quinta-feira, 11 de fevereiro de 2021

LIVRO: A mudança da Guarda - O Exército Britânico na Guerra ao Terror

Corações e mentes... um jovem atira uma pedra contra soldados britânicos durante um protesto violento de candidatos a emprego em Basra, março de 2004. (Atef Hassan / Reuters)

Por Jason Burke, The Guardian, 10 de fevereiro de 2021.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 11 de fevereiro de 2021.

The Changing of the Guard: The British Army Since 9/11, de Simon Akam - a verdade sobre o exército britânico. Uma investigação rigorosa expõe uma instituição com capacidade limitada de mudança - o que significa que as coisas dão muito errado no campo de batalha.

Na Grã-Bretanha, o exército é uma das poucas instituições às quais é quase impossível submeter-se a críticas sérias sem provocar indignação. Uma razão é que qualquer pessoa que levantar a possibilidade de que não seja um campeão mundial corre o risco de acusações de serem antipatrióticos e desrespeitosos para com os bravos homens e mulheres que colocam suas vidas em risco para nos manter seguros.

Outra razão, que o autor Simon Akam explora detalhadamente em seu excelente e valioso livro, é que o exército britânico fez grandes e muitas vezes eficazes esforços para encerrar qualquer crítica, construtiva ou não. A publicação do livro foi repleta de dificuldades à medida que o establishment militar cerrou fileiras. (A editora original foi a Penguin Random House, que colocou o livro em espera, dizendo a Akam que havia um “nível sem precedentes de retirada de apoio e cooperação de fontes múltiplas ao livro”). Isso por si só já ajuda a substanciar a poderosa acusação do autor de que o exército, uma instituição reflexivamente defensiva, instintivamente conservadora e opaca, tem capacidade limitada de adaptação às mudanças, sejam militares, sociais ou políticas. E isso significa que as coisas dão errado.

Nem tudo o que deu tão errado no Iraque e no Afeganistão pode ser convenientemente atribuído aos políticos ou aos mesquinhos mandarins do Tesouro. Como mostra Akam, os oficiais superiores cometeram graves erros de julgamento. Alguns podem ter ficado traumatizados ou exaustos, mas outros podem simplesmente não ter sido particularmente competentes. Há muito material aqui sobre as rivalidades pessoais entre o número relativamente pequeno de soldados seniores do exército relativamente pequeno da Grã-Bretanha.

A narrativa densa e detalhada do livro começa em 2002 com um veterano especialista dando uma exibição virtuosa da guerra blindada em um campo de treinamento canadense. Ele recebe elogios generalizados de seus oficiais superiores, embora este tipo de combate seja inadequado para as guerras que seus companheiros de armas estão prestes a travar - e apesar do uniforme de oficial nazista que ele está usando por baixo do britânico.

Mas isso aparentemente está bem no exército britânico, no alvorecer do novo milênio. Akam nos leva para os quartéis e bases na Alemanha às vésperas da guerra do Iraque. Há oficiais chiques que só bebem champanhe Pol Roger, sessões de cerveja "beba até morrer" para outras patentes, rituais terríveis para humilhar novos recrutas, uma hierarquia inflexível, esnobismo e quase ninguém que tenha realmente lutado. Akam aponta que, ao contrário de quase todas as outras profissões, os soldados podem passar décadas treinando sem realmente fazer o que foram treinados para fazer: combate.


E assim, para a derrocada do exército britânico no Iraque, que veio depois de anos de soldados de alta patente dizendo a jornalistas, políticos e todos os outros que eles enfaticamente não eram como os americanos, porque o Reino Unido tinha visto conflitos de baixa intensidade na Irlanda do Norte, no Iêmen e na Malásia e dessa forma entendiam como “ganhar corações e mentes”. Quando eu estava relatando o conflito, acompanhei patrulhas na cidade de Basra, no sul do Iraque, dadas aos britânicos por planejadores americanos enquanto se dirigiam para o norte, para Bagdá. Os soldados usavam boinas, não capacetes, e eram liderados por sargentos berrando “Salaam alaikum” em fortes sotaques regionais para moradores locais desconcertados.

Dirigi até uma pequena cidade chamada Majar al-Kabir onde, poucos meses após a invasão de 2003, seis policiais militares britânicos em uma missão de treinamento foram linchados. Eu ouvi o que as pessoas tinham a dizer sobre os assassinatos, e ficou claro que a confiança do exército britânico em seu suposto know-how estava totalmente equivocada. No final, os EUA tiveram que intervir. Akam também fez um trabalho minucioso nos alegados abusos cometidos pelas tropas britânicas durante o conflito.

No Afeganistão, a partir de 2006, uma série de outras deficiências foram reveladas. Nunca houve tropas suficientes, nem helicópteros, nem o equipamento adequado. Uma política de rotações de seis meses para as unidades promoveu rivalidades e descontinuidades dramáticas. As cadeias de comando eram incrivelmente complexas. "Pornô de guerra" filmado em smartphones de soldados durante o combate não foi apenas tolerado, mas ativamente disseminado por oficiais, enquanto dezenas de livros cheios de histórias de coragem em batalha foram apoiados por oficiais superiores. Essa cultura de violência de vídeo game e uma perseguição frenética por medalhas tornaram-se o pivô para uma estratégia menos “cinética” muito difícil de executar quando os comandantes decidiram que uma mudança de abordagem era necessária. No Afeganistão, como no Iraque, os militares americanos vieram para terminar trabalhos que os britânicos não conseguiram. Quando as guerras no Iraque e Afeganistão terminaram, houve grandes inquéritos públicos que receberam muita atenção, mas quase nenhum escrutínio sério ou sanção para os soldados de alta patente.

Este é um livro longo. Existem capítulos de investigação útil e rigorosa de alegados abusos cometidos por tropas britânicas em ambos os teatros, e isso pode ter explicado a ira de alguns entrevistados. É impressionante que Akam tenha se dado ao trabalho de entrevistar prostitutas sobre os soldados britânicos assustados que vinham até elas para conversar com tanta frequência quanto para fazer sexo na véspera da guerra do Iraque. O detalhe muitas vezes contribui para episódios individuais emocionantes, mas às vezes obscurece o argumento geral e a narrativa.

Seria injusto esperar mais análises ou relatórios do contexto mais amplo da intervenção britânica no Iraque ou no Afeganistão em uma obra que levou cinco anos para ser escrita. Mas sem ela, o fator mais importante para o sucesso ou fracasso - a política local e regional - é subestimado. Em ambas as guerras, o autoproclamado “melhor pequeno exército do mundo” foi apenas um ator secundário e teve um impacto limitado. Esta é outra verdade amarga que muitos soldados de alta patente têm dificuldade em aceitar. Nisso, pelo menos, o exército é um representante do país pelo qual luta.


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