quarta-feira, 13 de julho de 2022

LIVRO: Caminhos da Glória, O Exército Francês 1914-1918

Metralhadora francesa Hotchkiss, 1918.
(Arte de ANYAN, @jk100687)

Resenha do livro Paths of Glory: The French Army 1914-1918 (Caminhos da Glória: O Exército Francês 1914-1918), de Anthony Clayton, pelo Tenente-Coronel Dr. Robert Forczyk.


Ótimo esforço, mas muito curto [4 estrelas]

Por Robert Forczyk, 5 de dezembro de 2003.

Em Paths of Glory, o ex-professor de Sandhurst, Anthony Clayton, fornece a primeira história completa do exército francês na Primeira Guerra Mundial. Embora a narrativa seja um pouco curta (200 páginas) e não ofereça a profundidade necessária para analisar as operações em detalhes, o trabalho de Clayton representa uma excelente visão geral do exército que suportou o maior peso da luta pelos Aliados na Frente Ocidental em 1914-1918.

O 114º Regimento de Infantaria em Paris, 14 de julho de 1917.

Clayton também ressalta que esse exército, muito difamado por causa de sua má preparação para o combate em 1914 e desempenho lamentável em 1940, ainda era capaz de quatro anos de combate sustentado contra o melhor exército do mundo. Para os leitores acostumados a ver a Frente Ocidental através dos olhos alemães ou britânicos, este volume oferece uma alternativa maravilhosa.

Clayton começa Paths of Glory com um capítulo sobre a ofensiva francesa das fronteiras em 1914 e depois retrocede no segundo capítulo para discutir a estratégia e a doutrina pré-guerra. Depois disso, Clayton dedica um capítulo às operações em cada ano da guerra, além de um capítulo separado sobre os desenvolvimentos dentro do exército francês. Há também um capítulo separado sobre operações periféricas envolvendo os franceses (Gallipoli, Salônica, Itália, África e Oriente Médio).

Os apêndices incluem ordem de batalha em 1914, organização tática, recrutamento e reservas, equipamentos, biografias em cápsulas dos principais generais franceses e a carreira de um único regimento de infantaria francês em 1914-1920. Clayton inclui 14 mapas de esboço simples, que infelizmente apenas alguns descrevem movimentos ou disposições operacionais. O autor também inclui 43 fotografias, desde líderes, equipamentos e até cenas táticas.

Clayton avalia o principal problema francês em 1914 como uma falha da "inteligência estratégica" em não prever que o principal exército alemão cairia sobre a Bélgica ou que formações de reserva seriam usadas no primeiro escalão do inimigo. Esta avaliação de inteligência defeituosa levou a um plano ofensivo precipitado conhecido como "Plano XVII", que foi prejudicado pela rígida adesão a uma doutrina tática defeituosa, comandantes idosos e artilharia pesada inadequada. Apesar de todas as falhas militares francesas, o exército francês de alguma forma sobreviveu às pesadas perdas nas batalhas das fronteiras e conseguiu frustrar a investida alemã em Paris por um rápido reposicionamento de forças.

Soldados franceses sob bombardeio de artilharia em Verdun, 1916.

Clayton não faz um trabalho particularmente bom em avaliar como os franceses foram capazes de evitar a derrota em 1914, mas tende a favorecer a liderança "dura" de Joffre, Foch e um punhado de outros comandantes franceses de nível operacional. No entanto, a defesa de Clayton do estilo de comando de Joffre soa vazia; certamente Napoleão não teria estimado muito em um comandante que enfatizasse refeições regulares e sono ininterrupto em vez de visitar suas tropas.

Clayton se concentra fortemente em questões de moral - sempre críticas para os exércitos franceses - nos capítulos sobre Verdun e os motins de 1917. O motim é avaliado como relativamente limitado em escopo, mas extenso em efeitos de longo prazo. Talvez os melhores capítulos de Paths of Glory cubram o período pós-motim em que Pétain foi capaz de liderar o derrotado exército francês através de um período de recuperação. Embora a carreira posterior de Pétain como líder da França de Vichy tenha obscurecido seu nome, suas habilidades de liderança com um exército profundamente chocado foram surpreendentemente eficazes. De fato, Pétain não só foi capaz de reconstruir o moral do exército francês, mas também de re-equipar e re-treinar as forças para lutar uma guerra moderna; o resultado foi um exército francês muito mais poderoso em 1918 (embora frágil).

Embora Clayton ofereça algumas informações úteis em alguns lugares - como informações sobre o desenvolvimento de tanques franceses ou a maior dependência de tropas africanas - o volume é um pouco excessivamente uma visão geral, embora com uma perspectiva gaulesa. De fato, Clayton escreve bem e oferece uma excelente visão sobre as capacidades de combate do tão difamado exército francês, mas o leitor sairá deste livro desejando que ele tivesse 200 páginas a mais.

Sobre o autor:

Tenente-Coronel Dr. Robert Forczyk é PhD em Relações Internacionais e Segurança Nacional pela Universidade de Maryland e possui uma sólida experiência na história militar européia e asiática. Ele se aposentou como tenente-coronel das Reservas do Exército dos EUA, tendo servido 18 anos como oficial de blindados nas 2ª e 4ª divisões de infantaria dos EUA e como oficial de inteligência na 29ª Divisão de Infantaria (Leve). O Dr. Forczyk é atualmente consultor em Washington, DC.

