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quarta-feira, 31 de março de 2021

Portugal enviará tropas a Moçambique após ataque descarado em Palma por insurgentes islâmicos

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog,  31 de março de 2021.

Portugal vai enviar soldados na primeira quinzena de abril para Moçambique onde vão treinar tropas locais na sequência de um ataque de rebeldes islâmicos à cidade de Palma, afirmou a agência noticiosa Lusa nesta terça-feira, citando fonte do Ministério da Defesa.

A mídia portuguesa afirmou que está a ser finalizado um acordo bilateral que prevê um total de 60 militares das forças especiais portuguesas em missão para Moçambique. O ministro dos Negócios Estrangeiros de Portugal, Augusto Santos Silva, disse ainda na segunda-feira à estação de televisão estatal RTP que uma equipe de "cerca de 60" militares "se prepara" para ser enviada para a ex-colónia de Portugal "nas próximas semanas". A equipe vai "apoiar o exército moçambicano na formação de forças especiais", disse.

Em uma escalada dramática de uma insurgência lançada em 2017, os jihadistas atacaram na última quarta-feira a cidade de Palma, no norte, localizada a apenas 10 quilômetros do local de um projeto de gás multibilionário. Na segunda-feira, o Estado Islâmico afirmou que conduziu a operação de três dias contra alvos militares e do governo e disse que havia assumido o controle da cidade. O governo moçambicano disse que dezenas de pessoas morreram na operação, mas o número exato de vítimas na remota cidade do norte não é conhecido.

Portugal é um país ativo na África, com tropas à serviço da ONU na República Centro-Africana e no Mali. Apesar de ter garantido a independência das suas colônias de Angola, Moçambique e Guiné Bissau (ex-Guiné Portuguesa), Portugal permanece envolvido na solução de problemas nos três países. Em janeiro do ano passado, Portugal interveio no Moçambique depois que uma enchente matou cerca de 30 pessoas e deixou mais 58 mil desabrigadas.

Portugal, mantendo sua tradição centenária de presença na região, continuará apoiando o país "irmão" lusófono, cuja segurança atualmente está nas mãos de mercenários russos e sul-africanos servindo a um governo com pouca força real à frente de um Estado não-consolidado.

Comandos portugueses na República Centro-Africana.

Palma estava quase totalmente deserta na segunda-feira após o massacre, que obrigou seus moradores a fugir por estrada, barco ou a pé. Foi o maior e mais próximo ataque a um projeto multibilionário de gás, que está sendo construído em uma península a apenas 10 quilômetros de distância, pela francesa Total e outros gigantes da energia. Muitos sobreviventes disseram que caminharam por dias pela floresta para buscar refúgio em Mueda, 180 quilômetros ao sul, onde chegaram mancando com os pés inchados.

Milhares de fugitivos chegaram em barcos a Pemba, capital da província a cerca de 250 quilômetros ao sul, segundo fontes locais. Até 10.000 outros aguardavam evacuação, de acordo com agências humanitárias. Pemba já está lotada com centenas de milhares de refugiados deslocados pela insurgência islâmica, que expulsou quase 700.000 de suas casas em toda a vasta província. O ataque forçou trabalhadores expatriados e moradores locais a buscarem refúgio temporariamente em uma usina de gás fortemente protegida localizada na península de Afungi.

“Um número significativo de civis resgatados de Palma também estão sendo transportados para o local de Afungi, onde recebem apoio humanitário e logístico”, revelou a Total em um comunicado divulgado segunda-feira.

Os insurgentes são conhecidos localmente como al-Shabab (sem relação com a organização jihadista somaliana de mesmo nome), liderados por Abu Yasir Hassan e declarando apoio ao Estado Islâmico. Em novembro do ano passado, o al-Shabab decapitou 50 moçambicanos em um campo de futebol. Ainda essa semana, diferentes grupos radicais islâmicos ameaçaram os franceses e americanos no Djibouti e explodiram uma catedral católica na Indonésia em uma clara mensagem contra os cristãos e contra o Ocidente.

Bibliografia recomendada:


Leitura recomendada:

terça-feira, 5 de maio de 2020

Os Bandeirantes Paulistas

Retrato de Domingos Jorge Velho, óleo sobre tela de Benedito Calixto, 1903. 

Dr. Pedro Puntoni,
Nova História Militar Brasileira.

Segundo um papel anônimo, de 1690, a experiência havia demonstrado, até então, que nem a infantaria "nem ainda as ordenanças" haviam sido "capazes para debelar estes inimigos nas incultas brenhas e inacessíveis rochedos e montes do sertão"; só a gente de São Paulo é capaz de debelar este gentio, por ser o comum exercício penetrarem os sertões"[47]. A razão disto era a forma como os tapuias [índios bravios] faziam guerra nos matos, o que exigia uma tática e uma tecnologia especiais. Gregório Varela de Berredo Pereira, autor de um "breve compêndio" sobre o governo pernambucano de Câmara Coutinho (1689-90), tinha para si "que se este inimigo [os bárbaros] fizera forma de batalha, depressa [seria] desbaratado". Mas, como explicava, tal não era o caso, porque se tratava de nações "fora de todo o uso militar", isto é, da forma européia moderna de guerra, "porque as suas avançadas são de súbito, dando urros que fazem tremer a terra para meterem terror e espanto e logo se espalham e [se] metem detrás das árvores, fazendo momos como bugios, que sucede às vezes meterem-lhes duas e três armas e rara vez se acerta o tiro pelo jeito que fazem com o corpo"[48].

Outro papel anônimo, de 1691, também argüia que as "grandes expedições de infantaria paga, e da ordenança, com grandes despesas da Fazenda real e contribuições dos moradores" vinham resultando sem efeito "não por falta de disposição dos cabos, nem do valor nos soldados, mas, repare-se nesta circunstância, pela eleição do meio só". Isto porque, segundo o autor deste papel, seria "necessário para a conquista destes gentios" adaptar-se ao seu "modo de peleja", que era "fora do da arte militar", pois,

"Eles [vão] nus, descalços, ligeiros como o vento, só com arco e flechas, entre matos, e arvoredos fechados, os nossos soldados embaraçados com espadas, carregados com mosquetes, e espingardas e mochilas com seu sustento, ainda que assistem o inimigo não o podem seguir, nem prosseguir a guerra: eles acometem de noite por assaltos nossas povoações, casas, igrejas, lançando fogo aos ingovernos, matando gente e roubando os bens móveis que podem carregar, e conduzindo os gados, e criações e quando acudimos o dano está feito. E eles [andam] escondidos entre os matos onde os nossos soldados não podem seguir com a mesma segurança, instância e diuturnidade por [estarem] carregados de ferro e mochilas, em que carregam o seu sustento que não pode ser mais que para quatro ou seis dias [enquanto que] os bárbaros [têm seu sustento] nas mesmas frutas agrestes das árvores, como pássaros, nas raízes que conhecem e nas mesmas imundices de cactos, cobras, e caças de quaisquer animais e aves." [49]

Tipos de bandeirantes paulistas.

Ora, segundo ainda este autor, teria sido exatamente por isso que a "Divina Providência" criou na província de São Paulo "os homens com um ânimo intrépido, que se inclinou a dominar este miserável gentio". Semelhantes aos inimigos silvícolas, pois viviam "sempre em seu seguimento", acabaram por "ter por regalo a comida de caças, mel silvestre, frutas, e raízes de ervas, e de algumas árvores salutíferas e gostosas de que toda a América abunda". É nos "ares do sertão" que suas vidas se fazem "gostosas", sendo que "muitos deles nascem, e envelhecem", nos matos: "estes são os que pois servem para a conquista e castigo destes bárbaros, com quem se sustenta, e vivem quase das mesmas coisas, e a quem o gentio só teme e respeita". [50] Era exatamente o que explicava, 10 anos antes, o autor de um outro papel que sugeria o uso dos paulistas para a defesa da colônia do Sacramento: "porque são homens capazes para penetrar todos os sertões por onde andam continuamente, sem mais sustento que coisas do mato, bichos, cobras, lagartos, frutas bravas e raízes de vários paus, e não lhes é molesto andarem pelos sertões anos [a fio] pelo hábito que têm feito àquela vida". [51]

- Dr. Pedro Puntoni, Nova História Militar Brasileira, Capítulo 1 A arte da guerra no Brasil: tecnologia e estratégia militares na expansão da fronteira da América portuguesa (1550-1700), Paulistas e os "ares do sertão", pg. 59-61, 2004.

Nova História Militar Brasileira.

Notas:

[47] Sobre o gentio que se rebelou nas capitanias do Ceará, Rio Grande e Paraíba, c. 1690 (Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 54 XII 4 52).

[48] Breve compêndio do que vai obrando neste governo de Pernambuco o sr. governador Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho... Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 51, n. 267, 1979.

[49] Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram na guerra e mandaram vender aos moradores do Porto do Mar, e sobre as razões que há para se fazer a guerra aos ditos tapuias, 1691 (Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 54 XIII 16, fl. 162).

[50] Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 54 XIII 16, fl. 162.

[51] Informação anônima do Brasil, década de 1680 (BNP, códice 30, fl. 209). Para um retrato desses "bandeirantes" em ação, ver também Hemming (1978:238-253).

Leitura recomendada:




A FEB e os jipes12 de março de 2020.



O jovem Góes Monteiro em Catanduvas31 de janeiro de 2020.



O primeiro salto da América do Sul13 de janeiro de 2020.