Por Frédéric Jordan, Theatrum Belli, 26 de julho de 2016.
Tradução Filipe do A. Monteiro, 13 de julho de 2019.
O estudo das batalhas do primeiro conflito mundial freqüentemente destaca os terríveis ataques mortíferos, o combatente colado no fundo de trincheiras, o choque e o poder do fogo da artilharia que aniquila toda manobra. No entanto, alguns autores mostraram que em 1918, o exército francês tinha se adaptado notavelmente para se reconectar com a guerra do movimento com uma doutrina inter-armas associando soldados de infantaria melhor equipados, com apoio de fogo coordenado, carros de assalto ou uma força aérea dominando o céu. Parece, portanto, interessante observar a herança tática, ou sua percepção, ou mesmo sua interpretação no final da década de 1920. Para isso, pude consultar um livro escrito pelo Major Bouchacourt (que terminará sua carreira como general comandante da 42ª Divisão de Infantaria), em 1927, e publicado pelas Edições Lavauzelle. O autor trata quase exclusivamente da infantaria, no ataque e na defesa e procura teorizar o uso desta arma para os combates futuros se apoiando exclusivamente nas lições da luta da Grande Guerra e sobre os textos dos regulamentos em vigor no momento da redação do seu tratado. Veremos que essa abordagem o conduz, de fato, a mostrar ao mesmo tempo uma boa clarividência sobre certos princípios fundadores (surpresa, ousadia, reservas,...), mas também um pensamento um tanto ossificado nos esquemas propostos especialmente para as missões defensivas, camisas de força que serão encontradas em 1940 durante a campanha da França.
O Ataque
É o tema de um "regulamento de manobra de infantaria" que detalha quatro fases distintas: a aproximação, o contato, o assalto, a conservação do terreno conquistado ou a exploração do sucesso. Esta análise parece judiciosa a princípio, mas é apoiada por um exemplo particular, o ataque dos exércitos aliados em 8 de agosto de 1918 contra forças alemãs exaustas.
O autor descreve então, a título de ilustração, o setor de uma divisão francesa antes do ataque, unidade que dispõe em 1.200 metros de frente de 2 regimentos de infantaria, 2 regimentos de caçadores, 7 grupos de canhões de 75 mm (120 peças), 3 grupos de 155 mm e 4 grupos de 220 mm. Há claramente um poder de fogo que deve permitir a ruptura das defesas inimigas, o que faz o Major Bouchacourt dizer com uma precisão tática real, mas também uma certa certeza de que "ao querer prever tudo em demasiado detalhe, corre-se o risco de não ter suficientemente em conta o imprevisto do combate e de comprometer os executantes muito rapidamente, durante a ação, perante uma perturbação completa das disposições presas de uma maneira muito precisa." De fato, o ataque foi meticulosamente preparado, minuto a minuto (pontos de travessia, rotas, desdobramento, posição de metralhadoras) por trás de uma barragem rolante que a infantaria seguia muito de perto. Segue um estudo detalhado do sistema defensivo alemão com, em ponto culminante, na necessidade de neutralizar os "sinos" ou PP (Widerstandnester), grupos de 6 a 8 homens comandados por um graduado, colocados em buracos organizados à frente da linha de resistência, mas igualmente armados com uma metralhadora leve para segurar no local e atrapalhar o ataque dos assaltantes. A etapa seguinte é descrita como uma irrupção dentro da posição inimiga e sua travessia para a profundidade.
No ataque, após a fase de preparação e de aproximação, é uma questão de invadir a posição inimiga, o momento chave da ação para pegar o adversário de surpresa, desorganizá-lo e finalmente deslocar seu dispositivo. A ação é baseada na surpresa e em potentes meios de artilharia a fim de desenvolver um fogo rolante contínuo, capaz de mascarar (e de proteger) as muitas tropas que executam o ataque. A surpresa é obtida pela instalação de forças no último momento (noite anterior), a ausência de terraplenagem (ou abrigos) ou de tiros de artilharia de regulagem.
O autor ressalta, no entanto, que em 1918 essa manobra foi facilitada pela lassidão alemã, cujas forças deixaram de construir tão bem suas posições defensivas. De fato, as redes de arame farpado estão incompletas, as barragens de fogo à frente das linhas (para quebrar o ímpeto dos ataques), assim como os obstáculos contínuos são insuficientes. No exemplo que mostra o 94ª RI, essa tática é detalhada com as variações relacionadas à situação real na tomada, em particular, da trincheira "Magdeburg". A velocidade de deslocamento (100 metros a cada 3 minutos) e o aperto das unidades possibilitam aproximar-se do inimigo, aninhar-se com ele, antes mesmo que ele possa disparar um tiro de barragem.
