foram verdadeiras, provando-se de muitas maneiras decisivas. Em minha conversa anterior com Zagorodnyuk, enquanto ele e eu passamos pelas muitas reformas e tecnologias que deram vantagem aos militares ucranianos, ele foi rápido em apontar a única variável que ele acreditava que superava todas as outras. “Nossa motivação – é o fator mais importante, mais importante do que qualquer coisa. Estamos lutando pela vida de nossas famílias, por nosso povo e por nossos lares. Os russos não têm nada disso, e não há nenhum lugar onde eles possam ir para obtê-lo.”

Sobre o autor

Elliot Ackerman é o autor do romance Red Dress in Black and White e co-autor do romance 2034. Ele é um ex-fuzileiro naval e oficial de inteligência que serviu cinco vezes no Iraque e no Afeganistão.

As Pedras Estão Clamando: Uma perspectiva realista sobre a invasão russa na Ucrânia


“E, respondendo Ele, disse-lhes: Digo-vos que, se estes se calarem, as próprias pedras clamarão.” 
Lucas 19:40.

Após um mês de invasão russa na Ucrânia, entre muitas incertezas, ao menos um fato delineia-se de forma clara: a iniciativa de Vladimir Putin foi um enorme equívoco. Ampliou-se sobremaneira o afastamento russo em relação à Comunidade Internacional, com reflexos devastadores na economia de um país já combalido nessa área desde a queda da União Soviética, e as justificativas russas para a invasão foram rechaçadas de maneira acachapante na ONU e outros fóruns. Para piorar a situação, mesmo no plano militar, que seria, ao menos em tese, o mais promissor, os russos enfrentam dificuldades. A Operação Especial, como gostam de denominar, está demorando muito mais que o previsto por todos – incluindo o autor destas linhas –, consumindo recursos humanos e financeiros importantes. A consequente elevação do número de vítimas civis contribui para piorar a já péssima reputação de que goza o Kremlin.

Com tantos revezes nos aspectos político, econômico e militar, a pergunta que não quer calar é: O que levou Vladimir Putin a tomar uma decisão tão radical, com consequências potencialmente ruins para o seu próprio regime? O número de interpretações se avoluma em publicações diuturnas na imprensa. De palpiteiros a analistas de reconhecida competência, todos procuram decifrar o enigma da esfinge putinista, esgrimindo argumentos que vão do político ao psicológico. Poucos, porém, parecem confiar nas ferramentas do Realismo Clássico para a realização dessa tarefa, refletindo o esprit-du-temps no qual vivemos desde a queda do Muro. O realismo é encarado como algo demodê, superado.


Na opinião deste que vos escreve, os preconceitos de nossa época, embora naturais – todas as épocas os têm –, atrapalham o entendimento da questão. Se formos analisar a trajetória de Vladimir Putin, veremos que um traço comum de sua mentalidade é justamente o realismo político, tanto no plano interno quanto externo. O triunfalismo liberal que governa as mentes ocidentais, por essa razão, tem sido causa de muitos dos desacertos entre o Ocidente e a Rússia, como bem pontua John Mearsheimer [1], apesar de eu discordar de algumas de suas conclusões, por exemplo, quanto à absoluta responsabilidade do Ocidente pelo caso em tela. A responsabilidade de fato existe, mas é relativa.

Sim, têm razão os que, como Mearsheimer, afirmam que a Rússia foi sistematicamente alienada da Ordem Internacional pela política externa americana desde o fim da URSS. Legítimas preocupações de segurança do Estado russo foram ignoradas, mesmo em questões que diziam respeito à sua periferia histórica - vale relembrar o episódio em que Clinton comunica a invasão da Sérvia a Yeltsin não antes, e sim depois de a decisão ser unilateralmente tomada pelos EUA [2], ultrajando e humilhando um líder que sempre se mostrou disposto a cooperar com o Ocidente. Mas a Rússia é grande o suficiente para não ser tomada como um ator meramente passivo no tabuleiro internacional de poder: ela toma suas decisões e deve ser responsabilizada por elas. O ressentimento por três décadas de declínio explica muito da atual animosidade russa, porém não é justificativa suficiente para ações como a que se verifica agora na Ucrânia, sobretudo em se tratando de um dos garantes do Memorando de Budapeste, no qual se comprometeu a jamais atentar contra a soberania territorial do vizinho. Acordos a respeito de questões tão sensíveis existem para serem honrados.


