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domingo, 3 de maio de 2020

GALERIA: O legado militar do Rio de Janeiro - O Forte de Copacabana

Forte de Copacabana.

Por Júlio A. Montes, Small Arms Defense Journal, 26 de maio de 2017.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 3 de maio de 2020.

Há uma linhagem militar considerável nesta bela cidade brasileira - invisível para a maioria e, no entanto, claramente presente em todo o lugar. Por exemplo, vôos internacionais pousam no terminal que compartilha espaço com a Base Aérea do Galeão. Qualquer pessoa que escala o Pão de Açúcar na verdade inicia a subida no Forte São João, sede da Escola de Educação Física do Exército Brasileiro. A Fortaleza de São João da Barra do Rio de Janeiro é um forte do século XVI estabelecido por Portugal para proteger a Baía da Guanabara de invasões francesas. Hoje, o movimentado porto comercial é dominado pelas instalações do Arsenal da Marinha do Rio de Janeiro (AMRJ). A base data de dezembro de 1763 e foi designada Arsenal Real da Marinha quando a Família Real Portuguesa chegou em 1808. De fato, uma considerável atividade militar ocorre em toda a metrópole. Quem pode esquecer que, antes da Copa do Mundo de 2014, 2.500 soldados, com equipamento de combate completo e apoiados por veículos blindados da Marinha, se moviam rápida e silenciosamente pelas favelas do Rio?

Torre Duque de Caxias, equipada com dois canhões Krupp de 305mm.
(J. Montes)

O Brasil, como os EUA, é uma nação federada, composta por um governo federal, governos estaduais e governos locais. Copacabana é um bairro do Rio, famoso por suas praias, hotéis, restaurantes e biquínis. A propósito, a nudez supõe ser banida nas praias - essa é a razão do design e da popularidade dessas roupas de banho diminutas como forma de burlar a lei. O bairro de Copacabana é um dos muitos que corre ao longo da frente de águas cristalinas: Flamengo, Botafogo, Leme, Arpoador, Ipanema e Leblon.

O Forte de Copacabana

No extremo sul de Copacabana, e basicamente um ponto de separação para o bairro de Ipanema e a uma curta distância da estação de metrô Cantagalo, encontramos o Museu Histórico do Exército de Copacabana. Essa também é uma base militar ativa, mas o público é permitido entrar na fortaleza e descer nos limites do forte, onde permanecem duas torres enormes e formidáveis. O Exército Brasileiro iniciou a construção do forte em 1908 em um promontório de frente para a bela praia e protegendo a entrada do porto do Rio de Janeiro. A construção terminou em 1914. Na margem da fortaleza, existem duas torres blindadas: uma com dois canhões Krupp de 305mm, chamada Duque de Caxias, e a outra, um par de Krupps de 190mm, chamada André Vidal. As torres eram capazes de girar 360 graus e tinham um campo de fogo que se estendia entre 20m e 18.200 metros.

Canhão Vickers Armstrong Mark XIX 152,4mm em Copacabana.
(J. Montes)

O Museu está aberto ao público entre as 10h e as 18h, de terça a domingo, e a entrada em 2015 foi de R$6 por adulto. O público realmente entra em um portão vigiado que leva ao estacionamento da frente do forte. Esta é uma base militar ativa, portanto as instalações de um lado da fortaleza permanecem fechadas ao público. Um portão velho, com um guarda de uniforme vintage colorido, e um guichê de entrada, sinaliza a entrada pública da base antiga; no entanto, antes de chegar lá, existem vários prédios vigiados. O corredor leva a um prédio militar de três andares, onde encontramos várias exposições focadas em diferentes períodos e eventos da história do Exército Brasileiro. Os dois temas principais cobrem o Salão Colônia-Império e o Salão da República. O Salão Colônia-Império, inaugurado em 1996, apresenta a história do Exército Brasileiro relacionada ao período colonial, incluindo a ocupação e expansão brasileira e a gênese da força terrestre nacional além do período imperial, cobrindo a independência e a participação do Exército Brasileiro na Guerra da Tríplice Aliança (Guerra do Paraguai). O Salão da República, inaugurado em 1998, apresenta o Exército Brasileiro no regime republicano até 1945; abrange também a Rebelião Armada, a modernização do Exército Brasileiro, a contribuição do Marechal Rondon para o Brasil e a participação da Força Expedicionária Brasileira [na Segunda Guerra Mundial].

