Por Chris Hernandez, Breach Bang Clear, 9 de julho de 2013.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 28 de junho de 2022.
No Afeganistão, trabalhei ao lado do exército francês. Isso me tornou mundialmente famoso na França. Aliás, eu até apareci na capa de agosto de 2009 da revista RAIDS, que é uma espécie de Soldado da Fortuna francesa:
Edição nº 279 da RAIDS. |
Eu pareço incrível, não é? Infelizmente, o fotógrafo que tirou aquela foto não era muito bom. Estou descentralizado na foto, além de muito desfocado. Aqui está outra versão, onde estou destacado um pouco melhor:
"Eu", o autor Christian Hernandez no fundo. |
Quase toda vez que digo a alguém que trabalhei com os franceses, recebo comentários como: “Você quer dizer que os franceses têm um exército?”, “Eles se renderam a você no dia em que você chegou lá?”, ou alguma outra variação do “macaco comedor de queijo que se rende”. E se eles não insultam abertamente as tropas francesas, geralmente descartam minha experiência dizendo: “Oh, você deve ter trabalhado com a Legião Estrangeira. Eles não são realmente franceses.”
Esses comentários realmente me dão nos nervos. E eles estão completamente errados. Servi com alguns Legionários e muitas tropas francesas regulares. Seja qual for a política do público ou do governo franceses, seus soldados são corajosos, bem treinados, em forma física fantástica e agressivos. Descrever esses homens como covardes é absolutamente injusto.
Bandeiras brancas e fuzis largados?
A verdade real sobre trabalhar com o Exército Francês
Então, no início de 2009, quando me disseram que eu estava indo para uma base de fogo francesa no Afeganistão, fiquei um pouco preocupado. Eu não falava francês, não tinha uma visão positiva de suas tropas e estava preocupado em ficar preso dentro do arame farpado com pessoas que não queriam estar em combate. Eu havia passado todo o meu desdobramento no Iraque em um Humvee em uma equipe de escolta de comboio; aquela missão era uma droga, e eu não queria nada com a vida de fobbit ou proteção de força. No Afeganistão, eu queria passar o máximo de tempo possível a pé com caras que queriam lutar. Os franceses não pareciam desse tipo.
Então comecei a investigar. Fui a soldados que estavam no Afeganistão há algum tempo e perguntei o que eles achavam dos franceses. E ouvi algo que não esperava, uma frase que ouviria muitas vezes durante minha turnê:
“Os únicos soldados aqui que realmente querem lutar são os americanos, britânicos e franceses.”
Essa frase foi, claro, totalmente injusta para com os australianos e canadenses. Pode ter sido injusto com os alemães, que tinham a reputação de guerreiros frustrados cujo governo não permitia fazer uma blitzkrieg no Talibã como queriam. Não deu crédito suficiente a algumas unidades do Exército Nacional Afegão que eram agressivas e ansiosas pela batalha.
Treinamento do ANA pelos franceses. |
No entanto, além de dar os merecidos elogios aos franceses, a frase abordou uma certa verdade desagradável. Alguns países, aparentemente em resposta à pressão política americana, enviaram tropas para o Afeganistão de má vontade. Essas tropas foram obrigadas a ficar dentro da base ou, quando saíam, mostravam zero desejo de arriscar suas vidas por uma causa em que não deveriam ter acreditado.
Por exemplo, um dos meus melhores amigos trabalhou com as tropas de uma nação diferente (não vou citar qual nação porque não tenho experiência em trabalhar com eles e não quero caluniar todos eles; no entanto, meu amigo é confiável, veterano experiente de várias turnês, e eu acredito nele). De acordo com meu amigo, os soldados desta nação “patrulhariam” encontrando um campo aberto não muito longe da base, sentavam-se por horas e depois voltavam para o FOB. Eles faziam um grande esforço para evitar o perigo e, quando engajados, imediatamente rompiam o contato. Ele descreveu uma experiência no Centro de Operações Táticas (Tactical Operations Center, TOC), onde câmeras capturaram uma célula do Talibã colocando um foguete em um local de lançamento frequentemente usado. Enquanto observavam o Talibã se preparando para atirar no FOB, meu amigo perguntou: “Por que vocês não atiram neles?”
Um dos oficiais militares estrangeiros respondeu: “Não podemos. Eles ainda não atiraram em nós.”
