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domingo, 20 de março de 2022

A Doutrina Putin

O presidente russo, Vladimir Putin, em uma cerimônia diplomática em Moscou, em dezembro de 2021.
(Sputnik Photo Agency / Reuters)

Por Angela Stent, Foreign Affairs, 27 de janeiro de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 20 de março de 2022.

Uma jogada na Ucrânia sempre foi parte do plano.

[Este artigo foi escrito antes da invasão de 24 de fevereiro]

A atual crise entre a Rússia e a Ucrânia é um acerto de contas que está sendo elaborado há 30 anos. É muito mais do que a Ucrânia e sua possível adesão à OTAN. É sobre o futuro da ordem europeia criada após o colapso da União Soviética. Durante a década de 1990, os Estados Unidos e seus aliados projetaram uma arquitetura de segurança euro-atlântica na qual a Rússia não tinha nenhum compromisso ou participação clara, e desde que o presidente russo Vladimir Putin chegou ao poder, a Rússia vem desafiando esse sistema. Putin reclamou rotineiramente que a ordem global ignora as preocupações de segurança da Rússia e exigiu que o Ocidente reconheça o direito de Moscou a uma esfera de interesses privilegiados no espaço pós-soviético. Ele organizou incursões em Estados vizinhos, como a Geórgia, que saíram da órbita da Rússia para impedir que se reorientassem totalmente.

Putin agora levou essa abordagem um passo adiante. Ele está ameaçando uma invasão muito mais abrangente da Ucrânia do que a anexação da Crimeia e a intervenção no Donbas que a Rússia realizou em 2014, uma invasão que prejudicaria a ordem atual e potencialmente reafirmaria a preeminência da Rússia no que ele insiste ser seu “legítimo” lugar no continente europeu e nos assuntos mundiais. Ele vê isso como um bom momento para agir. Em sua opinião, os Estados Unidos são fracos, divididos e menos capazes de buscar uma política externa coerente. Suas décadas no cargo o tornaram mais cínico sobre o poder de permanência dos Estados Unidos. Putin está agora lidando com seu quinto presidente dos EUA e passou a ver Washington como um interlocutor não confiável. O novo governo alemão ainda está encontrando seus pés políticos, a Europa como um todo está focada em seus desafios domésticos e o mercado de energia apertado dá à Rússia mais influência sobre o continente. O Kremlin acredita que pode contar com o apoio de Pequim, assim como a China apoiou a Rússia depois que o Ocidente tentou isolá-la em 2014.

Putin ainda pode decidir não invadir. Mas, quer ele faça ou não, o comportamento do presidente russo está sendo impulsionado por um conjunto interligado de princípios de política externa que sugerem que Moscou será disruptivo nos próximos anos. Chame isso de “doutrina Putin”. O elemento central dessa doutrina é fazer com que o Ocidente trate a Rússia como se fosse a União Soviética, uma potência a ser respeitada e temida, com direitos especiais em sua vizinhança e voz em todos os assuntos internacionais sérios. A doutrina sustenta que apenas alguns Estados devem ter esse tipo de autoridade, juntamente com soberania completa, e que outros devem se curvar aos seus desejos. Implica defender regimes autoritários em vigor e minar democracias. E a doutrina está ligada ao objetivo abrangente de Putin: reverter as consequências do colapso soviético, dividir a aliança transatlântica e renegociar o assentamento geográfico que encerrou a Guerra Fria.

Explosão do passado

A Rússia, de acordo com Putin, tem direito absoluto a um assento à mesa em todas as principais decisões internacionais. O Ocidente deve reconhecer que a Rússia pertence ao conselho de administração global. Depois do que Putin retrata como a humilhação da década de 1990, quando uma Rússia muito enfraquecida foi forçada a aderir a uma agenda definida pelos Estados Unidos e seus aliados europeus, ele alcançou amplamente esse objetivo. Embora Moscou tenha sido expulsa do G-8 após a anexação da Crimeia, seu veto no Conselho de Segurança das Nações Unidas e seu papel como superpotência energética, nuclear e geográfica garantem que o resto do mundo leve em consideração suas opiniões. A Rússia reconstruiu com sucesso suas forças armadas após a guerra de 2008 com a Geórgia, e agora é a potência militar regional proeminente, com a capacidade de projetar poder globalmente. A capacidade de Moscou de ameaçar seus vizinhos permite forçar o Ocidente à mesa de negociações, como ficou tão evidente nas últimas semanas.


No que diz respeito a Putin, o uso da força é perfeitamente apropriado se a Rússia acredita que sua segurança está ameaçada: os interesses da Rússia são tão legítimos quanto os do Ocidente, e Putin afirma que os Estados Unidos e a Europa os desconsideraram. Na maior parte, os Estados Unidos e a Europa rejeitaram a narrativa de queixa do Kremlin, que se concentra principalmente na dissolução da União Soviética e especialmente na separação da Ucrânia da Rússia. Quando Putin descreveu o colapso soviético como uma “grande catástrofe geopolítica do século XX”, ele lamentava o fato de 25 milhões de russos se encontrarem fora da Rússia e criticava particularmente o fato de 12 milhões de russos se encontrarem no novo Estado ucraniano. Como ele escreveu em um tratado de 5.000 palavras publicado no verão passado e intitulado “Sobre a unidade histórica de russos e ucranianos”, em 1991, “as pessoas se viram no exterior da noite para o dia, levadas, desta vez, de sua pátria histórica”. Seu ensaio foi recentemente distribuído às tropas russas.

Em um ensaio no ano passado, Putin escreveu que a Ucrânia estava sendo transformada em “um trampolim contra a Rússia”.

Essa narrativa de perda para o Ocidente está ligada a uma obsessão particular de Putin: a ideia de que a OTAN, não contente em apenas admitir ou ajudar Estados pós-soviéticos, pode ameaçar a própria Rússia. O Kremlin insiste que essa preocupação se baseia em preocupações reais. Afinal, a Rússia foi repetidamente invadida pelo Ocidente. No século XX, foi invadida por forças aliadas anti-bolcheviques, incluindo algumas dos Estados Unidos, durante sua guerra civil de 1917 a 1922. A Alemanha invadiu duas vezes, levando à perda de 26 milhões de cidadãos soviéticos na Segunda Guerra Mundial. Putin vinculou explicitamente essa história às preocupações atuais da Rússia sobre a infraestrutura da OTAN que se aproxima das fronteiras da Rússia e as demandas resultantes de Moscou por garantias de segurança.

Hoje, no entanto, a Rússia é uma superpotência nuclear brandindo novos mísseis hipersônicos. Nenhum país – muito menos seus vizinhos menores e mais fracos – tem qualquer intenção de invadir a Rússia. De fato, os vizinhos do país a oeste têm uma narrativa diferente e enfatizam sua vulnerabilidade ao longo dos séculos à invasão da Rússia. Os Estados Unidos também nunca atacariam, embora Putin os tenha acusado de tentar “cortar um pedaço suculento de nossa torta”. No entanto, a auto-percepção histórica da vulnerabilidade da Rússia repercute na população do país. A mídia controlada pelo governo está repleta de alegações de que a Ucrânia poderia ser uma plataforma de lançamento para a agressão da OTAN. De fato, em seu ensaio no ano passado, Putin escreveu que a Ucrânia estava sendo transformada em “um trampolim contra a Rússia”.