Vídeo recomendado:

O planejamento e combate da França nos primeiros meses da Primeira Guerra Mundial, pelo General Robert Doughty

terça-feira, 12 de julho de 2022

SIG SAUER MCX SPEAR. Olá XM-7! Adeus M4A1.


SIG SAUER MCX SPEAR - XM-7
FICHA TÉCNICA
Tipo: Fuzil de assalto.
Miras: Alça e massa em aço removíveis, podendo ser empregados sistemas óticos diversos presos ao trilho integral da arma.
Peso (vazio): 3,80 kg
Sistema de operação: A gás com trancamento rotativo do ferrolho.
Calibre: 277 Sig Fury (6,8x51mm).
Capacidade: 20 munições.
Comprimento Total: 86 cm.
Comprimento do Cano: 13 polegadas.
Velocidade na Boca do Cano: 884 m/seg.
Cadência de tiro: 800 tiros/ min.

Por Carlos Junior

CONTEXTUALIZANDO UM PROBLEMA
Dentro da realidade das guerras, onde o vídeo game não é capaz de retratar as dificuldades inerentes ao combate de forma leal, muitas coisas que deveriam funcionar perfeitamente, simplesmente podem não funcionar, colocando uma dificuldade enorme nas costas dos soldados em meio a batalha. Uma dessas situações é a da ineficácia da munição em calibre 5,56 mm em alguns ambientes de batalha onde o inimigo se encontrava a distancias maiores de 250 ou 300 metros e ainda, usando vestes pesadas, cheias de equipamentos como cintos de carregadores extras pelo corpo ou mesmo coletes balísticos. Os militares norte americanos tiverem dificuldades em abater com apenas um tiro de suas carabinas M-4A1 em calibre 5,56 mm, afegãos do talibã que estavam exatamente nessas circunstancias. Muitas vezes era necessário acertar 3 ou 4 vezes para por o inimigo fora de combate. Dentro da urgência de mudanças para se atenuar esse problema, foi desenvolvido munições especiais como o 5,56 mm MK262, criada pela empresa Black Hills dos Estados Unidos que ajudou a atenuar esses problemas de desempenho de "parada" das carabinas M-4A1. 
Mais recentemente, em 2017, o governo dos Estados Unidos, através de seu congresso, normalmente muito envolvido com as necessidades militares e de defesa do país, enviaram uma ordem ao Exército dos Estados Unidos para que se estudassem a necessidade de atualizar as carabinas M-4A1. Porem, embora a arma seja adequadamente confiável dentro das varias modernizações pelo qual essa plataforma AR vem recebendo no decorrer de tantos anos em operação, o problema da falta de capacidade de derrubar um inimigo equipado com uniforme pesado, se manteve, deixando claro a necessidade de se mudar de munição.
Seguindo esta sequencia de acontecimentos, o Exército dos Estados Unidos (US Army) emitiu um requerimento para as industrias de defesa que apresentassem protótipos de uma uma nova metralhadora leve, sob o programa Next Generation Squad Weapon (NGSW-AR), que substituirá as M-249 Minimi em calibre 5,56 mm, e também, um novo fuzil de assalto Next Generation Squad Weapon - Rifle (NGSW-R), ambos em calibre 6,8 mm.
As propostas recebidas foram das seguintes empresas:
FN Herstal:  Apresentou uma versão de seu excelente FN SCAR, batizado de HAMR NGSW (Heat Adaptive Modular Rifle), projetado para calçar munição em calibre 6,8 mm e uma metralhadora leve chamada EVOLYS, que era projetada para usar munição 7,62X51 mm e a 5,56X45 mm (a famigerada 556).
FN HERSTAL HAMR NGSW

PCP Tactical: A fabricante de armas de fogo norte americana Desert Tech se uniu a empresa de munições PCO Ammunition para oferecer um fuzil Bullpup MDR de sua linha de produção, porém com modificações para que atingissem os requisitos do Exército dos Estados Unidos, para o programa NGSW. Uma das modificações foi a incorporação de uma nova munição em calibre 6,8 mm com o cartucho fabricado em polímero, ao invés do tradicional latão.
PCP TACTICAL/ DESERT TECH MDRX

Textron  Systems: Embora a Textron seja lembrada mais pela sua indústria aeronáutica com seus helicópteros Bell Textron, ela se engajou na programa NGSW aliada a Heckler & Koch (HK) e Winchester (fabricante de munição) para propor seu NGSW CT Rifle que usa uma munição onde o projetil cercado pelo propelente encapsulado dentro do cartucho. Uma solução bastante arrojada para a nova munição em calibre 6,8 mm exigida pelo exército.
 Textron CT System Rifle 

LoneStar Future Weapons & Beretta USA: Um dos dois finalistas da concorrência foi o fuzil Bullpup RM-277R no calibre 277 TVCM, que usa uma munição com estojo de polímero com insertos de metal, garantindo uma redução na ordem de 30% no peso em relação a uma munição 7,62x51 mm padrão.
Beretta RM-277R

SIG Sauer: A proposta vencedora do programa NGSW foi a da famosa empresa SIG Sauer, que há pouco tempo atrás venceu a concorrência para substituir a pistola Beretta M9 no Exército dos Estados Unidos com sua P-320 (já apresentada no WARFARE Blog). A Sig apresentou o seu fuzil MCX SPEAR, uma versão modificada de sua carabina MCX já comercializada no mercado civil  norte americano e militar. A partir de agora, detalharei esse fuzil que passou a ser chamado de XM-7
SIG SAUER MCX SPEAR

