sábado, 8 de agosto de 2020

Análise alemã sobre o carros de combate aliados

Tanques M4A1 Sherman "War Daddy II" e M3 Lee sendo testados em Kummersdorf, na Alemanha, em 1943. (Colorização de Piece of Jake)

Tradução Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de agosto de 2020.

Segue a tradução para o português de um artigo do jornal semanal alemão Das Reich (O Império) que descreve os tanques aliados, publicado em junho de 1943, e que foi traduzido e publicado pelo departamento de guerra americano (U.S. War Department) no Tactical and Technical Trends, nº 35, de 7 de outubro de 1943.

Capa do Das Reich de janeiro de 1943.

O Das Reich foi um jornal semanal fundado por Joseph Goebbels, o ministro da propaganda nazista, em maio de 1940 e foi publicado pela Deutscher Verlag. O jornal continha reportagens, ensaios sobre vários assuntos, resenhas de livros e um editorial escrito por Goebbels. Parte do conteúdo foi escrito por autores estrangeiros. Com exceção do editorial de Goebbels, o Das Reich não compartilhava o tom de outras publicações nazistas, mantendo a objetividade (como pode ser visto nesta análise traduzida). Ele era considerado uma opção mais sofisticada que o Der Völkische Beobachter (O Observador Popular).

Tactical and Technical Trends (Tendências Táticas e Técnicas) era um periódico do serviço de inteligência americano (U.S. Military Intelligence Service), inicialmente bi-semanal e depois mensal, que foi publicado de junho de 1942 a junho de 1945.

Soldado alemão lendo o Das Reich na União Soviética, 1941.
Sua circulação cresceu de 500.000 em outubro de 1940 para mais de 1.400.000 em 1944.

Comentário alemão sobre tanques inimigos

M4A1 Sherman "War Daddy II" com a 1./Komp. Panzer Abt. 501 no campo de provas de Kummersdorf, em 1943.
O War Daddy pertencia à Companhia G do 1º Batalhão de Tanques, do 1º Regimento Blindado da 1ª Divisão Blindada "Old Ironsides", e foi capturado na Tunísia.

O Alto Comando Alemão (Oberkommando der Wehrmacht, OKW) mantém um museu de tanques capturados - ou pode-se dizer uma espécie de escola técnica onde alguns de nossos engenheiros mais qualificados e vários oficiais especialmente escolhidos para o propósito estão testando aqueles monstros da cavalaria de batalha inimiga, testando sua adaptabilidade ao terreno, seu poder de resistência ao ataque e suas qualidades especiais adequadas para o emprego no ataque. Esses testes são realizados em uma região florestal da Alemanha central, onde o terreno subindo e descendo é cortado por ravinas e todo tipo de depressão do solo. Os resultados estão incorporados em longas tabulações não muito diferentes daquelas preparadas por laboratórios científicos, e em recomendação aos projetistas de contra-armas alemãs, que as transmitem às fábricas de tanques e lojas de armamento. O tipo de combate realmente realizado na frente é representado aqui em encontros de faz de conta elaborados até o último ponto de refinamento.

O oficial encarregado dessas experiências desenvolveu uma tese que é extremamente interessante, ainda que os quartéis-generais superiores não estejam, sem exceção, de acordo com ele. Ele afirma que os vários tipos de tanques refletem traços psicológicos das nações que os produziram.

Hotchkiss H35 da 7ª Divisão de Montanha de Voluntários SS "Príncipe Eugen" (7. SS-Freiwilligen Gebirgs-Division "Prinz Eugen") nos Bálcãs.

Os franceses produziram uma série de "chars" não-manobráveis, mas fortemente blindados, que incorporam a doutrina francesa de defesa. Eles são concebidos como blocos sólidos de ferro para ajudar as tropas a tornar a frente defensiva solidificada ainda mais rígida. Os tipos de tanques Renault e Hotchkiss contribuíram indiretamente para a estagnação da situação militar. Estava fora de questão para esses tanques franceses enxamearem adiante em conquista nas planícies do território inimigo, disparando impetuosamente à frente por distâncias de centenas de quilômetros. Suas tripulações normalmente consistiam de apenas dois homens cada. Era impossível para esses tanques cooperar como membros de uma formação complexa. A comunicação de um tanque para outro era limitada ao método primitivo de olhar através dos olhos mágicos nessas celas de aço.

Char 2C "Champagne" capturado pelos alemães em uma ferrovia, 1940.