Uma das exposições dedicadas à Força Expedicionária Brasileira no Forte de Copacabana.
(J. Montes)

Atrás do edifício fica a entrada da fortaleza original, e os corredores levam ao quartel e às áreas de munição. As exposições imitam a vida dentro da fortaleza, com manequins encontrados na enfermaria, nos beliches e em outras áreas internas. O corredor leva a um mecanismo maciço e sistema de disparo usado pelas torres e pelos canhões. Siga as indicações para o telhado da fortaleza, onde a bela baía é claramente visível, e as torres blindadas contendo as enormes peças de artilharia dão uma sensação surreal. Além disso, no horizonte, há um número de navios cargueiros entrando nesta cidade costeira.


O forte funcionava como defesa costeira, então seus corredores são completados com várias exposições e peças de artilharia. Há canhões Hotchkiss de 5 canos e outras armas incomuns à vista. Um deles é o obus britânico Vickers Armstrong de 152,4mm. Os modelos exibidos aqui são do tipo XIX 1914/1917, adquiridos pelo Exército Brasileiro em 1940 dos EUA. Existem duas casamatas onde se diz que armas de 75mm já foram instaladas, e também há um pequeno restaurante com vista para a baía, onde uma boa xícara de café ou várias caipirinhas podem complementar a vista. A propósito, caipirinha é um coquetel nacional feito com cachaça, misturado com açúcar e limão.

Os 18 do Forte: Tenentes Eduardo Gomes, Siqueira Campos e Nílton Prado, civil Otávio Correia e soldados desconhecidos.

A guarnição liderou uma revolta em 1922. Na época, a cidade do Rio de Janeiro era a capital do Brasil, e o governo estava nas mãos de um governo central dominado pela classe oligarca dos cafeicultores e as forças armadas. O poder executivo foi desafiado por uma coalizão de comerciantes, banqueiros, trabalhadores de colarinho branco, industriais e outros grupos civis, além de oficiais militares subalternos, a maioria treinados na Europa*, e constituindo o que era conhecido como Tenentismo. Esta explodiu em 5 de julho de 1922, quando tenentes desencadearam um ataque à partir do forte contra o governo. O movimento deveria incluir várias outras instalações militares, mas, no final, apenas o Forte Copacabana, alguns elementos da Vila Militar, o Forte Vigia, a Escola Militar do Realengo, o 1º Batalhão de Engenharia, elementos da Marinha e do Exército realmente se revoltaram. As baterias do forte dispararam contra vários prédios importantes do governo, abrindo os ataques contra a República Velha. O governo respondeu despachando a 1ª Divisão do Exército, dois navios de guerra e um destróier para bombardear a base, com as posições rebeldes recebendo contra-fogo do dreadnaught Minas Geraes, e duas aeronaves da Marinha. A base finalmente se rendeu, com a resistência final feita na praia por 18 oficiais, liderados por Antonio Sequeira Campos e Eduardo Gomes. A artilharia de defesa costeira foi dissolvida em 1987 e a fortaleza foi desativada, assim como um posto de artilharia costeira. Em seguida, transformou-se no atual Museu do Exército Brasileiro e permanece hoje como um dos muitos pontos militares históricos da região. Em comparação com outras instalações, o museu é pequeno. Dada a sua localização e beleza, o Forte foi programado para sediar a maratona de natação e triatlo para os Jogos Olímpicos de Verão de 2016.

*Nota do Tradutor: Treinados por instrutores europeus (franceses) no Brasil.

Bibliografia recomendada:

Soldados da Pátria:
História do Exército Brasileiro 1889-1937.
Frank McCann, 2007
.

Soldados Salvadores.
Henry Hunt Keith, 1967.

A Evolução Militar do Brasil.
J. B. Magalhães, 1957.

