quinta-feira, 23 de abril de 2020

Mausers FN e a luta por Israel

As armas produzidas pela Fabrique Nationale e usadas na luta de Israel por um estado independente incluem: (oposto, de cima para baixo): um Mauser pré-guerra convertido em Israel na configuração K98; um Mauser de contrato etíope pré-guerra coronha estilo K98 convertido para 7,62x51mm OTAN em Israel; um Mauser produzido na década de 1950, fornecido a Israel e convertido em 7,62x51mm OTAN; uma Carabina calibrada em .22 Long Rifle de treinamento, estilo Mauser; uma rara pistola High Power do pré-guerra (l.) com mira fixa e armação com fenda, enviada para Tel Aviv em 1938; e uma High Power israelense de apresentação do pós-guerra fornecida em 1954.

Por Anthony Vanderlinden, American Rifleman, 19 de outubro de 2018.

Tradução Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 21 de abril de 2020.

Desde a criação das Nações Unidas, poucas medidas atraíram tanta atenção quanto a Resolução 181 (II). Aparelhos de rádio e televisão em todo o mundo sintonizaram em 29 de novembro de 1947, para a votação para propor um estado judeu independente na Palestina. A polêmica votação foi aprovada com a aprovação de 33 nações, enquanto 13 países votaram contra e 11 se abstiveram ou estavam ausentes.

Um soldado israelense no início dos anos 50 é mostrado segurando um fuzil K98 excedente da era da Segunda Guerra Mundial.

Mesmo antes da aprovação da resolução das Nações Unidas, toda a região da Palestina estava envolvida em uma guerra civil. Essa guerra se transformou na Guerra da Independência de Israel (ou Guerra Árabe-Israelense) depois que Israel declarou independência em 14 de maio de 1948. Jerusalém foi imediatamente sitiada em 15 de maio. A situação rapidamente se tornou desesperadora; a população judaica de 600.000 habitantes estava cercada por países árabes hostis, com uma população de mais de 15 milhões. O novo governo contou com os membros de grupos de independência mais antigos, principalmente a Haganah, "A Defesa", que lutou para proteger os interesses judaicos e pela independência por um período de décadas. Combatentes judeus mal-equipados enfrentavam exércitos bem-equipados do Egito, Iraque e Jordânia*. Os árabes juraram aniquilar os judeus. Foi uma luta pela sobrevivência e uma luta contra um segundo holocausto.

*Nota do Tradutor: Além da Síria, o segundo maior contingente, o Líbano e os voluntários do Exército de Libertação Árabe (Jaysh al-Inqadh al-Arabi), este com 6 mil combatentes e pelo menos 3.500 mobilizados no conflito. Seu quartel-general era sediado em Damasco e contava com voluntários sírios, libaneses, transjordanianos, circassianos e bósnios, além de egípcios da Irmandade Muçulmana.

Três dos países que votaram na resolução da ONU, Estados Unidos, Tchecoslováquia* e Bélgica, tiveram um impacto significativo na sobrevivência do estado judeu de Israel.

*NT: A Tchecoslováquia era apenas um domínio soviético, ocupado e governado pelo exército vermelho soviético, assim como os demais países do que viria a ser o Pacto de Varsóvia. Isso dava a Moscou 4 votos no conselho da ONU. Um outro país que votou na resolução foi justamente o Brasil, com o "Voto de Minerva" de Oswaldo Aranha; o que lhe deu status quase mítico na historiografia israelense.

Mausers israelenses, de cima para baixo:
Este FN Mauser pré-guerra foi convertido em Israel para a configuração K98 e permanece em sua calibragem 7.92x57mm JS original.
Um FN Mauser produzido na década de 1950, esse fuzil foi fornecido a Israel e convertido em calibre 7,62x51mm OTAN. O arsenal refez o acabamento em fosfato verde, suas peças correspondentes incluem o ferrolho original.
Embora em tamanho real, este fuzil de treinamento estilo FN K98 Mauser foi calibrado em .22 Long Rifle. O projeto exclusivo, vendido apenas para Israel, apresentava um ferrolho e rampa de alimentação aprimorados. Os israelenses marcaram suas coronhas com a designação "0,22".
Este FN Mauser, contrato pré-guerra da Lituânia, foi convertido em Israel para o calibre 7,62x51mm OTAN e apresenta armação estilo K98.
Esse FN Mauser do contrato pré-guerra da Etiópia também foi convertido em Israel para o calibre 7,62x51mm OTAN. A armação em estilo K98 e a base da massa de mira são características da raça.

