sexta-feira, 27 de março de 2020

FOTO: O fuzil M1941 Johnson na China

Chineses comunistas durante a Guerra Civil Chinesa, armados com o fuzil semi-automático M1941 Johnson americano, 1949.

Esse fuzil exótico aparece no filme chinês Assembléia (Ji jie hao, 2007), surpreendendo muitos telespectadores fãs de armamento que, em um primeiro momento, julgaram a aparição como um erro cinematográfico.


FOTO: Mussolini passa os Alpini em revista

Mussolini passa em revista a V Brigata Nera Alpina Mobile "Aldo Resega" (Dronero-Cuneo) em Val Camonica, na província de Brescia na República Social Italiana (RSI), 1945. (Colorizada)

Leitura recomendada:

GALERIA: Visita de Hitler a Mussolini na Itália, 19389 de setembro de 2020.

A submetralhadora MAS-385 de julho de 2020.

FOTO: Malizia, o mascote do 17e RGP

Malizia, o mascote do 17e RGP, fotografado com o seu binômio, o Caporal Fabien.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 17 de março de 2020.

Malizia é um Pygargue à tête blanche (Haliaeetus leucocephalus, águia-de-cabeça-branca) nascido em cativeiro no Rocher des Aigles, um santuário de falcoaria em Rocamadour, na França, e foi oferecido ao 17e RGP (Régiment du génie parachutiste, regimento de engenharia paraquedista) pela princesa Caroline de Mônaco, a madrinha do regimento. 

Malizia foi batizado em homenagem a François Grimaldi, apelidado "il Malizia" ("o Malicioso"). Em 1297, François Malice tomou a fortaleza monegasca conhecida como Rochedo de Mônaco por ardil ao se vestir de monge franciscano.

"Malizia incorpora a naturalidade e o domínio do ar, coragem e combatividade, especificidades da arma de engenharia".

ENTREVISTA: "Torturei uns trinta"


Por Alexandre Oltramari, Revista Veja, 9 de dezembro de 1998.

O ex-tenente gostava "muito" de dar choque nos dedos e aprendeu a torturar "vendo".

O ex-tenente Marcelo Paixão de Araújo: herdeiro de uma das grandes fortunas mineiras.

Marcelo Paixão de Araújo debruçou-se sobre uma mesa de vidro, na sala de seu amplo apartamento, em Belo Horizonte, pediu à empregada para trazer biscoitos, água mineral e café — e prestou a VEJA um histórico depoimento de quase duas horas. Com ele, tornou-se o primeiro agente da repressão a admitir em público que torturava presos políticos durante a ditadura militar. Hoje, passados trinta anos, sua vida é tranquila. Herdeiro dos fundadores do sólido Banco Mercantil, Marcelo Paixão de Araújo formou-se em direito e trabalha como corretor de seguros, em Betim, a 30 quilômetros de Belo Horizonte, para onde vai dirigindo seu Toyota do ano. Casado, duas filhas, acaba de mudar-se para um apartamento de 300 metros quadrados, na região da Savassi, um dos bairros mais chiques da capital mineira. Apesar dos 15 quilos acima do peso ideal, ele maneja seu barco no lago de Furnas, onde tem uma casa para os fins de semana. De manhã, lá por uma hora, antes de sair para o trabalho. Em casa, tem uma biblioteca de 2.500 volumes, onde se podem encontrar desde clássicos da literatura brasileira até manuais de tortura. Ele gosta de livros de política e de História e, nos últimos tempos, tem-se dedicado à leitura de biografias. Leu A Lanterna na Popa, do ex-ministro Roberto Campos, e Chatô, o Rei do Brasil, do jornalista Fernando Morais.

"A tortura causa um desgaste muito grande. Nunca me neguei a torturar alguém, mas só fazia quando havia necessidade. Mas a brincadeirinha não tem a menor graça, viu?" (risos)


Em 1968, Marcelo Paixão de Araújo servia como tenente no 12º Regimento de Infantaria do Exército em Belo Horizonte, um dos três centros mais conhecidos de tortura da capital mineira durante a ditadura militar. Ali, permaneceu até 1971. "Fiquei porque achava que a única forma de consertar o país era por meio das Forças Armadas", diz. Ao deixar a caserna, foi trabalhar na empresa do pai, a Minas Brasil, braço de seguros do Banco Mercantil, onde ocupava o cargo de superintendente técnico. Raríssimas vezes usava terno e gravata. Preferia trabalhar de calça jeans. "Ele era diferente do pai e dos irmãos. Era um moleque, uma pessoa muito alegre, que vivia contando piada", diz uma ex-funcionária da empresa. "Descobri que eu não havia nascido para ser executivo", conta Marcelo. Ali, trabalhou seis anos, mas teve tantos problemas que saiu da empresa para o divã do analista. Fez sete anos de análise. Ele garante que não recorreu ao divã em função da passagem pelo porão e diz que vive em paz com seu passado. Na entrevista a VEJA, o ex-tenente alternou estados de humor, indo da descontração à rispidez em segundos. Aqui, ele conta como e por que torturou três dezenas de presos políticos, de 1968 a 1971:

O engenheiro Leovi Carísio, hoje com 52 anos, foi uma das vítimas de tortura do ex-tenente. Era militante do grupo Colina/VAR-Palmares, ficou mais de três anos preso e passou pelo pau-de-arara, "esticamento" e tomou choque. Ele explica: "Marcelo me obrigava a deitar de costas numa mesa. Aí, ele amarrava meus punhos e tornozelos aos pés da mesa e puxava de um lado ao outro até envergar meu tronco. Era horrível". 

Veja — Durante a ditadura, em depoimentos na Justiça Militar, 22 presos políticos acusam o senhor de tortura. É verdade?
Araújo — Quem lhe disse isso?

Veja — Vi nos processos na Justiça Militar. E, pela quantidade de presos que o citaram, o senhor é o agente da repressão que mais praticou torturas. É verdade?
Araújo — Sim. Todos os depoimentos de presos que me acusam de tortura são verdadeiros.

Veja — O senhor fez isso cumprindo ordens ou achava que deveria fazê-lo?

Araújo — Eu poderia alegar questões de consciência e não participar. Fiz porque achava que era necessário. É evidente que eu cumpria ordens. Mas aceitei as ordens. Não quero passar a idéia de que era um bitolado. Recebi ordens, diretrizes, mas eu estava pronto para aceitá-las e cumpri-las. Não pense que eu fui forçado ou envolvido. Nada disso. Se deixássemos VPR, Polop (organizações terroristas) ou o que fosse tomar o poder ou entregá-lo a alguém, quem se aproveitaria disso seriam os comunistas. Não queríamos que o Brasil virasse o Chile de Salvador Allende. Nessa época, eu tinha 21 anos, mas não era nenhum menino ingênuo (risos). O pau comia mesmo. Quem falar que não havia tortura é um idiota.

Ex-militante do PCB, três anos de cadeia, o hoje professor de História Ápio Costa Rosa, 57 anos, carrega marcas físicas da tortura. "Marcelo apagava cigarro no meu corpo, mas a pior coisa que ele fez foi me deitar no chão, colocar um cabo de vassoura no meu pescoço e subir em cima. Aí, quando eu ia respirar, ele derramava óleo no meu rosto. Estou pagando por isso tudo até hoje", diz.

