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sexta-feira, 16 de julho de 2021

GALERIA: Capacetes azuis chineses no Sudão do Sul


Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 16 de julho de 2021.

Seção de fotos publicadas pelo jornal estatal People's Daily Online (Diário do Povo Online) em 7 de outubro de 2015. Nessa época, a equipe de patrulha armada de longa distância de um batalhão de infantaria das forças de manutenção da paz chinesas no Sudão do Sul encontrou recentemente vários conflitos armados intensos em torno de sua base operacional temporária, localizada nas profundezas das florestas do estado Equatorial Ocidental.

No início do quarto dia estacionado na base operacional temporária, tiros foram ouvidos a sudeste da base, com tiros traçantes voando sobre as copas das árvores. De acordo com os soldados nos postos avançados, dezenas de militantes locais armados lançaram um ataque feroz contra as tropas do governo do Sudão do Sul estacionadas nas proximidades. O acampamento das tropas do governo ficava a apenas 500 metros das forças de manutenção da paz chinesas. Diante dessa situação inesperada, os soldados pacificadores chineses correram para seus postos de batalha nas instalações de defesa e veículos blindados existentes.




Após cerca de 3 horas de combate intenso entre os militantes e as tropas do governo, os militantes não-identificados se deslocaram para a apenas 10 metros da base dos soldados pacificadores. Para evitar o envolvimento em combates diretos, os capacetes azuis alertaram os militantes por meio de alto-falantes, dizendo para cessarem o fogo. Chocados com a intervenção das forças de paz, a batalha gradualmente parou. No entanto, tiros esporádicos e helicópteros de ataque pairando no alto lembraram aos mantenedores da paz que a luta ainda não havia acabado.

"Esta foi a segunda vez que encontramos tais conflitos e não recebemos nenhuma notificação sobre a situação. Continuaremos enfrentando graves ameaças à segurança nos próximos dias", disse então Liu Yong, o vice-comandante do batalhão.






Os soldados são armados com equipamento padrão chinês, como o fuzil bullpup QBZ-95, e coberturas azuis da ONU nos capacetes.

A China tem constantemente se envolvido na África, participando cada vez mais em missões de paz para apoiar a constante "invasão" chinesa do continente, já avaliada como neo-colonialismo por parte de Pequim. A China vem fazendo empréstimos e investimentos generosos no continente africano, colocando governos locais na posição de vassalos chineses e expandindo ainda mais a Iniciativa do Cinturão e Rota. A China também contribuiu unidades policiais à MINUSTAH no Haiti.

Iniciativa do Cinturão e Rota.

Treinamento de fogo real dos pacificadores chineses no Mali


O cinema chinês já inclui o ambiente africano em seus filmes de ação, como Peacekeeping Force (Força Pacificadora, 2018). O filme chinês de maior bilheteria até hoje, Wolf Warrior II (Lobo Guerreiro 2, 2017), é a estória de um herói chinês na África enfrentando guerrilheiros africanos e mercenários europeus, com a mensagem de que o governo chinês protegerá seus cidadãos onde quer que seja; essa afirmação aparece escrita sobre um passaporte chinês no final do filme, antes dos créditos.

O herói Leng Feng (Jing Wu) agitando a bandeira chinesa na cena final do filme.
Jing Wu, o lobo guerreiro, e a co-estrela Celina Jade durante uma das muitas conferências de promoção do filme com um passaporte chinês decorativo.

Trailer de Wolf Warrior II


Bibliografia recomendada:

Psychology of the Peacekeeper:
Lessons from the field.

Leitura recomendada:







GALERIA: Pacificadores suecos no Congo, 28 de fevereiro de 2021.

quarta-feira, 13 de maio de 2020

Viva Laos Vegas - O Sudeste Asiático está germinando enclaves chineses


Publicação do jornal The Economist - Asia, 30 de janeiro de 2020.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de maio de 2020.

“Zonas econômicas especiais” trazem muito investimento e trabalhadores chineses, mas pouco benefício.