Tchecoslováquia

A legação tcheca na ONU votou no estado judeu apenas alguns meses antes de um golpe comunista transformar a Tchecoslováquia em um estado satélite soviético. A Tchecoslováquia se tornou a engrenagem mais importante da roda para ajudar a armar o povo judeu. Excedentes de armas alemãs e tchecas da Segunda Guerra Mundial foram adquiridos do governo da Tchecoslováquia e enviados para a Palestina. A ajuda da Tchecoslováquia é bem conhecida; além de fornecer armas leves, o país tornou-se um pólo centralizado para todas as formas de ajuda material*. Embora as armas portáteis fossem importantes, os judeus precisavam de blindados e força aérea para combater os exércitos árabes. Os tchecos ajudaram a estabelecer a força aérea israelense vendendo inicialmente aviões de combate alemães excedentes Messerschmitt Bf 109, além de clones tchecos conhecidos como Avia S-199. Mais tarde, as vendas foram expandidas para incluir Spitfires excedentes. Toda essa ajuda representou enormes receitas financeiras para os tchecos. Durante esse período, Joseph Stalin permitiu apoio contínuo após o golpe comunista tcheco, não tanto para apoiar os judeus, mas para a consternação do Império Britânico.

Bélgica

Os belgas também votaram a favor da resolução da ONU depois que o ministro socialista belga das Relações Exteriores, Paul-Henri Spaak, causou polêmica ao chamar um estado judeu de "perigoso". A maioria dos belgas não compartilhava desse ponto de vista. Muitos ficaram preocupados com o destino do povo judeu durante a guerra e com o bloqueio britânico de 1946 contra imigrantes judeus. Os campos de internação britânicos no Chipre e a detenção de sobreviventes do Holocausto foram considerados escandalosos.

Publicamente, alguns políticos belgas apaziguaram seus aliados, incluindo a Grã-Bretanha, a qual favorecia os árabes enquanto defendia o embargo internacional de armas. Privadamente, algumas autoridades belgas fecharam os olhos para o embargo em favor de armar o povo judeu.

Um notório negociante internacional de armas negociou com o governo belga a compra de todas as armas portáteis alemãs de excedente de guerra disponíveis. A extensão do envolvimento do governo no negócio de armas ainda está envolta em segredo, mas as permissões de exportação foram concedidas. Não foi a primeira vez que o governo belga foi contra os desejos da Grã-Bretanha. Na década de 1930, a Fabrique Nationale (FN) havia vendido armas para a Abissínia, enquanto oficiais militares belgas aconselhavam e formavam modernas unidades de combate militar para combater a crescente ameaça da Itália fascista.

O traficante de armas provavelmente vendeu as armas excedentes com enorme lucro. A situação desesperadora dos judeus na Palestina era bem conhecida e os eventos de angariação de fundos foram realizados em todo o mundo. Financiar a compra de armas não era o problema; comprar armas e levá-las para a região era muito mais difícil.

As marcações das caixas da culatra nos Mausers israelenses da FN incluem (esquerda pra direita): Um brasão “FN” pré-guerra; um brasão etíope pré-guerra com a marcação “7,62” adicionada; um brasão lituano pré-guerra com "7,62"; um brasão das FDI dos anos 50 com "7,62"; e o mesmo emblema em um fuzil de treinamento calibrado em .22 Long Rifle.

Os Estados Unidos

O presidente Harry S. Truman era um defensor essencial da resolução da ONU e flexionou a força política para obter apoio internacional. O apoio veio, no entanto, depois que Truman escreveu ao Congresso em 15 de abril de 1947, para restaurar a Lei de Neutralidade. Conseqüentemente, um embargo internacional de armas entrou em vigor em 5 de dezembro de 1947.

Era ilegal para os cidadãos dos Estados Unidos venderem equipamentos para, ou lutarem pelo, Estado de Israel. Os israelenses não tinham pilotos, então o recrutamento de ex-aviadores americanos em segredo era uma alta prioridade. Apesar das restrições e riscos, vários veteranos americanos responderam ao chamado e seguiram para a Tchecoslováquia para fazerem missões de combate para Israel. Grupos clandestinos nos EUA estavam concentrados na aquisição de aviões excedentes da Segunda Guerra Mundial. Uma companhia aérea panamenha falsa foi criada para enganar o governo dos EUA sobre o verdadeiro objetivo dessas aquisições. Alguns C-46s Curtiss e algumas Lockheed Constellations militares foram comprados e transportados para o Panamá antes de seguir para Israel (via Brasil, Marrocos, Itália e Tchecoslováquia). Veteranos americanos voaram e lutaram por Israel correndo grande perigo, o Departamento de Estado dos EUA havia alertado que esses homens perderiam sua cidadania se fossem pegos violando a Lei de Neutralidade. Isso foi de pouca preocupação para aqueles em combate - com alguns pagando o preço derradeiro. Outros permaneceram em Israel após a guerra para ajudar a construir o país, especialmente a Força Aérea de Israel e a companhia aérea El Al.

