quinta-feira, 15 de julho de 2021

Moçambique: um exército frágil diante do jihadismo

Tropas moçambicanas em treinamento. À fraqueza das forças deve ser adicionada uma avaliação pobre da ameaça.

Para Laurent Touchard, Areion24, 2 de abril de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 14 de julho de 2021.

Marcado por uma independência adquirida com sangue em 1975, depois por uma guerra civil alimentada por conflitos na Rodésia (atual Zimbábue) e com o apartheid da África do Sul até 1992, Moçambique foi então considerado como prometido para um futuro brilhante. A aparência de uma paz sólida combinada com recursos naturais significativos construiu a ilusão. No entanto, as tensões entre o poder do antigo movimento revolucionário de independência (FRELIMO) e os ex-combatentes do movimento rebelde (RENAMO) surgiram em 2013 sem nunca terem sido apagadas desde 1992. Elas levam a tensões violentas entre os irmãos inimigos. Apesar de uma relativa calma entre estes dois protagonistas no final de 2016, o Moçambique continua a ser em 2020 um dos países mais pobres do planeta com uma coesão nacional muito relativa. Ao mesmo tempo, a FRELIMO e a RENAMO perderam a aura de outrora entre grande parte da juventude, especialmente no norte, onde cresce o perigo jihadista que as autoridades ignoraram durante vários anos.

A cidade de Palma, no extremo norte do Moçambique.
(AFP)

Com as divisões entre a FRELIMO e a RENAMO, os respectivos mecanismos de lealdade conduzem a uma dupla cadeia de comando nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) tendo como corolário problemas de disciplina e coesão. Na maioria das unidades regulares, o moral está baixo. Não poderia ser de outra forma com soldos baixos, unidades que têm falta de alimentos... As habilidades dos militares são insuficientes. Se as unidades de elite forem melhores, essa eficiência permanecerá bastante relativa, em comparação com um nível geral pobre. Esforços para melhorar a formação do pessoal, em particular dos quadros, não são suficientes, enquanto a necessidade de modernização esbarra na falta de visão estratégica e na corrupção.

Para piorar a situação, focadas nas promessas de um futuro econômico, as autoridades colocam a questão da defesa e da segurança em segundo plano. Os efetivos se elevam a cerca de 12.000, dos quais até 10.000 são para o Exército, em comparação com cerca de 30.000 no total. No entanto, esse número nunca foi alcançado devido à falta de voluntários suficientes.

Combatentes do Estado Islâmico em edifício público em palma, província de Cabo Delgado, 24 de março de 2021.

A ordem da batalha é difícil de estabelecer a partir de fontes abertas. É comumente aceito que o exército está organizado em três batalhões de "forças especiais", sete batalhões de infantaria, dois ou três batalhões de artilharia, dois batalhões de engenharia e, finalmente, um batalhão de logística. No entanto, a imprensa lusófona moçambicana bem como diversos documentos oficiais recentes (relativos a promoções, cerimônias, etc.) fornecem diferentes informações que, quando compiladas, permitem estabelecer que a ordem de batalha inclui um batalhão de paraquedas, um batalhão comando e um batalhão de infantaria de marinha (Batalhão de Fuzileiros). Essas três unidades são talvez as descritas como "forças especiais". Eles são considerados a elite das FADM.

Em seguida, vêm unidades regulares, de qualidade desigual, divididas em cinco “brigadas” de infantaria (a brigada Songo, a 3ª brigada de Chimoio, a 4ª brigada de Tete, a 7ª brigada de Cuamba e finalmente a 8ª brigada Chokwe, por vezes referida como “108ª Brigada”) e em pelo menos quatro batalhões de infantaria independentes: Boane, Pemba, Quelimane e Sofala. As FADM também alinham em princípio um regimento de carros de combate (Regimento de Tanques), um batalhão e um grupo misto de artilharia, um regimento de artilharia antiaérea e, por último, um batalhão de transmissão e um batalhão de logística, em particular encarregado da "produção logística", nomeadamente manutenção de equipamentos, produção agroalimentar, etc.; um batalhão de artilharia costeira é mencionado, mas sua existência é altamente incerta.

O exército moçambicano tem no papel equipamentos envelhecidos, mesmo obsoletos e díspares, dos quais apenas 10% são considerados operacionais em 2020. Ao lado destes veículos, os veículos modernos são representados por 11 veículos blindados MRAP Casspir. Em 2018, os Tigers foram adquiridos da empresa chinesa Shaanxi Baoji Special Vehicles Company, às vezes confundida com os ZFB-05 ou mesmo com os VN-4. Eles são usados ​​em particular pelo batalhão comando e pela unidade de fuzileiros navais. A existência desses veículos permaneceu relativamente secreta. Seu número, que parece relativamente pequeno, sugere que os Tigres são atribuídos a um "grupo" e atribuídos a unidades de acordo com as necessidades atuais. Além disso, a unidade de resposta rápida da polícia, uma verdadeira força paramilitar, possui veículos blindados de modelo não-identificado. A chegada de equipamentos mais modernos foi anunciada durante o verão de 2020, sem nenhum detalhamento quanto à sua natureza.

Soldados moçambicanos sendo instruídos por fuzileiros navais americanos.

A artilharia é substancial, com nada menos que cinco calibres para os obuseiros, aos quais são adicionados uma dúzia de lançadores de foguetes múltiplos BM-21 e canhões de campanha. O arsenal também inclui vários canhões sem recuo e morteiros tradicionais de 82mm, bem como pelo menos uma dúzia de morteiros de 120mm. A artilharia antiaérea consiste em várias peças de quatro calibres diferentes, incluindo alguns canhões autopropulsados ​​ZSU - 57/2 que parecem não estar mais operacionais. Finalmente, as armas leves estão em mais ou menos boas condições dependendo da unidade, com os clássicos AKM e variantes (incluindo os Tipos 56-2), PKM, RPG-7, etc. Os militares têm falta de equipamentos de base, e mesmo uniformes de combate (não é incomum vê-los em operação dotados de roupas civis totalmente inadequadas), munição e às vezes até comida.

Pequeno em tamanho em comparação com as necessidades, a marinha se beneficiou dos esforços de modernização com notadamente seis HSI-32 e especialmente três Ocean Eagle 43. A sua ordem de batalha inclui uma unidade de infantaria de marinha (Fuzileiros) que representa uma das unidades mais sólidas do Moçambique, empenhada em operações contra os jihadistas. A força aérea tem seis MiG-21bis e dois MiG-21UM que, embora pareçam estar no ar, são de valor limitado para missões de ataque ao solo em um cenário de contra-insurgência. No verão de 2019, eles ainda não haviam se engajado contra os jihadistas. Para a luta contra-insurrecional, o país conta com apenas dois FTB-337G, de disponibilidade questionável (e que, aliás, não foram utilizados), dois Mi-24 considerados não-operacionais e dois Mi-8. A aviação de transporte é essencialmente representada por um An-26B. Como um todo, as FADM são muito fracamente operacionais.

A insurgência jihadista


A insurgência jihadista no norte de Moçambique foi notada em 2018 com a presença relatada de elementos do Estado Islâmico (IS), o que o governo nega veementemente. Na verdade, esta presença tem vindo a crescer de forma constante desde o outono de 2017. É construída em torno do movimento Ansar al-Sunna na província de Cabo Delgado. Este último veio da aglomeração de 2015 de pequenos grupos islâmicos (1) que reuniam jovens rapidamente denominados "al-Shabaab" (2) ("os jovens"). Seu treinamento militar é ministrado inicialmente por pelo menos três ex-integrantes das Forças de Defesa e Segurança (FDS) demitidos (policiais e guardas de fronteira). Há indícios de que há ligações com o Estado Islâmico (EI) a partir de 2017, mas os Shabaabs moçambicanos estão inicialmente calados sobre esta influência. Essa imprecisão sobre a criação do movimento e sobre as proporções de sua filiação ao EI deve-se à falta de informação. Autoridades trabalham para impedir o trabalho de jornalistas e pesquisadores, ao mesmo tempo em que negam a existência de jihadistas, acusando "criminosos".

Não é novidade que o movimento está aproveitando fatores sociais que alimentam o descontentamento, a começar pelo número de jovens desempregados. Além disso, embora o país tenha cerca de 20% de muçulmanos, eles representam mais de 50% da população do norte. Os habitantes desta região despertam a desconfiança das autoridades de um país predominantemente cristão. Soma-se a isso a corrupção generalizada, a existência de vários tráficos (pedras preciosas, madeira, marfim, drogas) e a fraqueza das FDS. Em 2020, o movimento é constituído principalmente por moçambicanos, mas também por tanzanianos e somalis. Pretória também teme que os cidadãos sul-africanos que já se juntaram ao EI na Síria e no Iraque possam se reunir lá (3).