Missão Militar Francesa de Instrução junto ao Exército Brasileiro.
General Souto Malan.


sexta-feira, 24 de abril de 2020

Experiências de Combate da Infantaria Brasileira na Itália


Por José da Fonseca e Silva, veterano do 11º Regimento de Infantaria, em palestra proferida no comando da 4ª Região Militar, Revista do Exército Brasileiro 125 (2); pg. 97-98, abril/junho de 1988.

(...)A partir daí, fiquei com o meu pelotão em apuros e correndo um risco tremendo, pois chegamos a ouvir a metralha inimiga, embora distante, mas bem atrás das nossas posições. Uma meia hora depois, recebi ordem de retirar o pelotão para uma posição a uns seiscentos metros mais atrás, para que a região fosse batida pela artilharia.

Assim também aconteceu com toda a minha Cia. Foi duro, mas valeu a pena, pois lá da nova posição assisti a um espetáculo que nunca mais vou ver. Na escuridão da noite, as explosões continuadas das granadas de nossa artilharia, que encurtava e alongava a alça, davam a impressão de que aquilo rolava para lá e para cá. Entendi por que esta era chamada de “barragem rolante”.


Mas, enquanto ocorria o drama no batalhão vizinho, no meu pelotão houve uma “guerrinha particular” de fazer vergonha a qualquer soldado. À direita e em frente das posições havia uma depressão do terreno que não permitia a rasância da arma automática do GC que defendia aquele setor. Então, determinei que o local fosse batido por granadas de mão, lançadas à vontade, em grande quantidade. As nossas posições eram protegidas por algumas castanheiras, árvores ainda novas. Então, na fatídica noite, alguém denunciou ter ouvido barulho na depressão. Determinei o lançamento de granadas mas, concomitantemente ao nosso lançamento, recebemos também, vindas da depressão, umas três granadas de mão. Quem ali estava havia se aproximado bastante, pois o seu lançamento era morro acima, o que reduzia o alcance. Repetimos a dose com um lançamento de umas vinte granadas. Recebemos umas quatro, também. Avisei ao meu comandante da iminência de ser abordado pelo tedesco. Ele ficou preocupado e pedia informação a todo momento. Lá pelas tantas, suspendi o lançamento, aguardando que nos atacassem, pois não seriam muitos, pela quantidade de granadas que lançaram. Tudo voltou à calma. Não lançamos mais granadas e também não recebemos nenhuma. Assim que terminou a tal barragem “rolante” da artilharia, voltamos às nossas posições e o dia já estava clareando. Fui logo ver se o alemão havia pisado na tal depressão. Nada, não havia sinal nenhum além das marcas de nossas granadas. Voltei ao meu abrigo e correndo os olhos nos galhos das castanheiras entendi o problema que nós mesmos criamos. Alguns galhos apresentavam pequenas mossas, sinais de que algumas granadas que lançamos bateram neles e simplesmente caíram em cima da gente. Aqui, no tempo de paz, a gente lança granada em lugar completamente limpo e sem obstáculos para evitar acidentes. O tipo de granadas que usávamos e a mecânica de seu lançamento dificultavam quando estávamos no meio de árvores.


Ao voltar da guerra, vez por outra, eu me lembrava daquelas malditas lanternas que os tedescos acenderam em Castello. Mais tarde, como instrutor de combate do 11º RI, montei uma coisa parecida num exercício de defesa (linha de postos avançados). O curso era constituído só de sargentos e uns 70% haviam pertencido à FEB. O efetivo era de uns cem. Desejava testar causa e efeito. Comandei uma patrulha contra os Postos Avançados, enquanto mandei uns três homens, com lanternas, acendê-las ligeiramente em outro ponto oposto ao da patrulha. A coisa funcionou como eu esperava, pois, encostado a um dos Postos, ouvi comando de fogo e, mais tarde, o aviso do atirador de que o festim havia acabado de tanto atirar. Assim, penetrei no dispositivo e fui abordando os demais postos pela retaguarda, até que cheguei ao comandante de toda a linha de defesa (normalmente um sargento, para exercitar-se no comando) e ainda o ouvi, comentando com os demais, os erros que a patrulha estava cometendo ao acender lanternas e que se admirava como eu permitia aquilo. Repeti a experiência mais duas vezes com outros cursos de aperfeiçoamento que funcionaram posteriormente. O resultado foi sempre o mesmo. Em combate, o nervosismo durante o batismo de fogo era normal. Mas no tempo de paz, estranhei que uma tropa constituída só de sargentos atirasse em lanternas. Como eles estavam sob a vista do instrutor, que tinha de atribuir-lhes grau e conceito, poderiam ficar nervosos e fazer tolice também.