Numa parte remota do norte do Laos, a floresta de bambu dá lugar a guindastes. Uma cidade está sendo esculpida na selva: blocos de torre envoltos em andaimes aparecem sobre restaurantes, bares de karaokê e casas de massagem. O coração pulsante da Zona Econômica Especial do Triângulo Dourado (assim chamada porque fica no ponto onde o Laos, Mianmar e Tailândia convergem) é o cassino, uma confecção palaciana com estatuárias e tetos falsos romanos, cobertos de afrescos. "Laos Vegas" não atende aos laocianos, no entanto. Os crupiês aceitam apenas yuan chinês ou baht tailandês. As placas de rua estão em chinês e inglês. Os relógios da cidade estão definidos para o horário chinês, uma hora à frente do resto do Laos.

Na última década, a China se tornou um dos maiores investidores nos países do Sudeste Asiático: em 2018, foi a fonte de quase 80% do investimento direto estrangeiro no Laos. Parte dessa capital está fluindo ao longo de rotas desgastadas para lugares como Mandalay, uma cidade em Mianmar, onde existe uma comunidade chinesa há muito estabelecida. Mas grande parte está inundando as “zonas econômicas especiais” (special economic zones, SEZs*) para tirar proveito de diversos incentivos, como permissões mais rápidas, impostos ou taxas reduzidos e controles mais frouxos sobre os movimentos de bens e capitais.

*Nota do Tradutor: Uma zona econômica especial é uma região geográfica de um país que apresenta uma legislação de direito econômico e direito tributário diferentes do resto do país para atrair capital (investimentos) interno e estrangeiro e incentivar o desenvolvimento econômico da região. Além de um desenvolvimento maior e mais eficaz, que outras regiões do país.

Iniciativa do Cinturão e Rota.

As empresas chinesas não precisam de muito convencimento. O governo chinês começou a incentivá-los a investir no exterior nos anos 2000. A Iniciativa do Cinturão e Rota, o gigante esquema da China para desenvolver infraestrutura no exterior, acelerou a tendência. Além de ferrovias, rodovias e oleodutos, ela promove SEZs, que "agora são o modo preferido de expansão econômica para a China", diz Brian Eyler, do Stimson Center, um think tank americano. Sob a bandeira do cinturão e rota, 160 empresas chinesas despejaram mais de US$ 1,5 bilhão em SEZs no Laos, de acordo com o Land Watch Thai, um observatório. Entre 2016 e 2018, a China investiu US$ 1 bilhão em apenas uma SEZ: Sihanoukville, uma cidade na costa do Camboja.

*NT: Um "think tank" é um corpo de especialistas suprindo conselhos e idéias sobre problemas específicos, como política ou economia, assim como estratégia.

Para onde vai o capital chinês, segue-se a mão-de-obra. Em Mandalay, os chineses aumentaram de 1% da população em 1983 para 30%-50% hoje. Em lugares com SEZs, a mudança foi ainda mais acentuada. Em 2019, o governador da província vizinha disse ao jornal Straits Times que o número de chineses em Sihanoukville havia aumentado nos últimos dois anos para quase um terço da população. A influência econômica dos migrantes chineses cresce com seus números. Em Mandalay, 80% dos hotéis, mais de 70% dos restaurantes e 45% das joalherias são de propriedade e operados por chineses étnicos, de acordo com uma pesquisa de mercado realizada em 2017.

O afluxo de migrantes alimentou sentimentos anti-chineses em toda a região. Mas os pobres governos do Sudeste Asiático cortejam investidores chineses de qualquer maneira, porque esperam que o dinheiro chinês dê um pontapé inicial em suas economias. Em alguns aspectos, o investimento deu frutos. No Laos, o investimento estrangeiro contribuiu para o crescimento efervescente do PIB, que teve uma média de 7,7% ao ano na última década.


Porém, em um estudo das SEZs em 2017, o Focus on the Global South, um think tank sediado em Bangcoc, concluiu que as “estruturas legislativas e de governança” subjacentes às SEZs no Camboja e Mianmar "foram distorcidos em favor dos interesses dos investidores e contra aqueles da população local e do meio ambiente". Alfredo Perdiguero, do Banco Asiático de Desenvolvimento, concorda que as SEZs no Laos, Camboja e Mianmar "ainda não foram capazes de espalhar os benefícios" para a economia em geral.

Em parte, isso ocorre porque as empresas chinesas tendem a não contratar locais. Em 2018, os trabalhadores do laocianos conseguiram apenas 34% dos empregos criados por todas as 11 SEZs no Laos - muito longe dos 90% prometidos pelo governo. As empresas chinesas argumentam que os trabalhadores locais não têm habilidades, mas os grupos da sociedade civil em Mianmar respondem apontando para uma faculdade técnica perto de Kyaukpyu, uma SEZ e um porto de inspiração chineses; ninguém da faculdade foi contratado para trabalhar lá, de acordo com um relatório publicado no ano passado.

