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quinta-feira, 30 de junho de 2022

Achtung, renda-se! Para os alemães, o abuso dos quadrinhos finalmente acabou

Os quadrinhos Commando tiveram alguns títulos problemáticos, mas as edições recentes têm uma perspectiva mais ampla sobre o combate.

Por Marc Horne, The Times, 30 de junho de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 30 de junho de 2022.

Durante décadas, celebrou os bravos Tommies e castigou alemães cruéis, mas agora o quadrinho de guerra mais antigo do país voltou seu fogo contra o jingoísmo e a xenofobia.

Commando tem inventado histórias de bravura militar, camaradagem e valor desde que foi publicado pela primeira vez pela DC Thomson em Dundee em 1961.

Suas vendas subiram para 750.000 por mês na década de 1970, quando corajosos soldados britânicos e americanos de mandíbula de lanterna superaram uma sucessão de adversários que diziam pouco mais do que “Achtung!”, “Gott im Himmel!!” e “Aiiii!”.

Estereótipos nacionais e linguagem depreciativa foram abandonados em favor de representações mais sutis e compassivas da vida em tempos de guerra.

Calum Laird, um ex-editor que continua a escrever histórias para o título, saudou o afastamento das atitudes gung-ho entusiasmadas.

Ele destacou uma edição que escreveu em 2020, intitulada Stan’s War (A Guerra de Stan), como emblemática das mudanças. Conta a história de Stanislaw Kowalski, um soldado polonês que se vê exilado na Grã-Bretanha após o fim da Segunda Guerra Mundial. Laird disse que se inspirou no Brexit e suas repercussões.

“Em Fife, onde estou, há muita gente de ascendência polonesa”, disse ele. “Eu estava muito ciente de que depois do Brexit tínhamos amigos poloneses que voltaram.

Ian Kennedy, visto antes de sua morte no início deste ano, era um artista original.
(DCT Media)

“Este foi um momento de debate polarizado sobre imigração. Quadrinhos dão a oportunidade de explorar essas questões de maneiras mais sutis.”

Algumas das primeiras edições de Commando ostentavam títulos profundamente problemáticos, como Hun Bait (Isca para Hunos) e Jap Killer! (Matador de Japas!), o que seria impensável hoje.

Laird, 65, que esta semana recebeu um PhD em quadrinhos de guerra britânicos pela Universidade de Dundee, disse que os quadrinhos mostraram uma mudança gradual do conteúdo explicitamente anti-alemão e anti-japonês ao longo dos anos. “Uma das primeiras histórias, que reimprimi como editor, apresentava um personagem japonês que foi tratado muito favoravelmente”, disse ele. “Ele era uma pessoa bem-intencionada apanhada nas restrições da guerra. Da mesma forma, havia muito jingoísmo e gung-ho.”

Originalmente, todas as histórias da série de longa duração, impressas em preto e branco e em formato de bolso, eram ambientadas na Segunda Guerra Mundial e apresentavam heróis britânicos ou aliados.

No entanto, eles agora apresentam edições independentes ambientadas em eventos como a invasão romana da Grã-Bretanha, a era medieval, a Guerra Civil Espanhola e o futuro distante – e também são contadas de diferentes perspectivas.

“Fizemos uma série de histórias do Dia da Vitória na Europa [8 de maio de 1945] e uma delas foi contada do ponto de vista de um soldado alemão”, disse Laird. “Isso mostra bem como as coisas mudam.”

Commando agora enfatiza as diferenças entre os conscritos alemães e italianos comuns e os soldados do Eixo que abraçaram ativamente as ideologias nazistas e fascistas.

Laird insistiu que o afastamento das narrativas explicitamente nacionalistas não encontrou muita resistência. “Não me lembro de ninguém dizendo ‘Oh não, não queremos heróis alemães ou japoneses'”, disse ele. “Acho que não houve nenhum retrocesso significativo. Uma vez que as pessoas começam a ler, elas tendem a seguir a história. Ainda existem muitos colecionadores obstinados que têm todos os fascículos.”

Quadrinhos de guerra já foram muito populares entre os leitores britânicos, com títulos como Warlord, Battle, Victor e Hotspur vendendo centenas de milhares de cópias toda semana. Commando, que agora publica quatro títulos por quinzena, é o último homem de pé.

Adaptando-se com os tempos

Os quadrinhos de longa duração do país passaram por uma série de mudanças para torná-los mais palatáveis para as sensibilidades modernas.

No ano passado, The Beano anunciou que Fatty (gordinho), membro do Bash Street Kids desde que apareceu pela primeira vez há quase 70 anos, não responderia mais pelo nome. Ele agora é conhecido como Freddy.

“As crianças vêm em todas as formas e tamanhos, e nós absolutamente celebramos isso”, explicou Mike Stirling, diretor criativo da Beano Studios, editora do título. “Não queremos arriscar que alguém o use de maneira maldosa.”

Meses depois, o quadrinho baseado em Dundee confirmou que Spotty (pintado), outro fiel da Bash Street, estava sendo renomeado Scotty para impedir que jovens com sardas ou acne fossem ridicularizados por seus colegas de classe.

Em 2008, surgiu que outro favorito de Beano, Dennis the Menace (Denis, a Ameaça), teve seu comportamento atenuado.

Euan Kerr confirmou que durante seu tempo como editor do título ele havia impedido o encrenqueiro de ameaçar Walter the Softy (Walter, o Molenga), em meio a reclamações de que seu comportamento incentivava o bullying violento.

A mudança de atitudes da sociedade significou que, no final dos anos 1980, as aventuras de Dennis - e da colega de brincadeiras Minnie the Minx (Minnie, a Atrevida) - não terminavam mais com eles sendo atingidos com um chinelo por um pai irritado.

Enquanto isso, Desperate Dan, o caubói devorador de tortas que estrela o quadrinho irmão The Dandy, foi forçado a fazer dieta, perdeu suas esporas “cruéis” e teve seu revólver de seis tiros substituído por uma pistola de água.

domingo, 16 de janeiro de 2022

Terminada a crise de reféns na sinagoga do Texas, o sequestrador foi morto durante o assalto policial

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 16 de janeiro de 2022.

Com informações do Le Figaro e Agence France Presse (AFP).

No dia de ontem, sábado 15 de janeiro, um terrorista não-identificado tomou reféns quatro judeus na sinagoga de Colleyville, no estado americano do Texas. O sequestrador exigia a libertação de uma mulher paquistanesa condenada por terrorismo. A polícia texana iniciou o cerco à igreja judaica e durante a noite de sábado para domingo foi encerrado o impasse que durara 10 horas com um assalto da equipe de resgate do FBI, a Hostage Rescue Team (HRT).