REVOLUCIONANDO SEM ASSUSTAR.
No dia 19 de abril de 2022, o processo de escolha das propostas para o programa NGSW foi encerrado com a apresentação da empresa vencedora como sendo a SIG Sauer (novamente) com seu modelo MCX SPEAR que passou a ser identificada dentro do Exército dos Estados Unidos como XM-5 inicialmente, sendo esse "X" uma identificação de "Experimental" e já dando a ideia que a arma poderá (e de fato vai) ser modificada e aperfeiçoada nessa fase, até entrar em operação nas mãos dos soldados. No entanto, em janeiro de 2023, o Exército dos Estados Unidos rebatizou o novo fuzil de XM-7 para evitar problemas com a Colt que já havia registrado o nome "M-5" para um de seus armamentos.
É importante notar que a escolha não se limita, apenas, ao fuzil, mas também a munição que é de projeto próprio da SIG Sauer. No caso, a nova e potente munição 277 Sig Fury, (6,8X51 mm).
Uma vez reforçado isso, vamos ao armamento. o MCX SPEAR tem seu desenho externo fortemente baseado na plataforma AR, porém, não no AR-15, e sim no AR-10, a versão fuzil de batalha em calibre 7,62X51 mm. Assim, o "túnel" do carregador é compatível com carregadores do AR10 em calibre 7,62X51 mm, sendo, no entanto, necessário a troca do conjunto de canos e molas do ferrolho para converter o calibre do SPEAR no 7,62 mm.
A escolha por manter as linhas externas gerais da proposta do NGSW dentro da aparência de um "AR" foi bastante inteligente por  vários motivos. Primeiro posso dizer que é um desenho altamente funcional. Ergonomicamente, funciona bem para a mobilidade do operador. Em segundo lugar, o design AR permite não causar estranheza aos usuários finais da arma. Os botões de seletor de fogo e segurança, o botão de liberação do carregador e a alavanca de manejo estão onde qualquer operador do fuzil AR-15/AR10 esperam encontrar. isso agiliza o treinamento e adaptação dos operadores acostumados com uma plataforma que estava com 65 anos de uso em 2022, ano da decisão da concorrência.
A aparência geral externa é a de um fuzil da plataforma AR. Aqui, devido ao novo e maior calibre, a arma se baseia no AR-10 em calibre 7,62x51 mm.
Internamente, o funcionamento do XM-7 faz uso do sistema de ferrolho com trancamento rotativo e aproveitamento dos gases que move um pistão de curso curto (como no HK416), e que garante que a arma funcione bem, mesmo em condições desfavoráveis de limpeza. Há um botão regulador de pressão que é acionado para operar em condições normais ou em condições adversas (arma muito suja). Uma curiosidade do sistema de funcionamento do XM-7 é que além da alavanca de manejo na parte de de cima da arma como no M-4, ainda há uma segunda alavanca de manejo posicionado na lado esquerdo da arma que funciona de forma não solidária com a janela de ejeção. Outro detalhe que podemos observar no XM-7 (assim como nos concorrentes derrotados nessa concorrência) é que há um supressor de ruído que vem de fábrica. Esse dispositivo permite uma redução do estampido do disparo que nesse calibre, é particularmente alto.
Nessa foto podemos observar o supressor de ruído e o botão dentro do guarda mão, acima do cano, que faz a regulagem da entrada de gases entre "normal" e "adverso" (arma suja) que facilita a operação em condições desfavoráveis de limpeza.

Desmontagem de primeiro escalão do SIG XM-7.

A MAIOR REVOLUÇÃO ESTÁ NA SUA MUNIÇÃO.
A munição desenvolvida peça SIG Sauer para cumprir os requerimentos do Exército é a 277 SIG Fury. Trata-se de uma munição em calibre 6,8x51 mm colocada em um cartucho hibrido com corpo de latão e base de aço inoxidável. O cartucho é, basicamente, um cartucho da munição 7,62X51 mm, com o "gargalo"  recalibrado para o 6,8 mm. O resultado é uma munição que opera com altíssima pressão (80000 PSI), capaz de perfurar coletes balísticos padrão das forças armadas russas e chinesas à uma distancia de 600 metros (coisa que o 5,56 mm não consegue nem a 300 metros). 
Para se ter uma ideia de comparação, uma carabina M-4, em calibre 5,56X45 mm dispara um projétil de 77 grãos à uma velocidade de 830 m/seg. O XM-7 dispara um projétil com quase o dobro de peso, 135 grãos, à uma velocidade de 910 m/seg. O resultado é um impacto muito maior e com capacidade de "parar" um inimigo com o dobro da distancia do 5,56 mm.
Notem nessa foto a munição calibre 277 Sig Fury 6,8x51 mm. Reparem a base em aço inoxidável que permite suportar a operação das fortes pressões que essa munição proporciona.

DETALHES ERGONOMICOS. 
Visualmente, como dito anteriormente, o XM-7 é bastante parecido com o AR15/10. Porém, uma das características mais marcantes dessa plataforma clássica é a mola recuperadora na coronha. No XM-7, assim como na plataforma MCX da SIG, da qual o XM-7 é uma versão, não tem a mola recuperadora montada na coronha. Assim, a coronha da nova arma pode ser rebatida e se pode disparar com ela nessa posição. Além do rebatimento, ela também tem regulagem de distancia, o que garante uma melhor adaptação ás preferencias do operador.
O guarda mão não tem contato com o cano da arma (cano flutuante) e possui encaixes padrão Mlock em toda sua extensão. Já a parte superior da arma possui um trilho padrão picatinny em toda sua extensão.
Ergonomicamente, o XM-7 mantém as boas qualidades da plataforma AR.