As principais ameaças às tropas francesas, no entanto, continuam sendo os ninhos de metralhadoras que devem ser reduzidos, por meio do engajamento da reserva (uma companhia por batalhão), concentrando o apoio ou desbordando os pontos de resistência alemães. Da mesma forma, as lições parecem mostrar que o cruzamento da posição do inimigo deve ser feito em toda a profundidade da frente, a fim de aproveitar as brechas nas defesas descontínuas, para transbordar as ilhotas de resistência e atacá-las pelas costas.
O Major Bouchacourt recorda, ao longo de seu discurso, que a artilharia, ainda que conquiste a superioridade de fogos, não pode neutralizar todas as peças dos alemães que assim dispõe, em certos compartimentos de terreno, de um conseqüente apoio de fogos. Por outro lado, denigre, com má-fé, a ação dos tanques canadenses que deveriam acompanhar os soldados de infantaria franceses. Ele proclama a grande iniciativa dos quadros do exército francês que permite a exploração. Além disso, ele cite o regulamento provisório de manobra da infantaria que ilustra as escolhas judiciosas constatadas no terreno em 1918 na região de Mézières: “Durante a sua progressão no interior da posição do inimigo, a infantaria deve confiar cada vez mais em si mesma. A iniciativa dos líderes da infantaria assume uma importância capital para a continuação dos eventos. Comandantes de corpo de exército, comandantes de batalhão e até mesmo comandantes de companhia devem demonstrar o espírito de oportunidade, de decisão e de ousadia que por si só torna possível tirar o máximo proveito das circunstâncias favoráveis do combate, circunstâncias que são sempre fugidias e das quais ele deve aproveitar sem demora, sob pena de dar tempo ao inimigo para se recuperar.”
A parte consagrada ao ataque termina com uma síntese das formações básicas de infantaria usadas pelos aliados (armamentos, deslocamentos), por um catálogo completo dos apoios diretos (morteiro Stokes, canhões de 37 mm) e por uma análise dos efeitos de artilharia. Esta é dividida em uma parte dedicada à ação geral (como hoje) para destruir as peças adversárias ou conduzir a preparação de artilharia (parece hoje a “battlefield shaping" [modelagem do campo de batalha]) e da artilharia de acompanhamento (adaptado de acordo com os termos atuais), a fim de reagir aos obstáculos encontrados e observados durante a condução. E o autor conclui com uma nota do General Joffre após a Batalha de Verdun e seu dilúvio de aço. Esta citação diz respeito a esta preparação pelo fogo, que por vezes pode ser improdutiva: “O evento acabou de provar que os defensores vencidos com este poderio estão em posição de, no momento do assalto, ocupar os destroços das trincheiras e deter o inimigo; o que a artilharia percebe no final, é a diminuição dos meios materiais da defesa e seu desgaste moral, não sua destruição.”
A Defesa
Para o exército francês de 1927, é perigoso opor ao apelo (assim como à manobra) à força assim como a considerar que um rompimento local pode permitir o colapso do dispositivo adverso: “Se uma unidade se eleva de uma forma que é muito sensível em relação à sua vizinha, ela cria um flanco descoberto e é rapidamente parada em sua progressão.” Infelizmente para esses teóricos, em 1940, na frente de Sedan, os alemães, por sua vez, demonstrarão que corps francs (infiltradores) ou unidades de engenheiros de assalto (como a do tenente Wackernagel) são capazes de se infiltrar e quebrar uma linha de resistência.
O Major Bouchacourt descreve então dois exemplos do primeira conflito mundial na região de Verdun (Mort Homme) e no Somme (aldeia de Sallisel) a fim de detalhar as disposições defensivas da infantaria para deter um ataque inimigo assim tão poderoso contra ela. Ele considera com certa parcialidade que o colapso das linhas alemãs em 1918 é apenas um contra-exemplo, esquecendo as evoluções tático-operativas implementadas pelos Aliados na época (tanques, combate inter-armas, emprego da aviação).
Para isso, ele se baseia nos textos regulamentares e em suas próprias análises ou lições dos dois combates evocados com uma defesa da posição dita de resistência.