As Armas de Israel

A Guerra da Independência de Israel foi, ironicamente, travada com grandes quantidades de armas fabricadas pela Alemanha nazista. As armas de pequeno porte incluíam milhares de fuzis Mauser K98, pistolas Luger, pistolas P38, pistolas FN-Browning pré-guerra e de tempo de guerra, pistolas Radom VIS, metralhadoras MG 34, e armas tchecas excedentes, incluindo pistolas CZ e metralhadoras, entre outras. Também foram usadas grandes quantidades de armas britânicas, especificamente fuzis Enfield (capturados), metralhadoras leves Bren, submetralhadoras Sten e revólveres Webley. A simplicidade da Sten tornou-a uma candidata perfeita para a fabricação doméstica; cópias já estavam sendo fabricadas na Palestina antes da Guerra de Independência. Armas americanas excedentes, como a submetralhadora Thompson, a carabina M1 e o M1 Garand, também foram usados extensivamente.Todas as armas eram vitais, por mais desafiadora que fosse a logística. Apesar da origem e conotação, as marcações alemãs em tempos de guerra raramente eram desfiguradas pelos arsenais. Os pilotos americanos receberam trajes de vôo alemães do tempo da guerra e foram convidados a lutar em aviões alemães. Sinais da Alemanha nazista estavam presentes em grande parte do equipamento.

As forças judaicas rapidamente se concentraram no K98 como seu principal fuzil de batalha, o que poderia ter sido previsto pelas grandes quantidades de fuzis excedentes obtidos na Tchecoslováquia e na Bélgica ou pelas grandes quantidades de munição 7,92x57mm disponível. Ao contrário das armas britânicas, os israelenses podiam adquirir novos fuzis K98 e munição do governo da Checoslováquia, que continuava produzindo o modelo após a guerra.

O golpe comunista em fevereiro de 1948 na Tchecoslováquia pode ter sido um fator contribuinte do motivo pelo qual a Fabrique Nationale foi contratada para fabricar uma versão do K98 para Israel. Naquela época, Joseph Stalin estava no controle das nações por trás da Cortina de Ferro, e seu apoio a Israel era pouco confiável e contraditório na melhor das hipóteses.

Enquanto os detalhes das compras belgas permanecem envoltos em mistério, o Estado de Israel começou a comprar fuzis da FN depois de declarar independência. Embora a FN tenha fabricado algumas peças do K98 durante a ocupação alemã, nunca havia construído fuzis K98 completos. Os fuzis foram marcados com o emblema das Forças de Defesa de Israel (FDI), que na verdade era o antigo logotipo da Haganah - uma espada e um ramo de oliveiras. Todos os fuzis receberam acabamento em azul ferrugem padrão da FN e foram calibrados em 7,92x57mm. Não havia fuzis calibrados em 7,62x51mm OTAN, como é frequentemente descrito. Os fuzis do contrato inicial convenientemente não possuem marcações do código do ano de produção. Essa primeira encomenda marcou o início de mais de 40 anos de cooperação entre a FN e o Estado de Israel.

O Estado de Israel comprou milhares de fuzis do tipo FN K98, incluindo 1.800 fuzis de treinamento em .22 Long Rifle, até cerca de 1956. Além disso, granadas de fuzil e lançadores Energa, pistolas FN Browning High Power e metralhadoras FN BAR também foram adquiridas. Israel carecia de veículos blindados, e a granada Energa era essencial para combater os veículos blindados dos exércitos árabes hostis.