Do outono de 2017 ao outono de 2018, cerca de 200 pessoas foram mortas por insurgentes em cerca de 50 ataques. Seus motivos religiosos ainda são incertos. A hipótese de proximidade com os Shabaabs somalis é mencionada, mas sem provas tangíveis. Os observadores, no entanto, suspeitam do surgimento de um foco jihadista. O primeiro ataque do Ansar al-Sunna ocorreu em 5 de outubro de 2017, com uma operação de cerca de 40 homens contra três delegacias de polícia em Mocímboa da Praia. Dois policiais e 14 agressores são mortos. Em junho de 2019, o EI reivindicou o primeiro ataque em solo moçambicano, contra a aldeia de Metubi, seguido de novos ataques, ainda reivindicados pelo EI.

Fuzileiros navais moçambicanos.

As FADM estão engajadas, em particular o Batalhão de Fuzileiros, em uma força operacional conjunta que inclui elementos da polícia e serviços de inteligência militar. No entanto, os meios militares e paramilitares, pessoal e material, continuam fracos. A relação entre as FADM e a polícia é terrível. Grupos de autodefesa civis estão se formando, mas os jihadistas estão se aproveitando das armas leves tiradas dos governos, que ainda estão crescendo em número. Aos ataques islâmicos responde-se com contra-ataques desajeitados dos governamentais. Na defesa, as unidades moçambicanas são más, com posições mal-preparadas, um desleixo terrível, falta de coordenação entre as unidades... O governo também está tentando uma abordagem mais indireta: é criada uma Agência de Desenvolvimento para o Norte e até parecem ter sido cogitadas negociações com os jihadistas.

Durante o verão de 2019, Maputo apelou à ajuda russa. Em agosto, o presidente moçambicano Filipe Nyusi encontra Vladimir Putin em Moscou. Ao mesmo tempo, empresas militares privadas que reúnem veteranos sul-africanos particularmente experientes e conhecedores da área oferecem seus serviços. Mas, em última análise, são os russos que vencem, "mais baratos" e principalmente perto do Kremlin, que é sinônimo de oportunidades de obtenção de equipamentos. Em 13 de setembro, os primeiros elementos da empresa militar privada Wagner chegaram de avião. Eles estão baseados principalmente no norte do país para desempenhar o papel de conselheiros militares (4).

Esta empresa é uma provável "subsidiária" do GRU (5) ou, pelo menos, do setor de defesa russo (6), permitindo a Moscou agir sem restrições diplomáticas formais. Tem cerca de vinte representações na África e interveio na República Centro-Africana, Sudão e Líbia. No início de outubro de 2019, os russos permitiram muito temporariamente que os governos recuperassem o controle sobre os jihadistas. Embora Moscou negue qualquer envolvimento em Moçambique, um grande carregamento de armas, nomeadamente com destino ao Grupo Wagner, é descarregado em Narcala. Cerca de 200 russos e três helicópteros (Mi-24 e Mi-171Sh) usados ​​pela empresa estavam no país na época. Ao mesmo tempo, os russos estão realizando uma ofensiva de influência nas redes sociais. Os bons resultados das ações militares e da política de Maputo são aí destacados, desajustados da realidade.

No terreno, a situação é ruim. Do lado inimigo, já não há dúvidas de que o EI/ISIS consolidou a sua influência, abrangendo o movimento moçambicano Ansar al-Sunna na sua "Província da África Central" (Islamic State’s Central Africa Province – ISCAP). Alguns elementos jihadistas da ISCAP são mesmo chefiados por sírios (7) e, portanto, possivelmente em Moçambique. As vitórias permitem que os islamitas confisquem um butim considerável, incluindo vários morteiros. O moral das FADM é catastrófico e os jihadistas exploram essa fraqueza. Antes de muitos ataques, eles avisam em voz alta que vão atacar e onde o farão. Como resultado, ao atacar, as FDS desertaram de suas posições. Além disso, a luta entre os jihadistas e os russos está crescendo em intensidade. Os primeiros parecem ser especialmente dirigidos aos segundos. Graças a ligações com outras regiões onde o ISIS está presente, reforços teriam se infiltrados no norte de Moçambique a fim de evitar que elementos do Grupo Wagner criassem condições favoráveis ​​para a retomada da iniciativa do governamental (8).

Mercenários do Grupo Wagner na Síria.

Em 10 de outubro, dois russos foram mortos. No dia 27, um elemento de soldados moçambicanos enquadrados por russos caiu numa emboscada. Cinco conselheiros militares e 20 moçambicanos são mortos. Durante o mês de novembro, as relações entre o governo e os russos foram tensas devido à deplorável ineficácia das FADM. A cooperação no terreno é interrompida, até que cesse totalmente. Os russos parecem ter sido "leves" na inteligência militar e avaliaram mal a situação (9). No final de novembro de 2019, alguns dos conselheiros militares russos presentes em Moçambique foram retirados. Apenas alguns elementos permanecem em Pemba (capital provincial), Nacala (a sua base principal) e Mocímboa da Praia. Em tese em violação da lei americana, Erik Prince, fundador da Blackwater, propõe ao Grupo Wagner apoiar a sua ação no Moçambique (10), o que os russos recusam.

Em fevereiro de 2020, a ExxonMobil e a Total, particularmente preocupadas com projetos em Cabo Delgado, pediram a Maputo para reforçar a segurança da província, aumentando o número da força-tarefa conjunta (FADM, polícia, contratados) para 800 homens enquanto ela tem apenas cerca de 500. A situação é ainda mais difícil porque, em março, não havia mais funcionários do Grupo Wagner trabalhando ao lado das FADM (11). No dia 23 de março, os jihadistas tomaram a capital distrital de Mocímboa da Praia. As forças governamentais que controlam a cidade são derrotadas por um ataque terrestre e marítimo. A surpresa é total e correm os rumores de que os elementos que protegiam a localidade dormiam no momento do ataque jihadista e não tinham munições. Os agressores que se espalham pelas ruas têm o cuidado de serem disciplinados, evitando deliberadamente massacres, executando "apenas" funcionários do governo, distribuindo alimentos para civis. Com essa atitude, eles rompem com os crimes que cometem desde 2017. No entanto, esse empreendimento de “sedução” não continuará até o amanhã e os assassinatos em massa serão retomados rapidamente. De qualquer forma, em Mocímboa da Praia, os jihadistas se retiraram poucas horas após sua vitória.

Os contractors sul-africanos

Em abril de 2020, os jihadistas lançaram os primeiros ataques no distrito de Muidumbe. Os combates também aumentam no distrito de Mocímboa da Praia. Maputo está se voltando para conselheiros militares privados sul-africanos, cujas ofertas foram inicialmente rejeitadas em favor dos russos. Um contrato é assinado com o Grupo de Aconselhamento Dyck (Dyck Advisory Group, DAG). Prevê o destacamento de cerca de 30 homens e pelo menos três helicópteros (12) por um período de três meses. Eles entram em ação no início de abril de 2020, ajudando grandemente a bloquear o avanço jihadista em Pemba e a retomar várias aldeias em maio. Não sem perdas: um Gazelle foi abatido no dia 10 (13) de abril durante um ataque mal preparado às Ilhas Qirimbas.

Um contratado sul-africano artilheiro de porta com um canhão de 20mm em um Gazelle. (Joseph Hanlon)

Embora esses reforços aumentem a eficácia dos governamentais, depoimentos denunciam disparos imprecisos de helicópteros, atingindo tanto civis inocentes quanto jihadistas. Os conselheiros sul-africanos estão tentando implementar, como no conflito da Rodésia cerca de 40 anos antes, o método da "Fire Force" [Força de Fogo] (os Gazelle servindo como gunships). No entanto, isso requer a disponibilidade de elementos helitransportáveis e tropas no solo muito bem treinadas e eficientes, o que não corresponde às características das FADM. Apesar disso, graças aos sul-africanos, as FADM estão recuperaram pelo menos dois veículos blindados perdidos, enquanto forçam os jihadistas a se retirarem para os distritos de Palma e Nangade, mais ao norte. Em 15 de junho, um Bat Hawk em uma missão de reconhecimento foi acidentalmente perdido.

Ao mesmo tempo, estão em curso discussões com a África do Sul para obter uma intervenção militar sul-africana. Isso não é fácil com um exército atormentado por décadas de cortes orçamentários e vários problemas, constantemente fraturado, tanto dentro quanto fora das fronteiras. Por conveniência, Pretória fecha os olhos à ação do DAG no Moçambique, visto que a empresa parece não cumprir as leis da África do Sul sobre empresas militares privadas. Surge outro problema: quando a África do Sul se diz disposta a intervir no domínio das forças especiais e da inteligência militar, especifica que isso só será possível se Moçambique o solicitar oficialmente... o que demora a chegar.