“A equipe de resgate de reféns invadiu a sinagoga” e “o suspeito está morto”, disse o chefe de polícia local, Michael Miller, durante uma entrevista coletiva após a operação. Todos os reféns foram libertados ilesos, anunciou anteriormente o governador do Texas, Greg Abbott.

A polícia de Colleyville evacuou os moradores próximos e pediu ao público que evitasse a área. O FBI, a polícia federal americana, abriu uma investigação sobre o sequestrador, que foi identificado, disse o agente especial do FBI Matt DeSarno, sem revelar o nome do terrorista abatido.

O terrorista foi mais tarde identificado como Malik Faisal Akram, filho de imigrantes paquistaneses nascido no Reino Unido.

Entrevista com o governador Greg Abbott

A tomada de reféns ocorreu na sinagoga da Congregação Beth Israel em Colleyville, uma cidade de cerca de 23.000 pessoas nos arredores de Dallas; uma metrópole do Texas. Poucas horas antes do assalto, enquanto duravam as negociações entre a polícia e o sequestrador, um primeiro refém havia sido libertado ileso. Antes da libertação do primeiro refém a informação disponível dizia que o terrorista estava armado, detinha quatro pessoas, incluindo um rabino, e que ele alegou ter colocado bombas em locais desconhecidos.

O terrorista afirmou ser o "irmão" de Aafia Siddiqui, uma cientista paquistanesa condenada em 2010 por um tribunal federal de Nova York a 86 anos de prisão por tentar atirar em militares americanos, razão pela qual foi detida no Afeganistão. O termo "irmã" não indica parentesco nesse caso, mas a fé islâmica. Aafia Siddiqui está atualmente detida em um hospital prisional em Fort Worth, perto de Dallas.

Operadores do HRT do FBI.

Este incidente afetou profundamente a comunidade judaica nos Estados Unidos. Ellen Smith, uma adoradora da sinagoga, descreveu à CNN uma situação "chocante e horripilante". No entanto, ela disse que não ficou surpresa que o ataque tenha como alvo a comunidade judaica. "Os casos de anti-semitismo aumentaram ultimamente", disse ela. "Você quase se sente sem esperança." “Ninguém deve ter medo de se reunir em seu local de oração”, disse o Conselho para Relações com a Comunidade Judaica, uma organização com sede em São Francisco.

A voz de um homem às vezes agitado pôde ser ouvida na transmissão do serviço religioso ao vivo no Facebook antes de sua interrupção. “Há algo de errado com a América”, tinha lançado notavelmente este homem. "Eu vou morrer", ele também disse, repetidamente pedindo a um interlocutor não identificado que "sua irmã" estivesse ao telefone com ele.

“Aquele que me odeia hoje vai te odiar amanhã. Portanto, pode começar com os judeus, mas não vai parar com os judeus”, alertou Joseph Potasnik, vice-presidente do Conselho de Rabinos de Nova York. O primeiro-ministro israelense Naftali Bennett também disse estar monitorando a situação.

quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Tarn-et-Garonne/Lot: 3.000 paraquedistas mobilizados para um exercício militar franco-britânico em grande escala

3.000 paraquedistas foram destacados para o exercício Falcon Amarante 21. Impressionante!
(Caporal-chef Tsivadelle / 11ª Brigada Paraquedista)

Por William Bernecker, La Dépêche, 17 de novembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro17 de novembro de 2021.

A 11ª Brigada Paraquedista de Toulouse e o seu homólogo inglês foram mobilizados durante 10 dias para o exercício Falcon Amarante 21. Reportagem em Quercy, entre Lot e Tarn-et-Garonne.

Os paraquedistas poderão respirar. O exercício Falcon Amarante 21 termina esta quinta-feira, dia 18 de novembro. Os soldados percorrem a região "à la verte" há 10 dias, dizem no jargão, ou seja, na natureza e no frio, em condições reais.

Mais de 3.000 soldados foram mobilizados para a ocasião, quase metade dos quais vieram do outro lado do Canal. Uma colaboração no âmbito da A-CJEF (Airborne Combined Joint Expeditionnary Force/Força Expedicionária Conjunta Combinada Aerotransportada), uma cooperação franco-britânica de brigadas de alerta permanentes. Do lado francês, encontramos a 11ª Brigada Paraquedista de Toulouse e, do lado inglês, a 16ª Brigada de Assalto Aéreo de Colchester.

Desde 8 de novembro, cerca de 600 veículos também foram empregados, desde veículos blindados leves até aviões e helicópteros. “Esta é uma implementação de todos os meios do nosso exército”, disse o Capitão Boris da 11e BP.

O objetivo da operação em condições reais é desenvolver "endurecimento e resiliência", bem como "interoperabilidade" para futuros engajamentos comuns: conhecimento mútuo de equipamentos, procedimentos, operação...

Conflitos em tamanho real

Simulações de combate terrestre também marcaram esses dez dias de exercícios.
(Caporal-chef Tsivadelle / 11ª Brigada Paraquedista)

O exercício começou com uma "primeira entrada" no conflito, um assalto aéreo em direção a Toulouse. 600 paraquedistas então saltaram em Caylus para tomar o campo de Jean-Couzy. Os soldados então perseguiram as milícias inimigas (interpretadas por outros soldados) até as margens do rio Lot. A luta então mudou para alta intensidade, contra um inimigo "endurecido".

Aqui, nos vales de Quercy, os paraquedistas já não combatem contra milícias, mas sim contra forças armadas com meios, por exemplo veículos blindados. Eles então praticaram uma manobra de canalização, "explodindo as pontes" para atrair o inimigo aonde eles queriam. Um exercício pontuado por armadilhas, com incidentes diários: emboscadas, ataques químicos, etc.

A 11e BP certamente poderá contar com o seu 17e RGP de Montauban para pousar uma aeronave no meio da vegetação, embarcar forças e partir, provando assim uma capacidade de reprojeção para centenas de quilômetros.

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terça-feira, 2 de novembro de 2021

A Humilhação do Exército Britânico

Por Aris Roussinos, Unheard, 2 de novembro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 2 de novembro de 2021.

As Forças Armadas, e o Exército em particular, são certamente as únicas armas do Estado britânico que ainda mantêm uma reputação popular de competência institucional. Considere o recente livro The Habit of Excellence (O Hábito da Excelência), uma espécie de recauchutagem para CEOs civis das antologias motivacionais distribuídas em Sandhurst. Ou a convocação do governo do ex-vice-chefe do Estado-Maior de Defesa (embora um Royal Marine em vez de um soldado do exército) para instituir reformas abrangentes para o NHS - um claro aceno à reputação residual dos militares de rigorosa e intransigente eficiência.