Os fuzis de treinamento calibrados em .22 Long Rifle, se desviaram dos fuzis de treinamento padrão da FN. Os israelenses não apenas exigiram que se parecesse com o K98, mas também solicitaram uma rampa de alimentação modificada e um ferrolho melhorado. Os arsenais israelenses revisaram os fuzis de treinamento em 1958 e modificaram muitos fuzis de treinamento alemães que haviam adquirido no momento da independência. Muitos desses fuzis foram modificados para a configuração padrão do estilo K98. Os fuzis de treinamento da FN foram inspecionados, reparados caso necessário, e marcações "0,22" foram adicionadas à coronha para distingui-las dos fuzis em 7,62mm. A marcação "0,22" não faz sentido, pois não é o equivalente métrico (5,6mm) do calibre .22. Os fuzis de treinamento da FN geralmente não recebiam novo acabamento, e a maioria é encontrada hoje em acabamento azul original.

As características de fabricação da Fabrique Nationale que distinguem os fuzis fabricados pela FN dos K98 alemães incluem (de esquerda pra direita): Uma alça de ferrolho inclinada com raio diferente e marcas de verificação de Liège; um anel de bandoleira tipo FN; e uma base de massa de mira simplificada.

A nação de Israel era pequena, com recursos limitados, então nada foi desperdiçado. Ao longo dos anos, Israel havia adquirido uma variedade de fuzis pré-guerra de várias fontes, todos esses fuzis foram deslocados durante a Segunda Guerra Mundial e já foram alguma vez de uso padrão tcheco, lituano ou etíope, entre outros. Esses fuzis pré-guerra foram desmontados e as ações de cano foram usadas para convertê-los em fuzis estilo K98. As marcações do contrato original não foram removidas das caixas da culatra. A grande variedade de configurações os torna fascinantes itens de colecionador, e embora a maioria tenha sido convertida para 7,62mm, alguns sobrevivem em seus calibres originais de 7,92mm com armação de estilo K98 israelense.

Uma soleira em forma de concha é consistente em todos os FN Mauser do contrato israelense.

Em 1955, Israel adotou oficialmente o FN FAL e o FALO [FAP], seguido pela metralhadora FN MAG-58. Note-se que o FAL foi gradualmente transferido em serviço, não substituindo imediatamente os fuzis Mauser. Quando as FDI adotaram o FAL, elas haviam iniciado programas para padronizar o cartucho 7,62x51mm OTAN. Em 1957, os arsenais israelenses estavam ocupados convertendo milhares de fuzis Mauser para 7,62x51mm OTAN, o FN BAR também foi convertido para 7,62x51 mm OTAN. O inovador sistema de conversão da Fabrique Nationale trabalhou com carregadores FAL padrão, e a versão de 7,62mm ficou conhecida como FN BAR DA1. A Fabrique Nationale forneceu milhares de canos inacabados da Mauser. Eles não foram testados em Liège, pois não estavam em um estado acabado: ajuste, acabamento e montagem foram todos feitos em Israel.

Os fuzis foram modernizados com os novos canos 7,62x51mm OTAN, as coronhas e as caixas da culatra foram marcadas com "7,62" para identificação rápida. Todas as peças receberam novo acabamento com um tratamento de fosfato verde. Pouca atenção foi dada à correspondência de números de peças, o que torna os fuzis "com correspondência total" extremamente raros atualmente. O programa de reforma incluiu quase todos os fuzis Mauser, incluindo fuzis K98 do tempo de guerra, fuzis K98 pós-guerra, bem como fuzis FN e VZ pré-guerra.

Os fuzis Mauser de 7,62mm foram colocados em serviço e permaneceram em serviço por décadas. Mesmo durante a Guerra dos Seis Dias (1967), os fuzis Mauser e outros fuzis excedentes ainda foram usados em combate com fuzis FAL e submetralhadoras Uzi. Durante toda a sua existência, o Estado de Israel permaneceu em um alto nível de alerta. Cidadãos comuns, de funcionários de escritórios a professores, estavam armados. Os fuzis FN Mauser continuaram a ter um papel importante como arma secundária. Somente após décadas de serviço os fuzis sobreviventes foram vendidos em todo o mundo como itens de colecionador.

Setenta anos atrás, após as atrocidades do Holocausto, homens e mulheres de todo o mundo tomaram a iniciativa de ir à Palestina e lutar por um Estado judeu independente. Sua bravura e determinação sobrevivem nas ferramentas que eles usaram: aqueles Mausers que agora estimamos como colecionáveis.

O hasteamento da bandeira em Umm Rash-rash marcou o fim da Guerra de Independência. Observe que um soldado está armado com uma carabina M1 americana.