As alegações russas, portanto, devem ser encaradas com uma dose saudável de ceticismo. Se a perspectiva de uma Ucrânia incorporada à União Européia é incômoda e a de uma admissão à OTAN inaceitável, nenhuma das duas se concretizou. O simples fato de os ucranianos elegerem um governo encarado como “pró-ocidental” é assunto interno de um país soberano, não devendo ser objeto de ingerência de qualquer natureza, a não ser que, e aqui quero começar minha contribuição com este texto, o objetivo russo não seja apenas reconstruir sua zona de influência no leste europeu, mas iniciar uma nova etapa de expansão imperial.

E por que diabos isso seria sequer desejável para a Rússia? Aos adeptos do liberalismo político isso não faz sentido, pois a era dos impérios é um passado a ser esquecido. No mundo pós-moderno, a interdependência comercial regularia os conflitos internacionais, tornando as guerras obsoletas e os impérios inviáveis. No lugar dos campos de batalha, teríamos a OMC (Organização Mundial do Comércio) e outras ‘Instituições’, bem ao sabor de Francis Fukuyama em O Fim da História. Ocorre que, feliz ou infelizmente, a história não acabou, tampouco as grandes nações deixaram de comportar-se como impérios: os EUA, campeões da nova ordem global, invadiram o Iraque, o Afeganistão e a Síria, além de protagonizarem diversas intervenções nos Bálcãs e no Oriente-Médio. Decerto não estavam nesses lugares para fazer caridade ou comércio, e sim para defender os interesses geopolíticos americanos na base da força. A globalização, tão celebrada e promovida pelas potências ocidentais, tem seus perdedores, podendo ser encarada como uma forma tão moderna quanto insidiosa de imperialismo, baseada na exploração das assimetrias de desenvolvimento regionais.


A Rússia é, com certeza, uma das perdedoras desse arranjo, e a maior entre os países considerados potências geopolíticas. Apesar de um saldo migratório positivo, consequência do influxo de migrantes russófonos das ex-repúblicas soviéticas, o país viu sua população decair em 4 milhões de habitantes de 1991 a 2021 devido ao declínio na natalidade [3], sendo as difíceis condições econômicas, a alta prevalência de vício em drogas e álcool e a desagregação familiar as principais causas. Nos anos 1990, o país vivia uma crise de identidade, tanto em relação a si quanto ao seu lugar no mundo. No plano interno, o governo Putin patrocinou uma verdadeira Renascença Ortodoxa, a fim de revitalizar as tradições erodidas pelas décadas de ateísmo de estado; em matéria de política externa, tratou de reconstruir a imagem de Rússia forte, alcançando relativo sucesso. As indústrias energética, bélica e alimentícia foram privilegiadas, reforçando o caráter pragmático da Administração Putin, que focou na produção de bens essenciais para a sobrevivência dos Estados.

Tais iniciativas, contudo, não foram capazes de evitar a estagnação econômica. Dados da série histórica do Banco Mundial apontam uma média de crescimento muito baixa no período entre 1990 e 2021, ou seja, a economia russa hoje é relativamente menor do que era ao final da URSS. Três décadas perdidas que cobraram seu preço na indústria militar: apesar de manter o status tecnológico de ponta, o orçamento de defesa russo tem, atualmente, tamanho similar ao de potências médias como Reino Unido e França [4]. Nesse ínterim, a China avançou de roldão sobre a Eurásia, tradicional área de influência: Cazaquistão, Quirguistão e Turcomenistão já possuem mais relações econômicas com a China do que com a Rússia, e a situação no Uzbequistão e no Tajiquistão evolui rapidamente no mesmo sentido. Astana aparece como parceiro preferencial dos chineses, destino de investimentos vultuosos no contexto da Nova Rota da Seda (Belt and Road Initiative – BRI)[5]. Se a expansão da OTAN e da União Européia a leste é incômoda para os russos, é lógico pensar que o mesmo se aplica a esses desenvolvimentos no subcontinente eurasiano, área que MacKinder costumava chamar de Pivô Geográfico da História.