Os franceses ainda possuem, desde o período logo após a Primeira Guerra Mundial, um encouraçado de 72 toneladas, cujo peso é distribuído ao longo de três a quatro caminhões subterrâneos de ferrovia; carrega uma tripulação de treze pessoas; mas sua blindagem é de um tipo que simplesmente se desfaz como estanho sob o fogo de um canhão moderno. Ainda em 1940, havia pessoas na França que exigiam um número cada vez maior desses navios de terra firme e queriam que tivessem uma construção mais robusta do que nunca. Mas as tropas alemãs encontraram esses tanques de 72 toneladas apenas na forma de transporte de carga imóveis ainda não descarregados nas zonas de combate.

Crusader II capturado sendo inspecionado por dois italianos no norte da África.

Na opinião dos especialistas, os tanques ingleses da classe dos cruzadores chegam muito mais perto de satisfazer os requisitos de um tanque adequado para uso prático na guerra atual. O próprio nome indica que a ideia básica foi herdada da construção naval. Esses tanques estão equipados com um bom motor e são capazes de navegar por grandes áreas. A quantidade de blindagem foi reduzida por uma questão de maior velocidade e maior raio de cruzeiro. Taticamente, esses tanques são mais ou menos uma contraparte das formações de torpedeiros, nos espaços infinitos do oceano. Eles são mais bem adaptados - e este é um fator bastante significativo - para as áreas quentes e pouco povoadas do império colonial inglês. O tanque inglês é um tanque da África. Possui uma corrente de piso estreita. Não chegou muito ao primeiro plano no continente europeu. Um tanque para uso na Europa, aparentemente, é algo para o qual os ingleses não mostram tanto talento.

Tanque Crusador Mark IV A13 capturado pelos alemães na Grécia, 1941.

Em território soviético, o tanque inglês foi um fracasso; e compartilha esse destino com os tanques norte-americanos, os quais não eram muito apreciados pelo aliado soviético. Esses tanques norte-americanos incluem, por exemplo, o "General Stuart", um tanque de reconhecimento e retaguarda, cheio de metralhadoras, bem como o "General Lee". Embora este último possua qualidades motoras louváveis, seus contornos não são bem equilibrados e sua silhueta é bizarra e alta demais.

Essa crítica não se aplica, entretanto, ao desenvolvimento norte-americano mais recente, o "General Sherman";. Este último representa uma das conquistas especiais dos laboratórios norte-americanos. Com sua coroa em forma de tartaruga erguendo-se em uma única peça acima da "barrica"; e da torre, deve ser considerado um produto bastante louvável da indústria siderúrgica norte-americana. As primeiras coisas a atrair a atenção são a construção em série e o cumprimento dos requisitos quase arrogantes da indústria automobilística norte-americana no que diz respeito à velocidade, condução suave e contorno aerodinâmico do conjunto. É equipado com sapatas de borracha macia, ou seja, com forro de borracha nos trilhos individuais do mecanismo da lagarta. Parece em grande parte destinado a uma paisagem civilizada ou, para colocar a questão em termos de estratégia, a áreas totalmente cultivadas na África tunisiana e à invasão da Europa. Representa o clímax das conquistas do inimigo nesta linha de produção. Mas não podemos ter uma perspectiva adequada até examinarmos também a produção de tanques dos soviéticos.

O War Daddy II, número de série 25816/USA 3067641, foi um dos 134 M4A1 Shermans construídos pela Lima Locomotive Works em julho de 1942.
Foi colocada uma placa alemã em uma lanterna dianteira.

O T-34 usado pelos russos no início das hostilidades em 1941 era na época o melhor tanque produzido em qualquer lugar - com sua arma de cano longo de 76mm, sua tampa em formato de tartaruga, as laterais inclinadas de sua "barrica, "o largo passo em forma de pata de gato de suas correntes de lagarta forjadas, capaz de transportar este tanque de 26 toneladas por pântanos e charcos não menos do que pelas areias abrasivas das estepes. Nesta questão, a União Soviética não aparece no papel de proletário explorado, mas antes como exploradora de todos os vários ramos da indústria e da invenção capitalistas. Alguns dos aparelhos foram copiados tão de perto das invenções alemãs que a empresa alemã Bosch foi capaz de construir suas próprias peças de reposição não-modificadas no aparelho construído pelos soviéticos.

A União Soviética era a única nação do mundo a possuir, mesmo antes da chegada da guerra atual, uma série de tanques completamente aperfeiçoados e experimentados. Os soviéticos tinham esses tanques, por exemplo, no outono de 1932. Baseando seu procedimento na experiência adquirida em manobras, os russos desenvolveram, de forma independente, novas séries adicionais, construindo, em certa medida, baseados em avanços no exterior, como aqueles incorporados no rápido tanque Christie (velocidade 90 a 110km) dos norte-americanos.

