domingo, 5 de setembro de 2021

França/Alemanha e Hobbes/Kant, ou o que a decisão do tribunal da UE nos diz sobre o desafio de forjar uma defesa europeia

Brigada Franco-Alemã com fuzis FAMAS, 2018.

Por Michael Shurkin, Linkedin, 28 de julho de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 5 de setembro de 2021.

A decisão deste mês do Tribunal de Justiça Europeu de que uma lei trabalhista da UE que limita o horário de trabalho dos soldados aponta para um desafio fundamental para o projeto de construção de uma verdadeira política e capacidade de defesa europeias. A maioria, senão todos os membros da UE, aderem ostensivamente à visão de construir uma defesa europeia, mas entre eles existem profundas diferenças no que diz respeito à cultura e à cultura estratégica. Ou seja, eles têm visões significativamente diferentes de como os militares devem trabalhar e como e em que condições devem ser usados.

De um lado está a França, a qual, e isso pode surpreender os americanos ao lerem, é provavelmente o mais marcial dos Estados-membros da UE. A França teria prazer em construir uma força europeia e uma política de defesa europeia à sua própria imagem, o que significa não apenas construir uma força funcional, mas usá-la. A França também colocaria avidamente a Europa no negócio da guerra expedicionária. Diante disso, a Operação Takuba é mais do que apenas uma estratégia de saída para a França: é uma forma de moldar a cultura e a política militares europeias, arrastando uma coalizão europeia de voluntários para uma guerra expedicionária que a França julga necessária e, também, empregando-a na uma forma consistente com a cultura estratégica francesa.


Embora seja difícil dizer qual país ocupa a outra extremidade do espectro, o país que mais importa é a Alemanha, que, segundo todos os relatos, erradicou seu espírito marcial. Fascinantemente, os oficiais franceses descrevem com desdém o Bundeswehr como "sindicalista". De fato, o Bundeswehr tem um sindicato que, por exemplo, reclamou em 2016 sobre as condições de vida no Mali.

O tipo de história que ouvi de vários oficiais franceses que serviram com alemães é mais ou menos assim: “Nós aparecemos e começamos a trabalhar imediatamente, apesar da falta de chuveiros e de nossas barracas rústicas. Os alemães se recusaram a ceder até que tivessem instalações adequadas com ar-condicionado”. Isso é justo? Não sei, mas os comentários apontam para uma divisão cultural, que a decisão do Tribunal da UE amplifica. Afinal, o próprio projeto da UE visa perpetuar a paz ao longo das linhas kantianas, um esforço que a Alemanha do pós-guerra levou a sério. Outros estados europeus, sem dúvida, estão em algum ponto entre a a Alemanha e a abordagem relativamente hobbesiana da França do hard power (poder duro). A questão então é saber se é possível construir uma verdadeira defesa europeia na ausência de consenso.

Immanuel Kant (esquerda) e Thomas Hobbes.

Bibliografia recomendada:

Introdução à Estratégia.
André Beaufre.

L'emergence d'une Europe de la défense:
Difficultés et perspectives.
Dejana Vukcevic.

Leitura recomendada:

General Burkhard: "Nossos líderes devem lembrar que não se ganha guerras difíceis contando seu tempo", 10 de maio de 2021.



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