Veja — Como o senhor aprendeu a torturar?
Araújo — Vendo.

Veja — O que o senhor fazia?
Araújo — A primeira coisa era jogar o sujeito no meio de uma sala, tirar a roupa dele e começar a gritar para ele entregar o ponto (lugar marcado para encontros), os militantes do grupo. Era o primeiro estágio. Se ele resistisse, tinha um segundo estágio, que era, vamos dizer assim, mais porrada. Um dava tapa na cara. Outro, soco na boca do estômago. Um terceiro, soco no rim. Tudo para ver se ele falava. Se não falava, tinha dois caminhos. Dependia muito de quem aplicava a tortura. Eu gostava muito de aplicar a palmatória. É muito doloroso, mas faz o sujeito falar. Eu era muito bom na palmatória.

Veja — Como funciona a palmatória?
Araújo — Você manda o sujeito abrir a mão. O pior é que, de tão desmoralizado, ele abre. Aí se aplicam dez, quinze bolos na mão dele com força. A mão fica roxa. Ele fala. A etapa seguinte era o famoso telefone das Forças Armadas. Tinha gente que dizia que no telefone vinha inscrito US Army (indicando que era produto das Forças Armadas americanas). Balela. Era 100% brasileiro. O método foi muito usado nos Estados Unidos e na Inglaterra, mas o nosso equipamento era brasileiro.

Veja — E o que é o telefone?
Araújo — É uma corrente de baixa amperagem e alta voltagem.

Veja — De quanto?
Araújo — Posso pegar o manual para informar com certeza. Mas não tem perigo de fazer mal. Eu gostava muito de ligar nas duas pontas dos dedos. Pode ligar numa mão e na orelha, mas sempre do mesmo lado do corpo. O sujeito fica arrasado. O que não se pode fazer é deixar a corrente passar pelo coração. Aí mata.

Veja — Qual era o estágio seguinte quando o preso não falava?

Araújo — O último estágio em que cheguei foi o pau-de-arara com choque. Isso era para o queixo-duro, o cara que não abria nas etapas anteriores. Mas pau-de-arara é um negócio meio complicado. No Rio e em São Paulo gostavam mais de usar o pau-de-arara do que em Minas Gerais. Mas a gente usava, sim. O pau-de-arara não é vantagem. Primeiro, porque deixa marca. Depois, porque é trabalhoso. Tem de montar a estrutura. Em terceiro, é necessário tomar conta do indivíduo porque ele pode passar mal. Também tinha o afogamento. Você mete o preso dentro da água e tira. Quando ele vai respirar, coloca dentro de novo, e vai por aí afora. É como um caldo, como se faz na piscina. Era eficiente. Mas eu não gostava. Achava que o risco era muito alto. Afogamento não era a minha praia (risos). A geladeira, uma câmara fria em que se coloca o preso, não funcionava em Belo Horizonte. Era muito caro. O que tinha era o trivial caseiro. O menu mineiro.

Aos 53 anos, o engenheiro mecânico José Antônio Gonçalves Duarte, ex-militante do Partido Operário Comunista, POC, lembra com clareza seu suplício: "Esse pulha do Marcelo me torturou durante 98 dias. Era choque nos dedos, ouvidos e órgãos genitais, e afogamento. Há seis anos, eu o vi em São Paulo. Pensei: 'Como é fácil matar esse cara'. Minha mulher me puxou pelo braço e fomos embora".

Veja — O que mais tinha no menu mineiro?
Araújo — A dança da lata eu praticava muito.

Veja — Como era?
Araújo — Eu pegava duas latinhas de ervilha e abria. Depois, colocava o cara de pé, em cima.

Veja — Sangrava?
Araújo — Não. Ele falava antes disso (gargalhadas). Mas quem era mais leve agüentava mais tempo.

Veja — E quem não tinha o que dizer?
Araújo — Ia para a lata igual. Mas é muito fácil identificar quem tinha e quem não tinha o que falar.

Veja — Como?

Araújo — Militante é diferente. Jornalista é diferente de militar, que é diferente de empresário, que é diferente de militante. Ele se deixa trair por uma série de coisas. O linguajar, para começar, é diferente. Então, inocente só era torturado quando o agente era muito cru, sem conhecimento algum da práxis marxista, ou quando era um sádico. É muito fácil identificar uma pessoa que não é de esquerda. Vou dar um exemplo. Há algum tempo fui comprar dólares no Banespa, no câmbio turismo. Como até hoje tenho minha carteira militar, apresentei-a no lugar da identidade. O atendente viu a carteira, olhou para mim e perguntou:

— O senhor serviu no colégio militar?
— Tive uma época lá. Por quê? Você foi aluno lá?
— Não.
— Você foi soldado?
— Não.
— Escuta, eu te prendi?
— Não foi bem assim. Fui preso e o senhor foi o único que acreditou em mim. Apanhei com palmatória antes de o senhor chegar e me liberar.
— Sorte, hein? Já pensou se fosse o contrário? (risos).

Veja — O senhor já reencontrou alguma pessoa que torturou?
Araújo — Sim. Eventualmente, eu encontro ex-presos meus, inclusive os que apanharam. E o relacionamento não é muito ruim, não. Não é aquele negócio de dar beijinhos e abraços. Mas é um relacionamento de respeito. Há pouco tempo, aqui em Belo Horizonte, encontrei o Lamartine Sacramento Filho, que é professor em uma faculdade local. Segurei ele no ombro e disse: 'Você não me conhece, não?' Ele levou um susto. Aí eu disse: 'Você tá bom?' Ele disse que sim e não quis mais conversa. Mas também não passa batido, não (risos). Não deixo passar batido (sério).

Veja — Por quê?
Araújo — É o meu esquema. Não deixo passar batido. Não vai passar batido. Não passa batido. Vou lá, coloco a mão no ombro dele e digo: Não me esqueci de você, não. Você lembra de mim? Estamos aí. A vida continua.

Veja — Quantas pessoas o senhor já torturou?
Araújo — Não tenho idéia. Não sou igual a matador que faz talho na coronha do revólver para cada um que mata. Mas você quer um número aproximado?

Veja — Sim.
Araújo — Uns trinta.

Veja — O senhor matou alguém em sessões de tortura?
Araújo — Não. Já atirei, mas não matei.

Veja — Mas morreu gente onde o senhor servia.
Araújo — Pouca gente. O João Lucas Alves, que era um ex-sargento da FAB, foi um deles. Ele morreu na tortura.

Veja — O senhor participou?
Araújo — Não. Isso foi alguns dias antes de eu ser convocado. Depois que eu saí, se morreu alguém eu não sei.

Veja — O que é besteira e o que é verdade no que já se escreveu sobre tortura no Brasil?

Araújo — Há algumas pequenas inverdades. Mas a maioria dos fatos é correta. Há pouca besteira e muita verdade. As pessoas que participaram desse período até hoje não falaram abertamente. As altas autoridades do país foram as primeiras a tirar o seu da reta. Morri de rir ao ler o livro sobre o Geisel (refere-se ao livro que reúne as memórias do ex-presidente Ernesto Geisel, publicado no ano passado pela Fundação Getúlio Vargas). Segundo o depoimento de Geisel, ele não sabia de nada, mandava apurar tudo, era um inocente. É uma gracinha isso tudo. Todos os agentes do governo que escreveram sobre a época do regime militar foram muito comedidos. Farisaicos, até. Não sabiam de nada, eram santos, achavam a tortura um absurdo. Quem assinou o AI-5? Não fui eu. Ao suspender garantias constitucionais, permitiu-se tudo o que aconteceu nos porões. É claro que havia diversas pessoas envolvidas nisso. Mas eu não vou citar o nome de ninguém. Falo apenas de mim.