A empunhadura do XM-7 é menos inclinada que no M-4, o que também se traduz em uma empunhadura mais confortável.
O carregador do XM-7, fabricado em polímero tem menor capacidade que o do M-4. São 20 munições, frente à capacidade de 30 munições do M-4. A justificativa para essa redução se dá pela maiores dimensões da munição 6,8 mm quando comparado com o diminuto 5,56 mm. A maior capacidade efetiva da munição, também ajuda a justificar para alguns, a menor necessidade um carregador maior (não é meu caso, que considerei essa capacidade como uma deficiência do modelo). Uma curiosidade é que os carregadores de aço do fuzil AR-10 no calibre 7,62 x 51 mm são totalmente compatíveis com o XM-7.
 
CONCLUSÃO
O XM-7 é um produto premium de uma empresa que tem um histórico de excelentes produtos e que já faz parte da Historia das armas de fogo. Claro, diferentemente das pistolas P320 (M-17 e M-18) que a SIG Sauer fornece ao Exército dos Estados Unidos que aliam alta confiabilidade com um valor relativamente baixo, o XM-7 só tem em comum, a confiabilidade. O valor da arma é muito alto (cerca de 4 vezes o valor de uma M-4 fabricado pela Colt), reflexo da qualidade dos componentes deste fuzil de batalha que volta às mãos dos soldados norte americanos depois de 65 anos quando o fuzil M-14 em calibre 7,62 x51 mm foi substituído pelos pequenos M-16 (AR-15).
Essa escolha nos trás uma reflexão com relação à polemica envolvendo o conceito de "Poder de Parada" ou "Stopping Power" onde alguns especialistas argumentam ser uma lenda e o que vale é atingir o alvo nos pontos certos, independentemente de calibre enquanto que outros (eu me incluo nesse segundo grupo) defendem que o calibre influencia sim o poder de parar um adversário com apenas um disparo dentro das áreas vitais do tronco humano. O exercito mais poderoso do mundo decidiu voltar a suas raízes e trouxe um "calibrão" para seu novo fuzil padrão.
O novo fuzil será entregue às tropas do Exército dos Estados Unidos US Army no decorrer dos próximos 10 anos. Como se pode imaginar, substituir o armamento padrão da infantaria de um dos maiores exércitos do mundo não se pode fazer da noite para o dia. A produção da nova munição também corresponde a um desafio enorme a parte.

 

 

      

segunda-feira, 11 de julho de 2022

Parlamentares dos EUA pretendem integrar sistemas de defesa de Israel e 9 Estados árabes contra o Irã

O comandante da Guarda Revolucionária Iraniana, Major-General Hossein Salami (à direita) passa por um sistema de defesa aérea Khordad-3 durante uma visita a uma exposição no museu da Revolução Islâmica e Defesa Sagrada, na capital Teerã, em 21 de setembro de 2019.
(Atta Kenare/ AFP)

Por Jacob Magid, The Times of Israel, 10 de junho de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 11 de julho de 2022.

Projetos de lei bipartidários na Câmara e no Senado veriam Israel trabalhar com países como Iraque, Arábia Saudita, Omã, Kuwait e Catar – embora não esteja claro se eles estão a bordo.

Grupos bipartidários de legisladores dos EUA na Câmara e no Senado apresentaram legislação na quinta-feira destinada a criar um sistema integrado de defesa aérea para aumentar a cooperação entre Israel e Estados árabes vizinhos contra o Irã.

A Lei Dissuadir as Forças Inimigas e Habilitar as Defesas Nacionais (Deterring Enemy Forces and Enabling National Defenses, DEFEND) é o mais recente esforço nos EUA para reforçar os acordos de normalização dos Acordos de Abraham que o governo Trump intermediou entre Israel, Emirados Árabes Unidos, Bahrein e Marrocos em 2020.

A legislação autorizaria o Departamento de Defesa dos EUA a cooperar com Israel, Egito, Jordânia, Iraque e todo o Conselho de Cooperação do Golfo – Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Catar, Omã e Kuwait – para desenvolver e implementar uma arquitetura integrada de defesa aérea e antimísseis para se defender das ameaças iranianas.

Com exceção do Egito, Jordânia e – mais recentemente – Emirados Árabes Unidos e Bahrein, Israel não tem vínculos formais com os demais países listados na legislação norte-americana. Com alguns deles, mantém relações discretas que cresceram nos últimos anos para cooperar contra o Irã, mas o parlamento do Iraque aprovou no mês passado uma legislação que criminaliza a normalização dos laços com o Estado judeu.

Não ficou claro se algum dos países listados está a bordo de tal esforço ou se eles foram consultados pelos legisladores antes da divulgação da legislação.

A ideia de um sistema de defesa aérea conjunto entre Israel e seus vizinhos árabes não é nova, porém, e foi levantada durante a Cúpula do Negev de ministros das Relações Exteriores de Israel, EUA, Emirados Árabes Unidos, Bahrein, Marrocos e Egito em março passado. Também foi discutido em conversas entre os EUA e a Arábia Saudita que Washington espera que culmine em Riad tomando medidas para normalizar os laços com Israel.

A legislação também exigirá que o Departamento de Defesa emita um relatório ao Congresso sobre a viabilidade de estabelecer tal sistema de defesa aérea para combater os programas de mísseis balísticos, drones e foguetes do Irã dentro de 180 dias após sua aprovação.