Apesar dos esforços do DAG, Mocímboa da Praia caiu pela segunda vez, a 27 de junho de 2020, antes de uma operação de reconquista que resultou na recaptura da cidade a 30 de junho. Em julho, o contrato do DAG é prorrogado por pelo menos seis meses (14). Infelizmente, as FDS não conseguem reter Mocímboa da Praia. Na madrugada de 12 de agosto, após infligir vários reveses às forças governamentais desde 5 de agosto, os jihadistas o tomaram pela terceira vez. Parte do governo conseguiu fugir para o norte, principalmente com barcos, mas uma centena foi morta (15). Durante a retirada, um barco-patrulha HSI-32 foi atingido por um tiro de RPG-7. O ataque parece ter sido realizado inicialmente com jihadistas à paisana infiltrando-se na cidade. Com frequência, as FDS carecem de munição.

Quatro soldados moçambicanos dividem uma moto em Palma, 17 de abril de 2021.

As tentativas das FADM de retomarem Mocímboa da Praia são infrutíferas. Se a cidade tanto chama a atenção dos jihadistas, deve-se à sua importância econômica, centro de projetos offshore de gás natural, da ordem de 60 bilhões de dólares. O início das operações estava previsto para 2022 com os primeiros efeitos perceptíveis em termos de receitas a partir de 2028. A captura da cidade e o agravamento da situação geral no norte (16) levaram Moçambique a solicitar a 16 de setembro de 2020 à União Européia (UE) ajuda para treinamento e logística das FADM, bem como apoio médico e humanitário. Por seu turno, Washington apela ao Zimbábue para que intervenha ao lado dos moçambicanos. Em 14 de outubro, o conflito se espalhou para além das fronteiras do país, com uma incursão na aldeia de Mtwara, na Tanzânia. Apesar disso, nem a comunidade econômica de que depende Moçambique (17) nem a União Africana podem fornecer ajuda rápida e concreta a Maputo. É verdade que Moçambique não está particularmente inclinado a pedir ajuda aos seus vizinhos.

Por outro lado, foi assinado um memorando entre Maputo e a empresa Total com o objetivo de viabilizar as operações das FADM em Cabo Delgado e, de fato, a proteção do projeto levado a cabo pela empresa (no valor de cerca de 20 milhões de dólares). O que parte da oposição moçambicana observa com desconfiança, o princípio levantando muitas questões sobre a soberania nacional. A ideia, cujos contornos não são bem conhecidos, não é nova e já foi esboçada pelo antecessor da Total para o projeto em questão. Consiste em permitir o reforço da força operacional moçambicana, aumentando seus efetivos para 3.000 homens. Para isso, a Total deve aumentar as receitas concedidas e expandir as capacidades das FADM por meio de empresas privadas (formação/treinamento?). Além disso, a empresa é responsável pelo abastecimento alimentar de parte das FADM alocada à força operacional conjunta (18).

Soldados moçambicanos treinando CQB com fuzis de madeira.

A ExxonMobil e a Eni também financiam os esforços do poder. Se o conceito é criticado por associações, é difícil proceder de outra forma. Este financiamento, por menos saudável (19) que possa parecer, é a única forma de prevenir o colapso de Cabo Delgado. Prosaicamente, o Estado moçambicano é corrupto, mas sem dinheiro e sem apoio externo sólido para as FADM, Cabo Delgado reverterá para a ISCAP que então se expandirá.

Em 9 de outubro, a UE respondeu favoravelmente ao pedido de assistência de Maputo, mas com condições estritas, uma vez que as forças do governo foram acusadas de violência, incluindo várias execuções extrajudiciais. As autoridades afirmam inicialmente que as atrocidades são cometidas por jihadistas vestidos como militares. No entanto, os inúmeros depoimentos mostram que os governamentais travam uma “guerra muito suja”, com métodos (20) que servem ao inimigo, embora ele não fique de fora em matéria de atrocidades (21). Nesta questão, as firmas petrolíferas podem desempenhar um papel importante no exercício da sua influência sobre o poder, tanto mais que correm o risco de se encontrarem no centro de escândalos por terem sido "cúmplices" dos crimes cometidos pelas FADM.

Meados de outubro marca a retomada da ofensiva das forças governamentais que infligem pesadas perdas aos jihadistas, anunciando a morte de pelo menos 270 combatentes inimigos e a retomada do controle da área de Awasse. De qualquer forma, a iniciativa pende para o campo dos governamentais. A grande base apelidada de "Síria" está mirada para o dia 28 de outubro. Os jihadistas, no entanto, mantêm sua pressão e atacam a Tanzânia: em 20 de outubro, mais de 300 combatentes lançam ataques na região de Mtwara. Apesar de vários assassinatos e destruição, as FDS da Tanzânia parece estar no controle. Em Moçambique, os jihadistas apreendem Muidumbe enquanto avançam para a estratégica cidade de Mueda, no processo assumindo o controle de várias localidades, a começar por Namacande, capital do distrito de Muidumbe. Cada vez, os jihadistas assassinam e destroem instalações, tanto governamentais quanto privadas. O número de deslocados está aumentando consideravelmente: eram entre 200.000 e 300.000 no final de outubro.

Comandos moçambicanos.

Uma contra-ofensiva em grande escala, em vista dos meios, foi lançada em novembro de 2020. Mais de 1.000 homens entraram em linha em uma operação tanto terrestre quanto aeromóvel. Eles são supervisionados notavelmente por elementos da DAG e, talvez, muito discretamente, por forças especiais de Pretória. O componente terrestre alinha principalmente os veículos blindados leves Tiger e Casspir das FADM, bem como os veículos blindados da unidade de intervenção policial. Um dos dois elementos da força ofensiva se desdobra defensivamente em Mueda-Sede, a fim de fixar os jihadistas e impedir que se espalhem para leste a partir da zona costeira de Mocímboa da Praia. A posição é tanto mais importante quanto é a maior base militar do norte de Cabo Delgado. O outro elemento começou a avançar em direção a Muidumbe para retomar as aldeias caídas, incluindo Namacande, que foi libertada em 16 de novembro de 2020. Em 19 de novembro, o controle do distrito de Muidumbe voltou às forças governamentais. Resta saber se o ímpeto permitirá o recomeço de Mocímboa da Praia... E mesmo assim, esta vitória militar não seria suficiente para resolver o colossal somatório de problemas, o primeiro deles o da implantação do EI. Além disso, não transformará as FADM em um exército nacional real e profissional. E se essa condição é essencial para estabelecer a estabilidade na região (e de forma mais geral no país), não será suficiente. Essa estabilidade requer outros pilares além da justiça e do desenvolvimento. Toda a dificuldade decorre do fato de que leva anos para reconstruí-los e colher os frutos desse esforço. O que, portanto, os torna utopias quando interesses políticos e econômicos clamam por resultados rápidos.

Laurent Touchard é especialista em questões de defesa, e é o autor do livro "Forces Armées Africaines: Organisation, équipements, état des lieux et capacités" ("Forças Armadas Africanas: Organização, equipamento, inventário e capacidades"). Este artigo foi publicado na revista Défense et Securité Internationale (DSI) nº 151, "Royal Marines : nouvelles missions, nouvelles visions" ("Royal Marines: novas missões, novas visões"), janeiro-fevereiro de 2021.

Défense et Securité Internationale (Defesa e Segurança Internacional), nº 151, janeiro-fevereiro de 2021.

Notas

(1) Grupos informais que começam a se formar entre 2013 e 2014.

(2) Sem qualquer ligação com a organização somali comumente conhecida por esse nome, embora a presença de "treinadores mercenários" do Shabaab somali tenha sido relatada, esses combatentes estrangeiros foram pagos pelo Ansar al-Sunnah.

(3) Cerca de cem. Outros cem teriam aderido ao EI/ISIS em Moçambique com a suspeita da presença de vários simpatizantes do EI na África do Sul. Christian Jokinen, "Islamic State’s South African Fighters in Mozambique: The Thulsie Twins Case, Christian Jokinen" ("Combatentes Sul-Africanos do Estado Islâmico em Moçambique: O Caso dos Gêmeos Thulsie, Christian Jokinen"), Terrorism Monitor, vol. 18, no 20, 5 de novembro de 2020, The Jamestown Foundation, link.

(4) Observe que helicópteros Gazelle não marcados foram vistos sobre Pemba em 6 de agosto de 2019; eles foram "contratados" com suas tripulações por um período de três meses do Grupo de Serviço de Fronteira (Frontier Service Group, FSG) de Erik Prince, via Umbra Aviation, na África do Sul. Com a chegada dos russos, eles foram retirados em setembro de 2019.