É difícil conciliar essa percepção com o recente histórico desorganizado e esbanjador do Exército em aquisições. E ainda persiste a sensação, verdadeira ou não, de que as forças armadas continuam a ser uma área de refúgio para um tipo de eficácia estóica perdida para o resto do país, uma capacidade de fazer o trabalho, sem reclamar, contra obstáculos intimidantes.


Isso pode dizer tanto sobre a Grã-Bretanha como um todo quanto sobre as próprias forças armadas. Considere a onda de sentimentalismo afetuoso em relação ao Exército, talvez um análogo da classe trabalhadora ao sentimentalismo da classe média em relação ao NHS, que varreu o país no final dos anos 2000. O clima popular na época, manifestado na campanha Help for Heroes (est. 2007) e no Sun's Military Awards (est. 2008), foi imediatamente inflamado pela sensação de que as tropas em campanha estavam sendo colocadas em risco pelos cortes orçamentários do governo e pela insatisfação com o barulho e a queima de papoulas por simpatizantes da jihad enquanto as tropas voltavam do Afeganistão para casa. Na época, o Exército era um símbolo poderoso de uma instituição pura e traída em torno da qual o povo britânico poderia explorar suas ansiedades mais amplas, uma metáfora para o crescente desconforto com a direção do próprio Estado britânico.

No entanto, mesmo o apoiador mais dedicado do Exército seria forçado a admitir que as duas últimas décadas não aumentaram sua reputação. As duas guerras escolhidas pelo governo trabalhista foram dolorosas falhas estratégicas e táticas, iniciadas com pouco entusiasmo popular e abandonadas com pouca fanfarra. Em ambas as guerras, as unidades e os soldados individuais lutaram bravamente em um nível tático, em busca de objetivos estratégicos equivocados e, em última análise, infrutíferos.


É nesse contexto que dois livros recentes visam dissecar as falhas do Exército no Iraque e no Afeganistão para dar sentido a esse desempenho sem brilho. Em The Changing of the Guard (A Troca da Guarda), Simon Akam, um ex-oficial de ano sabático, narra o Exército como um amante desapontado, enfiando a faca nas feridas mais dolorosas da instituição. Em Blood, Metal and Dust (Sangue, Metal e Poeira), o Brigadeiro Ben Barry, ex-diretor do Estado-Maior do Exército Britânico, escolhe um alvo mais alto. Sim, os sucessos das pequenas intervenções dos anos 90 levaram os chefes militares a descansarem sobre os seus louros, de modo que “o sucesso operacional se tornou a mãe da complacência”. Mas para Barry, cujo livro foi extraído de seu post mortem oficial ainda classificado das guerras pós-11 de setembro, a causa final do fracasso pode ser colocada nas mãos dos políticos trabalhistas administrando a guerra.

Ambos recontam os fatos nus e dolorosos das duas derrotas mais recentes do Exército. No Iraque, a captura e ocupação iniciais de Basra, travadas com gorros ao invés de capacetes e a autoconfiança de um Exército que acreditava liderar o mundo na manutenção da paz e na contra-insurgência, culminaram em uma humilhante retirada negociada das forças britânicas para a orla do cidade, onde, imobilizados pelos ataques à bomba constantes das milícias xiitas que agora dirigiam a cidade, perderam toda a capacidade de exercerem sua influência.

Os americanos, claramente impressionados com o fracasso dos oficiais britânicos, foram forçados a ajudarem as forças iraquianas a retomar a cidade em 2008 na operação Charge of the Knights (Carga dos Cavaleiros), uma humilhação para a Grã-Bretanha. “Isso prejudicou a reputação das forças britânicas com os Estados Unidos e os iraquianos e infligiu grandes danos à autoconfiança militar britânica”, observa Barry. Akam é menos estóico, descrevendo-o como “uma humilhação aguda e duradoura para o Exército Britânico”, que “permanecerá e seguirá as tropas ao redor do mundo até o Afeganistão”.

Na verdade, para exorcizar esse fantasma, os líderes políticos e militares britânicos imprudentemente se ofereceram para uma campanha em uma paisagem de Helmand de fazendas muradas e vegetação densa que os soviéticos tiveram dificuldade para pacificar, mesmo enquanto o Exército tinha dificuldades no Iraque. No Afeganistão, eles acreditavam, o Exército recuperaria sua reputação, deixando para trás as dificuldades no Iraque.

Eles estavam errados. Espalhados em complexos rurais isolados, ou “casas de pelotão”, as tropas britânicas foram sitiadas por ondas de combatentes talibãs e só evitaram serem tomados de assalto por meio do uso devastador do poder aéreo, que por sua vez alienou os civis cujas casas destruiu. Junto com uma necessidade desesperada de evitar baixas, a dependência de patrulhas de curto alcance, ímãs para emboscadas do Talibã e atolados por IEDs, significava que o Exército nunca poderia manter o domínio tático no campo, muito menos obter a iniciativa estratégica.

Como em Basra, a proteção da força tornou-se o objetivo dominante e a iniciativa passou para o inimigo local. As tentativas de alterar o equilíbrio de poder, por meio de operações ousadas, mas equivocadas, como a Operação Panther’s Claw (Garra da Pantera) ou por meio de esquemas grandiosos de corações e mentes como o transporte de uma turbina gigantesca através do território talibã até a represa onde permaneceria sem uso por anos, todas falharam. No Afeganistão, como no Iraque, o rico tributo de sangue e tesouro que a Grã-Bretanha despejou na poeira foi inteiramente em vão.

Onde está a culpa? Barry critica políticos trabalhistas como Clare Short, cuja recusa intransigente em fornecer às tropas britânicas que de repente se viram governando Basra, uma cidade de 1,5 milhão de habitantes, até mesmo com o apoio básico do DFID devido à sua oposição à guerra, fez muito para incitar a raiva local nas primeiras semanas e meses vitais de ocupação. Ele mira em Gordon Brown, que como chanceler forçou cortes de defesa que reduziram a frota de helicópteros do Exército, e depois mentiu sobre isso como primeiro-ministro quando soldados morreram em Helmand como resultado direto.

Mas ele reserva sua maior ira para o arquiteto da entrada da Grã-Bretanha nessas guerras desnecessárias: Tony Blair. No entanto, como Barry deixa claro, os chefes militares também não conseguiram impressionar os políticos com a necessidade de reavaliar sua estratégia à luz do fracasso de sua missão. A apreciação franca e sóbria dos fatos concretos pelos quais o Exército é conhecido estavam tragicamente ausentes.