O projeto de lei está sendo apresentado no Senado pelos democratas Jacky Rosen e Cory Booker e pelos republicanos Joni Ernst e James Lankford. Na Câmara, está sendo apresentado pelos democratas Brad Schneider, David Trone e Jimmy Panetta e pelos republicanos McMorris Rodgers, Ann Wagner e Don Bacon. Todos os co-patrocinadores são membros do Abraham Accords Congressional Caucus que foi estabelecido no início deste ano.

“O Irã está na linha de uma jarda em busca de uma arma nuclear e está ameaçando nossos aliados na região de várias outras maneiras. Fortalecer nossos aliados construindo a unidade e aprimorando as capacidades de segurança compartilhadas é fundamental para enfrentar as ameaças iranianas à região”, disse Schneider em comunicado.

“A liderança americana no desenvolvimento de defesa integrada aérea e antimísseis, forneceria segurança, estabilidade e defesa unificada essenciais à região. A Lei DEFEND é um excelente exemplo do importante trabalho bipartidário e bicameral que o Congresso deve priorizar em nossa busca pela paz e estabilidade regionais”, acrescentou.

sexta-feira, 8 de julho de 2022

FOTO: Soldados venezuelanos embarcando equipamento

Soldados venezuelanos embarcando armas e munição em um caminhão, 1962.

Por Filipe do A. Monteiro, Warfare Blog, 8 de julho de 2022.

Soldados do Exército venezuelano carregando munições e armas em um caminhão em 1962. Observe os fuzis FN FAL, um deles de primeira geração nas costas do soldado no centro, a metralhadora leve FN Modelo D e as granadas de morteiro no chão.

A Venezuela fez uma encomenda de 5.000 fuzis FAL fabricados pela FN em 1954, no calibre 7x49,15mm Optimum 2; este 7x49mm, também conhecido como 7mm Liviano ou 7mm venezuelano, é essencialmente um cartucho 7x57mm encurtado para comprimento intermediário e mais perto de ser uma verdadeira munição intermediária do que o 7,62x51mm OTAN.

Pacote de munição 7mm Liviano.

Este calibre incomum foi desenvolvido em conjunto por engenheiros venezuelanos e belgas motivados por um movimento global em direção aos calibres intermediários. Os venezuelanos, que usavam exclusivamente a munição 7x57mm em suas armas leves e médias desde a virada do século XX, sentiram que era uma plataforma perfeita para basear um calibre feito sob medida para os rigores particulares do terreno venezuelano. Eventualmente, o plano foi abandonado, apesar de ter encomendado milhões de munições e milhares de armas deste calibre.

Com a escalada da Guerra Fria, o comando militar sentiu que era necessário alinhar-se com a OTAN por motivos geopolíticos, apesar de não ser um membro, resultando na adoção do cartucho 7,62x51mm OTAN. Os 5.000 fuzis do primeiro lote foram recalibrados em 7,62x51mm.

O FAL e FAP venezuelanos do modelo 7mm Liviano.

Esse primeiro modelo de FAL venezuelano em 7mm também era equipado com um quebra-chama de três pontas distinto. Em 1961, um segundo lote de fuzis FAL foi encomendado no calibre 7,62mm OTAN, e as armas existentes também foram convertidas para esse calibre, com o FAL de 7mm existindo apenas brevemente, de 1954 a 1961, com a sua única ação real na Venezuela no golpe de 1958.

Um outro exemplo foi na Revolução Cubana. Ao marchar vitoriosamente em Havana em 1959, Fidel Castro carregava um FN FAL venezuelano em 7mm Liviano.

Bibliografia recomendada:

Latin America's Wars:
The Age of the Professional Soldier, 1900-2001.
Robert L. Scheina.

Leitura recomendada:

quarta-feira, 6 de julho de 2022

A primeira mulher piloto do Afeganistão agora está lutando para voar pelas forças armadas dos EUA

Niloofar Rahmani foi a primeira mulher piloto da Força Aérea Afegã.
Agora ela está de olho em voar pelos Estados Unidos.
(Foto cortesia de Niloofar Rahmani)

Por Mac Caltrider, Coffie or Die, 30 de junho de 2022.

Tradução Filipe do A. Monteiro, 6 de julho de 2022.

Quando ela era uma criança vivendo em Cabul sob o regime talibã, Niloofar Rahmani passava horas olhando para os pássaros e fantasiando sobre um dia compartilhar sua liberdade de voar. Sem oportunidades de receber uma educação formal, Rahmani nunca considerou a possibilidade de se tornar uma piloto quando crescesse. Mas graças à educação em casa que recebeu de sua mãe e à integração das mulheres nas forças armadas afegãs em 2009, Rahmani conseguiu tornar seu sonho realidade. Ela finalmente se tornou a primeira mulher piloto da Força Aérea Afegã e vôou em missões de combate durante a Operação Liberdade Duradoura (Operation Enduring Freedom).

Rahmani agora vive na Flórida com sua família, onde ela está trabalhando para voar novamente. Nós nos sentamos com ela para discutir sua jornada extraordinária, seu livro de memórias, Open Skies: My Life as First Female Pilot (Céus Abertos: Minha Vida como Primeira Piloto Mulher), e sua luta atual para se juntar às forças armadas dos Estados Unidos.

Esta entrevista foi editada por questão de extensão e clareza.

COD: Você nasceu em Cabul durante o período caótico que se seguiu à guerra soviético-afegã. Como foi crescer em um país instável e mais tarde sob o domínio do Talibã?