Quando ele expõe as forças envolvidas, notamos, mais uma vez, a superioridade numérica francesa sobre uma primeira posição, 8 batalhões de infantaria, em segundo escalão, 3 batalhões e em reserva, 1 batalhão. Essas unidades valor batalhão estão a 500 metros da frente (vide o diagrama abaixo).
Aqui, à título de exemplo da ocupação, o dispositivo esquemático de um batalhão. |
Trata-se de um dispositivo contínuo, não-"furado" em ninhos de resistência com, em particular, trincheiras duplicadas para se prevenir contra tiros indiretos alemães. Quanto aos apoios da divisão, são muito importantes com 4 grupos de artilharia há 2km da frente e isto, para enfrentar o ataque de 3 divisões inimigas. O combate é portanto violento porque a doutrina quer que cada brecha seja fechada pelas reservas para impedir todas as infiltrações. Em Verdun, as perdas sofridas em um dia pela 42ª divisão, cuja ação defensiva é analisada, foram de 1.600 homens fora de combate e 30.000 tiros de canhão foram disparados enquanto que em Sallisel, os alemães disparam 15 obuses 210 mm por minuto. Os tiros de barragem dos canhões de 75 mm são mortíferos para as tropas alemãs, os contra-ataques franceses são limitados a um nível local empregando granadas com o único propósito de restaurar a continuidade da defesa.
Da mesma forma, quando se detecta a possível ofensiva do inimigo, o autor recomenda um ataque preventivo repentino e maciço, bem como bombardeios de inquietação, a fim de fragilizar os preparativos do outro beligerante. Durante a batalha, os defensores devem manter uma linha contínua, organizar-se em conduta, retomar sua profundidade enquanto reconstituem as reservas e preservam as comunicações e o abastecimento. Eles também devem "aproveitar o momento fugidio entre o disparo do fogo de artilharia e a chegada da infantaria inimiga onde é possível lançar seus fogos", que são aqueles fogos diretos dos fuzis-metralhadores, aqueles das metralhadoras de flanco e, finalmente, as barragens de artilharia contra um inimigo exposto e privado de seus apoios durante o contato.
Enfim, o Major Bouchacourt considera que o processo do "freio" (diria-se frenagem hoje em dia) em sucessivos pontos de resistência deve ser proscrito, enquanto é imperativo desenvolver a organização do terreno (arame-farpado principalmente). a camuflagem, os abrigos e as trincheiras.
Essas certezas extraídas de duas batalhas particulares propõem um pensamento um tanto fechado que parece anunciar os fracassos da campanha de 1940:
“É principalmente pelo fogo que a defesa pára um ataque.”
“Conforme os meios materiais de ataque se desenvolverão, quando os tanques, por exemplo, e os aviões, entrarão ainda mais na batalha como auxiliares da infantaria,...”
“Nós nunca estaremos pessoalmente convencidos de que na próxima guerra não veremos trincheiras novamente. Para que o fogo, na defesa, possa ser lançado quando chegar a hora, será necessário que aqueles que devem fazê-lo não sejam mortos.”
Para concluir, este livro, escrito oito anos após o fim da Primeira Guerra Mundial, oferece informações valiosas sobre os princípios táticos da guerra, mas também parece cegar os oficiais que extraem casos particulares generalidades perigosas para o futuro.
Frédéric Jordan. |
Formado em Saint-Cyr e brevetado da Escola de Guerra, o Tenente-Coronel Frédéric JORDAN serviu em escolas de formação, no estado-maior como em vários teatros de operações e territórios ultramarinos, na ex-Iugoslávia, no Gabão, Djibuti, Guiana, Afeganistão e no cinturão Sahelo-Saariano. Apaixonado pela história militar, dirige um blog especializado desde 2011, “L’écho du champ de bataille” (O eco do campo de batalha) e participou de várias publicações como a revista "Guerres et Batailles” (Guerras e Batalhas) ou os Cadernos do CESAT (Collège d'Enseignement Supérieur de l'Armée de Terre/ Colégio de Educação Superior do Exército). Ele é o autor do livro “L’armée française au Tchad et au Niger, à Madama sur les traces de Leclerc” (O exército francês no Chade e no Níger, em Madama nos passos de Leclerc) pela Éditions Nuvis, que descreve a operação que ele comandou no Chade e no Níger no âmbito da Operação Barkhane, colocando em perspectiva o seu engajamento com a presença militar francesa nesta região desde o século XIX.
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