sexta-feira, 24 de abril de 2020

Experiências de Combate da Infantaria Brasileira na Itália


Por José da Fonseca e Silva, veterano do 11º Regimento de Infantaria, em palestra proferida no comando da 4ª Região Militar, Revista do Exército Brasileiro 125 (2); pg. 97-98, abril/junho de 1988.

(...)A partir daí, fiquei com o meu pelotão em apuros e correndo um risco tremendo, pois chegamos a ouvir a metralha inimiga, embora distante, mas bem atrás das nossas posições. Uma meia hora depois, recebi ordem de retirar o pelotão para uma posição a uns seiscentos metros mais atrás, para que a região fosse batida pela artilharia.

Assim também aconteceu com toda a minha Cia. Foi duro, mas valeu a pena, pois lá da nova posição assisti a um espetáculo que nunca mais vou ver. Na escuridão da noite, as explosões continuadas das granadas de nossa artilharia, que encurtava e alongava a alça, davam a impressão de que aquilo rolava para lá e para cá. Entendi por que esta era chamada de “barragem rolante”.


Mas, enquanto ocorria o drama no batalhão vizinho, no meu pelotão houve uma “guerrinha particular” de fazer vergonha a qualquer soldado. À direita e em frente das posições havia uma depressão do terreno que não permitia a rasância da arma automática do GC que defendia aquele setor. Então, determinei que o local fosse batido por granadas de mão, lançadas à vontade, em grande quantidade. As nossas posições eram protegidas por algumas castanheiras, árvores ainda novas. Então, na fatídica noite, alguém denunciou ter ouvido barulho na depressão. Determinei o lançamento de granadas mas, concomitantemente ao nosso lançamento, recebemos também, vindas da depressão, umas três granadas de mão. Quem ali estava havia se aproximado bastante, pois o seu lançamento era morro acima, o que reduzia o alcance. Repetimos a dose com um lançamento de umas vinte granadas. Recebemos umas quatro, também. Avisei ao meu comandante da iminência de ser abordado pelo tedesco. Ele ficou preocupado e pedia informação a todo momento. Lá pelas tantas, suspendi o lançamento, aguardando que nos atacassem, pois não seriam muitos, pela quantidade de granadas que lançaram. Tudo voltou à calma. Não lançamos mais granadas e também não recebemos nenhuma. Assim que terminou a tal barragem “rolante” da artilharia, voltamos às nossas posições e o dia já estava clareando. Fui logo ver se o alemão havia pisado na tal depressão. Nada, não havia sinal nenhum além das marcas de nossas granadas. Voltei ao meu abrigo e correndo os olhos nos galhos das castanheiras entendi o problema que nós mesmos criamos. Alguns galhos apresentavam pequenas mossas, sinais de que algumas granadas que lançamos bateram neles e simplesmente caíram em cima da gente. Aqui, no tempo de paz, a gente lança granada em lugar completamente limpo e sem obstáculos para evitar acidentes. O tipo de granadas que usávamos e a mecânica de seu lançamento dificultavam quando estávamos no meio de árvores.


Ao voltar da guerra, vez por outra, eu me lembrava daquelas malditas lanternas que os tedescos acenderam em Castello. Mais tarde, como instrutor de combate do 11º RI, montei uma coisa parecida num exercício de defesa (linha de postos avançados). O curso era constituído só de sargentos e uns 70% haviam pertencido à FEB. O efetivo era de uns cem. Desejava testar causa e efeito. Comandei uma patrulha contra os Postos Avançados, enquanto mandei uns três homens, com lanternas, acendê-las ligeiramente em outro ponto oposto ao da patrulha. A coisa funcionou como eu esperava, pois, encostado a um dos Postos, ouvi comando de fogo e, mais tarde, o aviso do atirador de que o festim havia acabado de tanto atirar. Assim, penetrei no dispositivo e fui abordando os demais postos pela retaguarda, até que cheguei ao comandante de toda a linha de defesa (normalmente um sargento, para exercitar-se no comando) e ainda o ouvi, comentando com os demais, os erros que a patrulha estava cometendo ao acender lanternas e que se admirava como eu permitia aquilo. Repeti a experiência mais duas vezes com outros cursos de aperfeiçoamento que funcionaram posteriormente. O resultado foi sempre o mesmo. Em combate, o nervosismo durante o batismo de fogo era normal. Mas no tempo de paz, estranhei que uma tropa constituída só de sargentos atirasse em lanternas. Como eles estavam sob a vista do instrutor, que tinha de atribuir-lhes grau e conceito, poderiam ficar nervosos e fazer tolice também.


Mas, com alguma reserva, tendo vista o grau de formação que eu possuía na época, cheguei à conclusão de que tudo aquilo era provocada por reflexo condicionado errado, vindo da instrução noturna, que ocorria no início do primeiro período de formação. A turma em semi-círculo, no alto de um morro, via a figuração atirar num homem que fumava e que caía espalhafatosamente; atirar em lanternas, atirar em figurantes que faziam barulho com o equipamento. Assim, o homem mentalizava que, vendo luz e ouvindo barulho, devia atirar, quando o certo seria informar. Ele não percebia a necessidade de resguardar o sigilo da posição. Somente mais tarde, nos cursos de sargento, é que o instrutor ia dizer que a abertura de fogo, em uma situação tática, era reservada ao comandante da fração. Os soldados, então nem tomavam conhecimento disto e ficavam com o aprendizado anterior de: vendo, atirar; ouvindo, atirar. Talvez o alemão tenha explorado este lado fraco de nossa instrução. Foi a única explicação que encontrei para que eles usassem lanternas naquela noite no Monte Castello. Por via das dúvidas, mesmo não sendo uma verdade absoluta, passei a dar esta instrução com mais cuidado, e mesmo aos recrutas avisava repetidamente “que a abertura de fogo numa posição obedecia a uma situação tática e era reservada ao comandante da fração”, que o soldado deveria informar o que via e ouvia. Poderia atirar em casos imprevistos, de surpresa, para defender-se ou como aviso a todo o pelotão. Foi mais uma dura experiência colhida.

Leitura recomendada:

A FEB e os jipes, 12 de março de 2020.

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