NR: Devido à guerra civil no Afeganistão, eu tinha apenas 6 meses quando meus pais deixaram o Afeganistão e nos mudamos para o Paquistão. Moramos lá por seis anos da minha vida e não tínhamos uma casa. Não tínhamos nada. Eu cresci em uma tenda de refugiados lá.

Quando criança, eu não tinha ideia de como era o Afeganistão. Eu não sabia onde era o meu país. Meus pais moraram lá nos anos 60 e o Afeganistão era um lugar completamente diferente. Nada perto de quando eu morava lá ou como é agora. Meus pais finalmente desistiram do Paquistão; não havia direitos para nós lá. Não podíamos ir para a escola como refugiados, minha mãe teve que nos educar em casa. O Afeganistão era a casa da minha família, então voltamos antes dos EUA chegarem em 2001. Mas quando voltamos, foi um pesadelo. Um verdadeiro pesadelo.

Todas as histórias que meus pais costumavam nos contar sobre o Afeganistão não pareciam verdadeiras porque tudo o que víamos eram essas pessoas assustadoras. Toda a cidade de Cabul era assustadora. Tenho algumas lembranças horríveis de mim e meus irmãos sendo crianças sob o controle do Talibã.

Niloofar Rahmani cresceu ouvindo histórias de seus pais sobre como era o Afeganistão antes do Talibã assumir o controle.
(Foto cortesia de Niloofar Rahmani)

Uma de minhas amigas morava ao nosso lado, e o Talibã a levou embora. Eles simplesmente a levaram embora. Tudo o que podíamos ouvir eram os gritos de sua mãe e depois dos gritos um tiro. Minha amiga se foi, e seu pai foi baleado na cabeça. É apenas um pesadelo que às vezes nem consigo pensar nisso. Houve tanta violência que o Talibã fez às mulheres, e todos os afegãos tiveram essas experiências com elas.

Eu me lembro deles. Simplesmente me dá dor de estômago pensar em uma vez em que vi minha mãe ser espancada pelo Talibã porque ela teve que levar minha irmã ao médico enquanto meu pai estava no trabalho. Minha irmã estava muito doente, então minha mãe teve que ser a única a levá-la ao hospital. Ela colocou a burca, mas esqueceu de cobrir totalmente as pernas e colocar as meias. O Talibã começou a espancá-la só porque ela mostrava parte das pernas. São apenas lembranças horríveis. Às vezes é até difícil colocar isso em palavras ou frases. É quase inacreditável o quanto uma pessoa pode passar. E quando você reflete sobre esses momentos e pensa sobre isso, parece um pesadelo, nem mesmo uma realidade.

Rahmani (à esquerda) foi treinada pela Força Aérea dos EUA nos Estados Unidos antes de retornar para voar em missões de combate no Afeganistão.
(Foto cortesia de Niloofar Rahmani)

COD: Qual é a sua memória mais antiga de querer se tornar um piloto?

NR: Minha história de me tornar um piloto é bem diferente. Na verdade, nunca voei em um avião até começar meu treinamento de piloto. Eu já era adulto quando sentei pela primeira vez em um avião e estava voando de Cabul para Herat durante meu treinamento de piloto.

Sob o Talibã, há violência contra as mulheres, as mulheres não podem nem ser educadas e ir à escola. Se eles pegam pais ensinando suas filhas, eles matam os pais na frente das crianças, e então eles atiram na criança. É simplesmente horrível.

Lembro-me de quando eu era uma garotinha e estávamos vivendo em uma barraca com tantos outros refugiados, cercados por tanta violência que eu apenas olhava para os pássaros voando e ficava tão impressionada com eles e como eles eram livres. Eu gostaria de poder voar como um pássaro. Eu ficava tão excitada sonhando em estar no céu e voar para longe dessas pessoas violentas.

Você sabe, meu pai costumava me contar histórias sobre quando ele cresceu, e é claro que o Afeganistão era um lugar completamente diferente naquela época. Foi bonito. As mulheres tinham liberdade. Todos viviam em paz. Mas algo no Afeganistão que nunca mudou foi o tribalismo. Quem estivesse no poder, quem tivesse conexões com o governo, quem fosse poderoso naquela época, apenas os filhos das pessoas de alto escalão poderiam ser pilotos. Meu pai foi negado, mesmo sendo um homem muito inteligente, e esse sonho morreu em seu coração. No Afeganistão, se você tem um filho, todo mundo acredita que seu filho pode tornar seus sonhos possíveis. Ele é o único que fará seu sonho incompleto se tornar realidade. Mas meus pais nunca pensaram assim.

Quando vi aviões americanos pela primeira vez, fiquei inspirada. Eu sabia que havia pilotos dentro daqueles aviões, e isso foi muito inspirador para mim. Foi tão rápido e fiquei tão fascinada pelo som e velocidade. Meus olhos não conseguiam nem pegá-los. Mesmo sabendo que havia uma guerra acontecendo, eu estava tão feliz olhando para eles e apenas tentando identificar onde eles estavam. Claro, alguém como eu, eu nunca teria pensado que algum dia esse sonho se tornaria realidade porque as forças armadas estavam contratando apenas pilotos do sexo masculino. Mas ver aqueles aviões realmente despertou esse sonho em minha mente, e decidi que não importava o que acontecesse, eu tinha que fazer isso.

