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Tropas moçambicanas em treinamento. À fraqueza das forças deve ser adicionada uma avaliação pobre da ameaça. |
Para Laurent Touchard, Areion24, 2 de abril de 2021.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 14 de julho de 2021.
Marcado por uma independência adquirida com sangue em 1975, depois por uma guerra civil alimentada por conflitos na Rodésia (atual Zimbábue) e com o apartheid da África do Sul até 1992, Moçambique foi então considerado como prometido para um futuro brilhante. A aparência de uma paz sólida combinada com recursos naturais significativos construiu a ilusão. No entanto, as tensões entre o poder do antigo movimento revolucionário de independência (FRELIMO) e os ex-combatentes do movimento rebelde (RENAMO) surgiram em 2013 sem nunca terem sido apagadas desde 1992. Elas levam a tensões violentas entre os irmãos inimigos. Apesar de uma relativa calma entre estes dois protagonistas no final de 2016, o Moçambique continua a ser em 2020 um dos países mais pobres do planeta com uma coesão nacional muito relativa. Ao mesmo tempo, a FRELIMO e a RENAMO perderam a aura de outrora entre grande parte da juventude, especialmente no norte, onde cresce o perigo jihadista que as autoridades ignoraram durante vários anos.
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A cidade de Palma, no extremo norte do Moçambique. (AFP) |
Com as divisões entre a FRELIMO e a RENAMO, os respectivos mecanismos de lealdade conduzem a uma dupla cadeia de comando nas Forças Armadas de Defesa de Moçambique (FADM) tendo como corolário problemas de disciplina e coesão. Na maioria das unidades regulares, o moral está baixo. Não poderia ser de outra forma com soldos baixos, unidades que têm falta de alimentos... As habilidades dos militares são insuficientes. Se as unidades de elite forem melhores, essa eficiência permanecerá bastante relativa, em comparação com um nível geral pobre. Esforços para melhorar a formação do pessoal, em particular dos quadros, não são suficientes, enquanto a necessidade de modernização esbarra na falta de visão estratégica e na corrupção.
Para piorar a situação, focadas nas promessas de um futuro econômico, as autoridades colocam a questão da defesa e da segurança em segundo plano. Os efetivos se elevam a cerca de 12.000, dos quais até 10.000 são para o Exército, em comparação com cerca de 30.000 no total. No entanto, esse número nunca foi alcançado devido à falta de voluntários suficientes.
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Combatentes do Estado Islâmico em edifício público em palma, província de Cabo Delgado, 24 de março de 2021. |
A ordem da batalha é difícil de estabelecer a partir de fontes abertas. É comumente aceito que o exército está organizado em três batalhões de "forças especiais", sete batalhões de infantaria, dois ou três batalhões de artilharia, dois batalhões de engenharia e, finalmente, um batalhão de logística. No entanto, a imprensa lusófona moçambicana bem como diversos documentos oficiais recentes (relativos a promoções, cerimônias, etc.) fornecem diferentes informações que, quando compiladas, permitem estabelecer que a ordem de batalha inclui um batalhão de paraquedas, um batalhão comando e um batalhão de infantaria de marinha (Batalhão de Fuzileiros). Essas três unidades são talvez as descritas como "forças especiais". Eles são considerados a elite das FADM.
Em seguida, vêm unidades regulares, de qualidade desigual, divididas em cinco “brigadas” de infantaria (a brigada Songo, a 3ª brigada de Chimoio, a 4ª brigada de Tete, a 7ª brigada de Cuamba e finalmente a 8ª brigada Chokwe, por vezes referida como “108ª Brigada”) e em pelo menos quatro batalhões de infantaria independentes: Boane, Pemba, Quelimane e Sofala. As FADM também alinham em princípio um regimento de carros de combate (Regimento de Tanques), um batalhão e um grupo misto de artilharia, um regimento de artilharia antiaérea e, por último, um batalhão de transmissão e um batalhão de logística, em particular encarregado da "produção logística", nomeadamente manutenção de equipamentos, produção agroalimentar, etc.; um batalhão de artilharia costeira é mencionado, mas sua existência é altamente incerta.