E por que Moscou não verbaliza seu desconforto neste caso? Provavelmente por lhe faltar condições. A deterioração das relações com o ocidente fez de Pequim a única alternativa de parceria estratégica, o que não significa que essa relação não tenha suas tensões. A relação comercial Sino-Russa é desfavorável à última: enquanto aquela exporta produtos de valor agregado, esta comercializa majoritariamente matérias-primas. Espremida por dois imperialismos em expansão constante, é natural que a Rússia se sinta ameaçada. Mantidos tais padrões de desenvolvimento demográfico e econômico, não é nenhum exagero afirmar que existe um risco real de vassalização no médio prazo. Talvez seja a esse tipo de ameaça existencial que o Porta-Voz do Kremlin, Dmitry Peskov, se referiu em entrevista recente [6].

Minha tese é que esse impasse, mais do que qualquer condicionamento ideológico, psicológico ou político, leva a Rússia ao ataque. Incapazes de se adaptarem aos novos arranjos de domínio por meio das assimetrias de desenvolvimento e se vendo, eles mesmos, vítimas desses processos, os russos tratam de reconstruir seu Lebensraum (espaço vital) à moda antiga, a pontapés. E o observador atento notará que a tática não foi posta em prática agora, de sopetão, mas cuidadosamente preparada e implementada por meio de aproximações sucessivas. Geórgia (2008), Criméia (2014) e agora toda a Ucrânia - em cada uma das ocasiões o Kremlin testou a reação ocidental e progrediu em escala. Outra característica comum dessas incursões militares é que foram precedidas por momentos de alta nas cotações das principais commodities de exportação, reforçando o caixa com moeda forte, já prevendo sanções econômicas como reação.


Tudo leva a crer que a Rússia perdeu a confiança na capacidade de projetar-se por meios políticos. As tentativas de manutenção de sua esfera de influência geoestratégica foram malogradas, nos casos da CEI (Comunidade de Estados Independentes) e da OTSC (Organização do Tratado de Segurança Coletiva), por sua própria iniciativa: a Geórgia se retirou após a invasão da Abecásia e da Ossétia do Sul e a Ucrânia em 2018, por razões óbvias. Já a Comunidade Econômica Eurasiática, hoje União Econômica Eurasiática (UEE), não decola pela baixa performance econômica de seus membros. Com um tal histórico, fica difícil pensar em reversão do quadro por meios convencionais.

Resta, portanto, a força como último recurso. Se ela, sozinha, será suficiente para tornar a Rússia novamente competitiva na corrida das potências mundiais, eu duvido. Contudo, enquanto ela for capaz de reagir agressivamente a um declínio que parece cada vez mais inexorável, é certo que muitos danos serão causados à estabilidade mundial. E se a hipocrisia desta geração calar as poucas vozes capazes de declarar a verdade sobre a Política de Poder, não haverá problema: as ‘pedras’ da Realpolitik clamarão e far-se-ão ouvir, ainda que por meio de bombas e mísseis.

Éder Fonseca
23 de março de 2022


Notas

quinta-feira, 24 de março de 2022

A vacilante política externa de Xi Jinping: Os perigos do governo do homem-forte

O presidente russo Vladimir Putin e o presidente chinês Xi Jinping em Pequim, fevereiro de 2022.
(Aleksey Druzhinin / Reuters)

Por Jude Blanchette, Foreign Affairs, 16 de março de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 24 de março de 2022.

A guerra na Ucrânia e os perigos do governo do homem-forte.

Independentemente de Pequim ter alertado antecipadamente sobre a invasão da Ucrânia pela Rússia, a decisão do líder chinês Xi Jinping de emitir um comunicado no mês passado descrevendo uma parceria “sem limites” com Moscou foi sem dúvida o maior erro de política externa de seus quase dez anos no poder. O presidente russo, Vladimir Putin, receberá a maior parte da reação por seu ataque não provocado à Ucrânia, mas a declaração pública de Xi, juntamente com o contínuo apoio diplomático de Pequim a Moscou, minou a reputação da China e provocou novas preocupações sobre suas ambições globais. De fato, a intensificação da guerra na Ucrânia já provocou pedidos para que Taiwan melhore suas capacidades de defesa e deu a parcerias de segurança como a OTAN, o Quad e o AUKUS um senso de propósito renovado.