Mas, com alguma reserva, tendo vista o grau de formação que eu possuía na época, cheguei à conclusão de que tudo aquilo era provocada por reflexo condicionado errado, vindo da instrução noturna, que ocorria no início do primeiro período de formação. A turma em semi-círculo, no alto de um morro, via a figuração atirar num homem que fumava e que caía espalhafatosamente; atirar em lanternas, atirar em figurantes que faziam barulho com o equipamento. Assim, o homem mentalizava que, vendo luz e ouvindo barulho, devia atirar, quando o certo seria informar. Ele não percebia a necessidade de resguardar o sigilo da posição. Somente mais tarde, nos cursos de sargento, é que o instrutor ia dizer que a abertura de fogo, em uma situação tática, era reservada ao comandante da fração. Os soldados, então nem tomavam conhecimento disto e ficavam com o aprendizado anterior de: vendo, atirar; ouvindo, atirar. Talvez o alemão tenha explorado este lado fraco de nossa instrução. Foi a única explicação que encontrei para que eles usassem lanternas naquela noite no Monte Castello. Por via das dúvidas, mesmo não sendo uma verdade absoluta, passei a dar esta instrução com mais cuidado, e mesmo aos recrutas avisava repetidamente “que a abertura de fogo numa posição obedecia a uma situação tática e era reservada ao comandante da fração”, que o soldado deveria informar o que via e ouvia. Poderia atirar em casos imprevistos, de surpresa, para defender-se ou como aviso a todo o pelotão. Foi mais uma dura experiência colhida.

Leitura recomendada:

A FEB e os jipes, 12 de março de 2020.

sexta-feira, 27 de março de 2020

A Companhia de Fuzileiros na campanha da Itália

General Mark Clark passa em revista fuzileiros brasileiros na Itália.

Pelo General Everaldo José da Silva, Revista do Exército Brasileiro Nº 121 (1): 60-82, janeiro-março de 1984.

I – Introdução

Na qualidade de comandante de uma companhia de fuzileiros da Força Expedicionária Brasileira (FEB) não poderia me furtar a transmitir impressões sobre como vi o emprego da companhia durante a guerra, na Itália.

Assim, atendendo a convite da Revista do Exército Brasileiro, após decorridos quase 40 anos, eis-me voltando aos tempos de capitão, à frente de uma subunidade – a 1ª Companhia do Regimento “Sampaio” – a unidade de infantaria com que o então Distrito Federal contribuiu para organizar a FEB.

Não foi muito fácil, confesso, reorganizar muitas idéias e rever aquela pequena coluna de combatentes nas diferentes ações de que tomou parte.

6º RI de volta a São Paulo, 1945.

Às vezes, chegou-me a fugir da memória o que tanto me preocupara na época para o cumprimento da missão determinada – o que fazer, como fazer e quando fazer – e como foi feito, na realidade.

Ouvindo melhor o subconsciente, porém, foi-me ele ainda fiel e consegui reunir as idéias adiante transcritas, todas elas pautadas na mais legítima lealdade para com aquele pugilo de bravos que tive a honra e a felicidade de comandar.

É possível, é evidente, que a outro comandante de companhia de fuzileiros poderá parecer estranha alguma conceituação que hoje trago a registro com o único propósito de servir a estudos pormenorizados que se desejar fazer a respeito da guerra na Itália, da doutrina de ontem em paralelo com a que se realiza hoje em nosso Exército Brasileiro, que nos parece muito benéfico à chegada de conclusões no aprimoramento do emprego das armas, mui especialmente da subunidade de infantaria, cuja missão no combate é, no ataque, aproximar-se o mais possível do inimigo para destruí-lo ou capturá-lo, tomando-lhe a posição, e na defensiva, repelir o avanço inimigo pelo fogo, mantendo, a todo custo, a posição ocupada.