Putin também acredita que a Rússia tem direito absoluto a uma esfera de interesses privilegiados no espaço pós-soviético. Isso significa que seus antigos vizinhos soviéticos não devem aderir a nenhuma aliança considerada hostil a Moscou, particularmente a OTAN ou a União Européia. Putin deixou essa exigência clara nos dois tratados propostos pelo Kremlin em 17 de dezembro, que exigem que a Ucrânia e outros países pós-soviéticos – bem como a Suécia e a Finlândia – se comprometam com a neutralidade permanente e evitem a adesão à OTAN. A OTAN também teria que recuar para sua postura militar de 1997, antes de sua primeira ampliação, removendo todas as tropas e equipamentos da Europa Central e Oriental. (Isso reduziria a presença militar da OTAN ao que era quando a União Soviética se desintegrou.) A Rússia também teria poder de veto sobre as escolhas de política externa de seus vizinhos não pertencentes à OTAN. Isso garantiria que os governos pró-Rússia estivessem no poder nos países que fazem fronteira com a Rússia – incluindo, principalmente, a Ucrânia.

Dividir e conquistar

Até agora, nenhum governo ocidental estava preparado para aceitar essas exigências extraordinárias. Os Estados Unidos e a Europa adotam amplamente a premissa de que as nações são livres para determinar seus sistemas domésticos e suas afiliações de política externa. De 1945 a 1989, a União Soviética negou a autodeterminação à Europa Central e Oriental e exerceu controle sobre as políticas doméstica e externa dos membros do Pacto de Varsóvia por meio de partidos comunistas locais, a polícia secreta e o Exército Vermelho. Quando um país se afastou demais do modelo soviético — Hungria em 1956 e Tchecoslováquia em 1968 — seus líderes foram depostos à força. O Pacto de Varsóvia foi uma aliança que teve um histórico único: invadiu apenas seus próprios membros.

Cidadãos alemães-orientais atirando pedras num tanque soviético durante a intervenção de 1953.

A interpretação moderna da soberania do Kremlin tem paralelos notáveis com a da União Soviética. Sustenta, parafraseando George Orwell, que alguns Estados são mais soberanos do que outros. Putin disse que apenas algumas grandes potências – Rússia, China, Índia e Estados Unidos – desfrutam de soberania absoluta, livres para escolher quais alianças aderir ou rejeitar. Países menores, como Ucrânia ou Geórgia, não são totalmente soberanos e devem respeitar as restrições da Rússia, assim como a América Central e a América do Sul, segundo Putin, devem atender seu grande vizinho do norte. A Rússia também não busca aliados no sentido ocidental da palavra, mas busca parcerias instrumentais e transacionais mutuamente benéficas com países, como a China, que não restringem a liberdade da Rússia de agir ou julgar sua política interna.

Tais parcerias autoritárias são um elemento da Doutrina Putin. O presidente apresenta a Rússia como defensora do status quo, defensora dos valores conservadores e um ator internacional que respeita os líderes estabelecidos, especialmente os autocratas. Como os eventos recentes na Bielorrússia e no Cazaquistão mostraram, a Rússia é o poder principal para apoiar governantes autoritários em apuros. Defendeu autocratas tanto em sua vizinhança quanto em muito além – inclusive em Cuba, Líbia, Síria e Venezuela. O Ocidente, de acordo com o Kremlin, apoia o caos e a mudança de regime, como aconteceu durante a guerra do Iraque em 2003 e a Primavera Árabe em 2011.

O Pacto de Varsóvia foi uma aliança que teve um histórico único: invadiu apenas seus próprios membros.

Mas em sua própria “esfera de interesses privilegiados”, a Rússia pode atuar como uma potência revisionista quando considera seus interesses ameaçados ou quando quer avançar em seus interesses, como demonstraram a anexação da Crimeia e as invasões da Geórgia e da Ucrânia. A tentativa da Rússia de ser reconhecida como líder e apoiadora de regimes de homens fortes tem sido cada vez mais bem-sucedida nos últimos anos, à medida que grupos mercenários apoiados pelo Kremlin agiram em nome da Rússia em muitas partes do mundo, como é o caso da Ucrânia.

A interferência revisionista de Moscou também não se limita ao que considera seu domínio privilegiado. Putin acredita que os interesses da Rússia são mais bem atendidos por uma aliança transatlântica fraturada. Assim, ele apoiou grupos antiamericanos e eurocéticos na Europa; apoiou movimentos populistas de esquerda e direita em ambos os lados do Atlântico; envolvidos em interferência eleitoral; e geralmente trabalhou para exacerbar a discórdia nas sociedades ocidentais. Um de seus principais objetivos é fazer com que os Estados Unidos se retirem da Europa. O presidente dos EUA, Donald Trump, desdenhou da aliança da OTAN e desdenhou alguns dos principais aliados europeus dos Estados Unidos – principalmente a então chanceler alemã Angela Merkel – e falou abertamente em retirar os Estados Unidos da organização. O governo do presidente dos EUA, Joe Biden, buscou assiduamente reparar a aliança e, de fato, a crise fabricada de Putin sobre a Ucrânia reforçou a unidade da aliança. Mas há dúvidas suficientes na Europa sobre a durabilidade do compromisso dos EUA após 2024 para que a Rússia tenha encontrado algum sucesso reforçando o ceticismo, principalmente por meio das mídias sociais.

Autoridades militares venezuelanas e russas.

O enfraquecimento da aliança transatlântica poderia abrir o caminho para Putin realizar seu objetivo final: abandonar a ordem internacional liberal e baseada em regras do pós-Guerra Fria promovida pela Europa, Japão e Estados Unidos em favor de uma ordem mais acessível à Rússia. Para Moscou, esse novo sistema pode se assemelhar ao concerto de poderes do século XIX. Também poderia se transformar em uma nova encarnação do sistema de Yalta, onde a Rússia, os Estados Unidos e agora a China dividem o mundo em esferas de influência tripolares. A crescente aproximação de Moscou com Pequim de fato reforçou o apelo da Rússia por uma ordem pós-Ocidente. Tanto a Rússia quanto a China exigem um novo sistema no qual exerçam mais influência em um mundo multipolar.

Os sistemas dos séculos XIX e XX reconheciam certas regras do jogo. Afinal, durante a Guerra Fria, os Estados Unidos e a União Soviética respeitavam principalmente as esferas de influência um do outro. As duas crises mais perigosas daquela época – o ultimato de Berlim em 1958 do primeiro-ministro soviético Nikita Khrushchev e a crise dos mísseis cubanos em 1962 – foram desarmadas antes do início do conflito militar. Mas se o presente é alguma indicação, parece que a “ordem” pós-Ocidente de Putin seria um mundo hobbesiano desordenado com poucas regras do jogo. Em busca de seu novo sistema, o modus operandi de Putin é manter o Ocidente desequilibrado, adivinhando suas verdadeiras intenções e depois surpreendendo quando ele age.