Referências
  • Above and Beyond,” filme documentário de 2014 por Roberta Grossman.
  • The Uzi Submachine Gun, por David Gaboury.
  • FN Mauser Rifles: Arming Belgium and the World, por Anthony Vanderlinden.
FN Mauser Rifles: Arming Belgium and the World

Dedicado à história, modelos, variações, contratos e acessórios de fuzis e carabinas Mauser construídos pela Fabrique Nationale e arsenais belgas, FN Mauser Rifles: Arming Belgium and the World, de Anthony Vanderlinden, é o resultado de mais de sete anos de pesquisa. Foi possível graças à cooperação da Fabrique Nationale, da Fundação Ars Mechanica, museus e colecionadores particulares.


Este livro de capa dura de 8¾ "x11½" possui 428 pg. e cobre a linha clássica de fuzis e carabinas militares Mauser da FN, incluindo contratos para o modelo 1889, o Mauser espanhol (1893), modelo 1922, modelo 1924, modelo 1930 e variantes, bem como modelos do arsenal belga, fuzis de treinamento e até baionetas. Fuzis esportivos, incluindo o Deluxe e Supreme, estão incluídos com atenção especial àqueles importadas nos Estados Unidos. O livro tem mais de 1.250 imagens, incluindo fotografias de época nunca publicadas anteriormente.

Leitura recomendada:




Fuzis de treinamento FAL do Brasil5 de janeiro de 2020.

quarta-feira, 22 de abril de 2020

GALERIA: O FAMAS em Vanuatu

Membros da Força Móvel de Vanuatu desfilando diante do palanque nas comemorações do 35º aniversário da independência de Vanuatu, 30 de julho de 2015.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 22 de abril de 2020.

Organização Paramilitar

Existem duas forças de segurança em Vanuatu, a Força Policial de Vanuatu (Vanuatu Police ForceVPF; também  chamada Ni-Vanuatu Police) e a ala paramilitar, a Força Móvel de Vanuatu (Vanuatu Mobile ForceVMF), que também conta com a Ala Marítima da Força Policial de Vanuatu.

Recrutas da VMF durante acampamento básico em Siviri, norte de Efate, em 22 de julho de 2019.

A Força Móvel de Vanuatu (VMF) é um pequeno corpo móvel de 300 voluntários que compõe as forças armadas de fato de Vanuatu, tendo sido criada no ato de independência em 30 de julho de 1980. Sua principal tarefa é apoiar a Força Policial de Vanuatu, mas em caso de ataque, a VMF atuará como a primeira linha de defesa do pequeno país; seu comandante desde 2015 é o Coronel Robson Iavro.

A VMF foi treinada, no ato da sua criação, pela Força de Defesa da Papua Nova Guiné (Papua New Guinea Defence Force, PNGDF), treinamento este pago pelas forças armadas australianas. Inicialmente armada com o fuzil SLR 1A1 australiano, a versão imperial do venerável FAL, a VMF o substituiu pelo FAMAS F1 em 2009.

Desfile da tropa com FAMAS numa avenida


Uniforme azul da VPF, adotado em 30 de julho de 1983.

Uniformes verdes da VMF.

Ao todo, contando com 547 policiais organizados em dois comandos principais: um em Port Vila e outro em Luganville. Além desses dois postos de comando, há quatro delegacias secundárias e oito postos policiais. Isso significa que existem muitas ilhas sem presença policial e muitas partes das ilhas onde chegar a um posto policial pode levar vários dias.

Força Naval 

Marinheiros da Ala Marítima com uniforme branco.

Olhar à direita!

A Ala Marítima da Força Policial de Vanuatu (Vanuatu Police Force Maritime Wing) foi fundada em 15 de agosto de 1985, operando um navio patrulha classe Pacífico RVS Tukoro, providenciado pela Austrália. Em fevereiro e março de 2017, o Tukoro participou de uma operação conjunta de proteção da pesca com seu navio irmão das Ilhas Salomão, RSIPV Lata. RVS Turoroa foi entregue pela Austrália. Em setembro de 2017, Tukoro ajudou a prestar socorro aos evacuados após a erupção do vulcão Ambae. A Austrália pretende fornecer um navio classe Guardian para Vanuatu em 2021.

Visão das três unidades.

O Desfile da Independência de Vanuatu


O FAMAS é uma visão comum nos desfiles da independência de Vanuatu, que ocorrem no dia 30 de julho. Habitada por autóctones melanésios e governado por franceses e britânicos, as línguas oficiais da República de Vanuatu são bislamá, francês e inglês; mas ainda há chinês hakka, chinês mandarim e mais 113 línguas indígenas do sul da Oceania, fazendo com que Vanuatu tenha a maior densidade lingüística do mundo. Essa mistura denota o longo caminho da formação autóctone, da colonização européia até a independência de 30 de julho de 1980, que é celebrada com o desfile atualmente ostentando o distinto FAMAS F1.  