O apoio imprudente de Xi a Moscou às vésperas da desastrosa campanha militar da Rússia não é seu primeiro grande passo em falso na política externa. Sua decisão de retaliar autoridades da UE em março passado, em resposta a sanções por abusos de direitos humanos em Xinjiang, custou a Pequim um acordo de investimento há muito cobiçado com a Europa. Suas ameaças a Taiwan estão aproximando Washington e Taipei e forçando outras potências regionais, como Austrália e Japão, a declarar seu próprio interesse na segurança de Taiwan. E o confronto dos militares chineses em 2020 com o exército indiano no Vale de Galwan galvanizou a opinião da linha dura em Nova Délhi. Esses fracassos crescentes destacam uma tendência cada vez mais evidente: quanto mais poderoso Xi se torna e quanto mais autoridade direta ele exerce sobre a política externa de Pequim, mais adversos são os resultados para os interesses estratégicos de longo prazo da China. Após décadas de manobras relativamente ágeis e eficazes da liderança pós-Mao, Xi levou a política externa a uma nova direção – definida por uma maior tolerância ao atrito com os Estados Unidos, Europa e potências vizinhas e caracterizada por pouco debate interno ou entrada externa. O que está tomando forma é menos a política externa da China do que a de Xi.

Desengajamento de tanques de batalha principais chineses e indianos nas margens sul do passo de Pangong Tso, 10 de fevereiro de 2021.

Com Xi pronto para assumir um terceiro mandato de cinco anos como líder da China no próximo 20º Congresso do Partido, é fundamental que os Estados Unidos e seus aliados entendam não apenas os impulsionadores e os contornos de sua política externa, mas o ecossistema político e burocrático em que ele toma decisões. Como a jogada imprudente de Putin na Ucrânia provou, um líder autocrático cercado por bajuladores e alimentado por queixas históricas e ambições territoriais é uma perspectiva ameaçadora. Xi não é Putin e a China não é a Rússia, mas seria imprudente ignorar os crescentes paralelos.

O Homem-Forte

Dizer que Xi consolidou o poder na China é afirmar o óbvio. Poucos contestam que Xi ocupa uma posição singular dentro do aparato burocrático da China, e é cada vez mais difícil negar que algo semelhante a um culto à personalidade está se desenvolvendo na mídia estatal e em outros canais de propaganda. No entanto, as implicações dessa realidade são insuficientemente apreciadas, especialmente seu impacto no comportamento do partido-Estado chinês.

Considere um padrão que surgiu em sistemas políticos autoritários em que os líderes permanecem no cargo por muito mais tempo do que seus colegas democráticos e com mandato limitado. Quanto mais tempo um líder permanece no poder, mais as instituições estatais perdem sua competência administrativa e independência à medida que evoluem para atender às preferências pessoais desse líder. Rodadas sucessivas de expurgos e promoções moldam o caráter da burocracia, movendo-a incrementalmente na mesma direção da grande visão do líder. O que pode começar como punição formal por oposição explícita à liderança acaba se tornando um clima de autocensura informal à medida que os membros da burocracia passam a entender a inutilidade da dissidência e ficam mais sintonizados com as expectativas tácitas de conformidade. O líder também se torna mais distante e isolado, contando com um grupo cada vez menor de conselheiros de confiança para tomar decisões. A maioria desses indivíduos permanece à mesa porque demonstra lealdade absoluta.

Soldado chinês com uma máscara em Wuhan diante de um retrato de Mao Tsé-tung quando o governo chinês bloqueou o local, 22 de janeiro de 2020.

Esse pequeno círculo, por sua vez, atua como a janela do líder para o mundo, deixando muito dependente da precisão da representação da realidade externa que seus membros optam por fornecer. Um processo de tomada de decisão tão opaco torna difícil para observadores externos interpretarem os sinais da liderança central. Mas ainda mais crucial, torna difícil para os atores desses sistemas autocráticos antecipar e interpretar as ações de seus líderes. O resultado é uma política externa cada vez mais imprevisível, com o líder formulando em segredo decisões precipitadas e o resto da burocracia correndo para se adaptar e responder.

Xi não é Putin e a China não é a Rússia, mas seria imprudente ignorar os crescentes paralelos.