O exército moçambicano tem no papel equipamentos envelhecidos, mesmo obsoletos e díspares, dos quais apenas 10% são considerados operacionais em 2020. Ao lado destes veículos, os veículos modernos são representados por 11 veículos blindados MRAP Casspir. Em 2018, os Tigers foram adquiridos da empresa chinesa Shaanxi Baoji Special Vehicles Company, às vezes confundida com os ZFB-05 ou mesmo com os VN-4. Eles são usados em particular pelo batalhão comando e pela unidade de fuzileiros navais. A existência desses veículos permaneceu relativamente secreta. Seu número, que parece relativamente pequeno, sugere que os Tigres são atribuídos a um "grupo" e atribuídos a unidades de acordo com as necessidades atuais. Além disso, a unidade de resposta rápida da polícia, uma verdadeira força paramilitar, possui veículos blindados de modelo não-identificado. A chegada de equipamentos mais modernos foi anunciada durante o verão de 2020, sem nenhum detalhamento quanto à sua natureza.
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Soldados moçambicanos sendo instruídos por fuzileiros navais americanos. |
A artilharia é substancial, com nada menos que cinco calibres para os obuseiros, aos quais são adicionados uma dúzia de lançadores de foguetes múltiplos BM-21 e canhões de campanha. O arsenal também inclui vários canhões sem recuo e morteiros tradicionais de 82mm, bem como pelo menos uma dúzia de morteiros de 120mm. A artilharia antiaérea consiste em várias peças de quatro calibres diferentes, incluindo alguns canhões autopropulsados ZSU - 57/2 que parecem não estar mais operacionais. Finalmente, as armas leves estão em mais ou menos boas condições dependendo da unidade, com os clássicos AKM e variantes (incluindo os Tipos 56-2), PKM, RPG-7, etc. Os militares têm falta de equipamentos de base, e mesmo uniformes de combate (não é incomum vê-los em operação dotados de roupas civis totalmente inadequadas), munição e às vezes até comida.
Pequeno em tamanho em comparação com as necessidades, a marinha se beneficiou dos esforços de modernização com notadamente seis HSI-32 e especialmente três Ocean Eagle 43. A sua ordem de batalha inclui uma unidade de infantaria de marinha (Fuzileiros) que representa uma das unidades mais sólidas do Moçambique, empenhada em operações contra os jihadistas. A força aérea tem seis MiG-21bis e dois MiG-21UM que, embora pareçam estar no ar, são de valor limitado para missões de ataque ao solo em um cenário de contra-insurgência. No verão de 2019, eles ainda não haviam se engajado contra os jihadistas. Para a luta contra-insurrecional, o país conta com apenas dois FTB-337G, de disponibilidade questionável (e que, aliás, não foram utilizados), dois Mi-24 considerados não-operacionais e dois Mi-8. A aviação de transporte é essencialmente representada por um An-26B. Como um todo, as FADM são muito fracamente operacionais.
A insurgência jihadista
A insurgência jihadista no norte de Moçambique foi notada em 2018 com a presença relatada de elementos do Estado Islâmico (IS), o que o governo nega veementemente. Na verdade, esta presença tem vindo a crescer de forma constante desde o outono de 2017. É construída em torno do movimento Ansar al-Sunna na província de Cabo Delgado. Este último veio da aglomeração de 2015 de pequenos grupos islâmicos (1) que reuniam jovens rapidamente denominados "al-Shabaab" (2) ("os jovens"). Seu treinamento militar é ministrado inicialmente por pelo menos três ex-integrantes das Forças de Defesa e Segurança (FDS) demitidos (policiais e guardas de fronteira). Há indícios de que há ligações com o Estado Islâmico (EI) a partir de 2017, mas os Shabaabs moçambicanos estão inicialmente calados sobre esta influência. Essa imprecisão sobre a criação do movimento e sobre as proporções de sua filiação ao EI deve-se à falta de informação. Autoridades trabalham para impedir o trabalho de jornalistas e pesquisadores, ao mesmo tempo em que negam a existência de jihadistas, acusando "criminosos".