Procurei n este registro focalizar as fases mais importantes em que a companhia de fuzileiros foi empregada durante a campanha, descrevendo fatos e comportamentos, através de informações colhidas do batalhão, em relatórios escritos e orais, e por meio de companheiros de fileira que comigo conviveram na guerra e após seu término.

Para isso, seguiremos o sumário elaborado justamente sob as idéias enumeradas e que norteará o presente trabalho.

II – Organização

A companhia de fuzileiros tipo FEB, compunha-se da seção de comando, três pelotões de fuzileiros e um pelotão de petrechos, este correspondendo ao pelotão de apoio na atual organização, com menor poder de fogo, evidentemente, em face da presença, no atual pelotão de apoio, da seção de morteiros 81 e outra, de canhões sem-recuo, principal meio de defesa a serviço da companhia.

Em ligeira observação, verifica-se que a atual organização possui maior poder de fogo e mais autonomia em combate, por poder dispensar o acompanhamento, em determinadas missões, da companhia de apoio do batalhão.

O pelotão de petrechos da companhia tipo FEB possuía, além de uma seção de metralhadoras leves .30, uma seção de morteiros 60 mm. Além desse armamento, a companhia possuía uma metralhadora .50, arma geralmente empregada contra viaturas de qualquer tipo e contra a aviação inimiga.

À falta de armamento de maior potência na companhia de fuzileiros, o batalhão reforçava as companhias segundo as missões, com suas seções de metralhadoras pesadas e morteiros 81.


Evidentemente, a atual organização dá à companhia maior liberdade de ação em combate, maior autonomia.

Não se deve inferir daí, entretanto, que a organização tipo FEB tenha sido insuficiente para atuar nos idos de 40, na II Grande Guerra. O batalhão supriu essa necessidade.

A companhia de fuzileiros era mais fluída, menos pesada, mais leve, em detrimento, é lógico, de sua capacidade de combate.

Forçosamente, a mecanização, a blindagem, meios e princípios generalizados no modo de combater hoje, foram aperfeiçoando a organização atualmente existente.

Quanto a efetivo, a companhia tipo FEB possuía da ordem de 200 homens. Seus pelotões possuíam 41 homens, inclusive um 3º sargento orientador; fora o capitão comandante e o 1º tenente subcomandante, a seção de comando constava de 33 praças.

No que se refere a armamento, o fuzil (arma individual) usado era o Springfield ou Garand, hoje substituídos pelo FAL.

As metralhadoras eram leves – ponto 30, e pesadas – ponto 50.

Além disso, como já nos referimos anteriormente, a companhia possuía três morteiros 60, hoje distribuídos aos pelotões de fuzileiros.

Sobre transporte, a companhia possuía duas ou três viaturas ¼ de tonelada (jeep) para o comando da companhia e usadas para carregar o material do pelotão de petrechos, nos grandes deslocamentos.


O equipamento da Seção de Comando, inclusive os sacos de lona, eram transportados em viaturas do batalhão.

Parece-nos merecer especial enforque a questão do uniforme.

Era ele de lã verde-oliva, que resguardava o homem da inclemência do clima europeu, nos meses de inverno. Além da calça e blusa, foi distribuída uma jaqueta, à semelhança de nossa japona, porém oferecendo vantagens por ser de duas faces, uma delas forrada de lã que aquecia a contento.

Foram também distribuídas galochas de borracha que resguardavam os pés da friagem, evitando o conhecido problema do “pé-de-trincheira”. Para forrar o capacete, havia um gorro de lá que protegia a cabeça e os ouvidos do vento, da neve e do frio.

Aos motoristas, foi pago um par de óculos especiais de forma a proteger os olhos da neve e do vento quando na direção.

Em síntese muito ligeira, aqui estão elementos que constituíram características da companhia tipo FEB. Poderíamos entrar em outras minudências, lembrando, por exemplo, a capa branca, o forro branco da barraca, com o objetivo de mascarar, camuflar, no lençol branco que cobre a Itália nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro e outras peças que o Exército Norte-Americano, a quem cabia apoiar a FEB no aspecto, distribuiu às forças brasileiros.

Não julgo, porém, de real importância para o objetivo do trabalho e, por isso, passo a considerações sobre o emprego da companhia em combate.