O recomeço russo

Dado o objetivo final de Putin, e dada sua crença de que agora é a hora de forçar o Ocidente a responder aos seus ultimatos, a Rússia pode ser dissuadida de lançar outra incursão militar na Ucrânia? Ninguém sabe o que Putin decidirá em última análise. Mas sua convicção de que o Ocidente ignorou o que ele considera os interesses legítimos da Rússia por três décadas continua a impulsionar suas ações. Ele está determinado a reafirmar o direito da Rússia de limitar as escolhas soberanas de seus vizinhos e ex-aliados do Pacto de Varsóvia e forçar o Ocidente a aceitar esses limites – seja pela diplomacia ou pela força militar.

Isso não significa que o Ocidente é impotente. Os Estados Unidos devem continuar a buscar diplomacia com a Rússia e buscar criar um modus vivendi que seja aceitável para ambos os lados sem comprometer a soberania de seus aliados e parceiros. Ao mesmo tempo, deve continuar coordenando com os europeus para responder e impor custos à Rússia. Mas está claro que, mesmo que a Europa evite a guerra, não há como voltar à situação anterior à Rússia começar a reunir suas tropas em março de 2021. O resultado final desta crise poderia ser a terceira reorganização da segurança euro-atlântica desde o final da década de 1940. A primeira veio com a consolidação do sistema de Yalta em dois blocos rivais na Europa após a Segunda Guerra Mundial. A segunda surgiu de 1989 a 1991, com o colapso do bloco comunista e depois da própria União Soviética, seguido pelo impulso subsequente do Ocidente para criar uma Europa “inteira e livre”. Putin agora desafia diretamente essa ordem com seus movimentos contra a Ucrânia.

Enquanto os Estados Unidos e seus aliados aguardam o próximo passo da Rússia e tentam deter uma invasão com diplomacia e a ameaça de pesadas sanções, eles precisam entender os motivos de Putin e o que eles anunciam. A crise atual é, em última análise, sobre a Rússia redesenhando o mapa pós-Guerra Fria e buscando reafirmar sua influência sobre metade da Europa, com base na afirmação de que está garantindo sua própria segurança. Pode ser possível evitar um conflito militar desta vez. Mas enquanto Putin permanecer no poder, sua doutrina também permanecerá.

Angela Stent é membro sênior não residente da Brookings Institution e ex-oficial de inteligência nacional dos EUA para a Rússia e a Eurásia. Ela é a autora do livro Putin's World: Russia Against the West and With the Rest.

segunda-feira, 14 de março de 2022

LIVRO: A Lei da Selva, de Hugo Studart


Por Euler de França Belém, Jornal Opção, 3 de junho de 2020.

Guerrilha do Araguaia: os vencedores rompem o silêncio.

O jornalista Hugo Studart publica livro explosivo sobre a batalha travada por guerrilheiros do PC do B contra militares entre Goiás (hoje Tocantins) e Pará.

“A Lei da Selva — Estratégias, Imaginário e Discurso dos Militares Sobre a Guerrilha do Araguaia”¹ (Geração Editorial, 383 páginas), do jornalista Hugo Studart, nasce clássico porque, como “Combate nas Trevas”, de Jacob Gorender, será objeto de consulta obrigatória para todo estudioso (ou curioso) do assunto. O mestre em história pela Universidade de Brasília prova que, quando falham ou faltam os documentos e a interpretação não pode forçar a realidade, é possível contar com depoimentos que — somados, comparados (com outros depoimentos) e avaliados — se tornam documentos. O que é um documento senão um depoimento escrito? Produto de uma dissertação de mestrado, o livro guarda traços acadêmicos, como o rigor no manuseio e articulação das fontes, mas o texto não é filho dos pedregulhos universitários (expressões como “em última instância” e “no limite” não aparecem). É claríssimo. Duas de suas virtudes — além das revelações e confirmações fartamente documentadas — são o equilíbrio da exposição dos fatos e a segurança no julgamento (Hannah Arendt, um dos suportes teóricos de Studart, dizia que julgar é fundamental, desde que mantido o equilíbrio). Os leitores acadêmicos certamente vão ficar atentos ao uso das ideias de filósofos, como Cornelius Castoriadis, na análise da questão do imaginário. Os leitores comuns vão direto às histórias. Ganham aqueles que prestarem atenção tanto no historiador quanto no repórter.

Até pouco tempo, a Guerrilha do Araguaia (1972-1974) era patrimônio do Partido Comunista do Brasil (PC do B), que, ao constituir sua verdade, tendo como base sobretudo o Relatório Arroyo e seus filhotes, como um livrinho do sociólogo Clovis Moura, praticamente impôs, ainda que indiretamente, um silêncio sepulcral à voz dos vencedores, os militares. Ao examinar a Revolução de 1930, no livro “O Silêncio dos Vencidos”, o historiador Edgar de Decca disse ter descoberto que um discurso (o do grupo de Getúlio Vargas), ao se tornar hegemônico, gestou o silêncio dos que perderam. A respeito da Guerrilha do Araguaia, deu-se o oposto. Os militares venceram a guerra das armas e perderam a guerra do discurso. Nesse campo, diante da “omissão” dos militares, os comunistas — manipulando os fatos no melhor estilo stalinista (em novembro de 1974, segundo o Dossiê Araguaia, o PC do B enviou uma delegação para avisar o governo da Albânia sobre a vitória da guerrilha. Mentindo, os dirigentes do partido riram do trágico), mas também citando a verdade parcialmente (a manipulação só é eficiente se parte da verdade não for inteiramente desconsiderada) — impuseram a sua verdade de “santos” contra a “ausência” de verdade dos “demônios”.

Contra-capa do livro.

Emilio Garrastazu Médici (sobretudo)e Ernesto Geisel: jogo duro contra os guerrilheiros da esquerda.

O ponderado trabalho de Studart não é contra ou a favor dos militares ou dos guerrilheiros. É isento, a isenção possível — aquela que permite que todas as vozes falem e sejam ouvidas. A base são o Dossiê Araguaia — estudo elaborado por oficiais —, documentos das Forças Armadas, depoimentos de militares e de ex-guerrilheiros (como o Relatório Arroyo) e o Diário do Velho Mário (escrito pelo comandante-chefe da guerrilha, Maurício Grabois). A fonte secundária é a bibliografia, que, no geral, contesta a versão dos quartéis, mas sem ouvir os militares. Poucos pesquisadores abrem espaço para os militares. As exceções são Elio Gaspari, Eumano Silva e Taís Morais, no ótimo “Operação Araguaia — Os Arquivos Secretos da Guerrilha”, e Luiz Maklouf Carvalho.