Rahmani vôou em missões de reabastecimento partindo de Cabul durante a Operação Liberdade Duradoura.
(Foto cortesia de Niloofar Rahmani)

COD: O Afeganistão tem um histórico de negar oportunidades iguais às mulheres. Que tipo de obstáculos você enfrentou em sua busca por voar?

NR: Quando os EUA chegaram ao Afeganistão, eles expulsaram o Talibã de Cabul e as escolas começaram a reabrir para meninas. Quando as escolas reabriram, houve um processo em que todas as meninas poderiam vir e fazer um teste, e quem obtivesse um nível alto o suficiente poderia participar. Fiz o teste e me classifiquei para a sétima série. Então, em 2009, eu estava assistindo ao noticiário com meu irmão e vi aquele anúncio que dizia que os militares estavam recrutando mulheres em todos os ramos das Forças Armadas, incluindo a Força Aérea. Ver aquilo foi como mágica. Assim que ouvi aquilo eu sabia que ia fazer isso. Eu queria vestir o uniforme e poder fazer algo maior. No passado, as meninas nem podiam ir à escola, mas tive muita sorte de ter o apoio dos meus pais e eles concordaram que eu deveria me alistar na Força Aérea e buscar o que quisesse. Eu sabia qual era o risco, porque sabia que a sociedade afegã não estava pronta porque isso era muito novo para eles. Eu tive muita sorte de ter pais que me apoiaram e nunca me disseram não, então eu pude ir e me alistar.

COD: Em que aeronave você vôou e como era voar em missões de combate reais?

NR: Meu treinamento inicial de vôo foi nos Estados Unidos, depois voltamos ao Afeganistão para treinamento avançado. Primeiro voei com um Cessna 182, depois avancei para o Cessna 208 Caravan. Fui designado para Cabul e voei em algumas missões humanitárias, mas principalmente estava voando [evacuação de baixas] e missões de reabastecimento. Voamos com qualquer apoio que pudéssemos para fornecer às tropas no terreno e dar-lhes o que precisavam, como munição, comida e suprimentos médicos.

Mesmo depois de se tornar piloto e voar em missões de combate, Rahmani ainda enfrentava discriminação mesmo entre seus pares.
(Foto cortesia de Niloofar Rahmani)

COD: Depois de finalmente atingir seus objetivos de voar, o que o motivou a se mudar para os Estados Unidos?

NR: Eu vim para os EUA em março de 2015, quando recebi o prêmio Women of Courage (Mulher de Coragem). Tive sorte e consegui voar com os Blue Angels, o que foi muito, muito interessante. Então voltei para casa no Afeganistão, mas logo depois os EUA ofereceram cinco bolsas para pilotos afegãos para pilotar o C-130. Infelizmente, a maioria dos generais e a maioria das pessoas de escalões mais altos não queriam que uma mulher fizesse parte desse treinamento. Eles sabiam que era um treinamento caro e queriam que seus filhos fizessem parte dele. Eu tive que lutar naquela batalha por meses e meses, e ainda assim eles não queriam me nomear para o programa. Meus próprios colegas de trabalho afegãos pensaram que lhes traria vergonha se uma mulher pudesse fazer a mesma coisa que eles. Eles nunca quiseram que uma mulher crescesse e encontrasse mais sucesso em sua carreira. Finalmente, tive conselheiros da Embaixada dos EUA entrando e dizendo: 'Não, você vai para este treinamento mesmo que não tenha a aprovação afegã.' Infelizmente, os generais da Força Aérea nunca o aprovaram. Eventualmente, em outubro de 2015, decidi me mudar para a América.

COD: Você conseguiu tirar sua família do Afeganistão no verão passado, quando o Talibã retomou o controle do país. Como foi esse processo?

NR: Em agosto do ano passado, o Talibã tomou o poder. Aos olhos do Talibã, e aos olhos de alguns membros da minha própria família, meus pais foram contra a sociedade e eu fui contra o que era ser uma boa mulher muçulmana. Eles envergonharam meu pai, perguntando: “Como você pode criar uma garota que não é honrada? Ela trabalha nas forças armadas. Ela trabalha com americanos e não é mais uma boa muçulmana.” É difícil esconder sua própria família porque eles sabem tudo sobre você e é com isso que estávamos lidando. É demais para descrever. Quando deixei o Afeganistão em 2015, não pude voltar e meus pais ainda estavam lá.

Eles sempre acreditaram que o Afeganistão era seu país. Foi lá que eles construíram sua vida, e partir significaria que eles teriam que começar de novo, o que foi especialmente difícil depois de 22 anos de liberdade do Talibã. Eles nunca pensaram que algo como uma tomada do poder pelo Talibã aconteceria e, quando aconteceu, as pessoas simplesmente entraram em pânico.

O sonho de Rahmani era pilotar C-130s, e agora ela está tentando se juntar à Força Aérea dos EUA para que isso aconteça.
(Foto cortesia de Niloofar Rahmani)

Meu irmão – que havia fugido para a Turquia – ligou para meus pais e disse para eles deixarem seu esconderijo em Cabul e irem para o aeroporto. Havia postos de controle do Talibã em todos os lugares. Eles não conseguiram chegar até minha irmã que estava em outro lugar no Afeganistão porque o Talibã estava verificando passaportes e telefones, que era a maneira de se comunicar comigo e minha irmã. Foi um pesadelo assim por duas semanas só para levá-los ao aeroporto Não foi fácil, e eles viram coisas horríveis que não foram mostradas na TV. Eles viram cadáveres, crianças morrerem e tantas coisas horríveis. E então, finalmente, alguns dos meus conselheiros que ainda estavam no Afeganistão conseguiram puxá-los pelo portão. Eles foram tão gentis. Jamais esquecerei a gentileza deles. Sou grato a todas as pessoas que trabalharam dia e noite para que isso acontecesse. Conseguimos levar meus pais para os Emirados Árabes Unidos e depois para Wisconsin. Agora eles estão aqui comigo na Flórida. Estou tentando descobrir minha nova vida também. Infelizmente, nada do que fiz voando foi contado. Eu tive que voltar para a escola e obter todas as minhas classificações da FAA. Foi um começo completamente novo para todos nós, mas sou grata por estarmos todos seguros. Eu posso fazer o que eu quiser aqui. Não é impossível. Só vai exigir muito trabalho e esforço.

