O autor, Ronaldo Olive. |
Por Ronaldo Olive, The Firearm Blog, 28 de março de 2017.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de dezembro de 2019.
A idéia está longe de ser nova: ter uma pistola de menor calibre para substituir a pistola real para treinamento inicial, de modo que você possa obter reduções substanciais de custos no processo. Simples assim. A fórmula alcançou graus variados de sucesso (ou falta dele) em diferentes países ao longo dos anos e também foi experimentada - ainda que brevemente - no Brasil há trinta anos ou mais.
O Rossi EB-79/FAC
O fuzil de ar comprimido Rossi EB-79/FAC de calibre 4,5mm (.177) foi projetado para se parecer com e manusear como um FAL 7,62x51mm. |
O uso de um fuzil de ar comprimido para o treinamento inicial de recrutas parecia atraente o suficiente para um país com orçamentos de defesa muito limitados, pois permitiria o uso de estandes de tiro interno com total segurança e evitaria viagens de tropas que consumiam tempo e combustível para estandes distantes. No Brasil, algumas unidades do Exército já estavam experimentando, no início dos anos 70 - puramente em uma base individual - com fuzis de ar comprimido comerciais padrão para ensinar aos novos recrutas procedimentos básicos de mira e tiro. A idéia então se tornou um interesse oficial, e o DMB - Departamento de Material Bélico - emitiu especificações em 1979 para uma arma de uso padrão desse tipo.
O resultado foi o EB-79/FAC (Fuzil de Ar Comprimido), que foi exaustivamente testado em 1981, entrou em serviço no ano seguinte e foi produzido por algum tempo pela Amadeo Rossi S/A Metalúrgica e Munições em São Leopoldo, RS. Calibrada para pelotas de 4,5mm (.177) e usando uma armação de polímero, foi feito para se parecer com e manusear como um FAL 7,62x51mm, o fuzil padrão do Exército Brasileiro. Ele ainda possuía um carregador fixo, alça de transporte e quebra-chama falso similar. O comprimento total (1100mm) e o peso (4,6kg) eram praticamente os mesmos do fuzil real. Eles estavam em uso limitado por alguns anos, principalmente com os chamados "Tiros de Guerra", unidades de treinamento de recrutamento de meio período em cidades menores, sem unidades maiores do Exército disponíveis.
Curiosamente (mas esperado em um local com tantas restrições de armas de fogo como o Brasil), as vendas deste fuzil de ar no mercado comercial foram proibidas, pois foram classificadas como “ítens de uso militar”!
O IMBEL “Falbina”
Sendo uma fabricante de fuzis FAL estabelecida há muito tempo, a Fábrica de Itajubá da IMBEL não encontrou problemas em lançar uma versão de treinamento dedicada, no calibre .22LR. |
Como fabricante licenciada de fuzis FAL de longa data, a IMBEL - Indústria de Material Bélico do Brasil - decidiu fazer uma versão de treinamento .22LR dessa arma no início dos anos 80, sendo o trabalho de responsabilidade de sua Fábrica de Itajubá, no estado de Minas Gerais. Em vez de oferecer um kit de conversão para o fuzil M964 padrão, a designação local do FAL, a empresa optou por fabricar o fuzil no calibre menor. Operando, é claro, por ação convencional de recuo por gases, um carregador de 20 tiros que se encaixa para cima em um falso carregador de FAL não-removível. As alças de manejo eram tanto do tipo maçaneta (lado direito, atrás da janela de ejeção) ou da variante dobrável (lado esquerdo). Também foram encontradas variações no registro de segurança, na frente do guarda-mato (estilo Garand, bloqueando o gatilho quando puxado para trás) ou duplicada daquela da arma original, ou seja, no lado esquerdo, logo acima do gatilho.
Uma característica particularmente incomum era um registro de segurança adicional no lado esquerdo da culatra, destinado a ser usado pelo instrutor: uma das posições travava o mecanismo de disparo após cada tiro, o fuzil disparava novamente somente depois que o instrutor ajustasse a alavanca de acordo, enquanto uma posição alternativa permitia o fogo semi-automático normal. Nenhum modo totalmente automático, presente nos FALs do Exército Brasileiro, estava disponível.
O fuzil de treinamento IMBEL desmontado em primeiro escalão. Observe o ferrolho pequeno e a mola recuperadora para sua operação de recuo por gases, bem como o compartimento do carregador .22LR vindo da culatra. |
Alguns protótipos com pequenas variações (formato da alavanca de manejo, segurança aplicada) foram concluídos e avaliados por unidades do Exército para possível adoção, mas o programa não avançou muito. Felizmente, o autor teve a sorte de ter tido chances de disparar o não-oficialmente chamado “Falbina” (uma mistura de FAL e Carabina) na fábrica em 1982 e 1983.
O carregador de 20 tiros em .22LR sendo inserido no falso carregador de FAL fixo. Um exame mais detalhado da foto mostrará que este exemplo do fuzil de treinamento IMBEL, como aquele da imagem anterior, não está equipado com o retém de segurança do gatilho no estilo Garand, e que a alavanca de manejo no lado esquerdo da culatra (lado direito, no fuzil original) é do tipo dobrável. |
Autor se divertindo com um “Falbina” na Fábrica de Itajubá no início dos anos 80. |
O kit de conversão de percussão lateral da Brasarms
Componentes do kit (de cima para baixo): cano, esqueleto do conjunto do ferrolho, retém de segurança do gatilho e dois carregadores. |
A mesma idéia de usar uma arma calibrada em .22LR, para dar aos recrutas instruções iniciais sobre os procedimentos de manuseio e disparo do FAL, surgiu novamente no Brasil em 1985-86, quando uma empresa do Rio de Janeiro, Brasarms Indústria e Comércio Ltda, criou um kit de conversão inteligente para fazer isso. A engenhoca foi criada por Olympio Vieira de Mello Filho, pai da submetralhadora Uru de 9x19mm (pretendo postar um artigo sobre essa controversa SMG em um futuro próximo). Após sua submissão aos testes oficiais de certificação do Exército Brasileiro no Campo de Provas da Marambaia, que incluiu um bem-sucedido programa de testes de precisão, confiabilidade e resistência de 5.000 cartuchos, eu também pude colocar minhas mãos nela para um teste pessoal avaliação.
A vista superior da estrutura leve do ferrolho mostra o percussor com sua mola, bem como a estrutura de suporte da mola recuperadora/haste guia na retaguarda. O mecanismo de segurança do retém do gatilho foi liberado por um golpe do seccionador (embaixo) preso ao ferrolho enquanto se movia para a frente, liberando o cão para disparar. Imagem inferior: a face do ferrolho. |
O kit Brasarms consistia em um cano (540 mm de comprimento, 6 raias, torção de RH), conjunto do ferrolho e dois carregadores. A montagem era notavelmente direta, não demorando a alguém (inclusive eu) muito mais que um minuto, depois de algumas tentativas orientadas. Abra o FAL girando a alavanca de desmonte no sentido anti-horário e girando a coronha para baixo. Remova a tampa da culatra, retirando subsequentemente todo o conjunto do ferrolho e de operação de gás (ferrolho, conjunto do ferrolho, mola recuperadora e sua haste guia). Insira o cano reduzido no fuzil até o final, o qual foi recomendado ter sido levemente lubrificado antes. Conecte o seccionador de segurança à unidade do ferrolho e deslize esse conjunto na caixa da culatra. Coloque a tampa da culatra de volta na arma e feche o fuzil novamente.
Instalação do kit em um FAL de coronha fixa: (1) cano de .22LR pronto para ser inserido no cano de 7,62x51mm; (2) insira até o fundo do cano do FAL; (3) o retém de segurança do gatilho (em cima) está preso ao lado esquerdo do esqueleto do ferrolho; (4) conjunto do ferrolho com o seccionador no lugar; (5) conjunto do ferrolho sendo inserido na extremidade traseira da culatra; (6) conjunto do ferrolho no lugar dentro da culatra; (7) a tampa da culatra deslizada de volta na arma, a qual pode ser fechada novamente. |
Em vez de usar um suplemento para o carregador padrão do FAL, o kit brasileiro foi fornecido com duas unidades modificadas de fábrica. Uma réplica exata do carregador original, a unidade de treinamento também duplicou a capacidade de 20 tiros e foi adequadamente equilibrada para dar o mesmo peso carregada com munição .22LR como se tivesse um número igual de munição 7,62x51mm: 750 gramas. O preenchimento manual dos carregadores monofilares ficou um pouco difícil (pelo menos nos exemplos em mãos) após o 15º cartucho mais ou menos. O ejetor era integral ao carregador.
Essa vista do carregador do kit mostra claramente um pequeno cartucho .22LR no lábio de alimentação. A capacidade de vinte tiros duplicou àquela do original de 7.62x51mm. |
Com o kit totalmente instalado, o fuzil obviamente foi operado por recuo de gases. Para compensar as diferentes características balísticas das munições, a alça de mira do FAL deve ser ajustada na faixa de 400 a 600 metros no modelo de deslizamento padrão ou a 250 metros na mira de abertura do Para-FAL, onde a precisão pode ser dominada com um grau de precisão excelente. Usando alvos de escala reduzida bullseye (1/5 ou 1/10) ou alvos táticos, engajamentos de longo alcance podem ser efetivamente simulados a distâncias tão curtas quanto, digamos, 10 ou 20 metros, para que instalações de treinamento em ambiente interno pudessem ser fácil e economicamente configuradas.
Como era de se esperar, um fuzil de 5kg disparando minúsculos cartuchos .22LR permaneceu firme durante todo o tempo. Sem coices no ombro e explosão da boca, você pode se concentrar em... apenas atingir alvos. Nós (eu e meu filho/fotógrafo Alexander) atiramos principalmente nos alvos táticos reduzidos de 1/10, o que correspondeu aproximadamente a disparos contra alvos do tamanho de homens a 100-200 metros. A precisão era excelente e, além de um ou outro voador, os acertos na zona de matança eram a regra para disparos do ombro. Com o fuzil levemente apoiado, nós poderíamos até “brincar de sniper” e começar a acertar “apenas cabeças”. Considerando que as miras de ferro de combate do FAL não são boas para disparos de precisão, os resultados foram mais do que satisfatórios.
Os fuzis convertidos também dispararam muito bem em cadências taxas de tiro automáticas cíclicas na faixa de 700 tiros por minuto. Como a falta de recuo e subida da boca não era representativa da realidade do FAL em 7,62x51mm, a prática do rock and roll não deve ser considerada realmente instrutiva, mas nos divertiu muito!
Alexander Olive disparando um Para-FAL convertido em fogo automático da cintura e (foto inferior) o pai fazendo o mesmo, com a coronha dobrada. O fuzil de grande calibre seria totalmente incontrolável neste caso. |
E havia uma diferença de funcionamento específica entre os fuzis originais e os modificados: o ferrolho do .22LR permaneceu fechado após o último cartucho ser disparado, enquanto no FAL de 7,62x51mm há um pino (montado na caixa da culatra à direita do ejetor) para segurar o ferrolho na posição à retaguarda quando o carregador estiver vazio. Duplicar os diferentes componentes do carregador responsáveis por isso mostrou-se desnecessariamente complicado, então a empresa Brasarms abandonou o recurso. Infelizmente, o interesse local e estrangeiro em um FAL convertido em percussão lateral não foi tão grande quanto o esperado. Então...
Bibliografia recomendada:
Leitura recomendada:
FN FAL: “O Braço Direito do Mundo Livre”, 14 de janeiro de 2020.
A arma excepcional da ação: O FAL em Long Tan no Vietnã, 12 de novembro de 2020.
Quando o suprimento padrão não era suficiente: a variante australiana "Bitch" do SLR, 16 de abril de 2020.
T48: O FAL Americano, 3 de julho de 2020.
Um breve comentário sobre o FN FAL, 21 de fevereiro de 2020.
Tiro em Cobertura Rodesiano, 15 de abril de 2020.
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