A tese dominante é que os arquivos da Guerrilha do Araguaia foram queimados — em fins de 1974, por ordem do presidente Ernesto Geisel. Ao ouvir 27 militares (de soldado a general), alguns com posição de liderança no combate aos militantes do PC do B, como o coronel Lício Augusto Ribeiro Maciel, Studart conclui que, sim, foram destruídos. Entretanto, seu livro prova que, se fazem falta, porque possivelmente detalhados, é possível contar a história sem eles. Studart, por assim dizer, “desparalisa” a história ao provar que os militares — vivíssimos (78 dos oficiais e sargentos que participaram da guerrilha estão vivos) — falam, e muito, apesar das reticências e cuidados (e suas precauções têm motivos justos, afinal, a esquerda julga ter o monopólio da verdade). São arquivos vivos. Sintomaticamente, os militares que colaboraram com Studart, por mais que queiram proteger a si mesmos (a maioria não revela seus nomes), familiares e as Forças Armadas, sobretudo o Exército e a Comunidade de Informações, estão preocupados com a exatidão histórica. O Dossiê Araguaia (elaborado entre 1998 e 2001), anexado ao livro, é um documento importante e indica que os militares conhecem bem aqueles que combatiam. O mesmo não se pode dizer dos “isolados” guerrilheiros.

Operação Araguaia:
Os Arquivos secretos da Guerrilha.

Estudo torna barulhento o silêncio da guerrilha

É provável que comunistas radicais digam: “Este livro é porta-voz dos militares”. Não é. O estudo de Studart torna barulhento o silêncio da guerrilha — recupera a voz dos militares, não para torná-la única a respeito do tema, mas sim para apontá-la como contradição enriquecedora para a constituição de uma história mais ampla do conflito. O objetivo é ampliar os sentidos da guerrilha. (“Trata-se, aqui, de relatar o significado do conflito sob a ótica de um dos lados envolvidos, os militares brasileiros que participaram da luta”, esclarece, sem meias palavras, Studart. Isto não quer dizer que o livro não seja nuançado.) Os comunistas ortodoxos precisam entender que a história só se completa — e reluto ao escrever “se completa” — com a exploração e conexão das divergências. Os militares têm informações que são úteis aos próprios esquerdistas. O livro revela, por exemplo, que, ao contrário do que apontam PC do B e Comissão dos Desaparecidos, morreram mais pessoas no Araguaia. Eis o saldo da guerrilha, na versão do Dossiê Araguaia: “Dos 107 guerrilheiros e camponeses que participaram, 64 teriam morrido; 18 teriam ‘paradeiro desconhecido’; 15 foram presos e sobreviveram; sete teriam desertado; dois teriam cometido suicídio; e um teria sido ‘justiçado’ pelos próprios companheiros”. De acordo com o Dossiê, morreram seis militares e oito foram feridos. Os números do PC do B são mais modestos: “Teriam tombado 75 pessoas — 58 guerrilheiros e 17 camponeses. Segundo a contabilidade dos militares, teriam sido 85. Ou seja, os militares admitem 10 mortos a mais”. (Não custa registrar que, juntos, o “soviético” Stálin e o chinês Mao Tsé-tung mataram 100 milhões de pessoas.)

Orlando Geisel: general, ministro do Exército: ordem era para jogar pesado no Araguaia.

Exemplo de documentação usada no livro.

Ao “entrar” nas histórias contadas por Studart, o leitor certamente ficará surpreso com o volume de revelações ou confirmações, agora iluminadas por dados novos, a respeito da Guerrilha do Araguaia.

Os militantes do PC do B foram para o Araguaia, na confluência dos Estados de Goiás (hoje Tocantins) e Pará, em 1966. Seis anos depois, os “paulistas” foram descobertos pelos militares. Durante anos, o PC do B sustentou que Pedro Albuquerque Neto e Lúcia Regina de Souza Martins foram os “traidores”. A apuração e a análise de Studart são ricas: “No imaginário dos militares quem teria sido o responsável pela chegada das Forças Armadas ao local onde resistiam os guerrilheiros? Pedro Albuquerque ou Lúcia Regina? Ambos, segundo descobri. Os militares primeiro tiveram notícia da guerrilha através de Lúcia Regina. Ao voltar para São Paulo, emocionalmente fragilizada, revoltada, sentindo-se culpada pelo aborto, conforme revelou depois, ela acabou desabafando com os pais. Falou tudo o que sabia. Foi seu pai quem procurou os militares para relatar o que Lúcia lhe havia contado, de acordo com a narrativa de um militar [Lício Maciel] que na época serviu no Centro de Informações do Exército. O informe, repassado da agência do CIE em São Paulo para a sede do Rio, teria sido colocado na gaveta. (…) O assunto só ganhou dimensão em fins de março, quando chegou à agência do CIE em Brasília o depoimento de Pedro Albuquerque à Polícia Federal em Fortaleza. De modo que, para os militares, prevaleceu a idéia generalizada de que Pedro teria revelado a existência da guerrilha”. Isto não quer dizer, ressalva Studart, que Albuquerque trabalhou como “colaborador” dos militares. “De todo modo, foi a partir do depoimento de Pedro que os militares precipitaram a reação que mais cedo ou mais tarde se desencadearia no Araguaia.” A conclusão de Studart: “… a descoberta da Guerrilha do Araguaia resulta não de uma ‘traição’, como registra o imaginário dos guerrilheiros; mas, sim, de diferentes interpretações do imaginário militar que, movido pelo ideário anticomunista e pela doutrina de segurança nacional, criou o Sistema de Informações e Segurança”.

Milton Tavares (Miltinho): general que seguiu as duras ordens de Orlando Geisel a respeito da Guerrilha do Araguaia, na primeira metade da década de 1970.

General Antônio Bandeira: um dos operadores no combate à Guerrilha do Araguaia.

Sob comando do coronel Carlos Sérgio Torres, chefe de Operações do CIE, a Operação Peixe (1ª fase da Primeira Campanha) — com 30 agentes da Inteligência — vasculha a região do Araguaia em busca de informações. Entre os militares estavam o major Lício Maciel (o Dr. Asdrúbal), o subtenente João Pedro do Rego (Javali Solitário, J. Peter) e o primeiro-tenente Cid (codinome).

Rapidamente, nos fins de abril de 1972, os militares identificam o codinome de 55 dos 69 guerrilheiros. Prendem o guerrilheiro Danilo Carneiro, o Nilo, na Transamazônica. “Os militares”, escreve Studart, “informam que ele tentava desertar. Segundo o Dossiê, no interrogatório Nilo teria revelado a base guerrilheira de Metade. Também teria revelado o codinome de cinco guerrilheiros de uma vez”. Em seguida, prenderam Eduardo José Monteiro Teixeira e Rioco Kayano, mais tarde mulher de José Genoino Neto. Próximo a ser preso, Genoino é tachado de delator por alguns militares. A versão de uma fonte de Studart, o Dr. George: “Seu depoimento foi fundamental para entender como a guerrilha estava estruturada e a real dimensão do inimigo. Mas nenhum guerrilheiro caiu por causa dele. Quando íamos checar suas informações, já não havia mais ninguém no local”. Outra fonte do jornalista, o Dr. Hoffmann, acrescenta: “Ele nos levou aos locais que havia indicado no depoimento. Mas avalio que não estava colaborando, simplesmente não tinha opção”.

