quarta-feira, 18 de agosto de 2021

IntelBrief: Negociando uma saída do contraterrorismo no Sahel


Por Wassim Nasr, The Soufan Center, 6 de agosto de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 17 de agosto de 2021.

Resumo logo de cara:
  • Talvez em um esforço para sinalizar uma abertura para negociações, o braço da al-Qaeda no Sahel declarou que o solo francês não faz parte do conflito.
  • Pela primeira vez, um afiliado da al-Qaeda declarou publicamente que a guerra em curso com a França não inclui solo francês.
  • Os ramos mais ativos da al-Qaeda e do chamado Estado Islâmico (EI) estão atualmente na África Subsaariana.
  • As negociações são uma ferramenta necessária que pode e deve ser utilizada em paralelo com a ação militar para fornecer soluções sustentáveis.
Com a África se tornando o epicentro da atividade jihadista globalmente, a al-Qaeda do Magrebe Islâmico (AQIM) afiliada do Sahel, Jamaat Nusrat al-Islam wal Muslimin (JNIM), continuou a evoluir para uma força política e militar na região. Os ramos mais ativos da al-Qaeda e do Estado Islâmico estão na África - a região do Sahel e o Chifre da África para a al-Qaeda, e a região do Lago Chade e a África Central para o Estado Islâmico. Até agora, toda experiência de “governança” da al-Qaeda resultou em fracasso, principalmente devido à pressão militar das potências ocidentais, objetivos quixotescos, rivalidades internas e falta de experiência política ou capacidade de manobra para atender às necessidades e queixas das populações locais. Foi esse o caso durante o projeto de governança de curta duração no norte do Mali em 2012. Militantes da al-Qaeda e comandantes locais implementaram interpretações severas da lei Sharia, empregaram violência para impor sua autoridade e destruíram artefatos culturais como os históricos mausoléus de Timbuktu. No entanto, isso contradiz a vontade do líder da AQIM, Abu Moussaab Abdel Wadud. Para ganhar corações e mentes, ele ordenou que os militantes sob seu comando seguissem uma “abordagem gradual suave”, que recebeu críticas da central da al-Qaeda. Para os principais líderes da al-Qaeda, Abu Moussaab era visto como conciliador e excessivamente político.


Cinco anos depois, o mesmo homem estava por trás do esforço que levou à unificação de quatro facções jihadistas no Sahel. Abu Moussab teve sucesso na mediação de disputas entre vários comandantes regionais e, ao mesmo tempo, revigorou uma AQIM enfraquecida na Argélia por meio de um impulso vital mais ao sul, no Mali; o JNIM foi criado sob a bandeira da AQIM em 2017. No entanto, em junho de 2020, as forças de Operações Especiais francesas mataram Abu Moussaab em um tiroteio no norte do Mali. A AQIM é agora chefiada por Abu Ubaïda Yussef al-Anabi, outro cidadão argelino e ex-chefe do "Conselho de Notáveis" da AQIM desde 2010. Ele foi a fonte de inspiração para a abordagem de Abu Moussaab, tentando uma governança "suave" e entrincheiramento na dinâmica local. Essas políticas foram seguidas e implementadas pelo chefe do JNIM, Iyad Ag Ghali, uma figura tuaregue conhecida e um político do Mali antes de se tornar um líder jihadista. O segundo em comando, Mohammad Kuffa, fornece ao grupo acesso ao centro do Mali, Burkina Faso e até a fronteira com Benin, Costa do Marfim, Senegal e Gana, devido à sua capacidade de recrutar entre a comunidade Fulani como pregador Fulani. Conseqüentemente, o grupo tem um alcance além dos recrutas tuaregues e árabes e a capacidade de romper a tradicional organização de casta social entre a comunidade Fulani.

A al-Qaeda tolerou o surgimento do Estado Islâmico no Sahel por quase quatro anos, mas isso chegou ao fim em 2020, causando sérias repercussões para os civis pegos no fogo cruzado. Essa nova realidade de competição entre grupos da região se traduziu em recrutas mais comprometidos de ambos os lados. Combinado com a lacuna de governança e a falta de serviços do Estado em muitas áreas, a repercussão da luta intragrupo está forçando as comunidades locais a buscar proteção do JNIM ou do Estado Islâmico contra ataques de outro grupo, forças de segurança governamentais predatórias ou milícias afiliadas na região da tríplice fronteira (ou seja, Mali, Níger e Burkina Faso).


O JNIM, que inicialmente evitou abordar publicamente o conflito com o Estado Islâmico, sugeriu em janeiro de 2021 a responsabilidade deste último por um massacre contra a comunidade Zarma no Níger e prometeu vingar os mortos. No Níger, pela primeira vez em maio de 2021, o Estado Islâmico reivindicou ataques contra as forças armadas e milícias locais como vingança pelo assassinato de vários tuaregues malinenses pelas forças de fronteira do Níger. Essas reivindicações destacam as intenções do Estado Islâmico de se entrincheirar na dinâmica local do Níger.