Para Akam, grande parte da culpa pode ser atribuída ao próprio Exército. Ele desenha um retrato etnográfico de uma instituição que luta para dar sentido a um mundo em mudança, cujo acalentado ethos regimental, a fonte do orgulho individual e da busca pela excelência, também o reduz a "uma coleção desajeitadamente organizada de tribos guerreiras, inadequadamente coordenada e muitas vezes lutando entre si”. Com medo de cortes futuros, os generais oferecem o Exército para a subestimada missão de Helmand, mesmo quando o Iraque está falhando: "É usá-los ou perdê-los", Akam cita o general Sir Richard Dannett sobre a decisão malfadada. Os generais dizem aos políticos o que eles querem ouvir, em vez das verdades difíceis que atrapalhariam a promoção: "a determinação do Exército Britânico em ‘botar pra quebrar’ colocou o exército em uma terrível bagunça."

Para Akam, a ausência de responsabilidade por tal falha é corrosiva para a capacidade do Exército. Os escalões mais jovens são levados aos tribunais por crimes de guerra individuais - com razão, ele sente - enquanto os generais são recompensados pelo fracasso estratégico com títulos e sinecuras. Ao contrário de Israel, onde o fracasso da Guerra do Líbano de 2006 levou a um expurgo de oficiais superiores fracassados, “nenhum general britânico foi demitido ou renunciou por conta do Iraque e Afeganistão”. O resultado, para Akam, é a podridão institucional: “aquela hipocrisia havia se infiltrado na instituição abaixo deles e a estava azedando”.

Além disso, afirma Akam, think tanks de defesa como o RUSI "podem parecer mais clubes confortáveis financiados em parte por fabricantes de armas - forças amigas, no jargão das forças - do que supervisores externos rigorosos", inibindo-os de guiar o Exército por meio de reformas dolorosas.


A presença americana paira sobre ambos os livros, como um pai vitoriano, cuja aprovação é desejada, mas que em vez disso emana apenas uma fria decepção. A trágica ironia, como observam Akam e Barry, foi que as campanhas de Basra e Helmand foram iniciadas inteiramente para ganhar o prestígio de Blair aos olhos americanos, mas o resultado do desempenho decepcionante do Exército foi apenas o desdém americano. Como Akam observa sobre seus soldados informantes na véspera da invasão do Iraque, “muitos reconhecem que a verdadeira razão de estarem aqui é para manter a posição dos militares britânicos aos olhos dos americanos”.

No entanto, mesmo durante a própria invasão, antes da retirada humilhante, a capacidade de seleção do Estado britânico já havia rebaixado a reputação do Exército aos olhos americanos. Basra, logo depois da fronteira com o Kuwait, foi escolhida como alvo da Grã-Bretanha, segundo Akam, porque a recente adoção da logística just-in-time* pelo Exército a deixou com peças de reposição insuficientes para viajar mais longe. A falta de veículos blindados, de coletes à prova de balas, helicópteros e até munição deixou o Exército vasculhando o que podia dos americanos não-impressionados e equipando-se quase inteiramente com fundos de emergência do Tesouro.

*Nota do Tradutor: O sistema Just-in-Time (JIT) é um conceito japonês de estoque zero, onde as peças entram diretamente na produção, dessa forma sem entrarem em depósito.

Citando a muito tempo atrás a Malásia e a mais recente Irlanda do Norte (como se isso fosse um sucesso militar não-qualificado) em seu favor, o Exército desviou seu senso de insegurança em sua capacidade amplamente reduzida em comparação com os EUA com uma crença arrogante e, em última análise, equivocada de que a contra-insurgência centrada na população era seu ofício inigualável. Oficiais americanos citados por Barry reviraram os olhos para "‘mais basófias britânicas’" conforme os eventos provaram o contrário.

Mas mesmo os americanos, cujos recursos eram ilimitados em comparação, acabaram perdendo as duas guerras. Como Barry observa: “A decisão do governo dos EUA de invadir o Iraque deve ser considerada a pior decisão militar do século XXI. Foi uma loucura estratégica militar em um nível igual ao do ataque de Napoleão em 1812 à Rússia e ao ataque de Hitler de 1941 à União Soviética.” O fracasso, então, foi em última análise político, de políticos britânicos seguindo cegamente seus patronos americanos em guerras invencíveis: o pecado essencial do Exército foi apenas tentar fazer o melhor em um trabalho ruim, uma falha de caráter não-ignóbil.

É difícil evitar a dolorosa conclusão de que o Exército Britânico funciona para os americanos como os Gurkhas para o Exército Britânico: uma força auxiliar leal e altamente motivada, incapaz de conduzir uma campanha por conta própria, cujas tradições coloridas ainda carregam o romance de uma era anterior e mais gloriosa.


Hoje, no entanto, mesmo este papel limitado está agora em dúvida: com o novo foco do governo na capacidade naval e a tão alardeada Pacific Tilt (Guinada ao Pacífico) formando a base da visão de defesa da Grã-Bretanha, o novo Chefe do Estado-Maior de Defesa, Almirante Sir Tony Radikin, é supostamente preparado para supervisionar um corte dramático nos números já perigosamente reduzidos do Exército, reduzindo as fileiras da infantaria em mais de um terço do número atual.

O “Melhor Pequeno Exército do Mundo” pode estar ficando cada vez menor, mas não é para melhor. Como adverte o analista de defesa Francis Tusa, o resultado de seus problemas de compras auto-infligidos por décadas é que agora é mais ou menos “incapaz de combater contra ameaças de ponta”. Duas décadas de combate a insurgentes mal-equipados distraíram o Exército de sua missão principal de defender o país contra um adversário competente e bem equipado como a Rússia ou a China.

Talvez isso seja menos desastroso do que pode parecer à primeira vista. O perigo não é tanto a incapacidade do Exército, mas a incapacidade de nossos políticos de combinarem suas ambições com seus recursos, ou a coragem moral de seus generais para dissuadi-los gentilmente. Apesar de zombarmos da fraqueza militar da Alemanha, não é muito claro que a Grã-Bretanha tenha ganhado muito durante a década de guerra que os alemães conseguiram evitar. Depois do uso promíscuo do Exército por Blair para aplacar sua ânsia de glória, talvez um período de abstinência forçada possa fazer algum bem à instituição, se for para se reequipar para os desafios mais graves e não-escolhidos do próximo século.