Guerrilheiros religiosos

Na segunda campanha, a Operação Papagaio, o general Viana Moog era o manda-chuva. Mas quem operava mesmo era o general Antônio Bandeira. Há a tendência de ver as Forças Armadas como monolíticas, mas Studart apresenta dissensões entre o Alto Comando e tropas regulares, de um lado, e, de outro, a Comunidade de Informações, liderada pelos generais Bandeira e Milton Tavares, o Miltinho, chefe do Centro de Informações do Exército (CIE). 3.250 militares foram enviados ao Araguaia. Os primeiros a morrer são o guerrilheiro Miguel Pereira dos Santos, o Cazuza, e o sargento Mário Abrahim da Silva. Os militares matam mais sete militantes do PC do B. Antônio Carlos Monteiro Teixeira, o Antônio da Dina, José Toledo de Oliveira, Vitor, e Francisco Manoel Chaves, Preto Velho, foram mortos pelo grupo chefiado pelo sargento goiano José Pereira, que contou ao Jornal Opção, em 1997, como ocorreu o chafurdo. J. Pereira recebeu um elogio, por escrito e oficial, do general Bandeira.


Sem conseguir caçar todos os guerrilheiros, e apesar da resistência do general Bandeira, o comando em Brasília manda suspender as manobras. Um dos homens mais duros do regime, o general Milton Tavares, chamado de Miltinho por seus aliados, assumiu o controle das ações de contraguerrilha, depois passou o bastão para o general Confúcio de Paula Torres Avelino. O chefe de Operações do CIE, tenente-coronel Carlos Sérgio Torres, é o coordenador geral e o major Gilberto Zenkner, o Dr. Nunes, assume a coordenação da Operação Sucuri, trabalho de infiltração de agentes na região do Araguaia. Agora, os militares queriam conhecer mais a respeito dos guerrilheiros antes de combatê-los.

Enquanto os guerrilheiros apostavam numa trégua e cantavam vitória, os militares, disfarçados e reinventando táticas, vasculhavam o Araguaia. O relato de Studart: “Em fins de 1973, quando a tropa desceu na selva para a derradeira caçada, os militares já sabiam nome e endereço de cada guerrilheiro, suas redes de apoio, caminhos que cada um costumava traçar na mata, assim como nome e endereço de cada ‘estabelecido’ que simpatizava com os guerrilheiros ou que poderia apoiar os militares. (…) O Exército infiltrou 35 agentes no cotidiano dos guerrilheiros”.

Newton Cerqueira: general cuja atuação contra a Guerrilha do Araguaia era pouca conhecida.

Major Curió e coronel Lício Maciel: na linha de frente do combate aos guerrilheiros.

José Genoino, guerrilheiro do PC do B: preso, em 1972, por militares do Exército, na região do Araguaia.

Entre histórias tão terríveis, há pelo menos uma engraçada: “O Dossiê [Araguaia] faz surpreendentes revelações. Um agente se disfarçou de terecozeiro (benzedor, feiticeiro, no sincretismo que une o xamanismo afro-indígena-europeu). Grupos de guerrilheiros passaram a visitá-lo, com rapidez espantosa, em busca de suas rezas”. O ex-sargento J. Pereira relatou ao Jornal Opção que, quando examinou a bolsa do guerrilheiro Francisco Chaves, descobriu objetos típicos de mandinga.

Uma das infiltrações descobertas pelas investigações de Studart é surpreendente. Um militante do grupo guerrilheiro VAR-Palmares, preso em Brasília, ficou infiltrado entre os guerrilheiros do PC do B por 15 dias. O “informe” que passou aos militares é texto de semianalfabeto.

Com informações detalhadas sobre o cotidiano da guerrilha, as Forças Armadas enviam 750 militares de tropas especiais para o Araguaia. A Operação Marajoara, a Terceira Campanha, foi comandada primeiro pelo tenente-coronel Wilson Romão, Dr. Zico, e depois pelo tenente-coronel Flávio Demarco, o Tio Caco. No fim de 1973, o tenente-coronel Newton Albuquerque Cerqueira, o militar que comandou a operação que matou Carlos Lamarca, foi escolhido a dedo pelo general Milton Tavares para combater a guerrilha (“Tem que ser o Cerqueira”, sugeriu Miltinho ao general Hugo Abreu — o ministro do Exército, Orlando Geisel, avalizou). “Permaneceu na área por três meses, entre janeiro e março de 1974, justamente o período em que a guerrilha sofreu as maiores baixas — 22 guerrilheiros. (…) Guerrilheiro algum escapou no período em que Cerqueira atuou”, relata Studart. (A presença de Cerqueira no Araguaia foi revelada pelo jornalista Luiz Maklouf no livro “O Coronel Rompe o Silêncio”, longo depoimento do coronel Lício Maciel.)

Maurício Grabois: o líder da guerrilha do PC do B admite justiçamento de camponês.

Em novembro de 1973, com “38 guerrilheiros em condições de combate”, porém mais preocupados com comida do que com armas, os militares, como percebe Studart, terceirizam a batalha. Armados, os mateiros “iam à frente das patrulhas, como guias”. Com a terceirização, os mateiros “entrariam sozinhos na mata caçando guerrilheiros à velha moda dos jagunços”. Recebiam entre 5 e 10 mil cruzeiros por guerrilheiros. Ao contrário do que disseram outros militares, como o coronel Pedro Corrêa Cabral, em entrevista ao Jornal Opção, a pesquisa de Studart confirma que “os militares recrutaram uma tribo inteira de índios suruís” para combater os guerrilheiros.

Studart expõe uma cena espantosa: “… em fins de novembro [de 1973], um mateiro, caboclo que morava perto da reserva suruí, apareceu com uma sacola diante da equipe de paraquedistas que tomava café da manhã num acampamento perto de Xambioá. Perguntou quanto estavam pagando por cabeça de ‘povo da mata’. Um deles respondeu o valor. O mateiro abriu a boca da sacola, sacudiu-a e de dentro caiu uma cabeça entre os pratos dos soldados. A cabeça de Arildo Valadão. (…) Seis cabeças de guerrilheiros, talvez sete, chegaram em sacolas a Marabá ou Xambioá”. Studart conta a história de um militar que jogou três cabeças de guerrilheiros em cima de uma mesa, durante uma reunião, para afrontar militares burocratas.

Maurício Grabois, chefe da guerrilha, abandonado por Ângelo Arroyo, foi morto em dezembro de 1973. Em 1974, mesmo depois de ataque intenso, havia 27 guerrilheiros vivos. “Muitos se entregaram”, Studart constatou nas entrevistas orais com militares. “Outro foram presos. Nenhum sobreviveu para contar.” O jornalista-historiador diz que 20 guerrilheiros foram presos na caçada final. E foram “feitos”, mortos, pelos militares. As equipes Zebra e Jiboia eram encarregadas da limpeza. A Zebra matou 12 guerrilheiros; a Jiboia, sete (Dina é a mais célebre), nenhum em combate. No teatro da guerra, o militar conhecido como Tio Caco era o Senhor das Mortes.

Uma Equipe Zebra com dois guerrilheiros capturados no Araguaia.
Os "zebras" eram militares e mateiros atuando descaracterizados em missões de contra-guerrilha.


Hugo Studart: o pesquisador prova que militares são poderosos arquivos para se contar a história da Guerrilha do Araguaia.

Studart mostra que os militares, orientados para matar todos os guerrilheiros e não levar prisioneiros para Brasília (ou outra cidade), relutaram a respeito de Áurea Elisa Pereira Valadão. Ela “colaborou”, não era “perigosa”. “Mas, ao final, a KGB do Tio Caco achou por bem mandar cumprir à risca a ordem de não fazer prisioneiros.”