O arquipélago de Vanuatu foi descoberto pelo navegador português à serviço da coroa espanhola, Pedro Fernandes de Queirós, em 1606. Acreditando ter atingido a Austrália (Terra Australis), ele batizou o novo conjunto de ilhas como La Austrialia del Espíritu Santo (A Terra Sul do Espírito Santo), batizando a ilha maior como Espírito Santo. O pequeno enclave espanhol não prosperou e os europeus não voltaram a Vanuatu até 1768, quando Louis Antoine de Bougainville redescobriu as ilhas em 22 de maio. 

Desfile da Independência de Vanuatu em 30 de julho de 2013.

Na década de 1880, a França e o Reino Unido reivindicaram partes do arquipélago e, em 1906, concordaram em uma estrutura para o gerenciamento conjunto do arquipélago como as Novas Hébridas, por meio de um condomínio anglo-francês. Os melanésios foram impedidos de adquirir a cidadania de qualquer das duas potências e eram oficialmente apátridas.

Inicialmente, os súditos britânicos da Austrália constituíam a maioria da população do arquipélago, mas o estabelecimento da Companhia Caledoniana das Novas Hébridas (Compagnie Calédonienne des Nouvelles-Hébrides) em 1882 logo inclinou a balança a favor dos súditos franceses. Por volta do início do século XX, os franceses superavam os britânicos em dois pra um. Na década de 1920, trabalhadores contratados anamitas da Indochina Francesa começaram a trabalhar nas plantações nas Novas Hébridas.


Os desafios para o governo do condomínio começaram no início dos anos 40. A chegada dos americanos durante a Segunda Guerra Mundial, com seus hábitos informais e riqueza relativa, contribuiu para a ascensão do nacionalismo nas ilhas. A crença em uma figura messiânica mítica chamada John Frum foi a base para um culto à carga indígena prometendo a libertação melanésia.

Culto à carga é um movimento religioso descrito pela primeira vez na Melanésia, que engloba uma série de práticas que ocorrem após o contato de sociedades simples com civilizações tecnologicamente mais avançadas. O nome deriva da crença que começou entre os melanésios no final do século XIX e início do século XX de que vários atos ritualísticos, como a construção de uma pista de pouso, resultariam no aparecimento de riqueza material, particularmente nas tão desejadas mercadorias ocidentais (ou seja, a "carga"), que eram enviadas através de aviões. Hoje, John Frum é uma religião e um partido político com um membro no Parlamento de Vanuatu.


Em 1980, a França e o Reino Unido concordaram que as Novas Hébridas teriam independência em 30 de julho de 1980. A partir de junho de 1980, Jimmy Stevens, chefe do movimento Nagriamel, liderou uma revolta contra as autoridades coloniais e os planos de independência, iniciando a curta Guerra do Côco (Junho-Agosto de 1980). A revolta durou cerca de 12 semanas. Os rebeldes bloquearam o Aeroporto Internacional de Santo-Pekoa, destruíram duas pontes e declararam a independência da ilha de Espírito Santo como o "Estado de Vemerana". Stevens foi apoiado por proprietários de terras de língua francesa e pela Phoenix Foundation, uma fundação comercial americana que apoiou o estabelecimento de um paraíso fiscal libertário nas Novas Hébridas.

Em 8 de junho de 1980, o governo das Novas Hébridas pediu à Grã-Bretanha e à França que enviassem tropas para reprimir a rebelião na ilha de Espírito Santo. A França se recusou a permitir que o Reino Unido empregasse tropas para neutralizar a crise, e os soldados franceses estacionados no Espírito Santo não tomaram nenhuma atitude. Como o dia da independência se aproximava, o primeiro-ministro eleito, Walter Lini, pediu à Papua-Nova Guiné que enviasse tropas para intervir. Quando os soldados de Papua Nova Guiné começaram a chegar ao Espírito Santo, a imprensa estrangeira começou a se referir aos eventos em andamento como a "Guerra do Côco".


A "guerra" foi breve: Os moradores do Espírito Santo geralmente acolheram os papua-nova guineenses como companheiros melanésios, e os rebeldes Nagriamel de Stevens dispunham apenas de armas da Idade da Pedra: arcos e flechas, pedras e fundas.