José Adão Pinto, que pertencia à Corrente Revolucionária, um braço mineiro da ALN, hoje é dono de uma livraria em São Paulo, tem 51 anos, casado, sem filhos: ele ficou estéril devido às intermináveis sessões de choque nos órgãos genitais e sofre de hemorróidas, pois lhe introduziam um cabo de vassoura no ânus. "Todo mundo me torturava, e não apenas o Marcelo, pois eu era o único negro".

Veja — Por que o senhor deixou o Exército?
Araújo — Estava numa encruzilhada. Ou eu ia para a academia ou tomava outro rumo na vida. Preferi terminar o meu curso de direito.

Veja — A tortura não é uma coisa desumana?
Araújo — (Silêncio)

Veja — Quem tortura age como um monstro?
Araújo — Monstro? (em tom indignado). Não. As pessoas que transitam em determinado meio tendem a se relacionar com seus pares. Então, militar andava com militar, policial andava com policial. Essas práticas eram normais entre nós. Quem eu achava que era monstro eram os sádicos. Eu mesmo afastei dois sargentos. Não queria sádicos trabalhando comigo.

Veja — O senhor tem medo de alguma vingança?
Araújo — Não. Andei armado de 1973 até 1980. Tinha um Smith & Wesson, calibre 38, de cinco tiros. Hoje não uso mais arma. Minha preocupação era a violência. Achava que tinha obrigação de reagir à violência. Aí descobri que ia armar bandido. Se for para andar armado, vou atirar pelo menos duas vezes por semana, não vou andar no volante, enfim, há uma série de precauções que precisam ser tomadas.

Veja — O senhor não tem medo de que aconteça algo para suas filhas?
Araújo — Uma das minhas meninas estuda direito na PUC. Há um ano, um débil mental falou para toda a sala que o pai dela tinha sido do Doi-Codi, que torturava gente, esse tipo de coisa.

Veja — Ela já sabia do seu passado?
Araújo — Sim. Quando uma tinha 13 anos e a outra 14, contei tudo. Foi na época em que saiu o livro Brasil: Nunca Mais. O meu nome está lá, na segunda página, para todo mundo ver (risos). É engraçado. Todo mundo tem o livro, mas pouquíssima gente leu.

Veja — Foi difícil essa conversa?

Araújo — Não foi muito difícil, não. Sou um bom pai. Minhas filhas foram bem criadas. Conhecem o pai que têm. Eu nunca escondi as coisas. Nunca disse a elas que fui um santinho. Disse a elas que não pensassem que eu não bati em alguém. Bati, sim. Elas ficaram um pouco chocadas e disseram: 'Pai, já sabemos, mas agora pára'. Não queriam detalhes. Eu segui a minha vida. Não adianta esconder esse tipo de coisa. A verdade uma hora vem à tona.

Veja — O senhor sofreu algum tipo de crise de consciência em função da tortura?
Araújo — Isso sempre deixa dramas na gente. É uma coisa pesada. Não é bom tratar um semelhante dessa forma. Você não quer aproveitar e comer um biscoitinho? (Ele come um biscoito.) Depois de deixar o Exército, tive uma grande crise de depressão. Fiz análise durante sete anos. Mas não foi por isso. Tinha problemas existenciais que não podem ser relacionados com a minha atividade no porão. Tinha problemas na empresa. Queria fazer coisas e o pessoal não queria. Foi problema profissional. Tinha um salário muito bom e ele piorou demais. E dinheiro é uma desgraça. É bom quando não faz falta.

Veja — O senhor se arrepende de ter torturado?
Araújo — Não me arrependo. Mas se você me perguntar se eu faria de novo, é outra conversa. É como você me perguntar se eu gostaria de voltar a ter 21 anos hoje. Com a experiência e o dinheiro que tenho atualmente, quero (risos). Mas não me arrependo de nada do que fiz.

Veja — O senhor faria tudo outra vez?
Araújo — Se achasse que não havia outro caminho para livrar o país do comunismo, sim. Mas, em princípio, não. Porque a tortura ou, eufemisticamente, o interrogatório por meios violentos, que não precisa necessariamente ser a porrada, causa um desgaste muito grande. Nunca me neguei a torturar alguém, porém só fazia quando havia necessidade. Mas a brincadeirinha não tem a menor graça, viu (risos).

Veja — Por que o senhor fazia isso, então?
Araújo — O índice de aproveitamento é de mais de 90%. A primeira vez que vi um interrogatório, como assistente, fiquei chocado. E olha que não tinha agressão. Foi só interrogatório policial duro.

Veja — O que o deixou chocado?
Araújo — A forma como o interrogado desmontou sem apanhar. Não adianta fazer interrogatório sem saber quem é o sujeito, de onde veio e o que faz. Era bobagem pegar um sujeito que foi flagrado com um folheto que se imaginava ser da ala vermelha do PCBR ou do PC do B. Isso não levava a lugar algum. Sabe o que funcionava demais? Um tapa com força na mesa. O cara levava um susto. E falava. Quando vi esse interrogatório, fiquei com pena do sujeito. Eram cinco pessoas em volta dele, gritando, ameaçando, chamando-o de mentiroso. Achava que o cara era inocente. Perdi a pena quando ele abriu o bico. Aí eu disse: "Ah, seu sem-vergonha, quer dizer que isso funciona". Com o tempo, vi outros interrogatórios mais duros. Em seguida, passei a atuar como agente.

Veja — Por que o senhor participou disso tudo?

Araújo — Eu achava que havia a necessidade de destruir as organizações de esquerda do país. Era uma convicção íntima. Nunca gostei do marxismo. Sempre fui visceralmente antimarxista. Isso é uma questão de formação. Meu pai sempre foi antimarxista. A coisa complicou quando descobri que o método (a tortura) era rápido. Bastava levar para o porão e pronto. Mas raríssimas vezes deixei de começar um interrogatório conversando com o indivíduo. Não vou dizer que no calor da prisão o cara não tenha ido direto para o porão. Já aconteceu, sim. Mas foram poucas vezes. Por que sabem o meu nome completo? Porque eu nunca escondi o meu nome. Tinha convicção quanto ao que estava fazendo. Eu não tinha codinome, como quase todo mundo. Portanto, não sou o maior torturador do país, mas sim um dos poucos que agiram de cara limpa.

General Ernesto Geisel.

Veja — Hoje, quase três décadas depois, o senhor não faz nenhuma ressalva ao passado?
Araújo — É preciso admitir que os resultados foram pífios. Atacamos muito a subversão e pouco a corrupção. A única coisa que o Geisel falou em seu livro que eu lhe dou razão é que não se pode fazer um movimento apenas contra. Tem de ser a favor de algo. Faltava isso no movimento. Houve outros equívocos. Para acabar com as lideranças de esquerda, acabaram com as de direita também. Cercearam o movimento estudantil, a política partidária. Foi uma pena. A gente podia ter aproveitado para fazer uma grande remodelação do país. Recentemente, lendo as memórias do Oswaldo Aranha, vi que ele diz o mesmo da Revolução de 1930. Tinha-se de aproveitar aquele período discricionário rapidamente, para impor com agilidade as reformas necessárias. Eu concordo inteiramente com ele.