III – Emprego


Não pretendemos examinar o emprego da companhia tipo FEB em todas as fases do combate.

Preferimos adiantar desde já que fugiu bastante ao que se ensina e se aprende na teoria. Na prática, as missões atribuídas às unidades eram bem superiores ao que normalmente se via nos manuais e se exercitava em paz. As frentes de ataque e de defesa, os objetivos a conquistar e as posições a guardar, a manter, distribuídas à companhia tipo FEB, eram mais amplas do que previam os regulamentos, aconselhavam os princípios táticos. Entretanto, eram missões ... E missões se cumprem com os meios disponíveis.

Atribuímos esse distanciamento da teoria o fato da escassez de forças no teatro de operações italiano, à situação em si. Essa não observância às possibilidades ideais da subunidade acarretava dificuldades no desenrolar do cumprimento da missão.

No âmbito do batalhão, provocava verdadeiros vazios entre as subunidades ao ameaçar os flancos. Dificultavam as ligações entre elas e o comando do batalhão se sentia algumas vezes sem poder influir sobre o combate dada a falta de ligações, pelo rádio 111, que falhava em momentos precioso para a conduta da operação.

No âmbito da companhia, entre os pelotões, ocorria o mesmo problema, pois nem o fio, nem o rádio, nem o mensageiro funcionavam a pleno êxito nessas oportunidades em que o bombardeio da artilharia e de morteiros inimigos era desfechado sobre a coluna atacante, sobre os núcleos de defesa de uma posição.

Em face desses problemas, ocorria também a pouca disponibilidade de meios para constituir a reserva, princípio que garante a manutenção do impulso na ofensiva, e na defensiva assegura o combate para a defesa de uma posição tomada ao inimigo.

Como exemplo gritante, citamos a ação de 21 de fevereiro de 1945, sobre Castelo, em que o comandante do I Batalhão do Regimento “Sampaio” usou um pelotão da 1ª Companhia como elemento de segurança imediata dos elementos de comando do batalhão que acompanhava o ataque, ficando assim aquela subunidade com dois pelotões somente para cumprir a missão que lhe fora atribuída, de atacar à retaguarda e à esquerda do dispositivo do batalhão, em ligação com os elementos mais da direita da 10ª Divisão de Montanha, que fora lançada sobre a crista do conjunto Belvedere - Monte Gorgolesco - Capela de Ronchidos – Della Torracia. E observe-se ainda que, para essa operação, o batalhão solicitou e obteve o reforço da 5ª Companhia (do capitão Waldir Moreira Sampaio) ao regimento de infantaria, fato também que não nos parecia muito usual na teoria, mas que, segundo sentiu o major comandante do I Batalhão, se tornava imprescindível para que o ataque fosse reanimado e crescesse de ímpeto, o que realmente ocorreu, com absoluta segurança.


Na defesa, quase sempre, os dispositivos eram muito dispersos, as frentes largas demais, determinando a leitura cuidadosa de um plano de fogos em que estes se cruzassem evitando vazios, trechos não batidos.

Os pelotões ocupavam pontos críticos não permitindo que guardássemos reservas no âmbito da companhia.

O batalhão quase sempre preferia suprir essa dificuldade, colocando uma companhia ou mesmo o pelotão em condições de atuar na frente vulnerável, ameaçada.

O problema, porém sempre existiu: frentes superiores às possibilidades dos meios, determinando cuidadosa vigilância, inclusive por meio de pequenas patrulhas à noite para evitar surpresas desagradáveis.

Sobre patrulhas, reservamos um item especial, dado seu largo emprego em campanha, em particular nos meses em que o inverno italiano obrigou aos aliados a fazerem uma parda na guerra de movimento, aproveitando para recompletarem seus efetivos, reorganizarem-se para a grande ofensiva da primavera, enquanto o degelo bloqueava as estradas.

IV – Patrulhas

Patrulha na região da Torre di Nerone, 1944.

Como todos sabem, os meses de defensiva na Itália tiveram como ações de movimento, agressivas, as conhecidas patrulhas do “pracinha”, que se infiltrava nas linhas inimigas em busca de informações, em busca de prisioneiros e para precisar melhor as posições que nos incomodavam de dia e à noite com tiros de metralhadoras e fogos de artifício, para irritar o nervo brasileiros que, a pouca distância, às vezes, chegava a sentir os preparativos e ouvir suas conversas no idioma alemão.