O foco do Exército nos novos batalhões Rangers, encarregados de treinar e dirigir as forças parceiras locais, no lugar da infantaria de linha, sugere um mundo de conflito onde a luta é cada vez mais deixada para proxies dispensáveis. No entanto, um Exército encolhido e mais focado também representa um desafio para um Estado britânico despojado, que cada vez mais depende de soldados para compensar sua própria capacidade perdida.


Sua disposição de assumir tarefas fora de seu papel central pode evitar cortes, por um tempo, mas não necessariamente em seu próprio interesse ou nos melhores interesses do Estado; distrai de sua tarefa urgente de modernização e reorganização e dá aos governos britânicos cobertura para peneirar ainda mais a capacidade do Estado, confiantes de que os soldados sempre estarão lá para compensar a falta.

Como o Relatório Chilcot sobre o Iraque observou, "uma atitude ‘pró-ativa’ está enraizada nas forças armadas do Reino Unido, uma determinação de continuar com o trabalho, por mais difíceis que sejam as circunstâncias - mas isso pode impedir que a verdade fundamental chegue aos ouvidos mais graduados." Talvez a capacidade do Exército de vencer a próxima guerra, como o Estado britânico de enfrentar a próxima crise, fosse melhor servida por generais que encontrassem coragem, quando necessário, de dizer aos políticos que algumas coisas simplesmente não podem ou não devem ser feitas.

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domingo, 31 de outubro de 2021

O velho clichê sobre o Afeganistão que simplesmente não morre

Soldados soviéticos exploram as montanhas enquanto lutam contra guerrilheiros islâmicos em um local não-revelado no Afeganistão, abril de 1988.
(AP Photo / Alexander Sekretarev)

Por Kevin Baker, POLITICO, 28 de outubro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 31 de outubro de 2021.

"Cemitério dos Impérios" é um antigo epitáfio que não reflete a realidade histórica - ou as verdadeiras vítimas de invasões estrangeiras ao longo dos séculos.

Era inevitável. Com o fim apressado do envolvimento dos EUA no Afeganistão, o antigo epitáfio já foi revivido em dezenas de manchetes de jornais, charges editoriais e artigos de reflexão. Parece brotar da boca de qualquer outro comentarista de televisão.

“O Afeganistão”, dizem, como se isso explicasse tudo, “é o cemitério dos impérios”.

De Alexandre, o Grande à América do século XXI, supõe-se que o Afeganistão enfraqueceu gravemente, se não arruinou, todos os que ousaram cruzar suas fronteiras. É uma frase cativante, que evoca imagens de estadistas europeus jogando "o Grande Jogo" pela Ásia, Rudyard Kipling escrevendo: "Aqui jaz um tolo que tentou acossar o Oriente" e talvez até Indiana Jones balançando no Templo da Perdição.

O único problema é que não tem muito a ver com a história real. O Afeganistão, em sua longa existência, infelizmente foi mais como um animal morto na estrada por impérios - uma vítima de suas ambições. Compreender essa realidade histórica é fundamental para entender por que os Estados Unidos provavelmente não sofrerão efeitos sérios de longo prazo com sua longa e devastadora ocupação do Afeganistão - ou com a retirada sangrenta e desajeitada. Também é vital reconhecer o quanto é mais provável que potências menores, como o Afeganistão, sofram traumas duradouros do que qualquer um de seus invasores maiores e mais poderosos.

A Batalha de Kandahar, 1880, retratada por William Skeoch Cumming.

Certamente, os povos que vivem no que hoje é o Afeganistão resistiram fortemente a um conquistador arrogante após o outro que desceu o Hindu Kush. Alexandre, o Grande, enfrentou forte oposição dos habitantes locais quando invadiu por volta de 330 a.C. e recebeu um ferimento feio na perna por uma flecha. Mas ele acabou esmagando essa resistência, fundando o que se tornou a moderna cidade de Kandahar e avançou para a Índia - deixando para trás o Império Selêucida, que durou 250 anos. Genghis Khan conquistou o Afeganistão. Assim como Timur, mais conhecido como Tamerlão, e seu descendente Babur. O mesmo fizeram os turcos e os hunos, os hindus e árabes islâmicos, os persas e os partas. O mesmo aconteceu com vários impérios, povos e tiranos dos quais você provavelmente nunca ouviu falar: os Greco-Bactrianos, os Indo-Citas, os Kushans, o Império Sassânida, o Império Maurys, os Gahznávidas, os Uzbeques, os Safávidas e a Dinastia Hotak. A maioria deles permaneceu por décadas, até séculos.

A ideia de que o Afeganistão era uma espécie de areia movediça geopolítica para impérios parece ter começado com a Primeira Guerra Anglo-Afegã, que terminou em 1842. Um exército de 4.700 soldados britânicos e indianos em retirada de Cabul foi massacrado quase até o último homem perto da aldeia de Gandamak, junto com pelo menos 12.000 civis viajando com o exército. O desastre foi um grande escândalo em Londres. Também veio em um momento em que os penny dreadfuls (folhetins) da Inglaterra e seus narradores das angústias e glórias do império estavam atingindo seu ritmo. Muito parecido com os tabloides e notícias instantâneas da TV de hoje, seus relatórios e imagens serviram para horrorizar e enfurecer o público em casa. (Eles também jogaram com o fascínio racista ocidental, que durou por todo o século XIX e além, com a ideia de um bando valente de guerreiros brancos condenados lutando até o fim enquanto estavam impotentes, em menor número contra "selvagens": os afegãos em Gandamak ou os Sioux e Cheyenne em Little Bighorn, os Russos em Balaclava, os Zulus em Isandlwana.)

Exemplo de penny dreadful.

Mencionado com menos frequência nas lembranças de Gandamak é que a Grã-Bretanha enviou um "exército de retribuição" ao Afeganistão alguns meses depois, um que esmagou todos os exércitos afegãos enviados contra ele, saqueou e arrasou várias cidades e vilas em seu caminho e, finalmente, saqueou Cabul - queimando o deslumbrante Bazar Char-Chatta em um espasmo final de vingança. A Grã-Bretanha voltaria a pisar no Afeganistão na Segunda Guerra Anglo-Afegã, que terminou em 1880. Longe de ser enterrado, o Império Britânico alcançaria seu apogeu em 1920, estendendo seu reinado em mais de 13,7 milhões de milhas quadradas, ou mais de um quarto da massa terrestre da Terra.