Veja — Por que o senhor só resolveu dar esse depoimento agora?
Araújo — Porque ninguém me havia perguntado sobre isso antes.

L'État militaire en Amérique latine.
Alain Rouquié.

Leitura relacionada:

"A tortura se justifica quando pode evitar a morte de inocentes", 27 de março de 2020.

"A tortura se justifica quando pode evitar a morte de inocentes"

"A tortura se justifica quando pode evitar a morte de inocentes".

Por Leneide Duarte-Plon, Folha de São Paulo, 04 de maio de 2008, de Paris.

Seleção de imagens Filipe do A. Monteiro, 27 de março de 2020.

General francês, que ensinou tortura a militares brasileiros, confirma atuação do país em golpe contra Salvador Allende.

O general francês Paul Aussaresses, 89, é a memória viva dos atropelos aos direitos humanos praticados durante a ditadura brasileira (1964-1985). Ex-agente do serviço secreto da França, veterano das guerras do Vietnã e da Argélia, Aussaresses colaborou com o regime militar no Brasil, ensinando aos oficiais técnicas de tortura e também de combate à guerrilha.

Je n'ai pas tout di: Ultimes révélations au service de la France.
General Paul Aussaresses e Jean-Charles Deniau.

"No curso, os estagiários representavam o papel dos torturadores e dos torturados", afirmou o militar reformado, no livro "Je N'ai Pas Tout Dit - Ultimes Révélations au Service de la France" (Eu não contei tudo - últimas revelações a serviço da França), que acaba de ser lançado em Paris. A obra é uma série de entrevistas concedidas ao jornalista Jean-Charles Deniau. Em suas revelações, Aussaresses revelou que o governo Médici forneceu armas e aviões para o golpe militar que derrubou o presidente chileno Salvador Allende, em 11 de setembro de 1973. E vai além, ao relatar que o ex-presidente João Baptista Figueiredo, então chefe do SNI (Serviço Nacional de Informações), o telefonou para dizer que seus homens haviam torturado e matado um "francês subversivo", em referência a Laurent Schwartz. Aussaresses recebeu a Folha para uma longa entrevista na casa que tem na Alsácia. Não se furtou a reiterar tudo o que disse no livro e acrescentou que não se arrepende de nada, mesmo que seu livro anterior o tenha levado a responder a um processo por "apologia de crimes de guerra". "Acho que Figueiredo apreciou minha conduta em relação aos brasileiros. Minha colaboração foi frutuosa para eles e para nós", disse.

FOLHA - O senhor viveu no Brasil entre 1973 e 1975. Qual sua missão junto à embaixada francesa?

PAUL AUSSARESSES - Eu era adido militar.

FOLHA - O sr. fazia trabalho de informação?
AUSSARESSES - É isso que os adidos militares fazem. Todos eles se informam sobre o que pode interessar a seus países e sobretudo as necessidades do país no qual servem, do ponto de vista do que podemos vender a eles.

Services Spéciaux: Algérie 1955-1957.
Pour la France: Services Spéciaux 1942-1954.

FOLHA - Naquela época, a França já vendia armas ao Brasil?
AUSSARESSES - Claro. Havia muito tempo existiam adidos militares no Brasil. O chefe era do Exército, mas havia um da Aeronáutica e um oficial de Marinha. O Brasil tinha se interessado pelos aviões franceses fabricados pela Société Dassault. O Mirage.

FOLHA - Em seu livro, há um capítulo em que o senhor narra os cursos de interrogatório e informação a oficiais no Centro de Instrução de Guerra na Selva, em Manaus. Quais eram suas atribuições?
AUSSARESSES - Eu dava aulas nessa escola militar porque tinha sido instrutor das Forças Especiais do Exército Americano no Fort Bragg. Fui nomeado instrutor dos pára-quedistas da infantaria americana em Fort Benning, na Geórgia, e me pediram para ser também instrutor em Fort Bragg, na Carolina do Norte. Isso foi nos anos 60. Nessa escola, encontrei oficiais estagiários das forças especiais de vários países da América do Sul.

FOLHA - Inclusive do Brasil?
AUSSARESSES - Exatamente.

A onça, o símbolo do CIGS.

FOLHA - Quem eram esses oficiais?
AUSSARESSES - Não me lembro de seus nomes. Lembro de Umberto Gordon, que se tornou chefe das Forças Especiais do Chile, a DINA, o serviço secreto de Pinochet. Éramos muito amigos.

FOLHA - O senhor chegou ao Brasil em outubro de 1973, pouco depois do golpe militar do Chile. O Brasil participou ativamente no golpe contra Allende?
AUSSARESSES - Que pergunta! Você pensaria que sou um idiota se não estivesse a par. Claro que o Brasil participou!

FOLHA - O senhor conta no livro. Gostaria que repetisse. O Brasil enviou aviões e armas?
AUSSARESSES - Mas claro, armas e aviões.

FOLHA - E enviou oficiais também?
AUSSARESSES - Sim, claro. As armas não sei dizer exatamente quais. Mas os brasileiros enviaram aviões franceses com projéteis fabricados na França pela sociedade Thomson-Brandtà.

FOLHA - Para a qual trabalhou depois, quando saiu do Exército.
AUSSARESSES - Exatamente.

General Paul Aussaresses.

FOLHA - O senhor foi muito amigo de João Baptista Figueiredo, chefe do SNI e último presidente militar. Ele e o delegado Sérgio Fleury eram os responsáveis pelos esquadrões da morte brasileiros, como o senhor escreveu?
AUSSARESSES - É uma maneira de falar. Nós não chamávamos assim. Sérgio Fleury era o responsável pelos esquadrões da morte e Figueiredo, pelo SNI. O embaixador Michel Legendre não podia ouvir falar de esquadrões da morte.

FOLHA - O sr. diz que o embaixador não suportava Sérgio Fleury. E de Figueiredo, tinha melhor impressão?
AUSSARESSES - Um dia o embaixador me disse: "Você tem amigos estranhos". Eu respondi: "São eles que me permitem manter o senhor bem informado". Ele não disse mais nada.

FOLHA - Como seu trabalho era importante para a França?
AUSSARESSES - Todas as informações são importantes. Mas era sobretudo para mostrar que a França era um país amigo. Os brasileiros tinham a necessidade de tal material, estávamos dispostos a vender. Tinham necessidade de fabricar.

FOLHA - De quais materiais?
AUSSARESSES - Materiais de aviação. Tínhamos conhecimentos técnicos, mas o que era importante é que podíamos ir aos nossos superiores pedir informação para os brasileiros.

FOLHA - No livro o sr. narra o episódio de tortura de uma mulher que veio ao Brasil para, segundo o general Figueiredo, espionar o senhor. Figueiredo o fez vir de Manaus às pressas para mostrar a moça, já irreconhecível depois das sessões. Ele depois o informou que ela morrera no hospital. Nunca questionou o método bárbaro usado para obter informações daquela mulher?
AUSSARESSES - De jeito algum! A morte dessa mulher era um ato de defesa.