O Talibã lançou o foguete. Sem uma palavra, todos no TOC pularam de pé e correram para os bunkers. Eles sabiam por experiência que os foguetes daquele local impactariam em cerca de quinze segundos. Meu amigo correu atrás deles para se proteger. Alguns segundos depois, o foguete explodiu. Todos correram de volta para o TOC. A câmera mostrou o Talibã deixando a área às pressas.
Frustrado, meu amigo perguntou: “Por que diabos vocês não atiram neles agora?”
A resposta foi: “Não podemos atirar. Agora eles estão desarmados.”
Acredita-se que outra força militar estrangeira, o exército italiano, pagou ao Talibã para não atacá-los. Os franceses ficaram furiosos com isso, e com razão. Em 2008, os paraquedistas franceses assumiram uma área de operações dos italianos. Os italianos haviam sofrido apenas uma morte durante o ano anterior naquela AO e avaliaram a área como de baixo risco. Os franceses aceitaram essa avaliação e enviaram uma de suas primeiras patrulhas para a área com armas leves e apenas 100 tiros cada, sua carga de combate padrão na época.
Talibãs posando com material francês capturado na emboscada de Uzbin, em 2008. |
A patrulha foi emboscada. Um grupo de dez soldados foi separado, encurralado, cercado e exterminado até o último homem. Apesar do que os italianos relataram, as forças do Talibã eram extremamente fortes naquela área. Mas eles raramente atacaram os italianos, assim como os insurgentes iraquianos raramente atacaram os italianos em Nasiriyah quando eu estava em Tallil em 2005.
Nossa, eu me pergunto por quê...
Cheguei ao Afeganistão seis meses depois daquela emboscada. Nos nove meses seguintes, participei de inúmeras patrulhas e missões de reconhecimento com as tropas de montanha e tropas navais franceses.
Aprendi a falar francês bem o suficiente para poder transmitir informações entre as redes de rádio americanas e francesas. Às vezes eu era o único americano em missões francesas. Minhas preocupações em trabalhar com eles eram completamente infundadas e, desde então, fico muito irritado sempre que ouço comentários cansados e antigos de que “os franceses são covardes”.
Uma diferença grande
E nem me fale da Ordem Geral número um, a proibição do álcool. Eu não bebo, mas quase todo mundo no mundo bebe. Não seria irracional permitir que homens e mulheres adultos escapassem do estresse da guerra com uma ou duas cervejas. Aparentemente, nosso comando acha que se eles nos permitirem beber, todos nós vamos entrar num frenesi matador-enlouquecido à la Robert Bales. O pensamento de uso moderado de álcool sob condições controladas induz um aneurisma cerebral automático em nossos líderes seniores.
Um encontro típico com os franceses e afegãos. Os americanos bebem refrigerante em vez de álcool para evitar ofender os afegãos, que obviamente estão bebendo álcool com os franceses. |
Os franceses, por outro lado, não têm esse problema.
Este é apenas o começo de ruminações (grunhidos: ruminação) da minha experiência com o exército francês. Na Parte 2, falarei sobre uma missão de patrulha de uma semana com uma patrulha de reconhecimento francesa, vinho na base e sua opinião sobre sexo, assédio sexual e danadice.
Parte II: Sexo e cintos refletivos
Tropas do Exército Francês e controladores da Força Aérea em um posto avançado de combate, Vale do Alasai, província de Kapisa, Afeganistão. (Foto do autor) |
Tropas francesas na província de Kapisa, 2012. (Imagem AFP) |
Tive uma conversa com o capitão francês sobre coisas estúpidas que acontecem nas forças armadas americanas, como o sargento-mor e capitão no Iraque, cujo único dever aparente era gritar com os soldados do DFAC por usarem braceletes de paracord. Jamais esquecerei o capitão ali parado totalmente relaxado com uma cerveja na mão, sem armadura ou capacete, tropas bebendo e grelhando atrás dele, me dizendo: “Coisas assim não acontecem no exército francês”.
"Só estou pagando minha entrada na escola de obediência." |
Achei engraçado pra caralho. Os oficiais para os quais trabalhei, é claro, consideraram isso muito ofensivo. Eu não vi o porquê (e ainda não vejo), mas ainda tive que removê-lo. Suponho que a foto pode ofender oficiais femininas que costumavam ser strippers ou oficiais do sexo masculino que se casaram com strippers. Seja qual for o motivo, essa imagem ficou fora dos limites da decência comum. Esse é o exército americano pra você.