Também há pouco fornecimento local de outros insumos. As fábricas de vestuário da SEZ de Sihanoukville, por exemplo, importam seus tecidos, botões e linhas. Os trabalhadores e visitantes chineses nas SEZ do Sudeste Asiático costumam patrocinar lojas e restaurantes de propriedade chinesa, e contornar os impostos sobre vendas pagando por bens e serviços por meio de aplicativos chineses como Alipay. "O dinheiro nem sai da China essencialmente", diz Sebastian Strangio, autor de um livro prestes a ser publicado
sobre a crescente influência da China no Sudeste Asiático. Isso, juntamente com as reduções de impostos, significa que há pouco benefício para os governos anfitriões: em 2017, o tesouro do Laos levantou apenas US$ 20 milhões de suas SEZs - menos de 1% da sua receita.

Extraterritorial e irracional

Como é comum em grandes desenvolvimentos nos países mais pobres do Sudeste Asiático, os habitantes locais raramente são consultados sobre a construção de SEZs. A SEZ do Triângulo Dourado foi construída sobre os arrozais da vila de Ban Kwan; mais de 100 famílias foram forçadas a se mudar contra sua vontade. E ainda há a questão da aplicação da lei nas SEZs, cuja regulamentação leve pode ser tão atraente para criminosos quanto para negócios legítimos. Em 2018, as autoridades americanas declararam que a SEZ do Triângulo Dourado era um centro de “tráfico de drogas, tráfico de seres humanos, lavagem de dinheiro, suborno e tráfico de animais silvestres”. Eles chamaram a empresa que administra a SEZ de "organização criminosa transnacional" e impuseram sanções a seu presidente, Zhao Wei. Ele negou as acusações, chamando a ação de "unilateral, extraterritorial, irracional e hegemônica". Muitos asiáticos do sudeste podem dizer algo semelhante sobre a maneira como as SEZs da região são administradas.

Este artigo apareceu na seção Ásia da edição impressa sob a manchete “South-East Asia is sprouting Chinese enclaves”.

Bibliografia recomendada:

Bully of Asia:
Why China's dream is the new threat to World Order.
Steven W. Mosher.

Leitura recomendada:

sábado, 14 de março de 2020

A China está preenchendo a lacuna do tamanho da África na estratégia dos EUA


Por Marcel Plichta, Defense One, 28 de março de 2018.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 03 de dezembro de 2019.

Enquanto as tropas dos EUA combatem grupos terroristas, Pequim está bloqueando o fornecimento de matérias-primas essenciais para o futuro da defesa.

O governo Trump não é o primeiro a dar pouca atenção à África em suas considerações de segurança nacional. O continente recebeu apenas três parágrafos na Estratégia de Segurança Nacional de 2015 (National Security Strategy, NSS), principalmente concernente a doenças epidêmicas e conflitos intra-estatais, com menções simples de engajamento econômico e político. Mas as apostas são mais altas agora. A China está espalhando sua influência econômica por todo o continente e assegurando a produção de minerais essenciais para eletrônicos modernos. A lacuna do tamanho da África no pensamento estratégico dos EUA deve ser preenchida com uma política abrangente antes de ameaçar os interesses de americanos e africanos.


Infelizmente, a política externa dos EUA em relação à África parou. Nenhum funcionário nomeado ocupa o cargo de Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Africanos desde março de 2017. (O funcionário interino, Donald Yamamoto, foi evasivo quando questionado sobre políticas substantivas em uma entrevista em janeiro com a NPR e tinha pouco a dizer em termos de novas iniciativas ou liderança dos EUA no continente.) No plano político, o subsecretário de Estado para Assuntos Políticos, Tom Shannon, sinalizou uma grande mudança em direção à África em setembro e depois partiu no início de fevereiro.

Nota do Tradutor: O atual Secretário de Estado Adjunto para Assuntos Africanos é Tibor Peter Nagy Jr., nomeado em 23 de julho de 2018. Antes dele foi Donald Yamamoto, nomeado apenas em 5 de setembro de 2017, permanecendo até 22 de julho de 2018.