Marechal Humberto de Alencar Castello Branco (esquerda) e o General Charles de Gaulle (discursando) durante a visita do presidente francês em outubro de 1964.

FOLHA - Qual é sua impressão sobre os presidentes militares: Ernesto Geisel, João Figueiredo e Garrastazu Médici?
AUSSARESSES - Ernesto Geisel era um homem racional, de uma profunda moralidade. Era um homem que tinha uma fé religiosa e respeitava as regras da moral cristã que considera que os homens merecem viver numa atmosfera de ordem que lhes permite trabalhar, cuidar da família. De Emilio Garrastazu Medici tenho boas lembranças. Conheci-o na embaixada da França, conversamos em português. João Figueiredo era adorável, sedutor. Era o chefe do SNI quando eu cheguei como adido. O representante francês dos serviços especiais no Brasil me disse: "Todo mundo sabe que você fez parte do serviço de inteligência francês, principalmente do "Action", logo, não deve esconder. Você vai encontrar Figueiredo, chefe do SNI, não esconda que você pertenceu ao serviço equivalente na França".

FOLHA - E vocês ficaram amigos?
AUSSARESSES - Muito amigos. Acho que Figueiredo apreciou minha conduta em relação aos brasileiros. Minha contribuição foi apreciada. Minha colaboração foi frutuosa para eles e para nós.

FOLHA - Quais são os fundamentos que justificam o uso da tortura numa guerra ou como no caso do Brasil, nos anos 60 e 70?
AUSSARESSES - Acho que, se podemos evitá-la, nada a justifica.

FOLHA - E quando é que não se pode evitá-la?
AUSSARESSES - Quando a ação terrorista adversa quer ter efeitos de propaganda e tem por vítimas sobretudo mulheres e crianças. Penso que, se a tortura pode evitar a morte de inocentes, ela se justifica. É meu ponto de vista. Não a aprecio, não a aprecio, não a aprecio.

Aussaresses usando o brevê paraquedista francês livre da Segunda Guerra Mundial.

FOLHA - Na Argélia, o sr. e o general Jacques Massu estavam de acordo com todos os métodos de informação, inclusive a tortura?
AUSSARESSES - Totalmente de acordo. Mas quando houve o ataque de Philipeville, Massu ainda não estava comandando os pára-quedistas. Descobri que ia haver um ataque porque havia compras diárias de uma enorme quantidade de farinha de cuscuz num armazém. E tudo era comprado em dinheiro. E as notas de dinheiro vinham da França, do salário dos operários argelinos. Foi meu serviço de informação que descobriu tudo.

FOLHA - Parece que foi por causa de compras em uma aldeia que Che Guevara e seu grupo de guerrilheiros foram descobertos na Bolívia.
AUSSARESSES - Penso que Che Guevara era um homem brilhante, muito inteligente mas ambicioso. Ele queria substituir Fidel Castro, mas Fidel não estava apressado em deixar o posto de chefe de Estado de seu país e enviou-o em missão à Bolívia com outro homem muito brilhante que ainda está vivo, Régis Debray. Então, Fidel Castro quis dar uma ocupação a esses homens brilhantes e enviou-os em missão à Bolívia.

FOLHA - O sr. pensa que Fidel Castro armou uma cilada?
AUSSARESSES - Eles eram brilhantes, mas bebiam muito e os espiões de Fidel Castro ouviam o que eles diziam. E eles escreviam também, escreviam demais e quando foram para a Bolívia as forças de segurança bolivianas sabiam de todos os detalhes dos deslocamentos deles. Debray foi capturado rapidamente e depois encontraram sua agenda, uma bela agenda Hermès, de couro.

FOLHA - E quem os denunciou?
AUSSARESSES - A tagarelice deles.


FOLHA - Mas a CIA [serviço de inteligência dos EUA] estava na Bolívia.
AUSSARESSES - Claro, que dúvida!

FOLHA - O senhor foi sempre anticomunista?
AUSSARESSES - Sempre. Não me vanglorio disso, mas também não nego.

FOLHA - Hoje, após a queda do Muro de Berlim e o fim da União Soviética, qual seria o grande perigo para um país como a França?
AUSSARESSES - A organização terrorista maometana, árabe, os islâmicos.

FOLHA - A maioria dos militares pensa que o dever é manter o silêncio. Por que o sr. resolveu falar?
AUSSARESSES - Porque penso que era meu dever falar.

FOLHA - Mesmo arriscando a sua reputação?
AUSSARESSES - Há regras de vida e da carreira militar que tratam do dever. Eu fiz o que era meu dever.

Les escadrons de la mort, l'école francaise - Marie Monique Robin


FOLHA - No livro anterior, "Services Spéciaux - Algérie 1955-1957" (Serviços especiais - Argélia 1955-1957), o sr. contou a participação na guerra da Argélia, inclusive o uso da tortura. Em 2003, foi processado por apologia a crimes de guerra, mas não houve condenação. Os crimes estavam prescritos e anistiados. Por que agora esse livro de entrevistas?
AUSSARESSES - Fui levado à Justiça por apologia à tortura. Disse que não era verdade e que escreveria outros livros para me justificar de tudo o que tinha feito em missões fora da França. Escrevi um outro livro depois, que era uma resposta aos ataques injustos contra mim. O livro é "Pour la France, Services Spéciaux, 1942-1954" (Pela França, serviços especiais)

FOLHA - O senhor se arrepende de algo que fez?
AUSSARESSES - Não me arrependo de nada. E recusei uma proposta que me foi feita no tribunal, quando fui acusado de fazer a apologia da tortura, o que não é verdade. Meu advogado e meu editor me propuseram declarar que eu me arrependia do que fizera e do que escrevera. Não posso, não me arrependo, eu seria desprezado por minha mulher. Minha falecida esposa era uma heroína da Resistência Francesa antinazista, foi ferida em combate. Fomos casados por mais de 50 anos. Ela morreu e depois me casei novamente. E, se eu escrever que me arrependo, merecerei o desprezo de minha atual esposa. Recusei o arrependimento que me propunham e fui condenado.

Liberdade Vigiada -
As relações entre a ditadura militar brasileira e o governo francês: do golpe à anistia.
Paulo César Gomes.

Leitura relacionada:

ENTREVISTA: "Torturei uns trinta", 27 de março de 2020.


Os Centuriões: 10 passagens que farão você refletir sobre guerra e liderança13 de abril de 2020.

FOTO: Exercício de cadetes do ARVN na Escola de Comunicações

Cadetes arriando e içando radares de uma torre de uma antena na Escola de Comunicações do ARVN, 15 de dezembro de 1969.

A Escola de Comunicações do Exército da República do Vietnã (ARVN) era a maior escola técnica do Vietnã do Sul, com cerca de 4.000 cadetes. A escola era localizada num resort à beira-mar em Vung Tau, há 96km ao sul de Saigon. Os cadetes aprendiam como operar e manter telefones, rádios e sensores. Havia 300 instrutores, a maioria dos quais treinaram no Vietnã do Sul, mas receberam cursos de atualização nos Estados Unidos.