Segundo a missão que recebia, a patrulha se dizia:

- de Reconhecimento

- de Combate

- para fazer prisioneiro.

Prisioneiros alemães.

Não vamos definir os diferentes tipos de patrulha, convindo porém focalizar que a de combate normalmente tinha por missão “se possível” ocupar a posição inimiga, expulsando, destruindo ou capturando seus ocupantes e, por isso, era considerada de maior importância e de maior responsabilidade para os patrulheiros.

As patrulhas tanto se realizavam durante o dia como à noite, tudo em função dos fins a que deveriam servir ao escalão que as determinava.

Eram constituídas desde pequenas esquadras de ligação até o pelotão reforçado, que tinha por missão enfrentar o adversário (tendo em vista o combate para ocupar posição, desalojando dela o ocupante) ou capturar prisioneiro.

Normalmente, as patrulhas vinham em ordem escrita do batalhão, que agia por iniciativa própria ou por ordem do regimento.


Ao chegar a ordem à subunidade, os homens que constituiriam a patrulha eram cuidadosamente selecionados, segundo a missão a que seria levados.

O estudo da missão “ordem de patrulha” começava com a interpretação do documento, por parte, inicialmente, do comandante da companhia, e posteriormente, em conjunto com o oficial ou sargento designado.

Eram fatores a pesar nesse estudo os seguintes dados:

- missão

- terreno, principalmente o objetivo, o local até onde deveria chegar a patrulha, os itinerários de ida e de regresso, os acidentes mais importantes do terreno a percorrer, trechos minados etc.

- inimigo, natureza e efetivo do inimigo com que provavelmente os patrulheiros iriam encontrar.

Esse estudo era feito inicialmente na carta, e, posteriormente, no terreno, de um posto de observação (PO) de onde seria abarcada a maior extensão da área a percorrer. Quando possível, aos patrulheiros de maior responsabilidade no cumprimento da missão era mostrado no terreno o processo de como deveria cumprir sua tarefa no conjunto da patrulha.


Conforme a importância da missão, o batalhão acionava seus morteiros e o observador avançado da artilharia para apoiar a patrulha em caso de necessidade. Houve um pelotão que, durante uma “patrulha de ocupação” de dia, recebeu apoio de fogo de artilharia, que assegurou seu retorno às bases, isolando elementos inimigos que procuravam cercar, envolver a patrulha, mediante uma progressão protegida por pequena dobra do terreno. Não fosse o desencadeamento do fogo previsto e a patrulha teria sido severamente castigada por sua audácia em penetrar nas linhas inimigas em as conhecer devidamente.

Ao término da missão, de retorno às linhas inimigas, cabe ao comandante da patrulha fazer relatório oral pormenorizado ao comandante da companhia, que o transmite, imediatamente, ao comandante do batalhão, por intermédio do oficial de permanência, de forma que as informações se tornem úteis e não percam em sua validade por decurso de tempo.

O General Crittenberger, comandante do IV Corpo americano, aperta a mão do 3º Sgt. Onofre de Aguiar que acabou de retornar com a sua patrulha, novembro de 1944.

Além das informações orais, é feito um relatório por escrito o m ais explícito possível, registrando-se, de preferência, a natureza do inimigo, quanto a efetivo, armamento e missão.

Acompanha o relatório um croquis onde eram amarradas as resistências (PO e postos de comando, PC), com os meios de comunicação usados pelo inimigo.

Quanto a prisioneiros, estes não devem permanecer por muito tempo no PC da companhia. Devem ser encaminhados o mais cedo possível ao PC do batalhão.

Assim se procedia na Itália.

Em anexo, um Relatório de Patrulha, elaborado pelo então tenente Carlos Augusto de Oliveira Lima, comandante de uma patrulha, à base de pelotão reforçado.

sexta-feira, 31 de janeiro de 2020

O jovem Góes Monteiro em Catanduvas

Seção de metralhadoras Hotchkiss do capitão Clementino Vieira, tropas legalistas, frente à Coluna Miguel Costa em Catanduvas, no Paraná, 1924.