O paralelo óbvio no caso chinês é Mao Tsé-Tung, que supervisionou um tortuoso esvaziamento das instituições políticas e administrativas nascentes da China. A subserviência a Mao definia a burocracia, e as promoções eram baseadas na correção ideológica. Embora outros atores tenham influenciado a política externa de Pequim, notadamente o primeiro-ministro Zhou Enlai, o fator mais importante que moldou o comportamento estratégico da China foi a opinião pessoal de Mao. Mas identificar o domínio de Mao sobre a burocracia chinesa não forneceu, por si só, pistas sobre futuras decisões de política externa. A crença de Mao na luta revolucionária global o levou a apoiar movimentos armados no Sudeste Asiático, e seu senso de realpolitik o levou a normalizar as relações com os Estados Unidos arquicapitalistas apenas alguns anos depois. O ponto-chave da política externa de Mao, como é hoje com a de Xi, era que os observadores externos precisavam estar sintonizados com sua visão de mundo, suas ambições e suas ansiedades para entender, antecipar e sobreviver a seus movimentos.

Xi, claro, não é Mao. Ele não deseja fomentar a revolução global, e sua visão da ordem política doméstica adequada é muito mais conservadora do que a de Mao. Também é importante notar que a oposição interna à política externa cada vez mais nacionalista e belicosa de Xi existe claramente e provavelmente crescerá à medida que suas decisões afetarem os interesses da China. Mas, ao mesmo tempo, há pouco que um possível oponente possa fazer para restringir significativamente Xi – tal é o nível de autoridade política e burocrática esmagadora que ele agora exerce. Seus apoiadores ocupam posições no ápice de todos os centros de poder do Estado, incluindo as forças armadas, o setor de segurança doméstica e a economia estatal. Xi não administra o sistema político da China sozinho, mas, como na Rússia de Putin, a consolidação da autoridade personalizada por um longo período de tempo reformulou os processos de tomada de decisão em favor do titular e de seus assessores. Como resultado, em questões que vão de Taiwan à Ucrânia, todo o sistema político na China aguarda as ordens de Xi. A política externa no período do 20º Congresso do Partido, que vai de 2022 a 2027, será, portanto, impulsionada pela visão subjetiva de Xi dos eventos internacionais e do ecossistema de tomada de decisão cada vez mais isolado que o cerca.

Uma equipe de bajuladores

Como pode ser essa nova era? Em um nível prático, caracterizará a marginalização contínua dos órgãos externos do governo. Considere o Ministério das Relações Exteriores. No papel, o MFA deve ser um canal vital para entender as ações e as intenções da liderança sênior da China em política externa. De fato, é por isso que a coletiva de imprensa diária do MFA foi historicamente vista como importante, pois foi uma das poucas janelas que observadores externos tiveram no pensamento de Pequim.

Na prática, no entanto, o MFA está se esforçando cada vez mais para interpretar os sinais vindos do escritório de Xi, como evidenciado por seus pontos de discussão diários em constante mudança sobre a crise ucraniana. A mesma dinâmica existe dentro do Escritório de Assuntos de Taiwan (Taiwan Affairs Office, TAO), que é, pelo menos no papel, responsável pela política através do Estreito. Tornou-se evidente nos últimos anos que o TAO muitas vezes é pego de surpresa pelas decisões de Xi e fica embaralhado tanto para interpretar quanto para implementar suas políticas. Será importante entender as realidades funcionais dessa marginalização burocrática daqui para frente, pois as declarações do governo chinês nem sempre refletem com precisão as opiniões de Xi. Mais importantes do que as burocracias tradicionais serão os órgãos opacos e secretos, como a Comissão de Segurança Nacional e os vários “pequenos grupos líderes” que Xi comanda.