Os uniformes com o corte apertado eram típicos do ARVN.

FOTO: General Pham Van Phu, comandante das forças especiais sul-vietnamitas

General Pham Van Phu, comandante das forças especiais sul-vietnamitas, antigo capitão do 5e BPVN em Dien Bien Phu, durante uma apresentação envolvendo conselheiros americanos, 1961.

Modelo da boina usada pelo general.

Distintivo paraquedista da boina.

O Legionário romano, este atleta desconhecido

Centurião Lucius Vorenus, série Roma.

Do site Theatrum Belli, 25 de abril de 2019.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 22 de julho de 2019.

Pela força de seus exércitos, Roma havia conquistado um vasto império cujos limites se estendiam por toda a bacia mediterrânea. Neste período da história, onde o destino das batalhas era decidido por meio do combate corpo-a-corpo, o soldado romano pôde mostrar sua superioridade sobre seus oponentes graças a uma preparação intensiva com o objetivo de desenvolver suas qualidades físicas, táticas e psicológicas. A preparação de atletas modernos parece pouco diferente em princípio daquele dos lutadores da antiguidade (1), e os dados atuais da fisiologia podem explicar as regras empíricas que foram estabelecidas naquela época para guiar a vida cotidiana do legionário romano.

(1) A palavra atleta vem do grego athlon (atleta, aquele que combate).

O retrato típico do legionário romano

Após a reforma de Marius (107 a.C.), o sistema de serviço obrigatório foi substituído pelo alistamento voluntário. O exército havia se tornado uma profissão paga por um soldo, amputado é verdade pelo custo da comida, roupas e equipamentos fornecidos pelo Estado, mas aumentada pelo butim tirado do inimigo. O engajamento foi aberto a cidadãos de 18 a 21 anos, excepcionalmente 30 anos em tempos de crise (2), na condição de que não se tenha observado uma vida muito descontrolada sobre o plano moral e físico, de apresentar uma boa conformação geral, uma boa saúde, uma boa visão e se aproximar do tamanho ideal de 1,78 metros (3). De fato, uma altura elevada não era uma necessidade absoluta (4). Cumpridos estes critérios, o jovem engajado, tendo pronunciado o “sacramentum” que o ligava aos seus líderes e a Roma, pôde entrar no exército para uma carreira de vinte anos.

(2) LE BOHEC Y. – L’armée romaine, Picard, Paris, 1989.
(3) CONNOLY P. – Vingt ans dans la légion, Historia, 1987, 489, 49-52.
(4) CÉSAR. – De bello gallico, II, 30 (Os gauleses ironizavam o pequeno tamanho dos soldados romanos).

Com um armamento defensivo que consistia em armadura, capacete e escudo e de um armamento ofensivo compreendendo espada, adaga e lança, o legionário também carregava sua bagagem (sarcinae) representado por suas provisões de boca – do trigo em particular – utensílios de cozinha, tais como a panela-marmita, o espeto, do material de abate e equipamentos de terraplenagem:machado, serra, pá, todo o conjunto pesando junto com o armamento, segundo os autores, entre 35 e 45kg (5). Daí o nome de mula de Mário que havia sido dado a esses soldados durante a campanha contra os cimbros e os teutões na Provença (102 a.C.). Para conseguir andar com tal fardo, ficou claro que os candidatos tinham um treinamento rigoroso que desenvolvia não apenas a destreza, mas também a resistência e o vigor. César aumentou a velocidade de suas tropas reduzindo a carga transportada para vinte quilos, o que lhe permitiu escolher com mais frequência os campos de confrontação (6-7).

(5) HARMAND J. – L’armée et le soldat à Rome de 107 à 50 avant notre ère, Picard, Paris, 1967, 162.
(6) PLUTARCO. – Caius Marius, XXII.
(7) CLERC M. – La bataille d’Aix. Etudes critiques sur la campagne de Caius Marius en Provence, Fontemoine, Paris, 1906, 28.

As atividades do legionário


O legionário primeiro aprendia a marchar longas distâncias. A cada dez dias ele efetuava um teste de marcha de trinta quilômetros com equipamentos de campanha. Ele também praticava exercícios atléticos como correr, saltar, arremessar dardos ou simplesmente pedras, além de outras atividades como a luta, a natação e até equitação (8). Para a preparação de combate, o recém engajado se dedicava duas vezes por dia ao manejo das armas com um escudo de vime e uma espada de madeira. Ele também arremessava dardos pesados. Finalmente integrado em um grupo de combate, ele se exercitava para lutar com armas estampadas. Mais tarde, ele aprendia o uso de máquinas de guerra e as manobras táticas da legião.

(8) O estribo seria usado apenas a partir do século VII.

Com ou sem bagagem, o legionário percorria distâncias consideráveis para monitorar o território e as fronteiras do Império. Dois passos de marcha foram adotados: o passo curto e o passo longo, mais rápido, destinados aos percursos feitos nas estradas. O legionário normalmente viajaria cerca de 25km por dia, mas ele poderia percorrer, durante as marchas forçadas, distâncias notavelmente superiores. Podemos notar as 25 milhas, sendo 37km, constantemente cruzadas pelas legiões de Crasso, os 45km que faria o exército de César na terra dos suessiões ou ainda a grande marche de 74 km, realizada sem bagagem em 24 horas, com um descanso de 3 horas (9-10). No final do percurso, restava ainda aos legionários estabelecer o entrincheiramento do acampamento provisório ou acampamento de marcha, para passar a noite, com a escavação de valas e construção de paliçadas, trabalho para o qual devem ser adicionadas as várias tarefas (água, madeira, cozinha etc.) específica para qualquer exército em campanha.

(9) CÉSAR. – op. cit., V, 46-47.
(10) CÉSAR. – op. cit., VII, 39-41.

A guerra, função principal do legionário para "garantir a proteção dos cidadãos romanos, terras aráveis e, o que não é o menos importante para a mentalidade dos antigos, o templo"(11). Se ele está sitiando ou lutando em campo aberto, a força física do legionário era constantemente solicitada.

(11) LE BOHEC Y. – op. cit., 14-15.

Desde o início do cerco, o exército isolaria o inimigo com uma parede dobrada por uma vala (circunvalação) para evitar qualquer contra-ataque eficaz. Então o exército preparava o ataque construindo uma torre de madeira (turris), mais alta que a muralha da cidade sitiada (12), equipada com engenhos balísticos. Esta torre era então levada para perto do cercado graças à construção de um terraço (agger). Outras manobras eram planejadas no momento do assalto, manobras das catapultas, balistas, do aríete (aries), da tartaruga, etc. Quando a cidade sitiada era forçada, começavam então combates corpo-a-corpo.

(12) CÉSAR. – op. cit. Il, 3.

Estando fora da guerra, os legionários construíam estradas, pontes e até cidades (Timgad). Essas atividades não eram apenas de interesse econômico, elas tinham a vantagem de melhorar as condições físicas e, em particular, de aumentar a força muscular "em virtude do princípio de que o manejo da pedra fortalece o corpo" (13). O canal Fos foi escavado pelas tropas de Marius, provavelmente para facilitar o acesso do porto de Arles ao mar, mas especialmente para manter os legionários em boa forma, aguardando, por vários meses, a chegada dos cimbros e teutões.

(13) LE BOHEC Y. – op. cit.116.