(5) "Wagner Mercenaries With GRU-Issued Passports: Validating S BU's Allegation" ("Mercenários Wagner com passaportes emitidos pelo GRU: validando a alegação de S BU"), Bellingcat, 30 de janeiro de 2019, link.

(6) CAATSA (Countering America’s Adversaries Through Sanctions Act of 2017 / Enfrentando os Adversários dos EUA por meio da Lei de Sanções de 2017) Seção 231 (e) Lista sobre o Setor de Defesa do Governo da Federação Russa, Departamento de Estado dos EUA, link.

(7) Al J. Venter, “Mozambique Update” ("Atualidades do Moçambique"), Air Forces Monthly, nº 388, julho de 2020; informação reportada a Al J. Venter por fontes incluindo Maputo.

(8) Ibid.

Contratados do Grupo Wagner na região de Starobeshevo, no Donetsk, 2014.

(9) Pjotr ​​Sauer, "In Push for Africa, Russia’s Wagner Mercenaries Are ‘Out of their Depth’ in Mozambique" ("Em avanço pela África, os mercenários russos [do Grupo] Wagner estão ‘mordendo mais que a boca’ no Moçambique"), Moscow Times, 19 de novembro de 2019, link; outras hipóteses também podem ser levantadas: um declínio na qualidade do Grupo Wagner enquanto seu volume aumenta correlativamente a seus numerosos engajamentos, uma subestimação da combatividade e habilidades dos jihadistas africanos.

(10) Matthew Cole e Alex Emmons, "Erik Prince offered Lethal Services to Sanctioned Russian Mercenary Firm Wagner" ("Erik Prince ofereceu serviços letais à firma mercenária russa sancionada Wagner"), The Intercept, 13 de abril de 2020, link.

(11) Elementos sobre operações aéreas são fornecidos em Al J. Venter, "A dirty little war in Mozambique" (“Uma guerrinha suja em Moçambique”), Air Force Monthly, nº 386, maio de 2020.

(12) Dois Gazelle e um Bell 206 Long Ranger, um UH-1, um DA-42 Cessna Caravan e pelo menos um Bat Hawk. O DAG também foi capaz de usar brevemente um drone CADG Helix por meio da empresa Ultimate Air (ela própria possuindo pelo menos o Cessna Caravan, Helix e Cessna sendo vistos na pista de Pemba); "Helix surveillance aircraft spotted in Mozambique" (“Aeronaves de vigilância de hélice plotados no Moçambique”), DefenceWeb, 28 de abril de 2020, link.

Aérospatiale Gazelle semelhante aos utilizados pelos sul-africanos.

(13) Um comunicado à imprensa do Estado Islâmico fornece a data de 8 de abril.

(14) Até março de 2021, na melhor das hipóteses.

(15) Segundo fontes, 55 mortos e 90 feridos.

(16) A Tanzânia opera no setor florestal no seu lado da fronteira.

(17) Comunidade de desenvolvimento da África (Austral Southern Africa Development Community, SADC).

(18) "Au Mozambique, Total ravitaille l’armée pour protéger ses intérêts" ("Em Moçambique, a Total supre o exército para proteger os seus interesses"), Courrier International, 10 de setembro de 2020, link.

(19) E muito arriscado; o investimento da Total - e, portanto, indiretamente da França - é colossal, de até US$ 20 bilhões...

(20) Anistia Internacional, "Mozambique. Des vidéos glaçantes montrent des actes de torture infligés par les forces de sécurité : une enquête doit être menée" (“Moçambique. Vídeos assustadores mostram atos de tortura infligidos pelas forças de segurança: uma investigação deve ser realizada”), 9 de setembro de 2020, link.

(21) "Djihadisme. L’horreur sur un terrain de foot au Mozambique : une cinquantaine de civils décapités" (“Jihadismo. O horror num campo de futebol em Moçambique: cinquenta civis decapitados”), Courrier International, 11 de novembro de 2020, link.

Bibliografia recomendada:

Guerra Irregular:
Terrorismo, guerrilha e movimentos da resistência ao longo da história.
Alessandro Visacro.

Estado Islâmico:
Desvendando o exército do terror.
Michael Weiss e Hassan Hassan.

Leitura recomendada:

Compreendendo a ascensão meteórica do Estado Islâmico em Moçambique, 24 de junho de 2021.


Por que Moçambique está terceirizando a contra-insurgência para a Rússia25 de março de 2020.

Dividendos da Diplomacia: Quem realmente controla o Grupo Wagner?, 22 de março de 2020.

A máquina de guerra é operada por contratos, 25 de janeiro de 2020.

Os contratados militares privados são mais econômicos do que o pessoal uniformizado?, 20 de fevereiro de 2020.

Vega Strategic Services: as PMC russas como parte da guerra de informação?10 de fevereiro de 2021.

A dependência da Rússia de contratados militares privados soa alarme no mundo todo9 de fevereiro de 2021.

Helicóptero Gazelle de mercenários sul-africanos foi abatido em Moçambique26 de abril de 2020.

7 mercenários ligados ao Kremlin mortos em Moçambique em outubro - Fontes militares, 1º de novembro de 2019.

Islâmicos ligados ao Estado Islâmico decapitaram mais de 50 pessoas em campo de futebol em Moçambique11 de novembro de 2020.

quarta-feira, 14 de julho de 2021

ENTREVISTA: Steven Zaloga, especialista em blindados


Por Peter Samsonov, Tanks and AFV News, 27 de janeiro de 2015.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 11 de julho de 2021.

Steven Zaloga é um autor e analista de defesa conhecido mundialmente por seus artigos e publicações sobre tecnologia militar. Ele escreveu mais de cem livros sobre tecnologia militar e história militar, incluindo  “Armored Thunderbolt: The US Army Sherman in World War II” (Raio Blindado: O Sherman do Exército dos EUA na Segunda Guerra Mundial), uma das histórias mais conceituadas do tanque Sherman. Seus livros foram traduzidos para o japonês, alemão, polonês, tcheco, romeno e russo. Ele foi correspondente especial da Jane’s Intelligence Review e está no conselho executivo do Journal of Slavic Military Studies e do New York Military Affairs Symposium. De 1987 a 1992, ele foi o escritor/produtor da Video Ordnance Inc., preparando sua série de TV Firepower. Ele possui um bacharelado em história pelo Union College e um mestrado em história pela Columbia University.

Armored Champion, Steven Zaloga.

T&AFV News: O que você achou do filme Fury" (Corações de Ferro, 2014) em termos de exatidão histórica? Capturou a aparência do combate de tanques da Segunda Guerra Mundial?

Steven Zaloga: Achei um filme muito bom dentro dos limites do que se pode fazer em Hollywood. Algumas pessoas ficam loucas alegando que essa parte é imprecisa ou o que quer que seja, criticando excessivamente alguns dos pequenos detalhes. Minha visão é mais de uma visão ampla, olhando do ponto de vista de um público geral, não de um bando de especialistas em tanques. Achei muito bem feito, achei muito autêntico.

Corações de Ferro (Fury, 2014).

T&AFV News: Explique o que você quer dizer com "dentro dos limites de Hollywood".

Steven Zaloga: Teve os problemas habituais de Hollywood, algumas coisas tiveram que ser compactadas. Por exemplo, muitos dos engajamentos ocorreram em intervalos mais curtos para que eles pudessem obter tudo dentro de uma imagem. Na verdade, já escrevi para a TV, conheço os problemas de tentar comprimir datas e imagens para que caibam na tela. Também havia a necessidade de animar alguns dos encontros. Por exemplo, a última cena em que o tanque está isolado e lutando contra a unidade alemã, de um ponto de vista puramente histórico, eu teria alguns questionamentos a respeito.

Mas de um ponto de vista dramático, do ponto de vista de um cineasta, eu entendo por que eles retrataram dessa forma. Mas no geral minha impressão foi muito favorável, achei que eles fizeram um grande esforço para conseguir a sensação do período. Fiquei muito impressionado com a representação das unidades americanas entrando na cidade alemã. Quero dizer, essas coisas parecem saídas diretamente das páginas de fotos em preto e branco da luta de abril de 1945. Eles realmente se esforçaram para criar essa sensação. No geral, fiquei realmente impressionado com o filme. Como eu disse, você pode ser pedante com um monte de coisinhas pequenas, mas quem se importa.

T&AFV News: Uma coisa que eu estava pensando enquanto assistia ao filme era a ideia de um datilógrafo sendo designado para um tanque. Sei que esse tipo de coisa aconteceu na campanha da Normandia (verão de 1944). Isso era comum no período do filme, abril de 1945?