A nova NSS de Trump menciona a crescente influência da China na África, mas não oferece uma política específica para combatê-la. Em vez disso, apresenta uma direção vaga para "expandir o comércio e os laços comerciais" - mas os programas da era Obama destinados a esse fim podem ser totalmente financiados ou cortados por cortes propostos ao Departamento de Estado e à USAID. De fato, os eventos mais dignos de destaque relacionados às relações diplomáticas entre EUA e África são o Presidente Trump se referindo à Namíbia como "Nâmbia" em setembro e ridicularizando os países africanos como "shitholes" (fossas) em janeiro.


A única área em que os formuladores de políticas demonstraram consistentemente interesse estratégico na África é o contraterrorismo. A qualquer momento, o Comando Africano dos EUA (U.S. Africa Command, USAFRICOM) está realizando 100 missões na África contra grupos jihadistas como o Boko Haram na Nigéria, Al-Qaeda no Magrebe Islâmico e Al-Shabaab na África Oriental. Os militares intensificaram o engajamento africano como parte de uma guerra mais ampla contra o terrorismo, mas essa abordagem por si só é insuficiente.

A falta de iniciativa fora do contraterrorismo deixa os EUA despreparados para lidar com a crescente influência da China na África. O envolvimento econômico sino-africano cresceu rapidamente desde o primeiro Fórum de Cooperação China-África em 2000, e a China agora é o maior parceiro econômico da África. As empresas chinesas lidam com metade dos projetos de construção contratados internacionalmente do continente e representam dez por cento de sua produção industrial. Os empréstimos chineses sustentam muitos dos maiores projetos de infraestrutura da África, incluindo novas redes ferroviárias no Quênia. Mais perigosa para os interesses americanos, a China está ganhando controle quase monopolista de recursos extrativos, tais como petróleo e minerais.

A crescente influência da China também não se limita à esfera econômica. Na tentativa de aumentar sua presença militar, Pequim agora possui mais de 2.000 soldados pacificadores em toda a África e, no ano passado, abriu sua primeira base no exterior, em Djibuti. A China também está acelerando seu apoio militar aos governos africanos. Ela financiou o novo centro de treinamento militar da Tanzânia, que foi inaugurado no início de fevereiro e está entre os maiores exportadores de armas para a África. Outro cliente importante é o Sudão, que continua sendo um pária internacional por sua cumplicidade nos brutais conflitos no Darfur e no Kordofan do Sul.

Permitir que a China exerça poder incontrolável na África e obtenha controle sobre a produção de recursos naturais é uma séria ameaça aos interesses estratégicos dos EUA por dois motivos. Em primeiro lugar, sua preferência pela estabilidade política e econômica sobre a democratização significa que pode encontrar aliados entre as ditaduras remanescentes no continente. Os EUA e seus aliados podem perder a capacidade de pressionar autoritários como Omar Al-Bashir, do Sudão, e Joseph Kabila, da República Democrática do Congo, em direção a uma reforma política, se a China quiser apoiá-los no cenário mundial.


Em segundo lugar, a China está trabalhando para garantir recursos vitais para as economias e forças armadas do futuro. A África é famosa por recursos naturais, como petróleo e diamantes, mas também possui grandes reservas de minerais essenciais usados na produção de eletrônicos. Embora grande parte do foco estratégico americano esteja voltado para garantir o fornecimento contínuo de petróleo e gás natural, o aumento no número de eletrônicos, como telefones, computadores e painéis solares, aumentará a demanda por esses minerais e tornará seu suprimento contínuo uma prioridade para manutenção de economias saudáveis. Pensa-se que apenas a República Democrática do Congo tenha um dos maiores depósitos de cobalto do mundo, um componente-chave das baterias de íon-lítio que alimentam a maioria dos carros elétricos, laptops e telefones. A região da África Central em geral produz uma grande quantidade de estanho, cobre, ouro e grande parte do coltan do mundo, que é um componente essencial nas placas de circuito eletrônico.

As forças armadas dos EUA não são menos dependentes desses materiais. Se os EUA e seus aliados falharem em diversificar seus suprimentos, a China poderá minar as economias de defesa de seus rivais e privilegiar as de seus amigos.