Uma das histórias mais comoventes é a de Telma Regina Cordeiro Corrêa, a Lia. Depois de escapar do Chafurdo de Natal, fugiu para uma região rochosa, onde não havia comida e água. Morreu de fome. Deixou um diário lancinante. Na iminência da morte, reagia e cantava a canção dos guerrilheiros:

“Nada teme, jamais se abate,
a afronta a bala a servir.
Ama a vida, despreza a morte
e vai ao encontro do porvir”.

Poderosos chefões foram presidentes e generais

Depois de relatar a história da guerrilha, Studart faz uma pergunta que não agrada a alguns militares: quem deu a ordem para executar os prisioneiros do Araguaia? “Nem mesmo aqueles que ‘fizeram’ pessoalmente o serviço sabem ao certo, explicam os militares em suas narrativas. Eram ordens vindas de cima, sempre ordens orais, dadas por um chefe no pé do ouvido a um subordinado de confiança, sempre com o subterfúgio do eufemismo do verbo fazer, ‘faz aí’, ‘faz’”, aponta Studart.

Osvaldão: o lendário guerrilheiro do Araguaia.

Os militares do Araguaia tinham liberdade para matar? Tinham, mas não eram autônomos. Studart recorre ao historiador Carlos Fico: “Não se deve confundir independência operacional com autonomia. Os membros dessas equipes [as que matavam os guerrilheiros capturados] não agiam contra a vontade de seus superiores, especialmente os generais. Portanto, não se pode alegar que no Araguaia alguns pequenos grupos militares tenham adquirido ‘autonomia’ e cometido os ‘excessos’ por conta própria, sem que os generais em Brasília, em especial os generais presidentes, tenham qualquer responsabilidade sobre esses atos”. (O texto entre aspas é de Studart, não de Carlos Fico.)

Os chefões então foram o Tio Caco, da Casa Azul, e o tenente-coronel Sérgio Torres? Eram chefes, mas, ressalva Studart, “durante o governo Médici, um chefe de operações dos serviços de inteligência tinha independência quase total para agir — mas não autonomia”. Os chefões eram, pela ordem, os presidentes Emílio Médici e Ernesto Geisel, os ministros do Exército Orlando Geisel e Sylvio Frota, os generais Milton Tavares de Souza e Confúcio de Paula Avelino e o brigadeiro Newton Vassallo de Silva.

Mas quem realmente deu a ordem para liquidar os guerrilheiros? Orlando Geisel disse a Milton Tavares: “Não sai ninguém da área”. Não era uma senha. Era uma ordem para matar. Todos entenderam.

Por que é tão difícil encontrar os corpos dos guerrilheiros? Os militares acenderam fogueiras na Serra das Andorinhas, com pneus, e supostamente queimaram alguns corpos. A versão apurada por Studart: as fogueiras “foram acesas, mas nem sempre haveria corpos sob as chamas. A maior parte dos corpos desenterrados teria desaparecido com ácido, no próprio local da exumação” (portanto, não na Serra das Andorinhas).

Apesar de longo, este texto não chega a ser uma síntese do conteúdo do excelente livro de Studart. Há mais, muito mais, que, sem dúvida, vai reverberar noutros livros e, se for lido com atenção, vai gerar polêmicas nos jornais e revistas. É um tributo à grande história. Sérgio Buarque de Holanda certamente aplaudiria. É provável que a turma mais dinossáurica do PC do B, mesmo com a apresentação de dados fartos sobre a crueldade militar, não aprove. Porque, para os comunistas, a verdade é uma só: a deles. Studart situa, com acerto, a Guerrilha do Araguaia num contexto de rebeliões mundiais, pós-Revolução Cubana de 1959 e mesmo a Chinesa de 1949 (os comunistas do PC do B tiveram a sua fase maoísta — antes de aderir ao socialismo das cabras, o “cabriolismo” albanês).

Dina Teixeira, a borboleta executora

Dina (com o marido Antônio), geóloga baiana: a guerrilheira matou um companheiro friamente.

Uma das histórias mais explosivas do livro de Hugo Studart tem a ver com Dinalva Conceição Oliveira Teixeira, que o imaginário coletivo consagrou como Dina. Única mulher a ter posto de subcomandante, por ser inflexível, dura e corajosa, Dina, ao lado de Osvaldo Orlando Costa, o Osvaldão, é o maior mito da Guerrilha do Araguaia.

Durante anos, o PC do B sustentou que o guerrilheiro Rosalindo Cruz Souza, o Mundico, morreu quando a arma que limpava disparou acidentalmente. A versão tem sido desmentida, mas é no livro de Studart que se tem uma informação mais rica. Eis o relato: “Era um caso banal, adultério; triângulo amoroso entre Rosalindo e o casal de guerrilheiros Arildo Valadão, o Ari, e Áurea Elisa Pereira Valadão, a Áurea. Levado ao Tribunal Revolucionário das Forças Guerrilheiras do Araguaia — este, o nome oficial —, Rosalindo foi acusado de trair a revolução. Cinco companheiros participaram do julgamento, entre eles Dina [e também Osvaldão e André Grabois, o Zé Carlos]. Sete camponeses testemunharam. Amarrado numa árvore, com as mãos nas costas, Rosalindo escutou a acusação. Foi sentenciado a justiçamento por unanimidade dos votos. Quem o executaria?”

Rosalindo de Souza (Mundico): adultério provocou sua execução no Araguaia.

Poderia ser um homem, como o experimentado Osvaldão, mas não foi. Conta Studart: “Dina levantou-se em silêncio e caminhou em direção ao companheiro. Parou a dois metros de distância e apontou o Taurus calibre 38 para o coração de Rosalindo. Ele nada falou, não chorou, não pediu clemência. Apenas encarou Dina nos olhos na hora em que ela apertou o gatilho. Enterraram Rosalindo ali mesmo, num banco de areia a 250 metros da sede do sítio, enrolado numa rede. O corpo jamais foi encontrado. (…) Esses fatos ocorreram a 26 de agosto de 1973”. Infiltrado entre os camponeses, o agente Ivan viu a execução. Convém que o leitor perceba o detalhamento e a segurança das informações.

Em junho de 1974, uma patrulha de guerra do Exército prende a “perigosa” Dina, a mulher que virava borboleta, “numa localidade chamada Pau Preto. Estava em companhia da guerrilheira Luiza Augusta Garlipe, codinome Tuca. [Dina foi presa pelo capitão Curió, que a agarrou, pois queria pegá-la viva.] Levada para interrogatório em Marabá, permaneceu por cerca de duas semanas nas mãos de uma equipe da inteligência militar. Estava fraca, desnutrida, havia quase um ano sem comer sal ou açúcar. Por causa da tensão, fazia seis meses que não menstruava [Studart disse ao Jornal Opção que talvez daí derive a “informação” de que estivesse grávida]. No início de julho, o capitão Sebastião Rodrigues de Moura, codinome Dr. Luchini [Dr. Curió], retirou Dina. Levaram-na de helicóptero para algum ponto da mata espessa, perto de Xambioá. Um sargento do Exército, Joaquim Artur Lopes de Souza, codinome Ivan [uma homenagem inconsciente aos russos?], chefiava a pequena equipe, três homens. (A respeito dos homens-chave do combate à guerrilha, os militares ouvidos por Studart apontam os coronéis Torres, Demarco, Lício e Cerqueira. Marqueteiro, Curió levou a fama.)