Steven Zaloga: Na verdade, foi uma ocorrência mais comum no final da guerra, especialmente depois do Bulge (Batalhão do Bulge/Bolsão), a luta das Ardenas. Na Normandia, houve pesadas perdas, mas as unidades do Exército dos EUA geralmente estavam com força acima do estabelecido, geralmente tinham cerca de 20 por cento a mais. Eles poderiam substituir as tripulações mais prontamente por tripulações de tanques treinadas. No final do verão, depois de todas as baixas que sofreram, começou a se tornar um problema, então nos registros da unidade você começa a ver reclamações sobre a qualidade do pessoal que está sendo enviado para atuar como tripulação dos tanques. Na época das Ardenas (dezembro de 1944), o problema se tornou mais sério, eles estavam começando a substituir as tripulações dos tanques por tripulações essencialmente não-treinadas. A maneira como eles retrataram no filme foi bastante precisa. As duas posições que mais comumente eram preenchidas por substitutos não treinados seriam o municiador e o artilheiro de proa. O personagem Norman era o artilheiro de proa, que era uma das posições que seriam preenchidas por um substituto e o outro substituto geralmente seria o carregador, pois não requeriam o tipo de habilidade técnica que o piloto, o artilheiro ou o comandante precisavam. Essas três outras posições tendiam a ser preenchidas por alguém com experiência, mesmo que tivessem que buscar fora da tripulação para uma dessas vagas.


T&AFV News: Um dos destaques do filme para muitos é o uso de um tanque Tiger real nas filmagens. Nesse estágio da guerra, quantos tanques Tiger estariam realmente em campo?

Steven Zaloga: Para lhe dar uma ideia geral, em abril de 1945 os alemães tinham cerca de 90 tanques em toda a Frente Ocidental. Todos os tanques, tudo, Panthers, Panzer IV, Tigers. Eles tinham um punhado de Tigers. Eles tinham cerca de 400 outros veículos blindados, canhões de assalto, StuG III e coisas assim. Portanto, eles tinham quase 500 veículos blindados em toda a Frente Ocidental, desde o Mar do Norte até a Baviera e o sul da Alemanha. Naquela época, os Estados Unidos tinham 11.000 tanques e destruidores de tanques, para dar uma ideia da disparidade de forças.

T&AFV News: Quantas vezes as forças americanas encontraram tanques Tiger?

Steven Zaloga: Quando você lê relatos de unidades, sejam os relatórios reais da unidade após a ação ou os livros publicados, todos falam sobre os tanques Tigers. Mas, ao olhar para os registros alemães e dos EUA, só encontrei três casos em todos os combates da Normandia até 1945 em que os EUA encontraram Tigers. E por Tigers quero dizer Tiger 1, o tipo de tanque que vimos no filme. Não estou falando de Königstigers (Tigre Rei / Tigre de Bengala), o estranho é que o Exército dos EUA encontrou Königstigers com muito mais frequência do que Tigers. Em parte, isso se deve ao fato de que não havia muitos Tigers restantes em 1944, a produção terminara em agosto de 1944. Não havia muitos Tigers na Normandia, eles estavam principalmente no setor britânico, os britânicos viram muitos Tigers. Parte do problema é que os tanquistas americanos eram famosos por identificar tudo como um tanque Tiger, tudo, desde peças de assalto StuG III a Panzer IV e Panthers e Tigers.

Paraquedistas alemães pegando carona em um Königstiger durante a Batalha do Bulge, dezembro de 1944.

Houve um incidente em agosto de 1944, onde a 3ª Divisão Blindada encontrou três Tigers que foram danificados e sendo rebocados em retirada em um trem, eles atiraram neles com um meia-lagarta antiaéreo. E então havia uma única companhia Tiger no Bulge que estava envolvida em alguns combates. E então houve um pequeno conjunto de casos em abril de 1945, bem próximo ao período do filme, onde havia uma pequena unidade Tiger isolada que realmente se envolveu com uma das novas unidades de tanques M26 Pershing dos Estados Unidos. Eles nocautearam um Pershing e então, por sua vez, aquele Tiger foi nocauteado e os tanques Pershing nocautearam outro Königstiger nos dias seguintes. Portanto, descobri três casos verificáveis de encontros ou escaramuças de Tigres com as tropas americanas em 1944-45. Portanto, era muito incomum. Isso definitivamente poderia ter acontecido, certamente há muitas lacunas no registro histórico tanto do lado alemão quanto do lado americano. Acho que a ideia de que os EUA encontraram muitos Tigers durante a 2ª Guerra Mundial se deve simplesmente à tendência das tropas americanas de chamarem todos os tanques alemães de Tigers. É a mesma coisa do lado da artilharia. Toda vez que as tropas americanas eram alvejadas, é um 88, seja um canhão antitanque PaK 40 de 75mm, um verdadeiro 88, um obuseiro de campanha de 105mm, todos eles eram chamados de 88.

Tanque Tiger I que nocauteou o tanque M26 Pershing "Fireball" em Elsdorf, na Alemanha, 26 de fevereiro de 1945. O Tiger então recuou em uma pilha de entulho e ficou preso. A tripulação abandonou o tanque. O Pershing "Fireball" destruído sofreu uma penetração do mantelete do canhão por um tiro de 88mm (circulado).

T&AFV News: No início do filme há a declaração sobre os tanques dos Estados Unidos canhões e blindagens inferiores em comparação com seus adversários alemães. Qual foi o sucesso do tanque Sherman como sistema de armas?

Steven Zaloga: Na verdade, acabei de terminar um livro que sairá em maio do próximo ano [2016] chamado “Armored Champion" ("Campeão Blindado”), que é uma visão geral da guerra de tanques na 2ª Guerra Mundial que coloca o assunto em um contexto mais amplo. Uma das coisas que fiz no novo livro Armored Champion foi tentar distinguir entre o que chamo de “escolha dos tanquistas” e “escolha dos comandantes”. E o que quero dizer com isso é que a escolha dos tanquistas é o que os tanquistas querem, a tripulação individual do tanque quer. A tripulação individual do tanque obviamente quer um tanque que seja extremamente poderoso, muito bem blindado e tenha um canhão muito poderoso. Portanto, se você comparar um Tiger, um Panther ou um Sherman, o tanquista vai querer o tanque mais poderoso disponível. A escolha do comandante é muito diferente, porque o comandante quer poder de combate. E o poder de combate não vem necessariamente da melhor tecnologia porque, em muitos casos, a melhor tecnologia tem problemas.

Portanto, o Tiger durante a 2ª Guerra Mundial custou aos alemães algo em torno de 300.000 Reichsmarks (marcos imperiais). Você pode comprar uma peça de assalto StuG III por cerca de 70.000 Reichsmarks ou um tanque Panzer IV por cerca de 100.000 Reichsmarks. Em outras palavras, você pode obter três tanques Panzer IV para cada Tiger que comprar. E ainda por cima o Tiger, porque era tão grande, era extremamente instável. Coisas como o StuG III e o Panzer IV tinham quase o dobro da confiabilidade do Tiger. Então, se você é um alto comandante alemão, é uma questão em aberto se você quer uma força composta inteiramente de Tigers, porque eles não são confiáveis e são caros, então você não terá muitos deles. Você vai conseguir muito mais veículos Panzer IV ou StuG III por seus Reichsmarks. Nesse livro, estou tentando comparar esse tipo de problema. E sabe, isso vem com o Sherman. Um dos motivos pelos quais havia 11.000 tanques e destruidores de tanques americanos na Alemanha em abril de 1945 é porque os Estados Unidos decidiram se concentrar em um tanque extremamente confiável e relativamente econômico de construir. E eu não acho que ninguém diria que o Sherman era o melhor tanque do ponto de vista da tripulação do tanque, ele não tinha a melhor blindagem, não tinha o melhor canhão, mas do ponto de vista dos comandantes era um excelente arma. Havia simplesmente muitos e muitos deles, então eles deram ao comandante muito poder no campo de batalha. Isso não pode ser dito sobre muitos dos melhores tanques alemães porque eles simplesmente eram muito caros para serem construídos em grande número e não eram confiáveis o suficiente, você não podia contar com eles. Portanto, depende da perspectiva a partir da qual você está olhando.

Panzer Lehr na Normandia, 1944.

T&AFV News: Os tanquistas americanos sofreram desproporcionalmente em termos de baixas em comparação com seus oponentes ou com outros ramos de serviço? Há um ditado popular que diz que eram necessários cinco tanques Sherman para matar um Tiger e é mencionado com frequência em livros e documentários.