Não é novidade que o movimento está aproveitando fatores sociais que alimentam o descontentamento, a começar pelo número de jovens desempregados. Além disso, embora o país tenha cerca de 20% de muçulmanos, eles representam mais de 50% da população do norte. Os habitantes desta região despertam a desconfiança das autoridades de um país predominantemente cristão. Soma-se a isso a corrupção generalizada, a existência de vários tráficos (pedras preciosas, madeira, marfim, drogas) e a fraqueza das FDS. Em 2020, o movimento é constituído principalmente por moçambicanos, mas também por tanzanianos e somalis. Pretória também teme que os cidadãos sul-africanos que já se juntaram ao EI na Síria e no Iraque possam se reunir lá (3).
Do outono de 2017 ao outono de 2018, cerca de 200 pessoas foram mortas por insurgentes em cerca de 50 ataques. Seus motivos religiosos ainda são incertos. A hipótese de proximidade com os Shabaabs somalis é mencionada, mas sem provas tangíveis. Os observadores, no entanto, suspeitam do surgimento de um foco jihadista. O primeiro ataque do Ansar al-Sunna ocorreu em 5 de outubro de 2017, com uma operação de cerca de 40 homens contra três delegacias de polícia em Mocímboa da Praia. Dois policiais e 14 agressores são mortos. Em junho de 2019, o EI reivindicou o primeiro ataque em solo moçambicano, contra a aldeia de Metubi, seguido de novos ataques, ainda reivindicados pelo EI.
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Fuzileiros navais moçambicanos. |
As FADM estão engajadas, em particular o Batalhão de Fuzileiros, em uma força operacional conjunta que inclui elementos da polícia e serviços de inteligência militar. No entanto, os meios militares e paramilitares, pessoal e material, continuam fracos. A relação entre as FADM e a polícia é terrível. Grupos de autodefesa civis estão se formando, mas os jihadistas estão se aproveitando das armas leves tiradas dos governos, que ainda estão crescendo em número. Aos ataques islâmicos responde-se com contra-ataques desajeitados dos governamentais. Na defesa, as unidades moçambicanas são más, com posições mal-preparadas, um desleixo terrível, falta de coordenação entre as unidades... O governo também está tentando uma abordagem mais indireta: é criada uma Agência de Desenvolvimento para o Norte e até parecem ter sido cogitadas negociações com os jihadistas.
Durante o verão de 2019, Maputo apelou à ajuda russa. Em agosto, o presidente moçambicano Filipe Nyusi encontra Vladimir Putin em Moscou. Ao mesmo tempo, empresas militares privadas que reúnem veteranos sul-africanos particularmente experientes e conhecedores da área oferecem seus serviços. Mas, em última análise, são os russos que vencem, "mais baratos" e principalmente perto do Kremlin, que é sinônimo de oportunidades de obtenção de equipamentos. Em 13 de setembro, os primeiros elementos da empresa militar privada Wagner chegaram de avião. Eles estão baseados principalmente no norte do país para desempenhar o papel de conselheiros militares (4).
Esta empresa é uma provável "subsidiária" do GRU (5) ou, pelo menos, do setor de defesa russo (6), permitindo a Moscou agir sem restrições diplomáticas formais. Tem cerca de vinte representações na África e interveio na República Centro-Africana, Sudão e Líbia. No início de outubro de 2019, os russos permitiram muito temporariamente que os governos recuperassem o controle sobre os jihadistas. Embora Moscou negue qualquer envolvimento em Moçambique, um grande carregamento de armas, nomeadamente com destino ao Grupo Wagner, é descarregado em Narcala. Cerca de 200 russos e três helicópteros (Mi-24 e Mi-171Sh) usados pela empresa estavam no país na época. Ao mesmo tempo, os russos estão realizando uma ofensiva de influência nas redes sociais. Os bons resultados das ações militares e da política de Maputo são aí destacados, desajustados da realidade.