“‘Vocês vão me matar agora?’, teria indagado Dina assim que pisou em solo.

“‘Não, mais na frente um pouco. Agora só quero que você reconheça um ponto ali adiante’, teria respondido Ivan.

“O grupo caminhou por cerca de 200 metros mata adentro.

“‘Vou morrer agora?’, perguntou a guerrilheira.

“‘Vai, agora você vai ter que ir’, respondeu Ivan.

“‘Eu quero morrer de frente’, pediu.

“‘Então vira pra cá.’

“Ela virou e encarou o executor nos olhos. Transmitia mais orgulho que medo. Ele se aproximou da guerrilheira, parou a dois metros de distância e lhe estourou o peito com uma bala de pistola calibre 45. O tiro pegou um pouco acima do coração. O impacto jogou Dina para trás. Levou um segundo tiro na cabeça. Foi enterrada ali mesmo”. A morte de Dina é um “retrato” da morte de Mundico.

Lúcia Maria de Souza, a Sônia: “Guerrilheiro não tem nome”

Lúcia Maria de Souza, a Sônia.

O relato da morte de Lúcia Maria de Souza, a Sônia, transformada em heroína pelos próprios militares, ganha textura ampliada no trabalho de Studart. Em 24 de outubro de 1973, o Dr. Asdrúbal [o então major Lício Maciel] lidera patrulha de oito militares que enfrenta e mata Sônia. Ferida, a guerrilheira reage, atira em Asdrúbal e em Luchini-Curió e arrasta-se pela mata. Encontrada pelo suboficial do Exército Javali Solitário, também chamado de J. Peter, e pelo sargento do Exército Cid, tenta levantar a arma. Cid pisa no seu braço e pergunta seu nome. “Guerrilheiro não tem nome”, replica Sônia. Cid retruca: “Nem nome nem vida”. Cid e Javali atiraram com suas metralhadoras. “Ela ficou com mais de 80 furos”, diz Cid.

Sobre a morte de Idalísio Soares Aranha, o Aparício, ocorrida a 13 de julho de 1972, o texto de Studart também é detalhado. Aparício levou “53 tiros de metralhadora, inclusive no rosto, e ainda assim conseguiu escapar pela mata. Foi apanhado dois quilômetros adiante, agonizando no chão, e executado com um tiro na cabeça, de espingarda, uma Winchester calibre 44. O tiro moeu-lhe a cabeça por completo. O corpo do guerrilheiro foi levado numa rede para identificação — ao vê-lo, um major da Aeronáutica teria vomitado abundantemente”.

A história da morte de Osvaldão é bem conhecida, mas Studart apresenta detalhes novos. “Na área de São Geraldo, a equipe encontrou pegadas enormes. Osvaldão calçava 48. As pegadas eram de um solado de pneu. Meses antes Osvaldão havia feito uma sandália com um pneu velho que ganhou de um militar [Ivan] infiltrado entre os moradores. O grupo [militares e o mateiro Arlindo Vieira, o Piauí] caminhou dois dias atrás do rastro. Em determinada hora notaram movimentos no capinzal e pararam. Osvaldão teve azar. Caminhou em direção à patrulha e entrou na clareira com o peito de frente para a espingarda A-12 do mateiro. Arlindo se mostrava apavorado, tremia de medo. Osvaldão foi abatido de braços abertos, enquanto afastava o capim. Urrou de dor. Um militar disparou outro tiro de pistola 45 na cabeça do guerrilheiro já caído no chão.”

Ivan: o agente secreto que enganou Osvaldão e matou Dina.

Dinaelza Santana Coqueiro, a Maria Diná, também é vista como “heroína” pelos militares. O agente Fernando contou a Studart: “Era braba pra cacete, aguentou um pau violento, uns cinco ou seis dias de pau. Aí contou a história dela. Então nossa equipe a levou. Na hora, minha pistola engasgou. Engasgou e não saiu mais bala nenhuma. Ela me olhava com um ódio danado. Não chorou, só me olhou com ódio, um ódio fantástico, ódio, muito ódio. Foi uma merda. Então eu tive de pegar outra arma. Um companheiro chegou perto e me ajudou a fazer o serviço”. Segundo o executor, Maria Diná morreu entre janeiro e fevereiro de 1974.

O guerrilheiro Tobias Pereira Júnior, Josias, preso em dezembro de 1973, decidiu colaborar. “Ficou por quase dois meses colaborando com os militares. Desenhou os mapas da região e ajudou a localizar remanescentes da guerrilha. Chegou até a ensaiar uma amizade com [o agente] Fernando, um dos escalados para os interrogatórios”, anota Studart. Chamado para executá-lo, Fernando refugou e disse para seu chefe: “Se o sr. puder me tirar esse cálice”.

Criméia contesta Zezinho do Araguaia

Michéas-Zezinho do Araguaia: sobrevivente da Guerrilha do Araguaia.

Em 1974, Ângelo Arroyo, o Joaquim, Micheas Gomes de Almeida, o Zezinho, e um terceiro homem, até agora não-identificado, escaparam do cenário da Guerrilha do Araguaia. Como Arroyo morreu, Zezinho é a única fonte que pode identificá-lo. Hugo Studart registra (página 44) que, segundo a ex-guerrilheira Criméia Almeida, mulher de André Grabois, “a história sobre o terceiro homem seria uma criação de Micheas”. “Essa história do terceiro [homem] me parece criação do Zezinho, porque a primeira vez que eu o encontrei, em 1996, ele me disse que o terceiro era o João Amazonas e eu lhe disse que não era porque este estava em São Paulo, então ele mudou a versão dizendo que era um que ele não se lembrava o nome”, relatou Criméia a Studart.

Um historiador, com rigorosa formação acadêmica, contou ao Jornal Opção que o terceiro homem era mesmo João Amazonas. Com a informação, voltei a conversar com Zezinho. O ex-guerrilheiro me disse que não era João Amazonas, e sim um homem mais alto. Uma fonte, que militou no PC do B, sustenta que Zezinho teve de voltar atrás porque João Amazonas, como dirigente máximo do partido durante vários anos, “não pode” ficar na história como “desertor”, como tendo abandonado seus companheiros à morte. Zezinho calou-se, ou melhor, mudou sua história. Seria a omertà comunista?

Há também informações sobre o guerrilheiro goiano Divino Ferreira de Souza, o Nunes.

Nota

¹ Em 2018, Hugo Studart lançou o livro “Borboletas e Lobisomens — Vidas, Sonhos e Mortes dos Guerrilheiros do Araguaia” (Francisco Alves, 658 páginas), produto de tese de doutorado apresentada na Universidade de Brasília (UnB).

Leitura recomendada:

LIVRO: Borboletas e Lobisomens, 17 de janeiro de 2022.

segunda-feira, 7 de março de 2022

FOTO: Sniper australiano na Coréia

Soldado B. Coffman com o seu fuzil Lithgow No. 1 Mk. III* na Coréia, 1951.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 7 de março de 2022.