Houve poucas baixas e a guerra terminou repentinamente quando um veículo que transportava o filho de Stevens atravessou um bloqueio das tropas da Papua Nova Guiné no final de agosto de 1980, e os soldados abriram fogo contra o veículo, matando o filho de Stevens. Pouco tempo depois, Jimmy Stevens se rendeu, afirmando que nunca pretendera que alguém fosse ferido.

No julgamento de Stevens, foi revelado o apoio da Fundação Phoenix ao movimento Nagriamel. Também foi revelado que o governo francês havia apoiado secretamente Stevens em seus esforços; a nova República de Vanuatu foi impedida de entrar na Nova Caledônia e o embaixador francês foi "convidado" a se retirar de Vanuatu. O pobre Stevens foi condenado a 14 anos de prisão e permaneceu preso até 1991.



Visita da Alta Comissária Britânica em Vanuatu

Pela primeira vez uma guarda-de-honra da Força Móvel de Vanuatu, composta e comandada inteiramente por mulheres, foi inspecionada pela então recém nomeada Alta Comissária Britânica em Vanuatu, HE Karen Bell, em 23 de julho de 2019.

Karen Bell foi o primeiro Alto Comissário Britânico em Vanuatu em 15 anos.






Treinamento e operações

"Proteja o nosso Estado."
O lema da Companhia de Infantaria da Força Móvel de Vanuatu colocado entre dois fuzis FAMAS na sua insígnia.

Não há despesas puramente militares em Vanuatu, com a VMF atuando em ações de policiamento. Em 1994, a VMF enviou 50 homens para Bougainville, na Papua Nova Guiné, como sua primeira missão de manutenção da paz. 

Durante os anos 90, Vanuatu experimentou um período de instabilidade política que levou a um governo mais descentralizado. A Força Móvel de Vanuatu tentou um golpe militar em 1996 por causa de uma disputa salarial.

A VMF também participou da Missão de Assistência Regional às Ilhas Salomão (Regional Assistance Mission to Solomon Islands, RAMSI) de 2003 a 2017, como parte da Força Policial Participante (Participating Police Force, PPF).

Exercício de tiro da VMF em 30 de novembro de 2019.

FAMAS disparado "na canhota".

Representantes de Vanuatu estiveram presentes no Champs Elysées, em Paris, para o desfile anual do Dia da Bastilha em 14 de julho de 2014. Este ano comemorou os 100 anos do início da Primeira Guerra Mundial. Três soldados da VMF desfilaram seguindo a bandeira de Vanuatu entre representantes dos 80 países que participaram da guerra de alguma forma.

A VMF enviou 15 soldados para a Costa do Marfim em 2015, em apoio à missão francesa. As forças de segurança de Vanuatu também participam do exercício bi-anual Croix du Sud.

O FAMAS é adaptável para atiradores destros e canhotos.

Duas soldados da VMF durante exercícios de campo.

Exercício Croix du Sud

Soldados da Força Móvel de Vanuatu durante o exercício Croix du Sud, em 2018.

Croix du Sud é o termo francês para Cruzeiro do Sul, e ele é o maior exercício de assistência humanitária e treinamento em socorro a desastres do Pacífico Sul. A França hospeda e organiza os exercícios através de suas Forças Armadas da Nova Caledônia (Forces armées de Nouvelle-Calédonie), baseadas em Nouméa.


O exercício reúne países de todo o Pacífico, incluindo as forças armadas dos EUA, Grã-Bretanha e Austrália. Seu objetivo visa melhorar as habilidades de planejamento, gerenciamento e preparação das forças militares. São duas semanas de treinamento, com a primeira semana contendo exercícios de preparação, com treinamentos de familiarização ao uso de recursos e equipamentos, com o exercício real ocorrendo na segunda semana.

Em anos alternados, o conceito para o próximo Croix du Sud é desenvolvido por meio de um exercício teórico chamado Equateur (Equador). Um cenário típico seria um desastre de ciclone de categoria quatro, resultando em falta de saneamento, fome, doença e um surto de saques e estupros que visam estrangeiros. Outros cenários incluem extremistas que interrompem o controle do governo e incitam tumultos.

Pelotão da VMF do 2º Ten. Johnny Kakor com militares franceses no exercício Croix du Sud 2016.

A VMF foi particularmente bem no Croix du Sud 2016, com o 2º Tenente Johnny Kakor, comandando um pelotão de 30 homens da Força Móvel e da Ala Marítima, comentando que na segunda semana, o pelotão passou por uma série de exercícios de rebelião e obstáculo que ocorreram em terra e no mar, e estabeleceram um tempo recorde de 1 hora e 24 minutos, atrás do tempo de 1 hora e 15 minutos do Reino Unido.

"Tivemos 12km de marcha, que os rapazes concluíram quando se adaptaram bem ao clima e depois tivemos o tiro ao alvo e o ataque", disse ele. “No tiro ao alvo de 100-450 metros (alvo dos atiradores de elite), nosso primeiro grupo derrubou todos os alvos; portanto, tivemos que esperar que os próximos alvos fossem colocados pela segunda vez e nosso último grupo atirou em todos eles, o comandante da companhia que cuidava nos avaliava disse que dos 12 países, Vanuatu foi o melhor [no tiro].”


O Tenente-Coronel Terry Tulang, então comandante da VMF, congratulou as tropas: “Estou muito satisfeito com o desempenho geral do pelotão, eles tiveram um desempenho excelente e lideraram o tiro de fuzil, e sei que os rapazes aprenderam novas habilidades para melhorar e fornecer melhor segurança ao nosso país. Estamos ansiosos por outro Croix du Sud em 2018 ”.

O Coronel Tulang também confirmou que o treinamento foi financiado pelo governo da França, com os custos de viagem e acomodação cobertos pelo país anfitrião, com material de comunicações sendo pego emprestado dos países amigos.

Guardas-bandeiras na abertura do exercício Croix du Sud, em 25 de maio de 2018. A bandeira da República de Vanuatu pode ser vista ao fundo.

Dependência da Austrália

Visita do Secretário do Departamento de Defesa australiano Greg Moriarty ao quartel de Cook (Cook Barracks), 8 de maio de 2019.

A Força Policial de Vanuatu (VPF) e a Força Móvel de Vanuatu (VMF) continuam a operar uma única entidade unificada, que o governo australiano continua a apoiar. Um dos principais objetivos do Programa de Cooperação em Defesa da Austrália (Australia's Defence Cooperation Program, DCP). A principal atividade de envolvimento da Austrália com a VMF é o Exercício Aliança com Vanuato (Exercise Vanuatu Alliance), que fornece treinamento na condução de patrulhas policiais conjuntas e no aprimoramento da capacidade da VMF de responder a contingências humanitárias e de desastre.

Desmontagem e limpeza do FAMAS durante a visita.


Uma equipe de treinamento australiana do 51º Batalhão, o Regimento de Far North Queensland (51st Battalion, Far North Queensland Regiment51 FNQR) viaja anualmente para Vanuatu para treinar pessoal selecionado da VMF no planejamento e execução de operações da área remota como parte do Exercício Aliança com Vanuato. Como parte do DCP, o 51 FNQR viaja para Vanuatu para treinar a VMF todos os anos desde 1998.

Recrutas da VMF em tiro de assimilação com o FM australiano SLR L2A1, com o carregador de 30 tiros.

Atualmente, Vanuatu recebe o auxílio de outras potências regionais, especialmente de um novo entrante: a China.

Shen Hao, comandante do navio hospital chinês "Arca da Paz", passa em revista à guarda de honra da Força Móvel de Vanuatu, armada de FAMAS, depois que o navio chegou a Port Vila, Vanuatu, em 31 de agosto de 2014.

Leitura recomendada:

O FAMAS no mercado de exportação, 4 de novembro de 2019.

FOTO: Os amotinados e o mistério do FAMAS na Papua Nova Guiné, 23 de abril de 2020.


GALERIA: Exercício "Shamrakh 1", 12 de março de 2020.

terça-feira, 21 de abril de 2020

FOTO: Soldados caribenhos

Soldado jamaicano (esquerda) armado com um FAL australiano L1A1 e um soldado do Royal Bermuda Regiment com um Ruger Mini-14, durante um exercício conjunto na Jamaica.

Um membro da Força de Defesa Jamaicana (Jamaican Defense Forcedesignado para escoltar um pelotão do Regimento Real das Bermudas (Royal Bermuda Regiment, RBR), treinando nas Montanhas Azuis da Jamaica em 1996. Cada pelotão do Regimento das Bermudas foi designado um soldado jamaicano para agir em seu nome em caso de qualquer dificuldade com civis jamaicanos. Soldados das Bermudas não têm autoridade na Jamaica, mas soldados jamaicanos possuem determinados poderes de polícia.

Leitura recomendada:


Garands a Serviço do Rei18 de abril de 2020.