Steven Zaloga: Não, toda aquela história de cinco Shermans para cada tanque alemão, eu realmente não sei de onde isso vem, parece ser totalmente apócrifo. Minha suspeita de onde isso vem não é o uso americano do Sherman, mas provavelmente do uso britânico do Sherman. E acho que essa questão foi mal interpretada. Os britânicos sofreram pesadas perdas com seus tanques Sherman na Normandia lutando contra unidades alemãs, no setor de Caen no verão de 1944. Em muitos dos primeiros escritos sobre tanques, estamos falando dos anos 1960 e 1970, praticamente tudo o que foi escrito sobre tanques, e escritos sobre os tanques americanos foi escrito por autores britânicos. Não havia muitos livros americanos sobre tanques publicados na época. Portanto, muitas das coisas que surgiram sobre o Sherman vieram do lado britânico. E o lado britânico sofreu baixas desproporcionais na Normandia. E é em grande parte por razões táticas. Não vou entrar nisso, é muito complicado de explicar, mas sim, os britânicos sofreram perdas muito altas contra os alemães por uma variedade de razões. Não foi esse o caso do lado americano.

O que as pessoas não percebem é que a força de tanques americana não encontrou muitos tanques alemães na Normandia. O primeiro mês de combate concentrou-se principalmente na península do Cotentin durante o avanço do 7º Corpo de Exército até Cherbourg. Os alemães na península do Cotentin tinham dois batalhões de tanques, ambos equipados com tanques franceses capturados, portanto, basicamente, tanques de qualidade muito ruim. Não houve muitos combates de tanques. Então, no mês de julho, os americanos avançaram pela região dos boscages, resultando finalmente na operação Cobra, a grande operação de rompimento das 2ª e 3ª divisões blindadas no final do mês. A região do Bocage também não era um terreno muito bom para tanques. Os alemães tinham algumas divisões de tanques lá, a Divisão Panzer Lehr, a 2ª Divisão Panzer SS Das Reich. A 2ª SS Panzer Das Reich não viu muitos combates de tanques simplesmente porque o terreno não era adequado. A Panzer Lehr lançou um grande ataque em meados de julho e foi totalmente metralhada pelo lado americano. Mas no caso de ambas as divisões panzer alemãs, elas não viram muita luta contra as forças de tanques americanas, elas estavam lutando principalmente contra a infantaria americana e destruidores de tanques e sofreram perdas significativas. E então, em agosto, é claro, as operações de rompimento, de modo que os tanques americanos estão correndo como selvagens pela Bretanha, da França até Paris e há encontros esparsos com tanques alemães, mas em uma escala muito pequena.

Panzer V Panther no Bocage, 21 de junho de 1944.

A primeira vez que os americanos tiveram um encontro tanque contra tanque realmente grande com blindados alemães foi em Arracourt, o combate na Lorena em setembro de 1944. A Quarta Divisão Blindada é confrontada por algumas das novas brigadas panzer alemãs. E essa é uma vitória desigual do lado americano. O Terceiro Exército de Patton trucida as brigadas panzer na Lorena, em grande parte porque a unidade americana envolvida lá, a Quarta Divisão Blindada, naquele estágio era uma unidade bem experiente e bem treinada e a nova Brigada Panzer, embora tivessem muitos tanques Panther novos e brilhantes, eram unidades novas com experiência variada e tiveram um desempenho muito ruim. E essa continua sendo uma das mais intensas séries de batalhas de tanques que o Exército dos EUA travou na Segunda Guerra Mundial, onde havia um número realmente significativo de tanques enfrentando tanques em uma área relativamente pequena.

T&AFV News: Então, depois da Normandia, não houve muitos combates de tanque contra tanque até a Batalha do Bulge no final de dezembro de 44?

Steven Zaloga: Quase nada sobrou das forças blindadas alemãs no Ocidente depois da Normandia e depois das batalhas de setembro. Há pequenos encontros como no corredor de Aachen em setembro de 1944. Mas então não há outro surto de combates de tanques até o Bulge, e então, é claro, nas Ardenas há muitos combates de tanques, mas novamente, em um escala dispersa. E depois das Ardenas não há muito. O exército alemão no oeste não recebe muitos tanques novos após as Ardenas, então há principalmente encontros em pequena escala, mas a essa altura a força de tanques americana supera a força de tanques alemã de 10 para 1 ou mais, sem contar a força britânica. Depois das Ardenas, os alemães simplesmente não têm muitos tanques no oeste, eles enviam a maioria de seus novos tanques para o leste para lidar com o Exército Vermelho.

Königstigers em Buda (em cima) e Budapeste, na Hungria, em outubro de 1944.

T&AFV News: Para continuar com o tópico de percepções comuns em relação aos tanques Sherman, existem dois mitos interligados que são mencionados com frequência. O primeiro é que o Sherman era altamente suscetível a incendiar-se, levando ao apelido de “Ronson” e o segundo é que os tanques alemães não queimavam porque tinham motores à diesel.

Steven Zaloga: A coisa toda do Ronson é bobagem porque, como você bem sabe, os tanques alemães também eram movidos a gasolina. E a coisa toda sobre os motores a gasolina serem a fonte do problema é um boato falso. Se você der uma olhada em qualquer avaliação, seja alemã ou americana, o problema dos incêndios em tanques na Segunda Guerra Mundial é a munição. A principal fonte de incêndios em tanques na Segunda Guerra Mundial são as munições e o motivo é porque você não pode detê-los. O incêndio de um motor de tanque com gasolina pode ser interrompido, a maioria dos tanques da Segunda Guerra Mundial tinha extintores de incêndio, portanto, se houvesse um incêndio no compartimento do motor, os extintores poderiam apagar o fogo, desde que não fosse muito catastrófico. Mas um incêndio de munição, uma vez iniciado, você não pode detê-lo. O propelente da munição nos tanques é um oxidante, então, assim que a munição começar a queimar, é o fim. E especialmente nos primeiros Shermans que tinham munição nos estabilizadores. Isso se tornou um grande problema porque tudo estava em uma área comprimida. No final do verão de 1944, quando os novos Shermans com armazenagem úmida chegam, esse problema começa a desaparecer porque a nova armazenagem úmida de munição se afasta disso.

Mas o problema com a comparação, a chamada questão Ronson, é porque as pessoas não olham para o lado alemão. Os alemães tiveram o mesmo tipo de problemas com o Panzer IV e o Panther. Na verdade, o Panther tinha uma reputação ruim de ser uma armadilha de incêndio em parte devido a vazamentos na tubulação de combustível e em parte devido à natureza da transmissão. No entanto, as pessoas não se preocuparam em olhar os registros alemães e provavelmente porque os registros alemães simplesmente não estão tão disponíveis. As pessoas têm acesso a registros em inglês e memórias em inglês, mas não têm acesso a memórias em alemão. E, honestamente, não há muitas memórias em alemão disponíveis, mesmo em alemão. Existem dezenas, senão centenas de relatos americanos e britânicos de tripulações que serviram em Shermans com todas as reclamações usuais e outras coisas, mas quase não existem relatos do lado alemão das tripulações do Panzer IV e das tripulações dos Panthers que serviram no Ocidente. Existem alguns da frente oriental, quase não existem relatos do oeste. Se esse material estivesse disponível, você teria visto o mesmo tipo de reclamação. Podemos ver a partir de evidências fotográficas que os alemães tiveram os mesmos tipos de incêndios catastróficos de munição que os americanos sofreram. O Panzer IV não estava melhor protegido do que o Sherman no que diz respeito aos incêndios de munições. Então, acho que é em grande parte uma questão de perspectiva, temos muitos relatos americanos e britânicos reclamando de incêndios em tanques, mas simplesmente não temos relatos comparáveis do lado alemão.

Há também uma atenção desproporcional voltada para o Tiger. Portanto, há muitos e muitos relatos de tripulações de Tigers, mas os Tigers não eram muito comuns, mesmo na Frente Oriental. E certamente não há o mesmo nível de detalhe quando se trata do Panzer IV e do Panther, que eram os tipos de tanques alemães mais comuns.


T&AFV News: Como escritor, você conseguiu entrevistar ex-tripulantes do tanque Sherman ou obter suas perspectivas?

Steven Zaloga: Um dos meus melhores contatos da 2ª Guerra Mundial foi um comandante de companhia no 37º Batalhão de Tanques da 4ª Divisão Blindada, um cara chamado Jimmie Leach. Jim foi comandante de companhia durante a Segunda Guerra Mundial em Shermans, viu muitos combates e dirigiu a Escola de Blindados por vários anos depois. E então, depois de se aposentar do exército, ele atuou como chefe de vendas da Teledyne Continental na área de Washington DC. Eu costumava encontrá-lo todos os anos.