A desventura da União Soviética no Afeganistão foi mais prejudicial. A URSS sofreu 14.453 fatalidades durante sua brutal ocupação do país, em 1979-1988, e esbanjou uma fortuna em material e dinheiro. Mas, com todo o respeito pelos mortos, isso era cerca da meia hora típica em Stalingrado. Embora muitas pessoas tenham argumentado que a União Soviética entrou em colapso por causa de seus fracassos no Afeganistão, é impossível negar o preço muito maior que a URSS pagou por manter seus muitos outros povos subjugados em cativeiro, ou pelas falhas manifestas do comunismo.

Tal como acontece com muitos outros lugares que ficam entre países mais poderosos - a Polônia, por exemplo - o valor estratégico do Afeganistão para a geopolítica muitas vezes tem sido exagerado por gênios de salas de mapas em todo o mundo. Na verdade, essa importância foi muito limitada desde que as rotas comerciais da Rota das Especiarias começaram a se desintegrar no século XV. À medida que o mundo avançava para navios à vela, viagens aéreas e outras prioridades econômicas, e os meios para obtê-los, controlar o Afeganistão se tornou menos vital. Mas isso não impediu todos os Napoleões de poltrona que notaram sabiamente que ele estava bem entre os impérios russo e britânico, ou a chave para a Índia, ou no caminho para a China.

Comboio soviético no Passo de Salang, no Afeganistão, em 1988.

Por fim, todos os impérios que chegaram ao Afeganistão encontraram um bom motivo para seguir em frente ou para limitar seus custos e expectativas - como o presidente Joe Biden finalmente fez, uma decisão corajosa, por mais caótica que tenha sido sua execução. Ao contrário de quase todas as grandes potências que pisotearam o Afeganistão por milênios, os EUA realmente tinham um bom motivo para estar lá. Simplesmente não tínhamos um bom motivo para ficar.

Um ataque terrorista à capital dos Estados Unidos e sua maior cidade, que matou milhares de pessoas e foi lançado em solo afegão com a aprovação e assistência do Talibã - é claro que isso exigiu uma resposta poderosa. Mas apesar de tudo que o presidente George W. Bush acreditou que os Estados Unidos assumiram a obrigação de "construir uma nação" no Afeganistão depois de destruir a Al-Qaeda, nós não o fizemos. Essa foi uma expansão impossível da missão dos EUA no Afeganistão, que pode ser medida pela trágica perda de vidas americanas, tesouro e boa vontade que os Estados Unidos sofreram lá desde 2001 - perdas que continuaram até o amargo fim da retirada americana.

Claro, a debandada americana também é um desastre para os afegãos, especialmente mulheres e meninas, e todos os que acreditam que uma verdadeira democracia poderá emergir em breve. Os Estados Unidos se juntaram a esse desfile interminável de potências que fizeram do Afeganistão o que realmente foi o tempo todo: uma nota de rodapé para o império, submetido às ilusões de forasteiros para seus próprios propósitos, depois abandonado por seus caprichos. Esta é a verdadeira tragédia para os afegãos e para tantos povos como eles - como impensada e terrivelmente maltratados, por tanto tempo, com a melhor das intenções e a pior, por outros que os viam não tanto como pessoas, mas como mais uma peça em um Grande Jogo que nunca foi tão bom, ou necessário, afinal.

Sobre o autor:

Kevin Baker é um autor, mais recentemente do livro America the Ingenious: How a Nation of Dreamers, Immigrants and Tinkerers Changed the World.

domingo, 24 de outubro de 2021

O horror da guerra de tanques trazido vivamente à vida

Brothers in Arms: One Legendary Tank Regiment’s Bloody War from D Day to VE Day
(Irmãos em armas: a guerra sangrenta de um regimento de tanques lendário do Dia D ao Dia da Vitória na Europa)

Por Katja Hoyer, The Spectator, 23 de outubro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 24 de outubro de 2021.

James Holland captura o fedor sufocante dentro desses alvos lentos e o destino terrível daqueles presos dentro daqueles são atingidos.

Se Joseph Stalin estava certo sobre uma coisa, foi sua afirmação de que "a morte de um homem é uma tragédia, a morte de milhões é uma estatística". Os números não inspiram empatia. Eles não contam histórias. Nada exemplifica melhor esse princípio do que a Segunda Guerra Mundial. O conflito armado mais mortal da história da humanidade matou cerca de 70 milhões de pessoas ou 3 por cento da população mundial, mas esses números farão poucas pessoas chorarem. Eles são difíceis de entender sem rostos.

A maior força de James Holland como historiador militar é que ele traz humanidade para seu trabalho - uma característica rara em um campo de pesquisa que às vezes pode parecer dominado por aqueles obcecados por números. Onde outros recitam números de regimento e tamanhos de calibre, Holland está interessado nos homens por trás dos fatos sem rosto.

Os tripulantes do tanque Sherman, L/Cpl S. James e o Sgt H. Coe, da 27ª Brigada Blindada britânica seguram uma bandeira nazista alemã que capturaram durante o ataque a Caen, na França, em 10 de julho de 1944.

Em Brothers in Arms, ele convida seus leitores a seguir os Sherwood Rangers, um regimento de tanques britânico, em seu caminho das praias da Normandia para a Alemanha quando a Segunda Guerra Mundial chegava à sua conclusão sangrenta. Com base em uma ampla gama de fontes, ele pinta um quadro notavelmente vívido do que seus elementos suportaram e alcançaram nos estágios finais do conflito.

Como uma mosca na parede interior pintada de branco do tanque Sherman, observamos o ar quente e cheio de fumaça que faz a tripulação sufocar enquanto o exaustor se esforça para limpar a fumaça. Quando o tanque não está se movendo ou disparando, o ar viciado cheira a "comida, suor e mijo", Holland nos informa em seu tom prático. Não havia nada de glorioso nos alvos lentos nos quais seus heróis se dirigiam para a Renânia.

Nos tanques estavam sentados homens como o Capitão Keith Douglas, de 24 anos, possivelmente o melhor poeta da guerra, mas um personagem um tanto volátil. Embora tivesse uma origem originalmente confortável de classe média, ele nutria um profundo ressentimento por sua criação. Seu pai perdeu seu negócio de frangos, enquanto sua mãe sofria muito com problemas de saúde. Quando os pais de Douglas se divorciaram e seu mundo desmoronou com o casamento, isso deixou uma marca permanente em sua alma sensível. No fogo da guerra, no entanto, ele encontrou uma alma gêmea em John Bethell-Fox, com quem serviu no Norte da África. O exército se tornou uma segunda família para o escritor altamente sensível, e ele esperava imortalizar seus amigos em um relato soberbamente escrito de sua ação juntos, para o qual ele já havia recebido um contrato de publicação.

Um tanque Sherman da 8ª Brigada Blindada britânica em Kevelaer, na Alemanha, 4 de março de 1945.