O círculo de conselheiros de Xi também continuará encolhendo. Embora não seja incomum que os líderes de qualquer sistema político valorizem o conselho de algumas poucas vozes selecionadas, a tomada de decisão eficaz exige que esses conselheiros apresentem pontos de vista conflitantes. Ainda há muito a aprender sobre como Putin passou a acreditar que poderia alcançar uma vitória rápida sobre a Ucrânia, mas os primeiros sinais indicam que seus conselheiros militares o enganaram sobre o verdadeiro estado do exército ucraniano. Este é um lembrete trágico de como as informações precisas são críticas para qualquer organização política, especialmente em sistemas mais fechados e autoritários. Pelo que os analistas entendem, os confidentes de Xi, incluindo Li Zhanshu, Ding Xuexiang e Wang Huning, são atores burocráticos formidáveis, mas não há indicação de que eles desafiem seus julgamentos ou precedentes. E à medida que alguns desses altos funcionários se aposentam, Xi estará cada vez mais cercado por líderes seniores mais jovens, mais inexperientes e mais flexíveis. O que Xi precisa é de uma equipe de rivais. O que ele tem agora e provavelmente terá no futuro é um grupo de puxa-sacos.

A perspectiva de Xi sobre o ambiente de segurança da China na próxima década é cada vez mais pessimista.

Depois, há a questão crítica da visão de mundo de Xi. Está ficando claro em seus discursos e artigos que a visão de Xi sobre o ambiente de segurança da China na próxima década é cada vez mais pessimista. Como disse recentemente, “a situação internacional continua passando por profundas e complexas mudanças”, acrescentando que “o jogo das grandes potências está cada vez mais intenso, [e] o mundo entrou em um novo período de turbulência e mudança”. Os Estados Unidos, acredita Xi, formalizaram uma política de contenção em relação a Pequim. Quando Washington fala em trabalhar com “aliados e parceiros”, Xi ouve ecos do cerco da época da Guerra Fria, decretado por meio do que ele chama de “pequenos círculos exclusivos [e] blocos que polarizam o mundo”. Esse diagnóstico provavelmente levou Xi a se aproximar de Putin e Moscou nos meses que antecederam sua reunião em fevereiro e é por isso que ele não abandonará a Rússia daqui para frente.

A fragata chinesa Weifang é recebida na Cidade do Cabo, na África do Sul, antes do Exercício Marítimo Multinacional de 2019 com as marinhas russa e sul-africana.

Mas não é apenas o pessimismo que anima a visão de mundo de Xi; é um forte senso de nacionalismo, alimentado por sua confiança no poder econômico e militar do Partido Comunista Chinês e sua atitude desdenhosa em relação à coesão e estabilidade dos Estados Unidos e de outras democracias. Embora seja indiscutivelmente verdade que Pequim tenha enfatizado demais uma narrativa do declínio dos EUA para fins de propaganda doméstica, as ações de Xi, no entanto, indicam que ele se sente à vontade para afirmar os interesses de Pequim, mesmo quando eles colidem com as capacidades e determinação dos Estados Unidos e seus aliados. Existem inúmeros exemplos dessa dinâmica, desde a evisceração da China das instituições democráticas de Hong Kong até sua campanha contínua de coerção econômica contra a Austrália. O ponto aqui é menos que Pequim adote essas políticas de confronto sem pagar um preço (o que faz), mas sim que a tolerância ao risco de Xi parece ter crescido em resposta às suas avaliações mutáveis do equilíbrio de poder global.

A combinação de um autocrata irrestrito e nacionalista que abriga uma visão cada vez mais sombria do ambiente externo cria um período potencialmente volátil à frente. A posição da China nos assuntos globais é muito mais importante hoje do que durante a era Mao. O ambiente internacional em que Xi tenta orientar os interesses chineses também é significativamente diferente do que era nas décadas de 1960 e 1970. Sem a relativa previsibilidade da bipolaridade da época da Guerra Fria, a competição hoje é mais complicada e mais difícil de navegar. Para compensar, os Estados Unidos e seus aliados devem priorizar a comunicação direta com Xi para garantir que ideias alternativas perfurem sua bolha de liderança.

Também será fundamental que os líderes de países com ideias semelhantes transmitam mensagens consistentes durante suas próprias interações separadas com a liderança da China. Afinal, uma coisa é Xi descartar Washington como preso em uma “mentalidade da Guerra Fria”, mas outra é ignorar uma ampla coalizão de aliados democráticos. Nas últimas quatro décadas, a China mostrou repetidamente que pode mudar de rumo antes de cortejar o desastre. A questão agora é se pode fazê-lo novamente sob Xi.

Jude Blanchette é Freeman Chair em Estudos da China no Centro de Estudos Estratégicos e Internacionais.