Não é tarde demais para reverter essas tendências. A duplicação de programas como a Lei de Crescimento e Oportunidades para a África (African Growth and Opportunity Act, AGOA) e o Comércio na África (Trade Africa) incentivará relações mutuamente benéficas entre os EUA e os países africanos. A promoção de iniciativas de livre comércio ajudará a garantir o fornecimento de minerais vitais e dará aos africanos um mercado competitivo para vender seus recursos naturais. Esses esforços, combinados com a ajuda ao desenvolvimento por meio da USAID, promoveriam uma classe média africana saudável, capaz e disposta a comprar produtos americanos. Dado o potencial econômico de desenvolver esse relacionamento e o risco estratégico de abdicar do continente para a China, os EUA precisam formular uma estratégia abrangente para a África - e logo.

Marcel Plichta é um estudante de pós-graduação em Segurança Global na Escola de Ciências Sociais e Políticas da Universidade de Glasgow.

Bibliografia recomendada:

Bully of Asia: Why China's dream is the new threat to World Order.
Steven W. Mosher.

A Military History of China.
David A. Graff e Robin Higham.

Cães de Guerra.
Frederick Forsyth.

Leitura recomendada:







Manutenção da paz da ONU feita pela China no Mali: estratégias e riscos


Por Marc Lanteigne, Oxford Research Group, 15 de maio de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 14 de março de 2020.

A manutenção da paz da China no Mali representa outro exemplo da crescente disposição do país de enviar pessoal para uma zona de conflito ativa e uma mudança no pensamento estratégico chinês.

Uma das mudanças menos proeminentes no pensamento de segurança da China nas duas últimas décadas foi a maior disposição do país para se envolver e participar das Operações de Manutenção da Paz das Nações Unidas (United Nations Peacekeeping OperationsUNPKO) em partes do mundo muito além da região Ásia-Pacífico. Em março deste ano, a China havia enviado 2.513 soldados pacificadores para missões da ONU no exterior, incluindo a República Democrática do Congo (RDC), Líbano, Sudão do Sul e Sudão. Nas duas décadas, Pequim esteve mais disposta a enviar pessoal de manutenção da paz para regiões onde o combate continua em andamento, com um exemplo importante sendo a Missão das Nações Unidas no Sudão do Sul (UNMISS). A contribuição de manutenção da paz da China para as operações da ONU no Mali representa não apenas outro exemplo da crescente disposição da China de enviar pessoal para uma zona de conflito ativa, mas também um afastamento do pensamento chinês anterior sobre a escolha de missões para se envolver. Também reflete o crescente reconhecimento da China de que os conflitos civis podem ter efeitos regionais e internacionais, especialmente quando a África se torna uma parte crítica dos interesses comerciais inter-regionais expandidos de Pequim.

UNIMISS.

A China começou a expandir seus interesses no envolvimento em UNPKO no final dos anos 90. Mas a participação do país na Missão Multidimensional Integrada de Estabilização das Nações Unidas no Mali (MINUSMA) desde 2013 marcou a primeira vez que forças de combate chinesas foram destacadas como parte integrante de uma missão da ONU. Em 2012, um pequeno pelotão de tropas chinesas foi enviado ao Sudão do Sul, mas seu papel era especificamente proteger outros funcionários chineses no país. Por outro lado, o destacamento militar enviado ao Mali, originalmente com 170 soldados, representou as primeiras verdadeiras forças de combate a serem integradas em uma missão da ONU, dado seu papel consideravelmente mais amplo na proteção de funcionários chineses e não-chineses.

Até a missão no Mali, a China havia demonstrado preferência pelo fornecimento de pessoal não-militar - incluindo policiais civis, engenheiros e equipes médicas - para missões das Nações Unidas. Além disso, ao contrário de outras partes da África onde a China tem interesses significativos em diplomacia de recursos, incluindo RDC e Sudão/ Sudão do Sul, os vínculos econômicos bilaterais entre China e Mali permanecem relativamente modestos na melhor das hipóteses, relatados como totalizando US$ 405 milhões em 2017. No entanto, o compromisso contínuo de Pequim com a MINUSMA procurou demonstrar que o envolvimento da China com a África foi além do campo econômico.