Ilustração de Angus McBride no livro Roman Legionary 58 BC–AD 69, da Osprey Publishing.

A avaliação dos gastos energéticos do legionário

Os dados atuais de ergonomia podem ser usados para avaliar a energia gasta por um soldado.

No caso de um legionário: marchar por 5 horas com uma carga de vinte quilogramas: 3000kcal; instalação de acampamento com uma hora de terraplenagem ou derrubada de árvores: 400kcal; tarefas diversas: 250kcal. Além desses diferentes gastos de energia, devemos adicionar o gasto incompressível representado pelo metabolismo basal, sendo 1600 Kcal. Adicionando esses valores diferentes chegamos a um total de 5250kcal.

Outra estimativa: a marcha forçada de 74km, realizada pelos legionários de César, em 24 horas, sem bagagem, com um descanso de 3 horas, corresponde a uma despesa individual de mais de 6000kcal.

Quanto aos trabalhos de interesse coletivo, na ausência de dados quantitativos, podemos estimar que eles devem corresponder ao trabalho realizado pelos escavadores ou pedreiros no início do nosso século antes de qualquer mecanização, trabalho cujo gasto energético foi avaliado entre 4000 e 5000kcal por dia (27).

(27) SCHERRER J. – Précis de Physiologie du Travail, Masson, Paris, 1981.

Hoje em dia, apenas atletas, recrutas militares e alguns trabalhadores manuais podem reivindicar um gasto energético superior à 4000kcal por dia.

A alimentação do legionário

O trigo constituía o alimento básico do mundo romano e, devido à sua importância, uma lei frumentária que regulamentava a distribuição gratuita, ou barata, que era feita ao povo. As colheitas, colocadas sob a proteção de Robigus (14), teria sido insuficiente se os territórios conquistados, e em particular a Gália e o Egito, não tivessem contribuído para abastecer os celeiros de Roma. A intendência proporcionou aos soldados trigo em grão, às vezes moído ou assado, carne fresca, salgada ou seca, azeite de oliva, sal e vinho de baixa qualidade que misturado com água formava uma bebida chamada posca, bebida ácida, sialagogo, que poderia melhorar o mau gosto eventual da água potável. Na primeira metade do século 1 aC J.-C, o legionário romano consumia entre 1000 e 1500 g por dia de alimento feito à base de trigo (15) na forma de papas grossas (puls) (16), de torta, pão ou biscoito. A importância do consumo frumentário foi da mesma ordem um século depois, uma vez que cada soldado absorvia ainda no ano um terço de tonelada de trigo, isto é, entre 900 e 1000g de trigo por dia ou ainda, do ponto de vista energético, entre 3000 e 3300kcal por dia. Davies fixou para o mesmo período o consumo diário de pão em 1350g (2 libras) sendo ainda o equivalente de 3240kcal (17).

(14) ROBIGUS foi a divindade protetora das colheitas contra bolor e seca, ele era homenageado nos festivais de Robiglia (25 de abril).
(15) HARMAND S. – op. cit. 183-184 t nota 265.
(16) De acordo com Plínio, os romanos eram chamados de comedores de mingau.
(17) DAVIES R.W. – The roman military diet. Britannia, II, 1971, 122-123.


Dautry e Maisani (18) especificam que a ração matinal (prandium) para o soldado, sob a República, compreendia 850g de trigo, 100g de bacon, 30g de queijo e 1/2 litros de vinho, o que corresponde a quase 3500kcal ao qual serão adicionados àqueles da ração da noite (cenà).

(18) DAUTRY J., MAISANI O. – Guide romain antique (apresentado por G. HACQUARD), Hachette, Paris, p. 66.

Davies acrescenta aos 1350g de pão, 900g de carne, o que parece excessivo, 70ml de óleo e 1 litro de vinho, sendo uma contribuição global de mais de 5000Kcal para o dia.

Em termos de qualidade, essa ração correspondeu a 78% de carboidratos, 14% de proteínas e 10% de lipídios. Ela estava desequilibrada com os dados dietéticos atuais, que estimam que observa 55% de carboidratos, 15% de proteína e 30% de gordura (19). Deve-se acrescentar que essa ração alimentar, caracterizada por uma alta proporção de carboidratos (78%) de origem frumentária, apresentava as seguintes vantagens: a presença de açúcares lentos; muito energéticos; digeríveis; assegurando o lastro intestinal; restaurando as reservas de glicogênio do organismo (20-21).

(19) CREFF A. et BÉRARD L. – Manuel pratique de l’alimentation du sportif, Masson, Paris, 1980.
(20) "Quando se quiser construir um exército, você tem que começar pela sua barriga..., o pão faz o soldado", Frederico II da Prússia (1712-1785).
(21) Bem antes do trabalho de Appert (1749-1841), o problema da conservação dos alimentos se apresentava o tempo todo. Para os romanos, diferentes processos eram utilizados:
- frutas e legumes foram preservados por secagem ao sol (figos, uvas, ameixas, peras), por maceração em vinhos cozidos, ou em vinagre ou na salmoura (repolho, azeitona).
- a carne, especialmente carne de porco, era salgada ou defumada, e aves cozidas mantidas em banha.
- peixe, atum, cavalinha, sardinha e anchova eram comidos em salga (ver RODOCANACHI E., “Les romains en voyage” , Historia, 1979, 332, 26-37) ou ainda na forma de garo comparável hoje em dia a nuoc-mâm.

Além disso, o legionário poderia acrescentar a esta ração básica suplementos na forma de produtos conservados, tais como frutas secas ou carnes curadas, e na forma de produtos frescos: vegetais, frutas ou mesmo carne, onde a análise dos ossos encontrados nos depósitos dos acampamentos estabelecidos na Inglaterra ou na Alemanha (22) revela a variedade. Contando não apenas animais de criação (porco, vaca, carneiro, cabra), mas também animais selvagens (javalis, veados, gamos, alces, ursos e até mesmo lobo, raposa, castor, lontra). Estes suplementos podem, por um lado, tender a reequilibrar os lipídios, que desempenham um papel fundamental no exercício muscular de longa duração e no transporte de vitaminas lipossolúveis e, por outro lado, fornecem as vitaminas do complexo B envolvidas na eficiência do trabalho muscular.

(22) DAVIES R.W. – op. cit., 126-127.

Deve-ser notar finalmente que os legionários beberam a água que havia sido usada para temperar as armas, a fim de atrair a força e o vigor atribuídos ao Deus Marte (23). Embora seja mais uma crença do que dietética, deve ser lembrado que os corredores de fundo de hoje podem apresentar anemia por deficiência de ferro (24) corrigido pela ingestão de ferro hemínico de origem animal, melhor absorvido (15 à 20%) que o ferro de origem vegetal (1 à 9%).

(23) DIETECOM 90. – «“Une santé de fer”, CIV, 11, rue Lafayette, 75009 Paris.
(24) CREFF A., WAYSFELD B., D’ACREMONT MF., CLAPIN A., LE LEUC’H C. – Approche nutritionnelle de l’anémie du sportif, Médecine du Sport, 1988, 5, 269-274.