Bethell-Fox escreveria mais tarde que um ‘tanque em chamas é incrível de assistir’, lembrando o momento em que viu dois tanques sendo atingidos e acesos em chamas por um longo tempo. Quando ele correu de volta para seu próprio tanque, ele descobriu que ele também havia sido atingido e a tripulação gravemente ferida. Tudo o que ele podia fazer era cobrir os homens e fornecer-lhes um pouco de morfina. "Eles simplesmente ficaram ali sangrando e em silêncio." Quando seus camaradas feridos foram finalmente apanhados por um jipe, ele se reportou a seu oficial superior. A luta ainda estava furiosa e granadas de morteiro se espatifavam ao redor deles quando Bethell-Fox foi informado de que seu amigo Keith Douglas morrera de uma explosão. "Eu simplesmente fiquei olhando," escreveu ele, "e senti lágrimas quentes escorrendo pela minha bochecha".

Douglas foi um dos 148 Sherwood Rangers mortos em combate. As baixas da unidade somaram cerca de 40 por cento do regimento, uma figura enorme, mas que permanece uma estatística fria sem as histórias dos homens por trás dela. Douglas era um homem complexo que achava difícil se relacionar com seus colegas rangers, a quem acusava de esnobismo. Mas ele encontrou consolo na escrita, bem como em sua amizade profunda e real com Bethell-Fox. Ele tinha apenas 24 anos quando foi morto de repente - vivo e bem em um momento, desaparecido no seguinte.

Brothers in Arms faz mais do que apenas contar a história dos Sherwood Rangers. Depois de entrevistar veteranos, falar com suas famílias, ler suas cartas, ver suas fotos e trilhar seus caminhos, Holland mergulhou em seu mundo e trouxe seus personagens à vida. Por trás das 148 mortes estavam 148 vidas com famílias, relacionamentos, agitação e alegria. O livro é um lembrete poderoso e comovente de que há tragédia nas estatísticas.

Katja Hoyer é uma historiadora anglo-alemã, seu último livro é Sangue e Ferro: A Ascensão e Queda do Império Alemão 1871-1918.

segunda-feira, 18 de outubro de 2021

Basra: O "Momento de humilhação final" da Grã-Bretanha no Iraque

Militares do Exército Britânico, um deles dobrando a Union Jack, transferiram o comando da província de Basra, rica em petróleo, no sul, para os Estados Unidos em março de 2009.
(Jehad Nga / The New York Times / Redux)

Extrato do livro The Changing of the Guard (A Troca da Guarda), de Simon Akam.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 18 de outubro de 2021.

Esta é uma história sobre o nadir, o fim dos dias. Segunda-feira, 24 de março de 2008, marcou cinco anos após o mês depois da chegada do Exército Britânico no Iraque, pregando aos americanos sua aparente perícia em operações de contra-insurgência e compreensão, no vernáculo histórico da classe alta britânica, das múltiplas formas "do Árabe." Esta é a história de como essa complacência - o legado reivindicado do policiamento imperial e de Belfast; da Grécia-a-sua-Roma e o desprezo anglo-americano mal-disfarçado - tornou-se aparente.

O Exército Britânico cometeu aquela falha espantosamente comum do século XXI: exalava superioridade em relação a uma entidade exterior, e então sentiu uma surpresa genuína quando aquela mesquinhez não gerou admiração e sentimento de companheirismo em troca.

E quando o Exército Britânico em Basra, sul do Iraque, experimentou o que alguns observadores descreveriam mais tarde como o maior desastre militar britânico desde Suez em 1956, ou a queda de Cingapura em 1942 - embora outros contestem o drama dessas comparações - a própria instituição iria, em um nível mais amplo, começar a se envolver em um programa de reforma por atacado (e muito necessária).

Em 2008, para o Exército Britânico, os caminhos do fracasso e da melhoria se cruzaram.

Esta semana de março era para ser o descanso e recuperação do Brigadeiro Julian Free, uma oportunidade no meio da viagem para voltar à Europa para o comandante de 45 anos da 4ª Brigada Mecanizada do Exército Britânico. No entanto, o Major General Barney White-Spunner, responsável pela divisão e chefe de Free, pediu para trocar com ele e, bem, White-Spunner superou Free. Portanto, em 24 de março, com o primeiro-ministro iraquiano Nuri al-Maliki vindo de Bagdá para Basra com metade de seu governo a reboque, era Free quem estava esperando por ele, enquanto White-Spunner estava na estação de esqui austríaca de Zürs.

Maliki não era fã do Exército Britânico. Ele o culpou publicamente a terrível situação no sudeste do Iraque, e em Basra em particular. Mas, naquele momento, ele esperava salvar uma operação de limpeza na cidade, lançada impulsivamente para finalmente resolver a ferida purulenta em que Basra havia se tornado. O primeiro-ministro desejava ir do aeroporto ao Palácio de Basra, o antigo edifício de Saddam no centro da cidade, às margens do Shatt al-Arab. Mas sua operação estava começando a sair dos trilhos e o caos na cidade significava que a única maneira viável era por meio de helicópteros da base britânica no aeroporto.

Free encontrou Maliki no edifício do terminal e o primeiro-ministro apertou sua mão, aparentemente sem saber quem era o oficial. Free, no entanto, apertou a mão de Maliki com as duas mãos, no estilo iraquiano - proporcionando assim um melhor agarramento porque o primeiro-ministro não conseguiria se afastar, permitindo que Free transmitisse uma mensagem a ele. “Faríamos o que fosse necessário para apoiar as forças iraquianas entrando em Basra”, disse Free.

Um dia antes, as tropas iraquianas começaram a aumentar em quantidade no enorme acantonamento britânico no aeroporto de Basra. No total, 28.000 soldados iraquianos e americanos (700 deles iraquianos) chegariam em uma semana. Lá fora, a 14ª Divisão do Exército Iraquiano - treinada pelos britânicos - foi desdobrada em Basra para reprimir a insurreição na cidade, mas uma das três brigadas constituintes da divisão simplesmente se dissolveria, deixando de existir como uma entidade militar. Na primeira semana da operação, 50 mortos e mais 650 feridos passariam pelo hospital britânico no campo de aviação.

Dentro do terminal, o Tenente-General Mohan al-Furayji, chefe do Comando de Operações de Basra, um quartel-general iraquiano que comandava todas as forças de segurança iraquianas na província de Basra, incluindo exército, polícia e forças de fronteira, estava em um canto. Furayji era para ser o homem que ajudaria a colocar Basra sob controle, mas naquele momento, ele pensou que seria demitido por Maliki e implorou a Free para intervir. Free não teve a chance de defender Furayji: Maliki, assim que teve sua mão de volta, não queria contato com a liderança britânica. Sua intenção era simplesmente transferir seu grupo em helicópteros para chegar ao palácio.