Cada grupo parece expressar, ou impor, sua vontade política de maneiras bastante opostas. O JNIM se absteve de implementar regras severas sobre as populações locais e esperou que os moradores buscassem "justiça islâmica", até mesmo tentando fornecer recursos humanos no campo, convocando acadêmicos islâmicos não-afiliados para servirem como juízes; enquanto isso, o Estado Islâmico governou por meio de interpretações estritas da Sharia, e muitas vezes sem qualquer consideração pela dinâmica local. Outra contradição notável entre os dois grupos surgiu em relação aos reféns ocidentais. Por um lado, o JNIM e a AQIM abduzem e mantêm reféns porque possuem as capacidades logísticas necessárias para o fazer. Por outro lado, o Estado Islâmico não possui capacidades de detenção semelhantes e, portanto, tende a executar prisioneiros no local. O JNIM/AQIM mantém atualmente seis reféns estrangeiros no Sahel, entre eles um americano e um francês. Em comparação, o Estado Islâmico executou seis trabalhadores franceses de ajuda humanitária, seu guia local e seu motorista em Kouré, no Níger, no dia 9 de agosto de 2020. Esta estratégia sugere objetivos diferentes - manter reféns pode resultar em uma recompensa financeira, enquanto executá-los imediatamente espalha terror e intimida populações, bem como ONGs estrangeiras.

Em uma situação em constante mudança com múltiplos atores e interesses, o JNIM, o mais poderoso afiliado da al-Qaeda, pode estar fechando um “capítulo do terror” internacional no solo do continente onde tudo começou. A África testemunhou o impacto da rede internacional da al-Qaeda já em 1998, com os atentados às embaixadas no Quênia e na Tanzânia. O continente africano também foi o primeiro a entrar na fase aberta de “governança jihadista” com a União dos Tribunais Islâmicos na Somália. Foi em solo africano que os primeiros soldados americanos morreram em uma luta que incluiu retornados da al-Qaeda do Afeganistão já em 1993 na Batalha de Mogadíscio. E é na África que estamos testemunhando uma evolução notável de uma das facções mais ativas da al-Qaeda em todo o mundo. Pela primeira vez, uma filial ou filial da al-Qaeda declarou publicamente que a guerra em curso com a França não inclui solo francês. Isso veio na forma de um comunicado escrito em janeiro deste ano. Seis meses depois, o chefe da AQIM enfatizou em sua primeira mensagem de áudio em junho que solo francês nunca foi mirado vindo do Mali. Ao mesmo tempo, os apelos para vingar o Profeta e atingir os interesses franceses no continente africano continuam. No entanto, esta clara evolução do discurso da AQIM deve ser acompanhada de perto e tida em consideração, pois certamente não porá fim ao confronto, mas poderá criar uma abertura para conversas no futuro.


Para conter as insurgências do Sahel, as negociações são uma ferramenta necessária que pode e deve ser utilizada em conjunto com a ação militar e operações cinéticas de contraterrorismo. O JNIM, o único partido jihadista disposto a negociar, usa o terrorismo e as negociações com governos e representantes locais como ferramentas e não como fins em si. No entanto, mesmo com a afiliada da al-Qaeda suavizando sua posição, a França foi incapaz ou não quis capitalizar sobre esse desenvolvimento e usar as negociações como uma ferramenta eficaz com o JNIM.

Após oito anos de intervenção francesa direta, o status quo no Sahel é insustentável. Na esteira do aumento do Estado Islâmico e da possível cooperação entre seus militantes no Sahel e no Lago Chade, os governos regionais e os atores internacionais não devem envolver o JNIM apenas militarmente, mas também politicamente como um ator profundamente enraizado na dinâmica local, desfrutando do apoio e aceitação populares. Quando as populações locais percebem as facções jihadistas como parte da solução para sustentar suas necessidades básicas diárias imediatas, a ação militar, a melhoria da governança e a responsabilização não são suficientes. Antes de abordar a questão do Sahel como parte da Guerra Global contra o Terror, as potências ocidentais devem pressionar os governos locais para tratarem de todo o sistema de compartilhamento de poder e atribuições de terras que devem ser revisadas em uma base local e direcionada. Uma vez que os grupos jihadistas capitalizam e expõem as queixas locais, as soluções também existem nesses mesmos níveis.

Wassim Nasr é jornalista da France24 e especialista em jihadismo. Nasr é o autor do livro "État islamique, le fait accompli" (Editora Plon, 2016). Ele também é consultor do documentário Terror Studios (2016) indicado ao International Emmy Awards (2017). Siga-o em @SimNasr.

Bibliografia recomendada:

Estado Islâmico:
Desvendando o exército do terror.
Michael Weiss e Hassan Hassan.

Leitura recomendada:

Implicações da al-Qaeda na nova liderança do Magrebe Islâmico, 5 de abril de 2021.

Guerras e terrorismo: não se deve errar o alvo22 de novembro de 2020.

O Estilo de Guerra Francês, 12 de janeiro de 2020.





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