Antecedentes: os desafios contínuos de segurança do Mali

O Mali, juntamente com muitos outros estados vizinhos na região do Sahel, no norte da África, ficou enredado nos tremores secundários da guerra civil da Líbia em 2011. Isso resultou na derrubada do antigo líder Muammar Kadafi, no fraturamento do país e na rápida re-ignição das hostilidades que continuam até hoje. As frágeis estruturas de segurança do Mali afundaram sob o influxo de armas e extremismo político emanado do conflito na Líbia, resultando primeiramente em uma tentativa abortada por separatistas do norte de criar um estado separado de Azawad em 2012, e depois em ataques regulares de organizações fundamentalistas armadas, incluindo facções apoiadas pela Al-Qaeda e mais tarde pelo Estado Islâmico (EI/ISIS).

Combate de rua na Líbia.

Em março de 2012, um golpe militar resultou na remoção do presidente do Mali, Amadou Toumani, e governos subseqüentes, incluindo o atual governo de Ibrahim Boubacar Keïta, continuam lutando para impedir que o país se torne um estado em colapso. A França, antiga potência colonial no Mali entre o século XIX e a independência em 1960, assumiu a liderança no lançamento da Opération Serval em janeiro de 2013 para expulsar as forças extremistas islâmicas do norte do Mali, seguida pela Opération Barkhane em agosto de 2014 que incorporou campanhas de contra-insurgência francesas em toda a região do Sahel, ligando a missão do Mali às do Burkina Faso, Chade, Mauritânia e Níger, ao quinteto de estados também conhecidos como 'G5 Sahel'.

Soldados malinense e francês na Operação Serval, 2013.

O Conselho de Segurança das Nações Unidas concordou em criar a MINUSMA em abril de 2013, de acordo com as disposições do capítulo VI da Carta da ONU e com a bênção do governo do Mali. Desde então, a operação foi referida como a "missão da ONU mais perigosa do mundo". O mandato da ONU no país tem sido ajudar a proteger e estabilizar o país à luz da situação de segurança erodida, bem como promover um sistema democrático durável no país e defender as bases de um acordo de paz instável de 2015. Em março de 2019, havia pouco mais de 16.400 funcionários da ONU no total ligados à missão MINUSMA.


A China decidiu, em meados de 2013, fornecer pessoal de manutenção da paz para a missão. O primeiro destacamento, que chegou em dezembro daquele ano, era uma força avançada de 135 pessoas, incluindo forças de combate do então Comando Militar Regional de Shenyang do Exército de Libertação do Povo Chinês (PLA). A sexta força de manutenção da paz chinesa foi criada no Mali em maio de 2018, com todos os seus 395 membros sendo premiados com as Medalhas de Honra da Paz da ONU em março deste ano. Um sétimo destacamento está previsto para chegar ao Mali em meados deste ano. Além da própria MINUSMA, Pequim também tem sido um forte defensor do apoio financeiro internacional à iniciativa pós-2017 das forças conjuntas do G5 Sahel, criada pelas cinco nações do Sahel para compartilhar informações e apoio ao combate ao terrorismo e promover a estabilidade regional.

Por que as forças de paz chinesas foram ao Mali?


Havia várias razões por trás da decisão de Pequim de concordar em enviar forças de paz ao Mali, apesar dos muitos perigos envolvidos. A primeira razão diz respeito ao desejo da China de mostrar aos governos africanos que o envolvimento de Pequim no continente é, agora, verdadeiramente sobre preocupações mais amplas do que os interesses econômicos da China nas matérias-primas da África. Por exemplo, a abertura de uma base logística chinesa em Djibouti, em 2017, foi um forte sinal de que a África estava considerando mais proeminentemente as políticas de segurança inter-regionais chinesas. Como um livro recente sobre estudos sino-africanos explicou, a expansão do envolvimento da segurança chinesa na África agora está sendo afetada pelas ambições de Pequim de ser visto globalmente como uma 'grande potência responsável', bem como pela constatação pelo governo chinês de que seus tradicionais pontos de vista sobre a não-interferência em conflitos civis estavam se tornando incompatíveis com os conflitos civis modernos, tal como o caso do Mali.

Iniciativa do Cinturão e Rota.