Carros T-34, Panzer III e Panzer VI Tiger em uma demonstração da Divisão SS Das Reich para Himmler na região de Kursk, em abril de 1943.

Como a Alemanha e Inglaterra, a União Soviética então encontrou um tanque construído para uso em unidades operacionais separadas. Grupos desses tanques operam isolados em zonas avançadas de combate, a distâncias crescentes da infantaria. Apenas uma pequena força de tanques é colocada em ação para cooperação tática com as forças de infantaria. Essa, pelo menos, era a ideia. E, de fato, o T-34 foi considerado adequado para esse tipo de ação - embora em muitos casos apenas para cobrir uma retirada. Mas mesmo para este tipo de tanque, a guerra posicional tem, em muitos casos, o resultado de restringir a concepção operacional do projetista e do estrategista à faixa mais estreita do emprego tático.

O T-35, com três torres e blindagem lateral reforçada, abandonado pelos soviéticos e encontrado pelos alemães, 1941.

A União Soviética também construiu uma imitação - na verdade, duas imitações - de um tanque anfíbio construído pela Vickers-Armstrong. Outra variante do pensamento soviético sobre o assunto veio à tona quando os russos construíram um navio de guerra terrestre de 52 toneladas com 3 torres, um veículo de aparência bastante impressionante, mas dotado de paredes que não eram robustas o suficiente para servir ao propósito. O primeiro desses monstros quebrou na lama a uma curta distância de Lemberg, em 1941. Depois disso, eles foram encontrados cada vez mais raramente; e finalmente eles foram abandonados completamente.

A tripulação de um Tiger I aguarda por suprimentos na Tunísia, 1943.
O gigante de aço atrai a curiosidade de aliados italianos e civis árabes. (Colorização de Julius Jääskeläinen)

Para avaliar adequadamente as criações de tanques mais recentes, como o norte-americano "General Sherman" ou o alemão "Tiger", deve-se aprender a ver um tanque incorporando uma combinação de poder de tiro, velocidade e resistência ou, para expressar a mesma ideia mais concretamente, como uma combinação de canhão, motor e blindagem. Nesse tipo de construção, os paradoxos envolvidos nos problemas comuns da construção de carrocerias de automóveis são elevados ao seu potencial máximo. Um mero acréscimo a uma das dimensões acima indicadas, digamos o motor em si ou a blindagem em si, não tem valor.

Um tanque de movimento rápido não deve pesar muito e uma blindagem pesada não anda bem. O calibre do canhão afeta o tamanho e o peso da sua munição; e uma diferença no último é geralmente multiplicada cerca de cem vezes, uma vez que os tanques geralmente carregam cerca de 100 cartuchos como munição de reserva. Levando todas essas coisas em consideração, consideramos o "General Sherman" como incorporando um tipo de estratégia que é concebida em termos de movimento: é um tanque "de corrida", tanto mais que os americanos provavelmente esperavam usá-lo em terreno facilmente transitável, isto é, em solo europeu. O calibre do seu canhão principal é ligeiramente superior ao máximo até agora alcançado pelos países estrangeiros. É espaçoso por dentro. Seu motor de avião é leve. É um produto de série, tal como o seu revestimento de aço fundido, este último modelado num contorno quase artístico, de forma a oferecer invariavelmente uma curva, que é uma superfície de deflexão para uma bala que se aproxima.

Um M3 Stuart americano capturado pelos alemães na Tunísia, em 1943. (Colorização de Royston Leonard)

Em Túnis, os soldados alemães demonstraram sua habilidade para lidar com este tanque; mas eles sabem o perigo representado por esses tanques quando eles aparecem em grandes rebanhos. Uma inovação imponente é o equipamento de estabilização do canhão. Este equipamento é conectado a um sistema de giroscópios e permite um posicionamento uniforme e suave do canhão. Este sistema foi retirado da artilharia naval e aplicado aos choques incidentes à oscilação sobre terreno irregular, onde a estabilização, é claro, representa um problema muito mais difícil. Esta é a primeira tentativa desse tipo a ser feita em qualquer lugar.

Bibliografia recomendada:

Leitura recomendada:

PROTEÇÃO BLINDADA. O que faz de um tanque, um tanque19 de novembro de 2017.

Uma avaliação francesa do tanque Panther30 de janeiro de 2020.

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