No terreno, a situação é ruim. Do lado inimigo, já não há dúvidas de que o EI/ISIS consolidou a sua influência, abrangendo o movimento moçambicano Ansar al-Sunna na sua "Província da África Central" (Islamic State’s Central Africa Province – ISCAP). Alguns elementos jihadistas da ISCAP são mesmo chefiados por sírios (7) e, portanto, possivelmente em Moçambique. As vitórias permitem que os islamitas confisquem um butim considerável, incluindo vários morteiros. O moral das FADM é catastrófico e os jihadistas exploram essa fraqueza. Antes de muitos ataques, eles avisam em voz alta que vão atacar e onde o farão. Como resultado, ao atacar, as FDS desertaram de suas posições. Além disso, a luta entre os jihadistas e os russos está crescendo em intensidade. Os primeiros parecem ser especialmente dirigidos aos segundos. Graças a ligações com outras regiões onde o ISIS está presente, reforços teriam se infiltrados no norte de Moçambique a fim de evitar que elementos do Grupo Wagner criassem condições favoráveis para a retomada da iniciativa do governamental (8).
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Mercenários do Grupo Wagner na Síria. |
Em 10 de outubro, dois russos foram mortos. No dia 27, um elemento de soldados moçambicanos enquadrados por russos caiu numa emboscada. Cinco conselheiros militares e 20 moçambicanos são mortos. Durante o mês de novembro, as relações entre o governo e os russos foram tensas devido à deplorável ineficácia das FADM. A cooperação no terreno é interrompida, até que cesse totalmente. Os russos parecem ter sido "leves" na inteligência militar e avaliaram mal a situação (9). No final de novembro de 2019, alguns dos conselheiros militares russos presentes em Moçambique foram retirados. Apenas alguns elementos permanecem em Pemba (capital provincial), Nacala (a sua base principal) e Mocímboa da Praia. Em tese em violação da lei americana, Erik Prince, fundador da Blackwater, propõe ao Grupo Wagner apoiar a sua ação no Moçambique (10), o que os russos recusam.
Em fevereiro de 2020, a ExxonMobil e a Total, particularmente preocupadas com projetos em Cabo Delgado, pediram a Maputo para reforçar a segurança da província, aumentando o número da força-tarefa conjunta (FADM, polícia, contratados) para 800 homens enquanto ela tem apenas cerca de 500. A situação é ainda mais difícil porque, em março, não havia mais funcionários do Grupo Wagner trabalhando ao lado das FADM (11). No dia 23 de março, os jihadistas tomaram a capital distrital de Mocímboa da Praia. As forças governamentais que controlam a cidade são derrotadas por um ataque terrestre e marítimo. A surpresa é total e correm os rumores de que os elementos que protegiam a localidade dormiam no momento do ataque jihadista e não tinham munições. Os agressores que se espalham pelas ruas têm o cuidado de serem disciplinados, evitando deliberadamente massacres, executando "apenas" funcionários do governo, distribuindo alimentos para civis. Com essa atitude, eles rompem com os crimes que cometem desde 2017. No entanto, esse empreendimento de “sedução” não continuará até o amanhã e os assassinatos em massa serão retomados rapidamente. De qualquer forma, em Mocímboa da Praia, os jihadistas se retiraram poucas horas após sua vitória.
Os contractors sul-africanos
Em abril de 2020, os jihadistas lançaram os primeiros ataques no distrito de Muidumbe. Os combates também aumentam no distrito de Mocímboa da Praia. Maputo está se voltando para conselheiros militares privados sul-africanos, cujas ofertas foram inicialmente rejeitadas em favor dos russos. Um contrato é assinado com o Grupo de Aconselhamento Dyck (Dyck Advisory Group, DAG). Prevê o destacamento de cerca de 30 homens e pelo menos três helicópteros (12) por um período de três meses. Eles entram em ação no início de abril de 2020, ajudando grandemente a bloquear o avanço jihadista em Pemba e a retomar várias aldeias em maio. Não sem perdas: um Gazelle foi abatido no dia 10 (13) de abril durante um ataque mal preparado às Ilhas Qirimbas.
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Um contratado sul-africano artilheiro de porta com um canhão de 20mm em um Gazelle. (Joseph Hanlon) |
Embora esses reforços aumentem a eficácia dos governamentais, depoimentos denunciam disparos imprecisos de helicópteros, atingindo tanto civis inocentes quanto jihadistas. Os conselheiros sul-africanos estão tentando implementar, como no conflito da Rodésia cerca de 40 anos antes, o método da
"Fire Force" [
Força de Fogo] (os Gazelle servindo como
gunships). No entanto, isso requer a disponibilidade de elementos helitransportáveis e tropas no solo muito bem treinadas e eficientes, o que não corresponde às características das FADM. Apesar disso, graças aos sul-africanos, as FADM estão recuperaram pelo menos dois veículos blindados perdidos, enquanto forçam os jihadistas a se retirarem para os distritos de Palma e Nangade, mais ao norte. Em 15 de junho, um Bat Hawk em uma missão de reconhecimento foi acidentalmente perdido.
Ao mesmo tempo, estão em curso discussões com a África do Sul para obter uma intervenção militar sul-africana. Isso não é fácil com um exército atormentado por décadas de cortes orçamentários e vários problemas, constantemente fraturado, tanto dentro quanto fora das fronteiras. Por conveniência, Pretória fecha os olhos à ação do DAG no Moçambique, visto que a empresa parece não cumprir as leis da África do Sul sobre empresas militares privadas. Surge outro problema: quando a África do Sul se diz disposta a intervir no domínio das forças especiais e da inteligência militar, especifica que isso só será possível se Moçambique o solicitar oficialmente... o que demora a chegar.
Apesar dos esforços do DAG, Mocímboa da Praia caiu pela segunda vez, a 27 de junho de 2020, antes de uma operação de reconquista que resultou na recaptura da cidade a 30 de junho. Em julho, o contrato do DAG é prorrogado por pelo menos seis meses (14). Infelizmente, as FDS não conseguem reter Mocímboa da Praia. Na madrugada de 12 de agosto, após infligir vários reveses às forças governamentais desde 5 de agosto, os jihadistas o tomaram pela terceira vez. Parte do governo conseguiu fugir para o norte, principalmente com barcos, mas uma centena foi morta (15). Durante a retirada, um barco-patrulha HSI-32 foi atingido por um tiro de RPG-7. O ataque parece ter sido realizado inicialmente com jihadistas à paisana infiltrando-se na cidade. Com frequência, as FDS carecem de munição.
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Quatro soldados moçambicanos dividem uma moto em Palma, 17 de abril de 2021. |
As tentativas das FADM de retomarem Mocímboa da Praia são infrutíferas. Se a cidade tanto chama a atenção dos jihadistas, deve-se à sua importância econômica, centro de projetos offshore de gás natural, da ordem de 60 bilhões de dólares. O início das operações estava previsto para 2022 com os primeiros efeitos perceptíveis em termos de receitas a partir de 2028. A captura da cidade e o agravamento da situação geral no norte (16) levaram Moçambique a solicitar a 16 de setembro de 2020 à União Européia (UE) ajuda para treinamento e logística das FADM, bem como apoio médico e humanitário. Por seu turno, Washington apela ao Zimbábue para que intervenha ao lado dos moçambicanos. Em 14 de outubro, o conflito se espalhou para além das fronteiras do país, com uma incursão na aldeia de Mtwara, na Tanzânia. Apesar disso, nem a comunidade econômica de que depende Moçambique (17) nem a União Africana podem fornecer ajuda rápida e concreta a Maputo. É verdade que Moçambique não está particularmente inclinado a pedir ajuda aos seus vizinhos.
Por outro lado, foi assinado um memorando entre Maputo e a empresa Total com o objetivo de viabilizar as operações das FADM em Cabo Delgado e, de fato, a proteção do projeto levado a cabo pela empresa (no valor de cerca de 20 milhões de dólares). O que parte da oposição moçambicana observa com desconfiança, o princípio levantando muitas questões sobre a soberania nacional. A ideia, cujos contornos não são bem conhecidos, não é nova e já foi esboçada pelo antecessor da Total para o projeto em questão. Consiste em permitir o reforço da força operacional moçambicana, aumentando seus efetivos para 3.000 homens. Para isso, a Total deve aumentar as receitas concedidas e expandir as capacidades das FADM por meio de empresas privadas (formação/treinamento?). Além disso, a empresa é responsável pelo abastecimento alimentar de parte das FADM alocada à força operacional conjunta (18).
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Soldados moçambicanos treinando CQB com fuzis de madeira. |
A ExxonMobil e a Eni também financiam os esforços do poder. Se o conceito é criticado por associações, é difícil proceder de outra forma. Este financiamento, por menos saudável (19) que possa parecer, é a única forma de prevenir o colapso de Cabo Delgado. Prosaicamente, o Estado moçambicano é corrupto, mas sem dinheiro e sem apoio externo sólido para as FADM, Cabo Delgado reverterá para a ISCAP que então se expandirá.
Em 9 de outubro, a UE respondeu favoravelmente ao pedido de assistência de Maputo, mas com condições estritas, uma vez que as forças do governo foram acusadas de violência, incluindo várias execuções extrajudiciais. As autoridades afirmam inicialmente que as atrocidades são cometidas por jihadistas vestidos como militares. No entanto, os inúmeros depoimentos mostram que os governamentais travam uma “guerra muito suja”, com métodos (20) que servem ao inimigo, embora ele não fique de fora em matéria de atrocidades (21). Nesta questão, as firmas petrolíferas podem desempenhar um papel importante no exercício da sua influência sobre o poder, tanto mais que correm o risco de se encontrarem no centro de escândalos por terem sido "cúmplices" dos crimes cometidos pelas FADM.
Meados de outubro marca a retomada da ofensiva das forças governamentais que infligem pesadas perdas aos jihadistas, anunciando a morte de pelo menos 270 combatentes inimigos e a retomada do controle da área de Awasse. De qualquer forma, a iniciativa pende para o campo dos governamentais. A grande base apelidada de "Síria" está mirada para o dia 28 de outubro. Os jihadistas, no entanto, mantêm sua pressão e atacam a Tanzânia: em 20 de outubro, mais de 300 combatentes lançam ataques na região de Mtwara. Apesar de vários assassinatos e destruição, as FDS da Tanzânia parece estar no controle. Em Moçambique, os jihadistas apreendem Muidumbe enquanto avançam para a estratégica cidade de Mueda, no processo assumindo o controle de várias localidades, a começar por Namacande, capital do distrito de Muidumbe. Cada vez, os jihadistas assassinam e destroem instalações, tanto governamentais quanto privadas. O número de deslocados está aumentando consideravelmente: eram entre 200.000 e 300.000 no final de outubro.
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Comandos moçambicanos. |
Uma contra-ofensiva em grande escala, em vista dos meios, foi lançada em novembro de 2020. Mais de 1.000 homens entraram em linha em uma operação tanto terrestre quanto aeromóvel. Eles são supervisionados notavelmente por elementos da DAG e, talvez, muito discretamente, por forças especiais de Pretória. O componente terrestre alinha principalmente os veículos blindados leves Tiger e Casspir das FADM, bem como os veículos blindados da unidade de intervenção policial. Um dos dois elementos da força ofensiva se desdobra defensivamente em Mueda-Sede, a fim de fixar os jihadistas e impedir que se espalhem para leste a partir da zona costeira de Mocímboa da Praia. A posição é tanto mais importante quanto é a maior base militar do norte de Cabo Delgado. O outro elemento começou a avançar em direção a Muidumbe para retomar as aldeias caídas, incluindo Namacande, que foi libertada em 16 de novembro de 2020. Em 19 de novembro, o controle do distrito de Muidumbe voltou às forças governamentais. Resta saber se o ímpeto permitirá o recomeço de Mocímboa da Praia... E mesmo assim, esta vitória militar não seria suficiente para resolver o colossal somatório de problemas, o primeiro deles o da implantação do EI. Além disso, não transformará as FADM em um exército nacional real e profissional. E se essa condição é essencial para estabelecer a estabilidade na região (e de forma mais geral no país), não será suficiente. Essa estabilidade requer outros pilares além da justiça e do desenvolvimento. Toda a dificuldade decorre do fato de que leva anos para reconstruí-los e colher os frutos desse esforço. O que, portanto, os torna utopias quando interesses políticos e econômicos clamam por resultados rápidos.
Laurent Touchard é especialista em questões de defesa, e é o autor do livro "Forces Armées Africaines: Organisation, équipements, état des lieux et capacités" ("Forças Armadas Africanas: Organização, equipamento, inventário e capacidades"). Este artigo foi publicado na revista Défense et Securité Internationale (DSI) nº 151, "Royal Marines : nouvelles missions, nouvelles visions" ("Royal Marines: novas missões, novas visões"), janeiro-fevereiro de 2021.
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Défense et Securité Internationale (Defesa e Segurança Internacional), nº 151, janeiro-fevereiro de 2021. |
Notas
(1) Grupos informais que começam a se formar entre 2013 e 2014.
(2) Sem qualquer ligação com a organização somali comumente conhecida por esse nome, embora a presença de "treinadores mercenários" do Shabaab somali tenha sido relatada, esses combatentes estrangeiros foram pagos pelo Ansar al-Sunnah.
(3) Cerca de cem. Outros cem teriam aderido ao EI/ISIS em Moçambique com a suspeita da presença de vários simpatizantes do EI na África do Sul. Christian Jokinen,
"Islamic State’s South African Fighters in Mozambique: The Thulsie Twins Case, Christian Jokinen" ("Combatentes Sul-Africanos do Estado Islâmico em Moçambique: O Caso dos Gêmeos Thulsie, Christian Jokinen"),
Terrorism Monitor, vol. 18, no 20, 5 de novembro de 2020, The Jamestown Foundation,
link.
(4) Observe que helicópteros Gazelle não marcados foram vistos sobre Pemba em 6 de agosto de 2019; eles foram "contratados" com suas tripulações por um período de três meses do Grupo de Serviço de Fronteira (Frontier Service Group, FSG) de Erik Prince, via Umbra Aviation, na África do Sul. Com a chegada dos russos, eles foram retirados em setembro de 2019.
(5) "Wagner Mercenaries With GRU-Issued Passports: Validating S BU's Allegation" ("Mercenários Wagner com passaportes emitidos pelo GRU: validando a alegação de S BU"),
Bellingcat, 30 de janeiro de 2019,
link.
(6) CAATSA (
Countering America’s Adversaries Through Sanctions Act of 2017 / Enfrentando os Adversários dos EUA por meio da Lei de Sanções de 2017) Seção 231 (e) Lista sobre o Setor de Defesa do Governo da Federação Russa, Departamento de Estado dos EUA,
link.
(7) Al J. Venter, “Mozambique Update” ("Atualidades do Moçambique"), Air Forces Monthly, nº 388, julho de 2020; informação reportada a Al J. Venter por fontes incluindo Maputo.
(8) Ibid.
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Contratados do Grupo Wagner na região de Starobeshevo, no Donetsk, 2014. |
(9) Pjotr Sauer,
"In Push for Africa, Russia’s Wagner Mercenaries Are ‘Out of their Depth’ in Mozambique" ("Em avanço pela África, os mercenários russos [do Grupo] Wagner estão ‘mordendo mais que a boca’ no Moçambique"),
Moscow Times, 19 de novembro de 2019,
link; outras hipóteses também podem ser levantadas: um declínio na qualidade do Grupo Wagner enquanto seu volume aumenta correlativamente a seus numerosos engajamentos, uma subestimação da combatividade e habilidades dos jihadistas africanos.
(10) Matthew Cole e Alex Emmons,
"Erik Prince offered Lethal Services to Sanctioned Russian Mercenary Firm Wagner" ("Erik Prince ofereceu serviços letais à firma mercenária russa sancionada Wagner"),
The Intercept, 13 de abril de 2020,
link.
(11) Elementos sobre operações aéreas são fornecidos em Al J. Venter, "A dirty little war in Mozambique" (“Uma guerrinha suja em Moçambique”), Air Force Monthly, nº 386, maio de 2020.
(12) Dois Gazelle e um Bell 206 Long Ranger, um UH-1, um DA-42 Cessna Caravan e pelo menos um Bat Hawk. O DAG também foi capaz de usar brevemente um drone CADG Helix por meio da empresa
Ultimate Air (ela própria possuindo pelo menos o Cessna Caravan, Helix e Cessna sendo vistos na pista de Pemba);
"Helix surveillance aircraft spotted in Mozambique" (“Aeronaves de vigilância de hélice plotados no Moçambique”),
DefenceWeb, 28 de abril de 2020,
link.
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Aérospatiale Gazelle semelhante aos utilizados pelos sul-africanos. |
(13) Um comunicado à imprensa do Estado Islâmico fornece a data de 8 de abril.
(14) Até março de 2021, na melhor das hipóteses.
(15) Segundo fontes, 55 mortos e 90 feridos.
(16) A Tanzânia opera no setor florestal no seu lado da fronteira.
(17) Comunidade de desenvolvimento da África (Austral Southern Africa Development Community, SADC).
(18) "Au Mozambique, Total ravitaille l’armée pour protéger ses intérêts" ("Em Moçambique, a Total supre o exército para proteger os seus interesses"),
Courrier International, 10 de setembro de 2020,
link.
(19) E muito arriscado; o investimento da Total - e, portanto, indiretamente da França - é colossal, de até US$ 20 bilhões...
(20) Anistia Internacional,
"Mozambique. Des vidéos glaçantes montrent des actes de torture infligés par les forces de sécurité : une enquête doit être menée" (“Moçambique. Vídeos assustadores mostram atos de tortura infligidos pelas forças de segurança: uma investigação deve ser realizada”), 9 de setembro de 2020,
link.
(21) "Djihadisme. L’horreur sur un terrain de foot au Mozambique : une cinquantaine de civils décapités" (“Jihadismo. O horror num campo de futebol em Moçambique: cinquenta civis decapitados”),
Courrier International, 11 de novembro de 2020,
link.
Bibliografia recomendada:
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Guerra Irregular: Terrorismo, guerrilha e movimentos da resistência ao longo da história. Alessandro Visacro. |
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Estado Islâmico: Desvendando o exército do terror. Michael Weiss e Hassan Hassan. |
Leitura recomendada:
Compreendendo a ascensão meteórica do Estado Islâmico em Moçambique, 24 de junho de 2021.
Por que Moçambique está terceirizando a contra-insurgência para a Rússia, 25 de março de 2020.
Dividendos da Diplomacia: Quem realmente controla o Grupo Wagner?, 22 de março de 2020.
A máquina de guerra é operada por contratos, 25 de janeiro de 2020.
Os contratados militares privados são mais econômicos do que o pessoal uniformizado?, 20 de fevereiro de 2020.
Vega Strategic Services: as PMC russas como parte da guerra de informação?, 10 de fevereiro de 2021.
A dependência da Rússia de contratados militares privados soa alarme no mundo todo, 9 de fevereiro de 2021.
Helicóptero Gazelle de mercenários sul-africanos foi abatido em Moçambique, 26 de abril de 2020.
7 mercenários ligados ao Kremlin mortos em Moçambique em outubro - Fontes militares, 1º de novembro de 2019.
Islâmicos ligados ao Estado Islâmico decapitaram mais de 50 pessoas em campo de futebol em Moçambique, 11 de novembro de 2020.