Depois de vir aqui, acredito 100% que este país é uma terra de liberdade e uma terra de oportunidades. Quando digo liberdade, quero dizer uma boa liberdade. É um lugar onde ninguém lhe diz quais são suas limitações, ou o que você pode e o que não pode fazer. Esperei anos e anos e anos apenas por uma residência permanente, com tantos objetivos e tantos desejos e sonhos que são impossíveis sem ter o status imigratório certo.

Em 2021, finalmente consegui um green card, o qual dá residência permanente. Quero voltar para a Força Aérea, quero voltar para as forças armadas – desta vez para as forças armadas dos EUA. Quero retribuir às pessoas que me salvaram e salvaram minha família. Sou muito grato a eles, porque se não fosse por eles, eu não estaria viva e meus colegas não estariam vivos. Durante anos, tenho tentado arduamente fazer parte das forças armadas novamente, não importa de que ramo seja. Eu só quero vestir esse uniforme e poder voar e servir o país que nos deu um lar e não nos abandonou. É um novo começo de vida.

Durante o outono de Cabul em agosto de 2021, Rahmani conseguiu se coordenar com ex-colegas de trabalho que ajudaram sua família a fugir para os Estados Unidos.
(Foto cortesia de Niloofar Rahmani)

Meu status de imigração nunca me permitiu me alistar, mas não aceito um não como resposta. Eu tenho que fazer alguma coisa, mas ao mesmo tempo minhas mãos estão atadas. Todo o meu treinamento foi com a Força Aérea dos EUA. Ganhei minhas asas e todos os meus instrutores eram americanos. Todas as horas de voo e todas as missões de combate que voei, nenhuma delas foi contada. Eles me disseram basicamente que você tem que começar do zero. Para alguém que acabou de se mudar para um país onde você não conhece muito a cultura, não sabe muito sobre o sistema educacional, ainda está tentando viver, obter uma licença de avião particular não é fácil. É muito, muito caro nos EUA, então comecei a trabalhar de intérprete. Fui intérprete para hospitais, seguradoras, bancos, agências de aplicação da lei, tribunais e escritórios de advocacia. Foi assim que comecei a construir minha vida novamente, porque não podia voar.

Tive muita sorte e uma das escolas na Flórida me ofereceu uma bolsa de estudos, e consegui passar um vôo de checagem, pois já sabia voar. Eu sabia muita coisa que a maioria dos pilotos civis não sabia. Consegui minha licença de instrutor de vôo e, muito recentemente, fui convidado para o Gathering of Eagles, que é uma convenção anual que celebra a aviação. Todos os anos, o Colégio do Estado-Maior da Força Aérea nomeia várias pessoas que eles chamam de águias e destacam sua história e realizações. Conheci o ex-controlador de combate da Força Aérea Dan Schilling e o general [David] Goldfein, ex-chefe do Estado-Maior da Força Aérea.

Depois de compartilhar minha história, contei a eles o quanto queria voltar para as forças armadas e não queria ser apenas uma piloto de avião. Desde que os conheci, eles têm trabalhado duro para me ajudar a entrar nas forças armadas. Sou muito grata a todos e mal posso esperar pelo dia em que realmente começarei a jornada. Seria incrível. Estou muito excitada e ansiosa por isso.

Niloofar Rahmani escreveu sua história de desafiar as probabilidades de se tornar a primeira piloto mulher do Afeganistão em Open Skies.
Composto por Coffee or Die Magazine.

COD: Você tem um novo livro sobre sua jornada inspiradora. O que você espera que os leitores tirem da sua história?

NR: Como humanos, quando a vida fica fácil, começamos a dar tudo como garantido. Achamos que deveria ser dado a nós, mas não é o caso. Quero que as pessoas que lerem minha história – especialmente meninas e meninos – saibam como são afortunadas por terem todas essas liberdades. Acesso à educação, água potável, até mesmo acender a luz, são sonhos para outra pessoa que não tem a mesma sorte. A coisa mais importante é que nunca devemos dar a vida como garantida, especialmente quando tudo fica fácil. Temos que usar esses dons da melhor maneira possível.

Quando olharem para trás daqui a 10, 15, 20 anos, quero que se orgulhem do que fizeram na vida. Eu quero que eles percebam que não importa em que país vivemos, não podemos tomar as coisas como garantidas. Mais importante ainda, se você tem um sonho, sempre vá em frente. Não importa a idade que você tem, é sempre bom sonhar. Eu nunca pensei que nenhum dos meus sonhos se tornaria realidade, mas eles me levaram para onde eu pertenço. Eu sonhava em ser um pássaro e estar naqueles caças. Meu sonho não era estudar, mas tudo aconteceu porque lutei pela chance de voar e nunca desisti.