Jimmie não era uma figura muito conhecida entre o público entusiasta de tanques médios porque ele não escreveu muitas coisas. É uma pena porque ele realmente sabia muitas coisas e conhecia todas as pessoas certas, ele conhecera Creighton Abrams. Ele era uma pessoa absolutamente maravilhosa para conversar porque ele era um comandante de companhia na Segunda Guerra Mundial, ele permaneceu na arma de blindados depois da guerra, ele permaneceu envolvido durante os anos da Guerra Fria, ele se manteve no controle de todas essas coisas. Depois de se aposentar do exército, ele permaneceu na indústria, então ele realmente conhecia essas coisas. Ele foi muito influente na minha escrita inicial porque sempre que eu fazia qualquer coisa sobre o Sherman, eu passaria uma cópia pra ele e dizia "Ok Jimmie, vamos falar da realidade, o que você acha disso?" E ele voltava com muitos e muitos comentários muito úteis. Então ele foi realmente instrumental em minhas primeiras composições sobre o tanque Sherman. Sempre apreciei muito de seus esforços.

T&AFV News: Algum outro tanquista com quem você pôde falar sobre suas experiências?

Steven Zaloga: Tive sorte com vários outros tanquistas. Fiz algumas coisas sobre os combates na Tunísia, me correspondi com alguns tanquistas que serviram na Tunísia. Um bom amigo do meu pai era um artilheiro de Sherman na Quarta Divisão Blindada e eu conversei bastante com ele sobre o combate de tanques na França e na Europa. Na verdade, esse amigo do meu pai me contou uma ocasião que foi seu encontro mais assustador quando ele era um artilheiro de Sherman. Esta foi uma batalha noturna na França, onde vários dos tanques foram pegos em uma pequena vila, não muito diferente do que aconteceu no filme Fury. Eles foram atacados pela infantaria alemã e não tinham infantaria própria ao seu redor para se defender contra a infantaria alemã. Ele disse que o mais assustador foi que a infantaria alemã começou a subir em cima dos Shermans tentando abrir as escotilhas com baionetas. Uma das coisas em Fury, um pequeno detalhe que o filme errou, é que os Shermans têm fechaduras. Você pode evitar que as pessoas entrem dentro do tanque usando a trava da fechadura. A infantaria alemã, eles não tinham Panzerfaust, eles estavam literalmente tentando abrir as escotilhas usando baionetas. E então alguém no pelotão de tanques comunicou a todos e disse "comecem a atirar uns nos outros com a [metralhadora] .30". Então, eles começaram a usar a metralhadora de proa e a .30 coaxial disparando contra os tanques uns dos outros e basicamente eliminaram toda a infantaria inimiga.


Ele disse que se lembrava com bastante clareza porque costumavam guardar todos os seus equipamentos pessoais do lado de fora dos tanques, mas depois daquele encontro eles não tinham mais nenhum equipamento pessoal porque estava tudo feito em pedaços. Lá as mochilas e suas lonas para o tanque e todas as outras coisas foram fuziladas. Isso incluía a outra coisa que eles tinham, que era um equipamento de tanque absolutamente essencial se você estivesse no Terceiro Exército de Patton; uma vassoura. Uma das histórias que não se espalha muito é que qualquer unidade de tanque do Terceiro Exército de Patton precisava ter uma vassoura. O motivo era que você tinha que manter o tanque bem varrido e limpo. Porque Patton iria aparecer, e Patton tinha o péssimo hábito de aparecer na 4ª Divisão Blindada porque era sua divisão favorita. Ele multava as pessoas se o tanque estivesse muito sujo.

T&AFV News: Para as pessoas que assistiram Fury e gostariam de ver alguns desses veículos blindados históricos, os EUA fizeram um bom trabalho preservando nossa história blindada?

Steven Zaloga: Não, de forma alguma, quero dizer, é um escândalo nacional o quão ruim é. Até recentemente, até cinco ou seis anos atrás, havia duas coleções significativas. Havia a coleção Patton no Fort Knox na escola de blindados e havia o Ordnance Museum (Museu de Material Bélico) no Campo de Provas de Aberdeen (Maryland). Com BRAC (Base Realignment and Closure / Realinhamento e Fechamento de Base), o programa de realinhamento de base, eles basicamente pegaram as duas coleções e simplesmente jogaram fora. Havia planos para mover a coleção de Aberdeen para Fort Lee. Na verdade, foi transferido para lá, mas o Exército não tem dinheiro, então os tanques estão basicamente parados enferrujando em um campo aberto. A mesma coisa aconteceu com a coleção do Museu Patton, que foi enviada para Fort Benning e está basicamente na garagem, sem nada para mostrar e apenas enferrujando.

A situação antes da BRAC não era muito boa, é constrangedor o quão ruim era a situação em Aberdeen, embora o último curador de lá realmente tenha começado a fazer alguns esforços para restaurar alguns veículos. O Museu Patton sempre teve uma pequena equipe de voluntários que fez um trabalho muito bom na restauração de veículos, então quando os tanques ainda estavam no Museu Patton, eles ainda tinham alguns funcionando e a pequena equipe de lá fez um trabalho muito bom tentando manter as coisas funcionando num orçamento realmente apertado. Mas depois que a BRAC bateu, é de fato um escândalo nacional. Eles jogaram fora nossa história, tudo está parado e enferrujando.

T&AFV News: E quanto a coleções particulares?

Steven Zaloga: Há um pouco de alívio do lado privado, existem algumas coleções privadas. Havia uma coleção maravilhosa em Portola Valley, na Califórnia, que era propriedade privada de Jacque Littlefield. Mas depois que ele morreu, a coleção foi dividida, parte dela vai para um novo museu da Fundação Collins em Massachusetts. Há outra coleção particular de Alan Cors na área de Manassas, Virgina. Eles organizam um evento anual perto de Manassas ou Quântico todos os anos. Portanto, a única oportunidade no momento para o público americano ver os tanques são as coleções particulares. As duas grandes coleções nacionais estão basicamente fora do alcance de todos no momento e o Deus sabe quando elas irão reaparecer para o público. O Exército não tem dinheiro e realmente não tem interesse em preservar a história dos blindados.

O Tiger 131 do Museu de Tanques de Bovington no Reino Unido, 30 de junho de 2012.
Ele foi capturado na Tunísia em 1943 e usado no filme "Fury" (2014).

T&AFV News: E internacionalmente?

Steven Zaloga: Em contraste, estão as coleções estrangeiras. Praticamente todos os outros grandes países estrangeiros têm uma coleção de tanques maravilhosa. A Grã-Bretanha tem a excelente coleção do Tank Museum em Bovington que existe desde a Segunda Guerra Mundial. Os britânicos têm muito orgulho de sua história de tanques porque eles foram fundamentais para o início da história dos tanques, então Bovington é uma coleção maravilhosa. Eles têm exemplares rodando. Eles têm uma coleção muito extensa não apenas de blindados britânicos, mas também de blindados mundiais. Os franceses têm uma coleção excelente na escola de cavalaria de Saumur. Eles fazem uma exibição anual externa chamada carrousel (carrossel). Eles têm um acervo maravilhoso lá, muito bem preservado. Os alemães têm duas coleções, uma coleção particular em Sinsheim e uma coleção nacional em Munster. Os russos têm uma grande coleção em Kubinka e várias pequenas coleções. Os poloneses têm duas coleções, ambas na área de Varsóvia. Os tchecos têm duas boas coleções. Então, para as pessoas que vão para a Europa, há muitas oportunidades de ver tanques, o ruim é que nos Estados Unidos não há muito para ver.

Carrousel de Saumur 2018


T&AFV News: Você notou um aumento no interesse do público em geral por tanques?

Steven Zaloga: Acho que, em geral, os tanques atraíram muito mais atenção quando comecei. Quando eu estava começando a me interessar pela história dos tanques na década de 1960, realmente não havia nada. Sempre houve muitas histórias realmente boas sobre aeronaves militares, que é a área em que comecei. Livros de tanques na década de 1960 e até o final da década de 1970 eram muito escassos. Nas últimas duas décadas, houve um aumento real na qualidade da pesquisa em tanques em todo o mundo, não apenas nos Estados Unidos. Na França, houve um aumento maciço na quantidade de material disponível sobre os tanques franceses, o mesmo acontece na Rússia. Os russos agora publicam muitas coisas sobre a história dos tanques russos. Ainda não há muito vindo da Alemanha, há muito material sobre tanques alemães, mas tende a ser feito nos Estados Unidos. Ainda há uma certa lacuna sobre os alemães escreverem a história dos tanques, e isso por razões únicas. Mas em todos os outros lugares houve um grande aumento do interesse na história dos tanques.

T&AFV News: Além dos livros sobre tanques, você também escreveu algumas histórias de campanhas. Algum plano para mais livros desse tipo no futuro?