Em segundo lugar, e de forma relacionada, os interesses comerciais expandidos da China na África, incluindo a Iniciativa do Cinturão e Rota (Belt and Road InitiativeBRI), resultaram em apelos a uma maior proteção dos ativos e cidadãos chineses no exterior. Na última década, a China intensificou suas atividades de mediação de disputas, incluindo trabalhos em muitos países que agora fazem parte do BRI. Também buscou garantir aos chineses no estrangeiro, incluindo aqueles que trabalham em partes da África propensas a conflitos, que Pequim está procurando protegê-los melhor. O perigo para os cidadãos chineses baseados em zonas de combate foi bem ilustrado no Mali nos últimos anos. Três empresários chineses foram vítimas de um ataque em um hotel por insurgentes na capital do Mali, Bamako, em novembro de 2015, com outro cidadão chinês morto em um resort próximo em junho de 2017. Como os conflitos no Mali são sintomáticos de um conjunto maior de ameaças à segurança emanando de toda a região do Sahel, o envolvimento da China na MINUSMA, bem como em outras missões africanas de manutenção da paz, ajuda a destacar os compromissos de segurança regional do país na região.

Nota do Tradutor: O cinema chinês já inclui o ambiente africano em seus filmes de ação, como Peacekeeping Force (Força Pacificadora, 2018). O filme chinês de maior bilheteria até hoje, Wolf Warrior II (Lobo Guerreiro 2, 2017), é a estória de um herói chinês na África enfrentando guerrilheiros africanos e mercenários europeus, com a mensagem de que o governo chinês protegerá seus cidadãos onde quer que seja (essa afirmação aparece escrita sobre um passaporte chinês no final do filme, antes dos créditos).


As operações no Mali também proporcionaram uma oportunidade para mais educação e treinamento em operações fora-de-área, tanto para setores civis quanto militares do aparato de segurança da China, especialmente dentro da rubrica de 'operações militares além da guerra' (Military Operations Other Than War, MOOTW) e cooperação expandida com outras forças de manutenção da paz. No entanto, os perigos de operar em um país onde frequentemente há pouca paz para manter, foram levados para casa pela morte, em junho de 2016, de um sargento do PLA causado por um explosivo plantado perto da base da MINUSMA em Gao, no centro do Mali. Quatro outros soldados pacificadores chineses ficaram feridos nesse incidente.

Os lados econômicos do engajamento no Mali

Finalmente, embora seja improvável que o comércio bilateral entre a China e o Mali seja igual ao dos principais parceiros comerciais de Pequim, como Angola, Nigéria e África do Sul; o Mali, no entanto, entrou na consideração de Pequim sobre a expansão geral do comércio no continente. Em 2017, o governo do Mali manifestou sua disposição de se alinhar com o BRI, com planos anunciados em 2015 para a renovação de uma ligação ferroviária entre o Mali e o vizinho Senegal, bem como planos para a construção de uma ferrovia entre Bamako e a capital guineense de Conakry apresentada no ano anterior.


A diplomacia econômica continua sendo a pedra angular da diplomacia chinesa na África, com o comércio sino-africano atingindo mais de US$ 204 bilhões em 2018. No mais recente Fórum de Cooperação China-África (Forum on China–Africa Cooperation, FOCAC), em setembro do ano passado, o presidente chinês Xi Jinping anunciou novas iniciativas econômicas para o continente, incluindo cooperação mais estreita nas áreas de conectividade, projetos “verdes”, saúde, indústria, infraestrutura e paz e segurança. A África também foi sujeita a um renascimento da competição diplomática entre China e Taiwan nos últimos três anos. Com o Burkina Faso reconhecendo oficialmente a República Popular em maio de 2018, todos os governos africanos agora reconhecem Pequim. A exceção solitária é Eswatini (Suazilândia). Assim, a participação contínua na manutenção da paz no Mali continua sendo um componente importante da diplomacia africana da China em nível regional, demonstrando que a China deseja ser um "parceiro geral" para o continente, à medida que os compromissos econômicos de Pequim continuam a se aprofundar.


No início deste ano, a MINUSMA estava sob uma pressão muito maior, já que o Canadá e a Holanda estavam se preparando para retirar seu pessoal do Mali, enquanto o apoio dos EUA à operação se tornou cada vez mais hesitante devido à escalada da violência e ameaças à região do Sahel em geral. Existe, portanto, a forte possibilidade da China desempenhar um papel ainda mais ampliado nas operações de manutenção da paz da ONU, e talvez até na construção da paz no Mali, pois a situação de segurança continua sendo tênue, na melhor das hipóteses.

Marc Lanteigne é professor associado de ciência política na UiT: Universidade do Ártico da Noruega, Tromsø.

Bibliografia recomendada:





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Capacetes Azuis Marroquinos: valores e compromissos1º de julho de 2020.