O saldo energético

É claro que existe um equilíbrio energético entre as ingestões dietéticas e os esforços físicos do legionário. Mas os caprichos da guerra nem sempre garantiam esse equilíbrio. Assim, Júlio César declara que o exército, no cerco de Avaricum (25), sofria de uma grande escassez por falta de trigo e não escapou da fome apenas pela graça de algum gado. O papel da intendência era, portanto, primordial para os legionários em campanha e a distribuição individual de vários dias de víveres apresentava vantagens a esse respeito, mas acrescentava uma carga suplementar aos soldados já pesadamente equipados.

(25) CÉSAR. – op. cit., VII, 17.

Stolle (26) estima que os soldados podiam transportar 16 dias de víveres, sendo uma carga de 14,369kg, com 6,254kg de biscoito, 3,411kg de pão, 1,704kg de trigo, 1,910kg de carne, 0,436kg de queijo, 0,327kg de sal e 0,327kg de vinho. De fato, esta carga, que pode parecer excessiva do ponto de vista do peso, representa apenas 2650kcal aproximadamente por dia, portanto insuficiente para cobrir os gastos diários. Duas observações seriam feitas sobre este assunto:

1. Experimentos em meio militar mostraram que uma sub-alimentação transitória com 1900kcal por dia durante 15 dias não afeta o desempenho das tropas (27). O legionário romano poderia muito bem conservar seu valor combativo depois de haver recebido uma alimentação hipocalórica por alguns dias, e sem entrar nas discussões que a hipótese de Stolle levantou, não há objeção importante a refutar, se considerarmos apenas trocas de energia.

2. Se, por outro lado, calculamos o peso do alimento transportado para permitir um fornecimento energético suficiente, a carga deve, durante 15 dias, atingir um peso entre 22 e 27kg, antes de diminuir de 1,5 para 1,8kg por dia, dependendo do tamanho da ração cotidiana.

(26) HARMAND J. – op. cit., 191.
(27) SCHERRER J. – Précis de Physiologie du Travail, Masson, Paris, 1981.

Os dados da medicina militar

O esporte nos exércitos permite na maioria dos casos melhorar o consumo máximo de oxigênio, que é de 46ml/min/kg em média para jovens de 20 anos, e de atingir 50ml/min/kg, o que corresponde à aptidão de combate (28-29-30).

(28) Chamamos "consumo máximo de oxigênio ou ainda V02 max", a quantidade de oxigênio consumida por unidade de tempo durante o esforço máximo. É expresso em litros por minuto ou reduzido ao peso do sujeito em mililitros de oxigênio consumido por minuto e por quilograma de peso corporal.
(29) JONES L. N., MARKRIDES L., HITCHCOCK C , CHYPCHART T., M e CARTNEY N. – “Normal standard for an incrémental progressive cycle ergometer test”. Am. Rev. Respir. Dis., 1985, 131, 700-708.
(30) DUGUET J., MOLINIE J. – “Organisation des activités physiques et du sport dans les armées”, Médecine du Sport, 1989, 4, 183-188.


Deve-se enfatizar que os esforços necessários para alcançar essa melhoria, que em última análise é modesta, devem ser considerados excessivos para alguns, uma vez que se registra um grande número de fraturas por fadiga, o que é usualmente observado em atletas com patologia de sobre-treino.

Por outro lado, para outros, os resultados obtidos podem ser excelentes. Após um treinamento para-comando de 3 meses, a V02 max (p<0,01) de 26 recrutas escolhidos aleatoriamente, que eram de 3,750 ± 0,580 1/min, durante a incorporação, aumentou para 4,200 ± 0,580 1/min, sendo um ganho de 12%, o qual reduziu o peso dos indivíduos corresponde aos valores da ordem de 63ml/min/kg, trazendo estes recrutas nas categorias de atletas de bom nível (31).

(31) PIRNAY F., DEROANNE R., MARÉCHAL R., SANABRIA S., TANCRE F., PETIT J.M. – Influence de trois mois d’instruction para-commando sur la tolérance à l’exercice musculaire, Médecine du Sport, 1976.1 : 4-10.

Em uma outra prova de 5 semanas, um treinamento do tipo comando foi realizado por 195 soldados voluntários altamente motivados. Durante uma semana excepcional incluindo todos os dias 1 hora de ginástica, 10km de corrida, 3km de natação, uma pista de obstáculos e uma corrida de remo (não especificada), a ração alimentar devia ser aumentada para 5.830kcal por dia (32).

(32) SMOAK B.L., JAMES P.N., FERGUSSON E.W., FACN P.D. – Changes in lipoprotein profiter during intensive military training. J Am. Coll. Nutr., 1990, 6 : 567-572.

Os dados da medicina esportiva

Os gastos de energia entre 4000 e 5000kcal por dia são comuns entre os atletas de alto nível. Nas corridas de ciclismo de 140 a 160km, o gasto energético diário é avaliado entre 4200 e 4700kcal (33).

(33) JUDE H., PORTE G. – Médecin du Cyclisme, Masson, Paris, 1983.

Um jogador de futebol profissional, jogando a 70% da sua capacidade máxima de trabalho (34), gasta, para uma V02 máxima de 70ml/min/kg, cerca de 4000kcal por dia.
Resultados comparáveis são observados nos principais esportes de equipe, como basquete, handball e rugby. Enfim, um maratonista, durante as 2h30 de corrida, fornece um trabalho equivalente a 2700kcal, o que corresponde a uma despesa diária de 5000kcal.

(34) FORNARIS E., WANKERSSCHAVER J., VANUXE M D., ZAKARIAN H., COMMANDR E F., VANUXEM P. – Football. Aspects énergétiques, Médecine du Sport, 1988,1: 32-36.


Pode-se estimar, com uma margem de erro aceitável, que um atleta de alto nível, treinando duas vezes por duas horas ao dia, consegue um gasto energético superior à 4000kcal.

Altas perdas calóricas são comuns em natação, mergulho, montanhismo ou em disciplinas muito exigentes, como remo ou triatlo, sem esquecer de corridas extremas, especialmente o Bordeaux-Paris no ciclismo, o Paris-Estrasburgo de caminhada ou ainda a Vassaloppet em esqui de fundo.

Conclusão

Enquanto um gasto energético de mais de 4.000kcal por dia era comum entre os legionários romanos, hoje em dia apenas atletas de alto nível, recrutas em treinamento e alguns trabalhadores manuais podem afirmar atingir esse nível. Com quase 2000 anos de diferença, além desse gasto calórico elevado, existem diferentes pontos de comparação entre o atleta moderno e o legionário.

- Ambos seguem uma intensa preparação para alcançar o objetivo final, isto é, a vitória, para alguns nos eventos esportivos, para os outros contra os inimigos de Roma;
- Ambos se envolvem em atividades destinadas a melhorar a força muscular, para os atletas com os exercícios de musculação, para os legionários com os trabalhos de força como o manuseio de materiais pesados.
- Enfim, ambos seguem dietas hipercalóricas com predominância de açúcares lentos para compensar o alto nível de gasto físico.

No entanto, neste último ponto, se a ingestão de energia é comparável, a dieta do legionário apresentou desequilíbrios em termos de qualidade, o expositor, mais ou menos a longo prazo, aos riscos de deficiência.

Émile FORNARIS e Marc AUBERT, HISTOIRE DES SCIENCES MÉDICALES – TOME XXXII – Nº 2 – 1998.