Extrato do livro "O General Góes depõe...", transcrição por Filipe do A. Monteiro em 9 de julho de 2020; a linguagem da época foi mantida:

"Afinal, as tropas do destacamento Mariante se internaram na densa floresta, abrindo picadas a facão. A alimentação era das piores, e os soldados baianos, por exemplo, comiam rapadura com farinha. Ao amanhecer do dia seguinte, as tropas destinadas a fazer o esfôrço principal tinham alcançado a estrada de Foz do Iguaçu, interceptando as comunicações entre os defensores de Catanduva e o núcleo rebelde de Salto, comandado por Miguel Costa. Na frente do destacamento Almada, depois do primeiro arranco sôbre Catanduva, as tropas legais se detivera e chegaram a recuar, o que causou grande desapontamento ao General Azeredo Coutinho. Fez êste, então, um apêlo ao Coronel Mariante para impulsionar suas tropas no sentido de remover o “impasse”. Atendendo-o, o Coronel Mariante ordenou que eu fôsse, pessoalmente, dirigir o ataque das quatro principais unidades encarregadas de assaltar a posição de Catanduva pelas costas. Segui imediatamente com uma pequena escolta, através de uma picada de 18 quilômetros, atravessando mato muito espesso, e, ao chegar à estrada, sem perda de tempo, tomei as providências que a situação exigia, incumbindo um dos batalhões de atacar Catanduva pela retaguarda, enquanto outro enfrentaria as fôrças de Miguel Costas, diante de Salto, e um terceiro faria a cobertura dêsses ataques, vigiando as principais picadas dentro da floresta. Um quarto batalhão estava marchando ainda dentro de uma das picadas e iria ficar como reserva. Não havia comunicações telefônicas, substituidas por ligações de estafetas. E assim findou o terceiro dia das operações, sem que eu tivesse qualquer notícia do resultado dos ataques. Caiu a noite e eu alojei-me junto às tropas de reserva, dentro de um pequeno bosque, onde, com surprêsa, começaram a descer balas de fuzil, de metralhadora e alguns tiros de canhão. Tôda a tropa se abrigou nas trincheiras de proteção, porém eu estava redigindo um comunicado para remeter, na manhã do dia seguinte, ao Coronel Mariante, e não quís abrigar-me. Lembro-me que tive de interromper o que estava escrevendo para intercalar uma frase jactanciosa, mais ou menos nos seguintes têrmos: “Neste momento, estão atirando sôbre o meu pôsto de comando; todos no buraco, menos eu...” Mal acabava de escrever êsse quixotismo, dois  soldados negros, corpulentos, de fôrça hercúlea, me agarraram e me conduziram para dentro de uma trincheira. Não opús qualquer resistência e alí fiquei no meio dos soldados, refletindo mais uma vez sôbre a fragilidade das coisas humanas..."

Góes Monteiro e Lourival CoutinhoO General Góes Depõem..., 1955, pg. 20-21.

General Góes Monteiro.
(FGV)


Bibliografia recomendada:

Soldados da Pátria:
História do Exército Brasileiro 1889-1937.
Frank McCann, 2007
.

A Evolução Militar do Brasil.
J. B. Magalhães, 1957.

Soldados Salvadores.
Henry Hunt Keith, 1967.

Leitura recomendada:

quinta-feira, 30 de janeiro de 2020

GALERIA: Manobras com o Sherman no Brasil, 1957


Por Filipe do A. MonteiroWarfare Blog, 30 de janeiro de 2020.

Carros de Combate M4 Sherman (Couraça Composta) em manobras no Campo de Gericinó, Rio de Janeiro, próximos à escola de blindados, em abril de 1957.

Fotografias de Dmitri Kessel para a LIFE Magazine, originais em preto-e-branco e coloridas; Brazilian Essay, 1957.







Comandante de Companhia José Nardi. 








Bibliografia recomendada:

M4 Sherman no Brasil,
Hélio Higuchi e Paulo Roberto Bastos Jr.

Leitura recomendada:





FOTO: Somua S 35 na Tunísia26 de março de 2020.