O primeiro-ministro permaneceu em um canto do terminal com Furayji. Free estava com Ben Ryan, um major dos Royal Dragoon Guards. Maliki levantou-se apenas quando os helicópteros estavam prontos e partiu com Furayji. Free e Ryan foram deixados no aeroporto. O primeiro-ministro iraquiano acaba de esnobar publicamente o alto oficial britânico no sul do Iraque.

"E agora?" Ryan perguntou.

"Não tenho bem certeza, Ben", respondeu Free.

Uma banda dos Royal Marines espera a chegada dos VIPs para a cerimônia do dia em uma cerimônia de transferência do comando da coalizão do aeroporto de Basra em março de 2009.
(Jehad Nga / The New York Times / Redux)

Esta operação iraquiana deveria acontecer meses depois e com preparação cuidadosa, mas a pedido de Maliki foi precipitada para uma ação imediata e caótica. Os americanos decidiram que, por mais desorganizado que fosse, a vida política de Maliki estava investida nisso, e Maliki era o homem deles. Para manter o empreendimento de trilhões de dólares da guerra no Iraque, a operação do primeiro-ministro não podia falhar. Como resultado, o Tenente-General Lloyd Austin - comandante do Corpo Multinacional - Iraque, a organização responsável pelo comando e controle das operações da coalizão no país, e segundo em antiguidade apenas para o General David Petraeus - desceu a Basra. Austin, agora secretário de defesa de Joe Biden, era um conceito estranho nos círculos militares britânicos em 2008: um general negro.

Free viajou com Austin para o palácio de helicóptero. “Olha, Julian, não acho que você pode entrar”, lembrou Free de Austin dizendo quando eles chegaram. Free disse que entendia; Maliki não queria ver nenhum britânico. (Austin não respondeu a um pedido de entrevista para este livro.)

A cena no palácio era caótica, com xeiques locais vindo para ver Maliki e todo o governo iraquiano residindo efetivamente. Soldados iraquianos perambulavam, mas o local também sofria ataques periódicos de foguetes. Se um [foguete] atingisse Austin, Free lembrou-se de ter pensado, deixe-me ficar bem ao lado dele. O resultado de tal situação seria impossível.

Maliki deixou Austin esperando por horas, mas eles eventualmente realizaram sua reunião. Levar Austin de volta ao campo de aviação foi difícil, no entanto: os pilotos americanos pegaram Austin e Free do campo de aviação, mas um helicóptero americano se recusou a pousar para recolhê-los, citando os ataques, então Free convocou um helicóptero Merlin britânico. O Palácio de Basra é na verdade uma série de estruturas em um vasto complexo fechado com um perímetro total de 8km e, em meio a alguma confusão, Austin, Free e sua comitiva foram levados para o local de pouso errado, de modo que o helicóptero britânico decolou inicialmente sem eles. Free teve que chamar a aeronave de volta, e Austin foi incluído.

O helicóptero também carregava iraquianos feridos de volta ao campo de aviação, então Austin acabou segurando um soro intravenoso durante o vôo. De acordo com a prática britânica para evitar o fogo antiaéreo, o Merlin saltou por toda parte, em um ponto passando por baixo de uma linha de energia. Depois que pousaram no campo de aviação, Free disse que Austin recorreu a um soldado antigo que o acompanhava na viagem e pediu-lhe que classificasse a viagem em termos de experiências de vida de todos os tempos, em uma escala de um a dez.

"Isso foi um 10, senhor."

“Não, foi um 11.”


O interlúdio mais leve foi breve. De volta ao escritório de Free, o oficial britânico disse que Austin perguntou a ele como ele iria resolver a situação na cidade. De acordo com Free, ele disse a Austin que faria o que foi proibido até agora: enviar tropas britânicas para a cidade e se associar a unidades iraquianas. Free disse que Austin perguntou se ele tinha autoridade para fazê-lo e que ele respondeu que, embora não tivesse, o faria de qualquer maneira.

Nesse estágio de sua turnê, Free sabia que, para os americanos, “sua palavra” e “dizer a verdade” eram absolutamente vitais. Em troca, ele listou seus requisitos, dizendo a Austin que precisava do Blue Force Tracker, a tecnologia americana para monitorar a localização de unidades amigas, bem como faróis localizadores pessoais, para que, se as forças que operavam com os iraquianos fossem sequestradas, elas pudessem ser rastreadas.

Austin vôou de volta para Bagdá, mas não foi o único americano a visitar Basra. Os Estados Unidos precisavam fazer esse trabalho e, de repente, pela primeira vez neste empreendimento de meia década, Basra era o foco dos eventos no Iraque: o "principal esforço do 'corpo'".

Em 28 de março, o Major-General George Flynn, vice de Austin no Corpo Multinacional - Iraque e um nova-iorquino baixo e enérgico, vôou com o Coronel Chuck Otterstedt, um oficial de planejamento do estado-maior do 18º Corpo Aerotransportado (XVIII Airborne Corps) dos EUA, outro assessor, a equipe de segurança de campanha de Flynn e um intérprete.


Flynn mais tarde participou de uma reunião de altos comandantes britânicos e americanos, sentados na cadeira de White-Spunner, que ainda estava de férias. Free o apresentou e presidiu a reunião. Exatamente o que Flynn disse nesta fase é contestado - as lembranças de Free e Flynn diferem - mas ele se referiu à capacidade da Grã-Bretanha para "overwatch" (vigiar), onde uma força militar é mantida fora da área de combate, mas pode intervir em apoio a outra, se necessário.

“Fui enviado aqui para garantir que a overwatch (vigilância) não volte a falhar”, é a versão que Free lembrou, e que mais tarde se tornou uma apresentação oficial do evento. “Overwatch tem tudo a ver com consciência situacional, o que você não tem.”

“Foi”, lembrou o Tenente-Coronel Paul Harkness, um oficial britânico que estava presente, “o momento de humilhação e constrangimento definitivos”.

O que quer que Flynn tenha dito com precisão, o grafite americano escrito na parede azul de um banheiro portátil que Eric Whyne, um capitão fuzileiro naval americano, viu naquela época era totalmente inequívoco.

P: Quantos britânicos são necessários para limpar Basra?

R: NENHUM. ELES NÃO PUDERAM MANTÊ-LA, ENTÃO MANDARAM OS FUZILEIROS NAVAIS.