O autor em patrulha no Afeganistão. |
Um soldado francês de um dos pelotões de linha tinha uma namorada no quartel-general da Companhia. Seu pelotão dividia uma grande tenda dividida em cubículos individuais. Todas as noites em que ele não estava em campo, sua namorada ficava com ele. Ninguém na cadeia de comando lhe disse uma palavra sobre isso. Como um oficial francês me disse: “Nossa única regra sobre sexo é ‘seja inteligente’”.
Tropas de montanha francesas manobrando após uma emboscada. (Foto de Thomas Goisque, 2009, www.thomasgoisque-photo.com) |
Ao contrário da sabedoria americana convencional, os franceses gostavam de lutar. Eu os acompanhei quando eles, tropas afegãs e um punhado de americanos invadiram um vale controlado pelo Talibã. Apesar dos comentários de pessoas que não têm experiência real com eles, as tropas francesas não fogem de um contato. Eles gostam de avançar em direção ao inimigo e atirar. Muito.
Soldados do Groupement de Commandos de Montagne (pelotão de reconhecimento de montanha) com um VAB (Véhicule de l'Avant Blindé; basicamente um APC). |
Uma vantagem gigantesca que os franceses tinham sobre nós era o uso de tanques. Mantemos uma força blindada que é fantástica para derrotar os T-80 cruzando o Passo de Fulda, mas não tão fantástica para combater insurgentes em vales montanhosos. Os franceses tinham os AMX-10, tanques leves sobre rodas que eram perfeitos para combate de contra-insurgência. Eles foram um tremendo multiplicador de força.
Tropas e blindados franceses no Vale do Alasai, província de Kapisa, Afeganistão, 2009. (Foto de Goisque) |
Uma noite antes de uma grande operação, eu estava deitado na terra em um perímetro de posto avançado. Eu tinha adormecido à meia-noite. Às 3 da manhã, uma tremenda explosão me acordou. Fiquei imóvel por alguns momentos, depois perguntei a um fuzileiro naval de guarda: “Que diabos foi isso?”
Tanque leve sobre rodas AMX-10 atirando. (www.thomasgoisque-photo.com) |
Aptidão física
Chasseurs Alpins (caçadores alpinos) do 27º Batalhão de Caçadores de Montanha. (www.thomasgoisque-photo.com) |
Como mencionei antes, os franceses estavam em muito boa forma. Eu não diria que eles superariam a típica unidade de infantaria americana, mas eles estavam em melhor forma do que muitos americanos pensavam que estavam. Isso levou a pelo menos uma situação muito engraçada com um pelotão de pathfinders (precursores paraquedistas) americanos.
Atirador e observador das tropas navais francesas. (Foto por Chris Hernandez) |
O MINIMI do atirador quebrou um dia no estande. Ele o entregou ao armeiro, mas eles não tinham um sobressalente. Ele veio até mim um dia antes de uma missão e perguntou se eu poderia encontrar outra metralhadora para ele. Eu disse a ele que só tínhamos carabinas M4, fuzis M14 e uma metralhadora MAG M240B.
Snipers navais franceses, um de meus soldados e eu depois de uma missão, setembro de 2009. |
Do nível do batalhão para baixo, os franceses eram fáceis de trabalhar e pareciam orgulhosos de servir ao lado dos americanos. Uma coisa que me impressionou imensamente foi que muitas das tropas da montanha usavam emblemas de combate americanos, especialmente da 82ª Divisão Aerotransportada e da 101ª Divisão Aeromóvel. Muitas tropas francesas ficaram loucamente apaixonadas por nossas armas e aproveitaram a oportunidade para treinar conosco.
Primeiro-sargento francês disparando um M14EBR americano. (Foto por Chris Hernandez) |
Eles também foram muito receptivos à integração de americanos em suas equipes. A minha equipe, entre outras, desenvolveu uma relação de trabalho fantástica com os franceses, mantendo com muitos deles uma estreita amizade. Um me visitou no Texas, e outro está chegando. Um dos soldados navais se mudou para os Estados Unidos, casou-se com uma americana e está esperando ansiosamente por sua cidadania. Ficarei orgulhoso de chamá-lo de americano.
O Exército Francês é muito bom. Eles não são perfeitos, mas nós também não somos. Vi tropas e comandantes franceses cometerem erros e tomarem decisões ruins, ouvi Joes (americanos) resmungando sobre má liderança. Eu vi a mesma coisa nos fuzileiros navais e no exército dos EUA. Os franceses têm algumas peculiaridades, mas no geral são extremamente dedicados, proficientes e corajosos.
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