Steven Zaloga: Pessoalmente, gosto de escrever histórias de campanha acima de tudo. A Osprey Publishing tem uma série chamada “Campaign" (Campanha), então tenho feito livros regularmente com eles. Na verdade, comecei a fazer livros da Frente Oriental com eles, fiz a Operação Bagration, que é a ofensiva do Exército Vermelho no verão de 1944 que esmagou o Grupo de Exércitos Centro alemão. Comecei então a mudar para as campanhas do Exército Americano no Teatro Europeu, comecei com alguns livros do Dia D e depois trabalhei nas campanhas ETO (European Theater of Operations / Teatro de Operações Europeu). Acabei de lançar um livro sobre o lado americano da Operação Market Garden. No início do próximo ano, vou lançar um livro sobre a campanha de Cherbourg, os EUA lutando na Normandia em junho de 1944.

Exemplares da série Combat escritos por Steven Zaloga.
US Infantryman versus German Infantryman.
Panzergrenadier versus US Armored Infantryman.

No momento, estou trabalhando em um livro para uma nova série da Osprey Publishing chamada “Combat” (Combate), que é uma série complementar à série “Duel” (Duelo) existente, mas em vez de ser tanque contra tanque, é infantaria contra infantaria. Estou dando uma olhada na infantaria americana contra a infantaria alemã no teatro europeu no verão e no inverno de 1944. E eu tenho a variedade usual de livros de tanques que estão prestes a serem publicados ou estão na lista para serem publicados. Meu próximo livro grande sobre tanques é aquele que mencionei anteriormente, chamado “Armored Champion", que é uma visão geral mais geral perguntando "qual foi o melhor tanque da 2ª Guerra Mundial." Ele atravessa a guerra em capítulos e blocos cronológicos e dá uma olhada em quais eram os melhores tanques durante um determinado período de uma determinada campanha.

T&AFV News: Você também publicou alguns livros de coleção de fotos.

Steven Zaloga: Ao longo dos anos, eu coletei dezenas de milhares de fotos históricas para os vários livros de campanha e as várias histórias de tanques. Isso está parcialmente relacionado à escrita do meu livro, mas também está parcialmente relacionado à minha modelagem. A modelagem é um campo muito visual, então você precisa de muitas fotos e os editores para os quais trabalhei, como a Osprey, são muito orientados visualmente. Eles não são como os editores orientados para a universidade, que tendem a não ter muitas fotos. A Osprey é muito mais contemporânea no que diz respeito à publicação de livros, então eles tendem a ser bastante ilustrados e, para ilustrações, você precisa de muitas fotos. Não apenas as fotos que são publicadas nos livros, mas não acho que as pessoas percebam quanto trabalho existe nos bastidores fornecendo fotos aos ilustradores para fazer as ilustrações coloridas e os mapas para esses livros, o que requer uma quantidade enorme de material ilustrado. Eu provavelmente gasto mais tempo fazendo referências para as ilustrações que estão nos livros da Osprey do que no texto real. E não acho que as pessoas apreciem a quantidade de esforço que isso envolve.

Panzer IV vs Char B1 bis:
France 1940.
Steven J. Zaloga.

T&AFV News: Um dos livros mais populares sobre o tanque Sherman é “Death Traps” ("Armadilhas Mortais") de Belton Cooper. Este livro de memórias de um oficial de material bélico da 3ª Divisão Blindada da Segunda Guerra Mundial parece ter gerado uma boa quantidade de controvérsia entre os entusiastas de tanques. Quais são seus pensamentos sobre isso?

Steven Zaloga: Não quero chamá-lo de um livro terrível, mas é uma fonte terrível se for a única coisa que as pessoas lêem. Está tudo bem como um livro se você ler isso e muitas outras coisas, mas o problema é que muitas pessoas lêem isso e pensam que é o alfa e o ômega para explicar os tanques americanos na 2ª Guerra Mundial. Para começar, é um livro de escritor-fantasma, não é apenas Belton Cooper, é o escritor-fantasma falando também. É muito difícil distinguir as coisas de Belton Cooper daquelas dos escritores fantasmas. Eu conversei com Belton Cooper várias vezes, e o problema é que quando Belton Cooper começou a escrever o livro, ele estava um pouco mais velho, suas memórias não eram tão boas, então muitas das coisas que estão no livro nem saíram de sua boca. Portanto, não é um relato muito confiável sobre os tanques americanos na 2ª Guerra Mundial, embora seja muito popular, provavelmente o livro mais lido sobre os tanques americanos na 2ª Guerra Mundial. É realmente uma pena que seja esse o caso. Não quero dizer nada de Belton Cooper, mas o problema é que não é um relato muito representativo da luta de tanques na 2ª Guerra Mundial. É da perspectiva de um oficial de material bélico, não de um oficial de tanques, e de certa forma distorce a percepção das pessoas de como era a luta de tanques na 2ª Guerra Mundial.


Belton Cooper não voltou e não fez nenhuma pesquisa depois da guerra e você tem que ter em mente quem ele era na guerra, ele era um jovem tenente de material bélico. No livro, ele fala como se entendesse o que George Patton estava pensando ou o que o Exército Americano estava pensando. Ele não tinha essa perspectiva. Você sabe que um jovem tenente não tem uma visão geral do que o Exército Americano está tentando fazer. Ele podia ver na realidade muito sombria de consertar tanques destruídos e danificados, mas ele não era um oficial de tanques, era um oficial de material bélico, estava envolvido na manutenção de tanques. E então, quando você fala com as equipes de tanques, é uma perspectiva muito diferente. E, ao longo dos anos, conversei com muitas tripulações de tanques, passei por toneladas e toneladas, milhares de páginas de relatórios pós-ação de batalhões de tanques e de divisões blindadas e a perspectiva que você tem ao olhar o quadro geral é muito diferente da perspectiva de um par de olhos de um jovem tenente do exército. As memórias de Cooper são muito interessantes, eu as achei realmente fascinantes quando foram publicadas, e conversei com Belton Cooper em várias ocasiões, mas é uma perspectiva muito limitada sobre as operações de tanques americanas.

T&AFV News: Os blindados alemães parecem receber a maior parte da atenção quando se trata de livros publicados sobre os blindados da Segunda Guerra Mundial. Quanto sabemos realmente sobre os blindados alemães e as forças panzer alemãs?

Steven Zaloga: Temos o lado do hardware muito bem resolvido. Tom Jentz fez um trabalho magnífico cobrindo a história técnica do desenvolvimento de tanques alemães. Mas, do lado operacional, não sabemos tão bem quanto as pessoas podem pensar que sabemos. Apesar de tudo que foi escrito sobre o lado alemão, o que está por aí não é muito bom. Muito do que está exposto sobre os tanques Tiger é muito unilateral. Existem alguns sites russos muito bons que estão apontando todos os erros nas histórias do Tiger, você sabe que os relatos alemães dirão "Oh, regimento Tiger tal e tal engajou esta unidade de tanque russa e destruiu 57 veículos." E então os russos vão e olham para os históricos das unidades do lado russo e descobrem que o incidente ou não ocorreu ou que as alegações de tanques alemães foram grosseiramente exageradas. Portanto, precisamos de um trabalho muito mais equilibrado sobre isso, precisamos de coisas melhores do lado operacional alemão.

Os dois trabalhos do Ten-Cel Robert A. Forczyk sobre a guerra blindada na frente russa.
Tank Warfare on the Eastern Front 1941-1942: Schwerpunkt.
Tank Warfare on the Eastern Front 1943-1945: Red Steamroller.

Estamos começando a ver algumas coisas saindo, como o livro recente de Bob Forcyzk sobre guerra de tanques na Frente Oriental, que acabou de sair pela editora Pen & Sword. Seu primeiro livro cobre 1941-42. Isso está começando a restabelecer o equilíbrio. Bob é um oficial blindado aposentado do Exército Americano e ele tem um PhD em história, então ele está fornecendo uma imagem mais equilibrada sobre a luta na Frente Oriental e Bob lê russo e alemão, então estamos começando a ter uma visão mais equilibrada.

Fiz muitas pesquisas para este livro “Armored Champion”, onde examinei uma das questões menos exploradas, que é a confiabilidade do tanque alemão. Você sabe, quão confiável era o Panther, quão confiável era o Tiger. Eu encontrei bastante material sobre isso nos arquivos nacionais e é uma revelação. O Panther tinha taxas de confiabilidade terríveis em 1943, começando em Kursk e até o final do ano. Melhorou em 1944. Coloca uma perspectiva diferente sobre a capacidade de operação das divisões quando você vê as taxas de confiabilidade de alguns dos veículos. Portanto, isso será novo em meu livro e Bob Forcyzk tem trazido essa questão em seus livros também. Apesar de tudo o que está disponível no combate de tanques da Segunda Guerra Mundial, ainda há grandes lacunas e muitas áreas para as pessoas explorarem.

Bibliografia recomendada:

Battleground: The Greatest Tank Duels in History,
Steven Zaloga.

Tiger Tank:
Panzerkampfwagen VI Tiger I Ausf. E (SdKfz 181).
The Tank Museum.

Leitura recomendada: