Retrato de Domingos Jorge Velho, óleo sobre tela de Benedito Calixto, 1903. |
Dr. Pedro Puntoni,
Nova História Militar Brasileira.
Segundo um papel anônimo, de 1690, a experiência havia demonstrado, até então, que nem a infantaria "nem ainda as ordenanças" haviam sido "capazes para debelar estes inimigos nas incultas brenhas e inacessíveis rochedos e montes do sertão"; só a gente de São Paulo é capaz de debelar este gentio, por ser o comum exercício penetrarem os sertões"[47]. A razão disto era a forma como os tapuias [índios bravios] faziam guerra nos matos, o que exigia uma tática e uma tecnologia especiais. Gregório Varela de Berredo Pereira, autor de um "breve compêndio" sobre o governo pernambucano de Câmara Coutinho (1689-90), tinha para si "que se este inimigo [os bárbaros] fizera forma de batalha, depressa [seria] desbaratado". Mas, como explicava, tal não era o caso, porque se tratava de nações "fora de todo o uso militar", isto é, da forma européia moderna de guerra, "porque as suas avançadas são de súbito, dando urros que fazem tremer a terra para meterem terror e espanto e logo se espalham e [se] metem detrás das árvores, fazendo momos como bugios, que sucede às vezes meterem-lhes duas e três armas e rara vez se acerta o tiro pelo jeito que fazem com o corpo"[48].
Outro papel anônimo, de 1691, também argüia que as "grandes expedições de infantaria paga, e da ordenança, com grandes despesas da Fazenda real e contribuições dos moradores" vinham resultando sem efeito "não por falta de disposição dos cabos, nem do valor nos soldados, mas, repare-se nesta circunstância, pela eleição do meio só". Isto porque, segundo o autor deste papel, seria "necessário para a conquista destes gentios" adaptar-se ao seu "modo de peleja", que era "fora do da arte militar", pois,
"Eles [vão] nus, descalços, ligeiros como o vento, só com arco e flechas, entre matos, e arvoredos fechados, os nossos soldados embaraçados com espadas, carregados com mosquetes, e espingardas e mochilas com seu sustento, ainda que assistem o inimigo não o podem seguir, nem prosseguir a guerra: eles acometem de noite por assaltos nossas povoações, casas, igrejas, lançando fogo aos ingovernos, matando gente e roubando os bens móveis que podem carregar, e conduzindo os gados, e criações e quando acudimos o dano está feito. E eles [andam] escondidos entre os matos onde os nossos soldados não podem seguir com a mesma segurança, instância e diuturnidade por [estarem] carregados de ferro e mochilas, em que carregam o seu sustento que não pode ser mais que para quatro ou seis dias [enquanto que] os bárbaros [têm seu sustento] nas mesmas frutas agrestes das árvores, como pássaros, nas raízes que conhecem e nas mesmas imundices de cactos, cobras, e caças de quaisquer animais e aves." [49]
Tipos de bandeirantes paulistas. |
Ora, segundo ainda este autor, teria sido exatamente por isso que a "Divina Providência" criou na província de São Paulo "os homens com um ânimo intrépido, que se inclinou a dominar este miserável gentio". Semelhantes aos inimigos silvícolas, pois viviam "sempre em seu seguimento", acabaram por "ter por regalo a comida de caças, mel silvestre, frutas, e raízes de ervas, e de algumas árvores salutíferas e gostosas de que toda a América abunda". É nos "ares do sertão" que suas vidas se fazem "gostosas", sendo que "muitos deles nascem, e envelhecem", nos matos: "estes são os que pois servem para a conquista e castigo destes bárbaros, com quem se sustenta, e vivem quase das mesmas coisas, e a quem o gentio só teme e respeita". [50] Era exatamente o que explicava, 10 anos antes, o autor de um outro papel que sugeria o uso dos paulistas para a defesa da colônia do Sacramento: "porque são homens capazes para penetrar todos os sertões por onde andam continuamente, sem mais sustento que coisas do mato, bichos, cobras, lagartos, frutas bravas e raízes de vários paus, e não lhes é molesto andarem pelos sertões anos [a fio] pelo hábito que têm feito àquela vida". [51]
- Dr. Pedro Puntoni, Nova História Militar Brasileira, Capítulo 1 A arte da guerra no Brasil: tecnologia e estratégia militares na expansão da fronteira da América portuguesa (1550-1700), Paulistas e os "ares do sertão", pg. 59-61, 2004.
Nova História Militar Brasileira. |
Notas:
[47] Sobre o gentio que se rebelou nas capitanias do Ceará, Rio Grande e Paraíba, c. 1690 (Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 54 XII 4 52).
[48] Breve compêndio do que vai obrando neste governo de Pernambuco o sr. governador Antônio Luís Gonçalves da Câmara Coutinho... Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, Rio de Janeiro, v. 51, n. 267, 1979.
[49] Sobre os tapuias que os paulistas aprisionaram na guerra e mandaram vender aos moradores do Porto do Mar, e sobre as razões que há para se fazer a guerra aos ditos tapuias, 1691 (Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 54 XIII 16, fl. 162).
[50] Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 54 XIII 16, fl. 162.
[51] Informação anônima do Brasil, década de 1680 (BNP, códice 30, fl. 209). Para um retrato desses "bandeirantes" em ação, ver também Hemming (1978:238-253).
Leitura recomendada:
GALERIA: O legado militar do Rio de Janeiro - O Forte de Copacabana, 3 de maio de 2020.
Experiências de Combate da Infantaria Brasileira na Itália, 24 de abril de 2020.
A Companhia de Fuzileiros na campanha da Itália, 27 de março de 2020.
A FEB e os jipes, 12 de março de 2020.
Os Processos Políticos nos Partidos Militares do Brasil, 21 de janeiro de 2020.
Os Fuzileiros Navais na Revolução de 1924, 31 de janeiro de 2020.
O jovem Góes Monteiro em Catanduvas, 31 de janeiro de 2020.
GALERIA: Manobras com o Sherman no Brasil, 1957, 30 de janeiro de 2020.
GALERIA: Paraquedistas brasileiros em 1957, 29 de janeiro de 2020.
O primeiro salto da América do Sul, 13 de janeiro de 2020.
Biblioteca da Ajuda, Lisboa, 54 XII 4 52, como faço para ter acesso? o Senhor possui có
ResponderExcluirpia?