O soldado B. Coffman, nativo de Nova Gales do Sul, está portando o fuzil Lithgow No. 1 Mk. III*, o Lee Enfield (SMLE) australiano. Seu uniforme e equipamento de lona são americanos, pois os australianos tiveram dificuldades de suprimento na Coréia.

A Coréia passou a ser uma guerra estática de 1953 em diante, o que proliferou os snipers em ambos os lados. Ian Robertson, fotógrafo e franco-atirador, foi o maior sniper australiano na Coréia. Em uma ocasião, ele matou 31 inimigos em um único dia. Posteriormente, ele ensinou dança aos franco-atiradores com o objetivo de treinar coordenação corporal. Ele se casou com sua namorada japonesa, Miki; falecida em 2014.

Robertson usou uma variante especial do Lee-Enfield, com uma luneta padrão 1918 feito pela Australian Optical Co., com melhor impermeabilidade. Esses Lee-Enfields ostentavam canos pesados e vinham com um protetor de bochecha pronto para instalar, mas os atiradores não gostavam dele e na maioria das vezes não o colocavam em seus fuzis. Essa proteção de bochecha era a mesma dos fuzis N°4 Enfield, que não eram muito apreciadas, pois não permitiam o alinhamento ocular adequado com a luneta.

Leitura recomendada:

Out of Nowhere:
A History of the Military Sniper.
Martin Pegler.

Leitura recomendada:

FOTO: Sniper australiano na selva, 1º de outubro de 2021.

sábado, 12 de fevereiro de 2022

Socialismo árabe e prisioneiros egípcios na Guerra dos Seis Dias

Prisioneiros egípcios sendo levados de caminhão para um campo de PG, passando por um comboio de soldados israelenses em direção ao front, 1967.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 12 de fevereiro de 2022.

Um caminhão cheio de soldados egípcios capturados cruza um comboio de tropas israelenses perto de El Arish, Egito, durante a Guerra dos Seis Dias, em 8 de junho de 1967.

Os israelenses tomaram El Arish e estão indo em direção ao deserto do Sinai. Eles estão armados com fuzis FAL do modelo Romat, um deles com uma granada de fuzil BT/AT 52 visível, e submetralhadoras Uzi; armamentos típicos do exército israelense do período. Os árabes eram armados com fuzis AK-47 e outros materiais soviéticos, além de outros armamentos portáteis de procedência variada.

O AK e o FAL.
Adversários na Guerra dos Seis Dias, 1967.

O presidente egípcio, Gamal Abdel Nasser, ameaçou repetidamente a existência do Estado de Israel durante anos e costurou uma aliança opondo o mundo árabe ao país hebreu. Os egípcios e seus aliados árabes se mobilizaram ao redor de Israel, seguindo uma ideologia de pan-arabismo e socialismo árabe, além de uma aproximação com a União Soviética que armou pesadamente a coligação árabe. Nasser chegou mesmo a fechar o Estreito de Tirã, uma via marítima essencial a Israel - um causus belli em si mesmo. O Egito sozinho contava 240 mil soldados opondo os 50 mil regulares e 214 mil reservistas israelenses que teriam de lutar em três frentes diferentes, enquanto os egípcios lutariam apenas no Sinai. A Síria, Jordânia e Iraque somavam mais 304 mil homens a esse número, com 20 mil sauditas também à disposição. Os árabes possuíam 2.504 tanques contra os 800 tanques israelenses. Os israelenses tinham entre 250-300 aviões de combate contra os 957 aviões árabes. Dos 264.000 homens da Força de Defesa de Israel mobilizados, 100.000 foram desdobrados em ação. Os árabes dispunham de 567.000 dos quais 240.000 desdobrados. Ainda assim, Nasser e seus seguidores foram surpreendidos pelo ataque surpresa israelense que os colocou de joelhos.

As baixas árabes foram enormes. Do lado do Egito, até cerca de 15.000 soldados egípcios foram listados como mortos ou desaparecidos, com um adicional de 4.338 soldados egípcios capturados.

Yael Dayan, a filha do General Moshe Dayan e oficial do exército acompanhando o estado-maior divisional de Ariel Sharon no Sinai, do ponto de partida da ofensiva em Shivta e pelo caminho através península desértica. Os israelenses acharam depósitos e bases abarrotadas de víveres e equipamentos, com escritórios luxuosos para oficiais, lotados de comidas caras e champagne. Do lado desse luxo havia os pobres soldados egípcios, mal-alimentados e mal-vestidos. Yael descreveu o triste cenário em Nakhl como o "Vale da Morte do Exército egípcio", contando 150 tanques destruídos entre Temed e Nakhl, além de vasto material avariado ou abandonado (canhões, tratores, caminhões etc) e grande quantidade de corpos com fedor nauseabundo cozinhando sob o sol do deserto.  Yael menciona como a cena era depressiva, e como seu colega Dov, outro oficial israelense, contou-lhe que quase chorara pelo destino daqueles soldados egípcios, sob um comando tão incompetente.

"Que destino desgraçado o dêles, tendo de depender de líderes e oficiais miseráveis como aquêles. Em 1948, tiveram os paxás e seus filhos incompetentes por oficiais; em 1956, no Sinai, a gente tinha de desculpá-los até certo ponto - ainda não estavam educados e preparados, a revolução socialista não tivera tempo de acabar com a distância entre oficial e soldado. Mas agora, dezesseis anos depois da revolução, com oficiais treinados na Rússia, com técnicos russos no Egito, onde se encontrava seu espírito de socialismo? Como se explica que tivéssemos só um ou dois oficiais entre os nossos prisioneiros, e tão grande número de soldados? Como se explica que não capturamos nem vemos pelo menos um carro de comando? Onde estavam todos aqueles oficiais sorridentes nas suas reluzentes fardas, com cabelos crespos emplastrados de brilhantina, parecendo tão confiantes quando apareciam no Cairo ou nas páginas dos jornais? Os pobres camponeses foram abandonados à sua sorte, ficaram à mercê das nossas tropas, o inimigo. Como pôde êle, Nasser, que julgávamos um líder honesto de sua nação brincar com a vida do seu povo, blefar, à custa de milhares e milhares de obedientes filhos do Egito? Como teve coragem de brincar de alta política, utilizando-os cinicamente em penhor do seu jôgo? Êle não tinha condições de bancar Napoleão, de fechar o Estreito de Tirã, de nos ameaçar com uma centena de tanques no Sinai. Para quê? Que foi que conseguiu? tinha problemas urgentes que resolver. Não dispunha de meios para matar a fome da população, e gastou milhões em armamentos. Seu povo era analfabeto. Por que cargas d'água foi começar tudo isto, se êle próprio teve de admitir que ainda não se achava preparado?"

- Yael Dayan, Diário de um soldadopg. 135-136, 1967 (trad. 1970).






Prisioneiros egípcios capturados nas cercanias de El-Arish.

Bibliografia recomendada:

Arabs at War:
Military Effectiveness, 1948-1991.
Kenneth M. Pollack.

Leitura recomendada: