Por Laurent Lagneau, Zone Militaire OPEX360, 28 de março de 2021.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 28 de março de 2021.
Em outubro de 2017, o grupo jihadista Ahlu Sunnah wal Jamaa (os "seguidores da tradição do profeta"), também chamado de "al-Shabab" (não relacionado à organização somaliana de mesmo nome) lançou uma insurreição armada na região da província de Cabo Delgado, onde a descoberta de imensas reservas de gás natural permitiria a Moçambique tornar-se um dos maiores produtores mundiais.
Apesar das apostas que esta região representava, as autoridades moçambicanas demoraram a reagir, quando não se refugiaram na negação. Depois, acabaram solicitando a ajuda de companhias militares privadas (PMC), principalmente russas e sul-africanas. Ao mesmo tempo, o grupo al-Shabab prometeu lealdade ao Estado Islâmico e adotou o nome de "Estado Islâmico da África Central" (ISCAP).
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A cidade de Palma, no extremo norte do Moçambique. (AFP) |
No entanto, a situação continuou a piorar. Em agosto de 2020, os jihadistas tomaram o porto de Mocímboa da Praia, estratégico para a logística das instalações do gasoduto Afungi, no qual o grupo francês Total é um dos principais investidores. Então, um mês depois, desembarcaram nas ilhas de Metundo e Vamizi, dando-se assim a possibilidade de ameaçarem o tráfego marítimo ao largo de Cabo Delgado.
Nos meses seguintes, diversos ataques perpetrados nas proximidades de Afungi levaram a Total a suspender suas atividades na região. Depois houve uma calmaria, atribuída à ação das Forças Armadas de Defesa de Moçambique. No entanto, em fevereiro, a situação continuou preocupante, como Bernard Émié, chefe da Direção-Geral de Segurança Externa (DGSE, serviço secreto francês), apontou em fevereiro durante um Comitê Executivo de Contraterrorismo.
Na verdade, a calmaria terá durado pouco. Depois da Total ter acabado de anunciar o reinício das suas atividades no sítio de Afungi, Palma, uma cidade de 75.000 habitantes situada a apenas dez quilómetros de distância, foi atacada pelo ISCAP em três locais diferentes.
O destino de Palma pode ser uma reminiscência do destino de Kolwezi, submergido por rebeldes katangeses em 1978.* De fato, muitos expatriados - pelo menos 180 - ficaram presos. Operações de evacuação - por mar e terra - foram tentadas em 26 de março. Mas, de acordo com a imprensa local, pelo menos um comboio foi emboscado e fazendo pelo menos sete mortos.
Bandeira do Zaire presenteada à Legião em exposição no Museu da Legião Estrangeira em Aubagne, no sul da França. (Foto do tradutor) |
Nota do Tradutor: Famosa Operação Bonite/Léopard onde os paraquedistas da Legião Estrangeira (2e REP) saltaram em ação de emergência e derrotaram os rebeldes katangueses e seus conselheiros cubanos no Zaire (atual República Democrática do Congo). A ação rápida e decisiva da Legião salvou a vida de 2.200 europeus e 3.000 africanos. A Frente de Libertação Nacional Congolesa (FNLC) já havia massacrado 60 europeus e 100 africanos e, sob orientação de seus conselheiros cubanos, pretendia massacrar os demais e se recuar para a Angola comunista. A Legião perdeu 5 legionários mortos e teve 25 feridos na operação. A FLNC perdeu em torno de 400 mortos e 160 prisioneiros, além de 1.500 armas leves e pesadas capturadas; notadamente 10 metralhadoras pesadas, 38 fuzis-metralhadores, 4 peças de artilharia, 15 morteiros e 21 lança-rojões. A FLNC jamais se recuperou da derrota.
É difícil obter informações sobre a situação na cidade, pois os retransmissores telefônicos foram cortados (confirmado pela operadora Vodacom). Portanto, só temos testemunhos de pessoas que conseguiram fugir do conflito. De acordo com a Pinnacle News, “dezenas de civis foram decapitados ou baleados e pelo menos 21 soldados foram mortos."
De qualquer forma, em 27 de março, Palma acabou caindo sob o controle dos jihadistas. “As forças do governo retiraram-se de Palma, por isso a cidade está efetivamente tomada”, disse uma fonte de segurança citada pela AFP. “Palma está nas mãos dos atacantes”, confirmou outro.
O fato deste ataque ter sido lançado quando a Total tinha acabado de anunciar o recomeço das suas atividades é presumivelmente uma coincidência... E a calmaria que se tinha referido anteriormente deveu-se provavelmente a dificuldades relacionadas com a época das chuvas do que à ação das forças moçambicanas na região.
Nesse ínterim, a Total voltou a anunciar a suspensão das atividades na Anfugi. E resta saber o que Maputo pretende fazer para retomar o controle da cidade... Preocupada com a situação devido à presença de expatriados sul-africanos na região, a África do Sul pode tentar uma intervenção...
Isso é o que o "Daily Maverik" publicado em Joanesburgo entende. "A África do Sul estava planejando no sábado enviar forças especiais para a cidade costeira de Palma, a fim de evacuar vários sul-africanos que ainda estariam presos ou mantidos como reféns pelos insurgentes islâmicos", disse ele. De fato, escrito em 27 de março.
Recorde-se que as forças especiais americanas lançaram recentemente uma missão para formar e treinar os seus homólogos moçambicanos. Quanto à França, preocupada com o envolvimento da Total em Cabo Delgado e presente na região (com Mayotte), pretende fazer o mesmo. Foi o que disse Florence Parly, a Ministra das Forças Armadas, durante uma audiência parlamentar em janeiro. “Estamos agora a ver como podemos apoiar, através da formação e educação, as forças armadas” de Moçambique, disse ela.
Bibliografia recomendada:
Por que Moçambique está terceirizando a contra-insurgência para a Rússia, 25 de março de 2020.
Dividendos da Diplomacia: Quem realmente controla o Grupo Wagner?, 22 de março de 2020.
Helicóptero Gazelle de mercenários sul-africanos foi abatido em Moçambique, 26 de abril de 2020.
Vega Strategic Services: as PMC russas como parte da guerra de informação?, 10 de fevereiro de 2021.
A dependência da Rússia de contratados militares privados soa alarme no mundo todo, 9 de fevereiro de 2021.
Islâmicos ligados ao Estado Islâmico decapitaram mais de 50 pessoas em campo de futebol em Moçambique, 11 de novembro de 2020.
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